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O controle da jornada do teletrabalhador sob a ótica da Lei n. 12.551/11

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4. AFINAL, É POSSÍVEL TER CONTROLE DA JORNADA DO TELETRABALHADOR?

Na sociedade moderna, é de praxe medir o trabalho pelo tempo nele empregado. Ao tempo é atribuído um valor de acordo com cada serviço. Entretanto, pelas regras da CLT, esse tempo deve ser limitado, em benefício do trabalhador, a até oito horas por dia (CLT, Art. 58), exceto nos casos previstos na própria CLT. Chama-se a isso de jornada de trabalho. O eventual excedente a essa jornada de trabalho é passível, portanto, de pagamento como hora suplementar, ou hora extra (CLT, Art. 59 a 61). Entretanto, de acordo com Vianna (2012, p.148), “as regras sobre duração do trabalho não são aplicáveis” à modalidade contratual do teletrabalhador, “salvo se ficar comprovada a sujeição a horário pelo empregado e a respectiva fiscalização pelo empregador – art. 29 CLT.” Portanto, para o autor, as regras da CLT se aplicariam somente se o teletrabalhador tivesse um horário a cumprir e fosse fiscalizado. A própria CLT (Art. 62, inciso I) diz ainda que não são abrangidos pelo regime nela previsto “os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho”, o que parece se enquadrar muito bem ao caso do teletrabalhador, que, nesta perspectiva, não estaria sujeito a (nem protegido por) todas as regras da jornada de trabalho da CLT.

Por outro lado, a CLT considera como trabalho efetivo todo o tempo em que o trabalhador estiver “à disposição do empregador” para o labor:

Art. 4º - Considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada.

Além disso, a CLT não diferencia o trabalho executado “no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância” (Art. 6º). Portanto, em tese, se o trabalhador estiver em sua casa, executando tarefas ou aguardando ordens, pode ser considerado “em serviço”, cumprindo sua jornada de trabalho. A questão é como controlar essa jornada de forma a seguir as regras da CLT. Concordamos com Vianna (2012, p.148) em relação à necessidade de “sujeição a horário pelo empregado e a respectiva fiscalização pelo empregador”, mas não entendemos que esse horário deva ser fixo para se caracterizar como jornada de trabalho. Acreditamos, portanto, que a jornada do teletrabalhador pode ser medida e estar sujeita às regras da CLT.

Nesse sentido, como o novo Art. 6º da CLT permite o controle da jornada de trabalho por “meios telemáticos e informatizados”, mas não deixa claro que meios seriam estes, propomos, a seguir, três formas de controle, inclusive com valor probatório, que poderiam complementar a Lei nº 12.551/11.  

Exemplo 1: índice de produção

Pode-se ter controle da jornada de trabalho efetivada pelo empregado por meio de um índice de produção compatível com 8 horas diárias e 44 horas semanais; ou seja, medindo-se a quantidade média de produção de um trabalhador, é possível obter um índice de produção diária que possa ser exigido pelo empregador como comprovação de cumprimento da jornada de trabalho. A quantidade de produção que ultrapassar esse índice deverá ser considerada como hora extra exercida pelo trabalhador, e seus reflexos devidos precisarão ser calculados. Esse meio de controle de jornada pode ser aplicado, por exemplo, a entregadores, digitadores, tradutores, revisores, auxiliares de limpeza, cabeleireiros, manicuros, artesãos, costureiros e outras profissões cuja produção (de produtos ou serviços) se dá fora do estabelecimento do empregador. Para exemplificar, segue, abaixo, um acórdão que reconhece o vínculo empregatício de uma costureira cuja produção se dava em seu próprio domicílio.

EMENTA: COSTUREIRA. TRABALHO EM DOMICÍLIO. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. Não existe incompatibilidade legal ou lógica entre contrato de emprego e a atividade de costureira em domicílio, notadamente quando a apropriação da força de trabalho é feita por empresa voltada para o ramo de confecções, que toma os serviços pessoais da trabalhadora, engaja-a na atividade-fim, submete-a ao seu poder diretivo, fixa o valor a ser pago, fornecendo matéria prima, definindo os padrões de produção e fiscalizando o desempenho do trabalho. Recurso da autora a que se dá provimento para reconhecer o vínculo empregatício havido entre as partes. Processo: RO: 01234200402302009. Data de Julgamento: 21/02/2006, Relator Juiz: RICARDO ARTUR COSTA E TRIGUEIROS, 4ª Turma, Data de Publicação: DOE 10/03/2006.

Exemplo 2: certificação eletrônica

Também é possível obter controle da jornada de trabalho através de meios de certificação eletrônica, como o cartão com microchip de identidade digital. Neste exemplo, pode-se controlar trabalhadores externos através de rastreamento via satélite, caso em que se encaixam motoristas de caminhões, taxistas, moto-entregadores, vendedores externos, moto-taxi, entre outros; ou seja, qualquer trabalhador que exerça trabalho fora do estabelecimento ou domicílio do empregador. Seguem dois exemplos de acórdãos nesse sentido:

TRT-PR-30-11-2012 1 - SALÁRIO "A LATERE". É ônus do empregado comprovar o pagamento de salário "a latere", por se tratar de fato constitutivo de seu direito. No entanto, essa modalidade de remuneração é de difícil comprovação, pois quando o empregador adota essa espécie de procedimento, cerca-se de cuidados para evitar que, no futuro, o fato possa ser comprovado, em Juízo, especialmente por documentos. Por isso, documentos que comprovem o pagamento de salário "a latere" a menor, juntamente com a prova oral colhida, são meios idôneos para comprovar o recebimento dessa percela (sic), na forma da petição inicial. 2 - MOTORISTA. CONTROLE DE JORNADA. JORNADA EXTERNA. Constatando-se que a reclamada dispunha de mecanismos, como rastreador e telefone celular, para acompanhar a rotina de trabalho do reclamante, entende-se que havia fiscalização de horários por parte da empregadora, o que implica afastar a aplicação do artigo 62, I da CLT. Recurso ordinário do reclamante conhecido e parcialmente provido. TRT-PR-04845-2011-071-09-00-3-ACO-55358-2012 - 1A. TURMA. Relator: CÁSSIO COLOMBO FILHO.Publicado no DEJT em 30-11-2012.

TRT-PR-23-11-2012 MOTORISTA. TRABALHO EXTERNO. ART. 62, I, DA CLT. RASTREAMENTO POR SATÉLITE. POSSIBILIDADE DE CONTROLE DA JORNADA. A exceção prevista no art. 62, I, da CLT é aplicável apenas aos empregados que desenvolvem atividades externas e incompatíveis com a fixação de horários. O uso de rastreador por satélite, que propicia ao empregador saber a localização do caminhão, o horário e a condição de movimento ou não, permite que se depreenda a possibilidade de efetivo controle da jornada de trabalho, de forma que não resta configurada a hipótese do art. 62, I, da CLT. TRT-PR-05834-2006-892-09-00-0-ACO-53963-2012 - 4A. TURMA. Relator: MÁRCIA DOMINGUES. Publicado no DEJT em 23-11-2012.

Exemplo 3: tempo “logado”

É possível medir o tempo em que o trabalhador permanece “logado” aos ambientes virtuais de trabalho, internos ou externos ao estabelecimento da empresa, por meio de seu “login” e senha personalizados. Como a CLT (Art. 4º) estabelece que o período em que o empregado está à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, é considerado serviço efetivo, o tempo que o empregado passa “logado” pode ser comparado à sua jornada de trabalho. Da mesma forma, a jornada de trabalho pode ser contabilizada através de telefonemas ou e-mails respondidos dentro ou fora do horário de trabalho previamente estabelecido, com pedidos de tarefas a serem realizadas dentro ou fora do expediente ordinário. Esse meio de controle de jornada pode ser aplicado, por exemplo, a secretários, professores, administradores, programadores, publicitários, arquitetos e outros trabalhadores do tipo home office. O período “logado” ou os e-mails e telefonemas respondidos para além da jornada de 8 horas diárias deverão ser considerados como hora extra exercida pelo trabalhador, e seus reflexos devidos precisarão ser calculados.

(...) se no contrato de trabalho escrito houver fixação de jornada de trabalho e a empresa fiscalizar através de e-mail, telefone ou sistema que permita ter a exatidão dos dias e horas trabalhados, haverá o direito a horas extras ou adicional noturno”. (RIBEIRO, 2012).


5. CONCLUSÃO

Pincelamos brevemente a Lei 12.551/11, que altera o Art. 6º da CLT e inclui um parágrafo único, e vimos que é possível ter controle da jornada de trabalho conforme a Lei, como aduz o Art. 4º da CLT e através de algumas ferramentas tecnológicas a disposição do empregador. A Lei 12.551/11 ainda gera muitas dúvidas em sua aplicação prática, mas não trouxe inovações significativas, somente ratificou o que a jurisprudência já vinha decidindo.

As formas de controle de jornada do trabalho telemático que aqui apresentamos (índice de produção, certificação eletrônica e tempo “logado”) objetivam tanto garantir ao empregador que o empregado está cumprindo com suas funções, quanto garantir ao empregado o descanso legal necessário, horas extras e demais direitos trabalhistas. A Lei 12.551/11 teve a oportunidade de inovar mais, mas deixou algumas questões em aberto, como: o empregador deveria fornecer todo o equipamento de trabalho como rege o Art. 2º da CLT? Afinal, o risco da atividade econômica é do empregador. Como o empregador fará isso? Como fiscalizar a utilização de EPI’s? E se o empregado adquirir “LER”, como fazer? Quem é o responsável? São questões que a nova Lei deixou de enfrentar, mas que no futuro terão de ser resolvidas.

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6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Sobre o autor
Dieimis Fábio Palma de Assumpção

Bacharel em Direito pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ). Pós Graduado em Advocacia Trabalhista pela Uniderp. Advogado em Bagé (RS).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ASSUMPÇÃO, Dieimis Fábio Palma. O controle da jornada do teletrabalhador sob a ótica da Lei n. 12.551/11. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3795, 21 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25899. Acesso em: 28 abr. 2024.

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