4. AFINAL, É POSSÍVEL TER CONTROLE DA JORNADA DO TELETRABALHADOR?
Na sociedade moderna, é de praxe medir o trabalho pelo tempo nele empregado. Ao tempo é atribuído um valor de acordo com cada serviço. Entretanto, pelas regras da CLT, esse tempo deve ser limitado, em benefício do trabalhador, a até oito horas por dia (CLT, Art. 58), exceto nos casos previstos na própria CLT. Chama-se a isso de jornada de trabalho. O eventual excedente a essa jornada de trabalho é passível, portanto, de pagamento como hora suplementar, ou hora extra (CLT, Art. 59 a 61). Entretanto, de acordo com Vianna (2012, p.148), “as regras sobre duração do trabalho não são aplicáveis” à modalidade contratual do teletrabalhador, “salvo se ficar comprovada a sujeição a horário pelo empregado e a respectiva fiscalização pelo empregador – art. 29 CLT.” Portanto, para o autor, as regras da CLT se aplicariam somente se o teletrabalhador tivesse um horário a cumprir e fosse fiscalizado. A própria CLT (Art. 62, inciso I) diz ainda que não são abrangidos pelo regime nela previsto “os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho”, o que parece se enquadrar muito bem ao caso do teletrabalhador, que, nesta perspectiva, não estaria sujeito a (nem protegido por) todas as regras da jornada de trabalho da CLT.
Por outro lado, a CLT considera como trabalho efetivo todo o tempo em que o trabalhador estiver “à disposição do empregador” para o labor:
Art. 4º - Considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada.
Além disso, a CLT não diferencia o trabalho executado “no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância” (Art. 6º). Portanto, em tese, se o trabalhador estiver em sua casa, executando tarefas ou aguardando ordens, pode ser considerado “em serviço”, cumprindo sua jornada de trabalho. A questão é como controlar essa jornada de forma a seguir as regras da CLT. Concordamos com Vianna (2012, p.148) em relação à necessidade de “sujeição a horário pelo empregado e a respectiva fiscalização pelo empregador”, mas não entendemos que esse horário deva ser fixo para se caracterizar como jornada de trabalho. Acreditamos, portanto, que a jornada do teletrabalhador pode ser medida e estar sujeita às regras da CLT.
Nesse sentido, como o novo Art. 6º da CLT permite o controle da jornada de trabalho por “meios telemáticos e informatizados”, mas não deixa claro que meios seriam estes, propomos, a seguir, três formas de controle, inclusive com valor probatório, que poderiam complementar a Lei nº 12.551/11.
Exemplo 1: índice de produção
Pode-se ter controle da jornada de trabalho efetivada pelo empregado por meio de um índice de produção compatível com 8 horas diárias e 44 horas semanais; ou seja, medindo-se a quantidade média de produção de um trabalhador, é possível obter um índice de produção diária que possa ser exigido pelo empregador como comprovação de cumprimento da jornada de trabalho. A quantidade de produção que ultrapassar esse índice deverá ser considerada como hora extra exercida pelo trabalhador, e seus reflexos devidos precisarão ser calculados. Esse meio de controle de jornada pode ser aplicado, por exemplo, a entregadores, digitadores, tradutores, revisores, auxiliares de limpeza, cabeleireiros, manicuros, artesãos, costureiros e outras profissões cuja produção (de produtos ou serviços) se dá fora do estabelecimento do empregador. Para exemplificar, segue, abaixo, um acórdão que reconhece o vínculo empregatício de uma costureira cuja produção se dava em seu próprio domicílio.
EMENTA: COSTUREIRA. TRABALHO EM DOMICÍLIO. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. Não existe incompatibilidade legal ou lógica entre contrato de emprego e a atividade de costureira em domicílio, notadamente quando a apropriação da força de trabalho é feita por empresa voltada para o ramo de confecções, que toma os serviços pessoais da trabalhadora, engaja-a na atividade-fim, submete-a ao seu poder diretivo, fixa o valor a ser pago, fornecendo matéria prima, definindo os padrões de produção e fiscalizando o desempenho do trabalho. Recurso da autora a que se dá provimento para reconhecer o vínculo empregatício havido entre as partes. Processo: RO: 01234200402302009. Data de Julgamento: 21/02/2006, Relator Juiz: RICARDO ARTUR COSTA E TRIGUEIROS, 4ª Turma, Data de Publicação: DOE 10/03/2006.
Exemplo 2: certificação eletrônica
Também é possível obter controle da jornada de trabalho através de meios de certificação eletrônica, como o cartão com microchip de identidade digital. Neste exemplo, pode-se controlar trabalhadores externos através de rastreamento via satélite, caso em que se encaixam motoristas de caminhões, taxistas, moto-entregadores, vendedores externos, moto-taxi, entre outros; ou seja, qualquer trabalhador que exerça trabalho fora do estabelecimento ou domicílio do empregador. Seguem dois exemplos de acórdãos nesse sentido:
TRT-PR-30-11-2012 1 - SALÁRIO "A LATERE". É ônus do empregado comprovar o pagamento de salário "a latere", por se tratar de fato constitutivo de seu direito. No entanto, essa modalidade de remuneração é de difícil comprovação, pois quando o empregador adota essa espécie de procedimento, cerca-se de cuidados para evitar que, no futuro, o fato possa ser comprovado, em Juízo, especialmente por documentos. Por isso, documentos que comprovem o pagamento de salário "a latere" a menor, juntamente com a prova oral colhida, são meios idôneos para comprovar o recebimento dessa percela (sic), na forma da petição inicial. 2 - MOTORISTA. CONTROLE DE JORNADA. JORNADA EXTERNA. Constatando-se que a reclamada dispunha de mecanismos, como rastreador e telefone celular, para acompanhar a rotina de trabalho do reclamante, entende-se que havia fiscalização de horários por parte da empregadora, o que implica afastar a aplicação do artigo 62, I da CLT. Recurso ordinário do reclamante conhecido e parcialmente provido. TRT-PR-04845-2011-071-09-00-3-ACO-55358-2012 - 1A. TURMA. Relator: CÁSSIO COLOMBO FILHO.Publicado no DEJT em 30-11-2012.
TRT-PR-23-11-2012 MOTORISTA. TRABALHO EXTERNO. ART. 62, I, DA CLT. RASTREAMENTO POR SATÉLITE. POSSIBILIDADE DE CONTROLE DA JORNADA. A exceção prevista no art. 62, I, da CLT é aplicável apenas aos empregados que desenvolvem atividades externas e incompatíveis com a fixação de horários. O uso de rastreador por satélite, que propicia ao empregador saber a localização do caminhão, o horário e a condição de movimento ou não, permite que se depreenda a possibilidade de efetivo controle da jornada de trabalho, de forma que não resta configurada a hipótese do art. 62, I, da CLT. TRT-PR-05834-2006-892-09-00-0-ACO-53963-2012 - 4A. TURMA. Relator: MÁRCIA DOMINGUES. Publicado no DEJT em 23-11-2012.
Exemplo 3: tempo “logado”
É possível medir o tempo em que o trabalhador permanece “logado” aos ambientes virtuais de trabalho, internos ou externos ao estabelecimento da empresa, por meio de seu “login” e senha personalizados. Como a CLT (Art. 4º) estabelece que o período em que o empregado está à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, é considerado serviço efetivo, o tempo que o empregado passa “logado” pode ser comparado à sua jornada de trabalho. Da mesma forma, a jornada de trabalho pode ser contabilizada através de telefonemas ou e-mails respondidos dentro ou fora do horário de trabalho previamente estabelecido, com pedidos de tarefas a serem realizadas dentro ou fora do expediente ordinário. Esse meio de controle de jornada pode ser aplicado, por exemplo, a secretários, professores, administradores, programadores, publicitários, arquitetos e outros trabalhadores do tipo home office. O período “logado” ou os e-mails e telefonemas respondidos para além da jornada de 8 horas diárias deverão ser considerados como hora extra exercida pelo trabalhador, e seus reflexos devidos precisarão ser calculados.
(...) se no contrato de trabalho escrito houver fixação de jornada de trabalho e a empresa fiscalizar através de e-mail, telefone ou sistema que permita ter a exatidão dos dias e horas trabalhados, haverá o direito a horas extras ou adicional noturno”. (RIBEIRO, 2012).
5. CONCLUSÃO
Pincelamos brevemente a Lei 12.551/11, que altera o Art. 6º da CLT e inclui um parágrafo único, e vimos que é possível ter controle da jornada de trabalho conforme a Lei, como aduz o Art. 4º da CLT e através de algumas ferramentas tecnológicas a disposição do empregador. A Lei 12.551/11 ainda gera muitas dúvidas em sua aplicação prática, mas não trouxe inovações significativas, somente ratificou o que a jurisprudência já vinha decidindo.
As formas de controle de jornada do trabalho telemático que aqui apresentamos (índice de produção, certificação eletrônica e tempo “logado”) objetivam tanto garantir ao empregador que o empregado está cumprindo com suas funções, quanto garantir ao empregado o descanso legal necessário, horas extras e demais direitos trabalhistas. A Lei 12.551/11 teve a oportunidade de inovar mais, mas deixou algumas questões em aberto, como: o empregador deveria fornecer todo o equipamento de trabalho como rege o Art. 2º da CLT? Afinal, o risco da atividade econômica é do empregador. Como o empregador fará isso? Como fiscalizar a utilização de EPI’s? E se o empregado adquirir “LER”, como fazer? Quem é o responsável? São questões que a nova Lei deixou de enfrentar, mas que no futuro terão de ser resolvidas.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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