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O controle da jornada do teletrabalhador sob a ótica da Lei n. 12.551/11

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Apresentam-se formas de controle de jornada do trabalho telemático (índice de produção, certificação eletrônica e tempo “logado”), que objetivam garantir ao empregador que o empregado está cumprindo com suas funções e garantir ao empregado o descanso legal necessário, horas extras e demais direitos.

Humilde é a pessoa que sabe que não é a única que sabe, que sabe que não sabe tudo, que sabe que a outra pessoa sabe o que ela não sabe, que sabe que ela e a outra pessoa poderão saber muito juntas, que sabe que ela e a outra pessoa nunca saberão tudo o que pode ser sabido. (Mário Sérgio Cortella - Filósofo).

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo faz uma reflexão sucinta sobre o conceito de trabalho sob um ponto de vista filosófico e realiza uma breve revisão da história do trabalho, para chegar, nos dias de hoje, às novas profissões e formas de trabalho geradas para suprir as necessidades de uma sociedade cada vez mais tecnológica. Nosso objetivo é fazer uma breve discussão sobre os trabalhos imateriais e telemáticos, e apresentar algumas formas de controle da jornada de trabalho do teletrabalhador. Para tanto, baseamo-nos na Lei nº 12.551/11, que alterou significativamente o Art. 6º da CLT e incluiu um parágrafo único nesse artigo.

A Lei nº 12.551/11 é relativamente nova e tenta suprir, ainda que superficialmente, as necessidades de regulamentação do trabalho telemático. Entretanto, a lei deixa inúmeras lacunas, que não poderão ser tratadas neste artigo em virtude da amplitude do assunto, como o uso de material de proteção (EPI), período de descanso regulamentar, cumprimento de normas de segurança e medicina do trabalho, etc. Este trabalho abordará, somente, o controle da jornada de trabalho por meios telemáticos e informatizados.

Antes de iniciarmos a discussão, porém, é preciso definir alguns termos que serão usados ao longo do trabalho:

Trabalho tradicional ou formal é toda atividade remunerada, realizada no estabelecimento ou domicílio do empregador e com jornada de trabalho previamente estabelecida, que causa mudanças no mundo material. É o tipo de trabalho mais conhecido, por exemplo, o de um jardineiro cortando a grama, o de um atendente de balcão nos prestando informações, ou ainda o do personagem de Chaplin em “Tempos Modernos” apertando parafusos em uma fábrica. Assim como um pedreiro que ergue uma parede onde antes nada existia, o trabalhador tradicional provoca uma alteração no cenário circundante, uma mudança no mundo material.

 O trabalho telemático, por sua vez, também provoca alterações no mundo material, mas é realizado fora do estabelecimento ou domicílio do empregador, através de meios eletrônicos como telefone, e-mail, Internet e outras tecnologias de informação e comunicação via rede de computadores, o que torna mais difícil o controle da jornada de trabalho. Este tipo de trabalho é mencionado na própria Lei 12.551/11, em seu último parágrafo:

“Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio".

            Assim também pensa Murilo C. S. Oliveira, juiz do trabalho na Bahia:

A finalidade da inovação legislativa é, indiscutivelmente, afastar as dúvidas acerca da existência de relação de emprego nos “meios telemáticos e informatizados” de prestação de serviço, isto é, pretende possibilitar ao teletrabalhador o status (e os direitos decorrentes) de empregado. Daí, percebe-se o avanço da nova lei, no sentido de incluir novos trabalhadores no conceito legal de empregado, conferindo-lhes civilidade, dignidade e proteção, como ocorre com os demais empregados. O avanço reside, então, na perspectiva de ampliar a proteção trabalhista. (Oliveira, 2012).

            Já o trabalho imaterial, ao contrário daquele do pedreiro que ergue uma parede onde antes nada existia, não necessariamente provoca mudanças no mundo material, pois lida com conceitos e ideias na produção de conhecimento, como na escrita de um livro ou no planejamento de uma aula. O trabalho imaterial pode ser realizado no estabelecimento do empregador ou não (sendo, portanto, também telemático), assim como pode ter ou não uma jornada de trabalho claramente estabelecida. Nas palavras de Camargo (2012):

A noção de “saber” é provavelmente o que melhor define, em um sentido quase didático, o trabalho imaterial, (...) Saberes esses que incluem a criatividade, a imaginação, a espontaneidade, e que se aproximam daquilo que Karl Marx, nos Grundrisse, chamou de “general intellect”. Em suma, o trabalho imaterial se define pelo tipo de ação humana nele envolvido, e não pelas propriedades sensíveis das mercadorias. Para sermos ainda mais claros: um par de tênis de uma marca famosa, cujo preço é bastante alto, é expressão de um valor cuja determinação não está em suas propriedades físicas ou mesmo no tempo de trabalho despendido para sua produção; o valor se relaciona qualitativamente com as atividades de criação, design, publicidade, marketing e outros atributos simbólicos, que revelam a participação de uma subjetividade, de trabalho imaterial, que se torna elemento central de valorização. (CAMARGO, 2012).


2. A EVOLUÇÃO HUMANA E O TRABALHO

O conceito de trabalho modificou-se ao longo da história humana, adaptando-se às necessidades históricas, sociológicas e filosóficas de cada época. Grandes eventos históricos, como as guerras, costumam gerar profundas e duradouras modificações nas formas de produção para dar conta da imensa demanda de abastecimento de exércitos e cidades, introduzindo novos padrões tecnológicos à manufatura. Necessidades sociológicas também podem alterar os modos de trabalho quando, por exemplo, uma sociedade cada vez maior, mais moderna e exigente demanda maior produção e distribuição de produtos e serviços para atender suas expectativas. O conceito de trabalho pode ser afetado ainda por questões filosóficas, quando se discute, por exemplo, qual deve ser o papel do trabalho na vida do indivíduo, os níveis de satisfação e realização pessoal atingidos por meio do trabalho, ou a complementação que o trabalho pode ou não oferecer à psique humana.

Para explicar o trabalho como força motriz do homem, o grande filósofo grego Aristóteles (1996, p. 17) afirmava: “se há um fim visado em tudo o que fazemos, este fim é o bem atingível pela atividade.” Ou seja, Aristóteles acreditava no trabalho do homem como pilar fundamental de sua existência. O “trabalho labor” pode ser definido, sob a perspectiva clássica, como a busca da razão de existir do ser humano, a força que impulsiona o crescimento social e o desenvolvimento. Para Luccas:

O trabalho visto sob a ótica da atividade, pode, portanto, ser considerado um legítimo fio condutor ao longo da história para explicar a controvertida e fascinante saga do homem na busca de si mesmo. É a saga imortalizada por Sócrates ao defrontar-se com o dintel do oráculo de Delfos: “Homem conhece-te a ti mesmo”, que gerou-lhe uma inquietação profunda na alma e o fez um dos mais sábios homens ao concluir com excepcional bom senso e humildade: “Só sei que nada sei.” (Luccas, 2013, p.1).

Os autores Stork e Echevarría (2001), citado por Luccas (2013, p.2), parecem compartilhar dessa visão ao afirmarem que “o trabalho é a mais importante fonte de riqueza do homem, em sua origem é o brotar inédito da inteligência.” Podemos, de fato, perceber que o trabalho sempre exerceu um papel de sustentáculo central da vida em sociedade conforme traçamos a evolução histórica da trajetória humana.

A partir do momento em que surge, o homem passa a produzir, isto é, passa a extrair da natureza, pelo trabalho, os bens de que necessita para satisfazer suas necessidades. É fácil compreender que na longa fase inicial de sua evolução, estas se resumiam ao mínimo necessário para sobreviver como indivíduo e como espécie. É a fase da coleta. (Magalhães Filho, 1977, p.12).

O surgimento da agricultura, com o domínio de técnicas de plantio e de formas de produção controlada de alimentos, bem como a domesticação de animais retiraram os seres humanos da simples posição de caçadores, coletores e catadores, e os elevou à condição de produtores detentores do controle de seu próprio sustento. Porém, “nas pequenas fazendas e plantações, o trabalho diário tinha de seguir uma programação mais rígida que nos dias da vida nômade” (Blainey, 2009, p. 31). A agricultura implicou, assim, em uma mudança profunda do trabalho. A divisão de tarefas que antes se restringia basicamente aos sexos (mulheres coletavam, homens caçavam) passou a ser uma questão de organização social muito mais ampla e complexa, na qual indivíduos com diferentes habilidades deveriam executar suas tarefas em benefício do grupo, recebendo em troca o resultado das tarefas executadas pelos outros. “A nova forma de vida exigia uma disciplina e uma sucessão de obrigações que contrastava com a liberdade dos trabalhadores da colheita e dos caçadores” (Blainey, 2009, p. 31).

A agricultura e a criação de rebanhos não condiziam com um estilo de vida nômade, pois exigiam que as pessoas permanecessem no mesmo lugar por muito tempo. Essa permanência de um mesmo grupo humano no mesmo lugar permitia-lhe “investir seu excedente de trabalho e de produção em obras de caráter permanente” (Magalhães Filho, 1977, p. 23), criando vilarejos, lavouras e campos de pastoreio organizados. Por muito tempo, porém, esses povos ainda tiveram de coexistir com tribos nômades, o que impunha certa tensão.

Em tempos de fome, os nômades famintos eram tentados a atacar os vilarejos vizinhos que mantinham estoques de grãos e rebanhos de animais. Os habitantes dos vilarejos, por sua vez, fortificavam-se e mantinham vigilância constante. (BLAINEY, 2009, p. 32).

Esse excedente de trabalho e de produção, ora investido em obras permanentes, ora estocado e bem guardado para tempos difíceis, aumentava ainda mais a capacidade produtiva desses povos organizados (Magalhães Filho, 1977, p.23), elevando a humanidade a outro patamar civilizatório de desenvolvimento. Para Magalhães Filho (1977, p.24), “a agricultura trouxe para o homem as bases da civilização”, elevando-o muito acima dos outros animais, “com os quais ainda há poucos séculos compartilhava a vida errante de caçador”. Logo, a produção excedente daria causa às atividades comerciais entre os povos produtores, lançando “as condições necessárias para que o homem pudesse amadurecer, descobrisse sua individualidade, e se libertasse de sua submissão à natureza” (Magalhães Filho, 1977, p.91). Em outras palavras, o homem passa a ver-se, ao mesmo tempo, como parte da natureza, podendo ser destruído por ela, e como seu senhor, “podendo também dominá-la pelo seu trabalho” (Magalhães Filho, 1977, p.91).

O domínio dos próprios meios de sustento, de forma organizada, por meio do trabalho, como afirma Magalhães Filho (1977, p.91), impulsionou a humanidade para um futuro inevitável: a sociedade moderna. O homem saiu do campo para a cidade, gerando novos problemas que levaram a novas adaptações e mudanças no paradigma social, criando novas funções, novos serviços, para uma sociedade mais moderna e exigente. Para Luccas (2013, p.6), o abandono do campo levou à formação de aglomerados em torno das grandes cidades, “disponibilizando mão-de-obra abundante e barata”. O crescente número de pessoas impulsionou também a demanda por produtos manufaturados, elevando seus preços e exigindo uma produção em escala cada vez maior, o que levou ao surgimento das fábricas, utilizando a mão-de-obra “abundante e barata” das cidades. Conforme explica Luccas (2013, p.6), “como a produtividade era baixa procurou-se substituir esta mão-de-obra por máquinas”. Tinha início a Revolução Industrial.

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Mais máquinas, mais produção, menores preços, mais demanda, menos camponeses, mais operários, surgia o capitalismo. Todo um sistema baseado na lógica da produção de excedentes e formação de lucros remunerando o capital. Surgiu em conseqüência a divisão de classes entre os proprietários de meios de produção e operários que vendiam o único bem de que dispunham: a sua força de trabalho. A máquina transformou o mundo e o homem. A Revolução Industrial trouxe grandes benefícios materiais à sociedade, ao seu desenvolvimento, mas pouco contribuiu para o bem-estar do trabalhador. (Luccas, 2013, p.6).

Como diz Magalhães Filho (1977, p.24), a sociedade moderna exigiu que milhões de pessoas dedicassem “vidas inteiras a trabalhos penosos e rotineiros” para satisfazer as necessidades humanas “surgidas em função da própria evolução social”. Segundo Marx, marco da luta trabalhista, citado por Da Silva et al (2013), a realidade poderia ser reduzida da seguinte forma:

A divisão do trabalho, em sua forma capitalista, não é mais do que um método particular de produzir a mais-valia, ou de fazer aumentar, à custa do operário, os lucros do capital – é o que chamam de riqueza nacional. Ás custas do trabalhador desenvolve-se a força coletiva do trabalho em prol do capitalista. Criam-se novas condições para assegurar a dominação do capital sobre o trabalho. Essa forma de divisão do trabalho é uma fase necessária na formação econômica da sociedade, é um meio civilizado e refinado de exploração! (DA SILVA ET al, 2013, p.6).

Entretanto, desde a revolução industrial até os dias de hoje, mesmo tendo o capitalismo se consolidado, sindicatos de trabalhadores foram criados, direitos trabalhistas foram conquistados, novas profissões tornara-se necessárias, trabalhadores altamente qualificados tornaram-se comuns e cada vez mais necessários em diversos setores. As tecnologias desenvolvidas pela sociedade são aplicadas no trabalho, assim como na vida diária das pessoas. A invenção do telefone não apenas permitiu que as pessoas conversassem com seus amigos e familiares à distância, mas tornou possível também a criação do telemarketing, uma função que depende dessa tecnologia para ser exercida. Os meios de comunicação em massa, a informática e a Internet também levaram à criação de novas formas de trabalho, que ultrapassam as fronteiras dos muros e paredes das empresas, de seus cartões-ponto. Agora, o trabalho também pode ser realizado em qualquer lugar e a qualquer hora do dia ou da noite, o que pode gerar certos problemas. De Masi (2003) argumenta que o trabalho é:

Uma atividade que, quanto mais onívora e veloz, mais é apreciada. Sobretudo se exercida pelo homem, ela exige a precedência absoluta sobre qualquer outra atividade: o amor, a família, a distração, o lazer, as práticas religiosas, a formação e a saúde. Um bom trabalhador irá se vangloriar de não ter um minuto de trégua ou um só dia de férias, de ficar no escritório até altas horas, de ter de levar o trabalho para casa, de ser localizável e disponível 24 horas, durante todos os santos dias do ano. (de Masi, 2003, 165-166).

A questão que se impõe, portanto, é como fiscalizar esse tipo de trabalho, tanto para garantir ao empregador que o empregado está cumprindo com suas funções, quanto para garantir ao empregado o descanso legal necessário, impedindo a volta da exploração que dominou o início da Revolução Industrial. Por mais que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) já tenha previsto o trabalho telemático, no seu Art. 6º, prevalece na legislação o conceito de trabalho no qual o trabalhador vai até seu local de trabalho e efetua suas atividades, tais quais lhe são ordenadas, sob a supervisão de um chefe, cumprindo um horário específico. Ainda não foi plenamente expresso em lei como medir, por exemplo, um trabalho realizado na solidão de um quarto na casa do trabalhador no meio da noite, mas já há indícios de que a lei trabalhista brasileira caminha nesse sentido.


3. A LEI 12.551/11 E O MUNDO CONTEMPORÂNEO

No Brasil, as relações trabalhistas são reguladas pelo Decreto-Lei nº 5452, de 1943, que instituiu a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Desde então, muitas alterações foram realizadas no texto original, mas a CLT continua em vigor. Dentre as muitas regulamentações que a CLT estabelece, como o salário mínimo, as férias e a Carteira de Trabalho e Previdência Social, destaca-se a definição de empregador e empregado:

Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.

Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

Parágrafo único - Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.

Nota-se que o conceito de trabalho subjacente a essas definições é o tradicional, no qual um indivíduo presta serviço contínuo a uma empresa em troca de salário. O parágrafo único do Art. 3º, entretanto, distingue três tipos de trabalho – intelectual, técnico e manual – e dita que não deve haver distinções entre eles. Pode-se dizer que o trabalho intelectual é imaterial, enquanto o manual é necessariamente tradicional (provoca mudança no mundo material). O trabalho técnico, por sua vez, pode ser tanto um quanto o outro, dependendo da atividade realizada. Porém, para a CLT, os três se equiparam; e deve-se aplicar, por exemplo, a um trabalho puramente intelectual (e, portanto, imaterial), que em tese poderia ser realizado em qualquer hora e lugar, as mesmas regras de um serviço puramente manual (e, portanto, tradicional – material), como a duração da jornada de trabalho de oito horas diárias (Art. 58), o descanso entre as jornadas (Artigos 66 e 67), intervalo para repouso e alimentação (Art. 71), remuneração acrescida de 20% para o trabalho noturno (Art. 73), etc.

Ao mesmo tempo em que isso dá ao trabalhador intelectual a garantia de não ser explorado (mediante, por exemplo, a exigência de produção que demandaria jornadas de trabalho extenuantes e em horários inconvenientes), também engessa quaisquer outros serviços independentes de tempo e/ou lugar específicos para sua execução que tenham sido (ou venham a ser) criados pelas demandas da sociedade moderna. A CLT parece tocar brevemente a questão no seu Art. 62, que trata da jornada de trabalho, quando diz que não são abrangidos pelo regime previsto no Capítulo II (Da Duração do Trabalho), “os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho”. Porém, a grande inovação veio com a Lei nº 12.551/11, que alterou significativamente o antigo Art. 6º da CLT, dando-lhe uma nova redação, e incluiu um parágrafo único que pode dar margem ao controle de jornada de trabalho:

Art. 6o Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.

Parágrafo único.  Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.

Essa modificação da CLT veio ao encontro da revolução tecnológica atual e tenta regrar, ainda que superficialmente, as novas formas de trabalho imateriais e telemáticas que surgiram no mundo contemporâneo. Longe de ser um consenso, o conceito de trabalho imaterial tem sido tratado com bastante imprecisão no debate atual. Segundo Lessa (2008, p. 435), há razões históricas para isso. Uma delas é o fato de que, nas décadas de 1950 e 1960, uma parte significativa das obras de Marx e Engels foi traduzida para o português a partir de traduções francesas, marcadas pelas leituras que Kojève fizera de Hegel. Assim, muitas expressões de Marx e Engels foram traduzidas, nas palavras de Lessa (2008, p. 435), “de modo interpretativo”. Entre elas, figuram “trabalho espiritual” e “trabalho intelectual”, que acabaram traduzidas por “trabalho imaterial” como forma de diferenciá-lo do trabalho material ou manual. Marx, entretanto, nunca fez essa distinção, não acreditava na dualidade espírito-matéria. Para ele, trabalho intelectual era “a atividade de controle do trabalho manual”, enquanto o trabalho espiritual englobava as “atividades do espírito humano que, direta ou mais frequentemente, indiretamente, interferem nos processos de elaboração das teleologias presentes em todo ato humano singular” (Lessa, 2008, p.435). Para Marx, todo trabalho é material, pois tudo o que existe são “formas distintas de matéria”, inclusive a consciência humana, ou seja, “o pensamento do indivíduo, a pedra, assim como a casa feita desta pedra, tudo para Marx é matéria” (Lessa, 2008, p.437).

Por outro lado, Chaves Júnior, em sua tentativa de conceituar trabalho imaterial, parece, ao contrário de Marx, dissociar trabalho manual e intelectual, associando o “trabalho imaterial” a este último:

Essa novel modalidade de trabalho consiste em produzir não bens ou mercadorias propriamente, mas relações, nomeadamente, relações de conhecimento técnico científico, relações de ideias, relações de informação e de comunicação e até de produção de relações afetivas entre a mercadoria e o consumidor. (CHAVES JÚNIOR, 2006).

Nota-se que o autor associa ao trabalho imaterial conceitos como: “conhecimento”, “ideias”, “informação”, “comunicação” e “relações afetivas”. Camargo (2012) parece compartilhar desta distinção quando, levando em consideração os problemas enfrentados por nossa sociedade moderna e informatizada, pós-modelo-taylorista-fordista de trabalho, define trabalho imaterial como “aquelas atividades que possuem como conteúdo principal a comunicação, a cooperação, o conhecimento e o saber”. Percebe-se, novamente, uma maior associação com trabalho intelectual ou, pelo menos, com atividades tipicamente associadas à consciência humana. O autor também afirma que as mercadorias produzidas pelo trabalho imaterial podem ser materiais ou imateriais, mas seu valor é determinado por “qualificações subjetivas” do tipo de trabalho empregado. Nas palavras de Camargo:

[...] o valor de uma mercadoria não resulta necessariamente do dispêndio de tempo de trabalho empregado na sua produção (trabalho abstrato), mas sim dos saberes mobilizados por aqueles que a produzem. (Camargo, 2012).

Se o tempo empregado na produção, que pode ser facilmente medido, não determina o valor daquilo que é produzido pelo trabalho imaterial, mas sim os saberes mobilizados nessa produção, que são muito difíceis de medir, a questão que se impõe é como mensurar o trabalho imaterial e, consequentemente, auferir seu valor em termos salariais, principalmente quando o trabalho imaterial é também telemático. Porém, esta não é a única questão. De acordo com a CLT, por exemplo, cabe às empresas zelar pelas normas de segurança e medicina do trabalho, para evitar acidentes ou doenças ocupacionais (Art. 157), bem como fornecer equipamento de proteção individual (CLT, Art. 166) e garantir que as edificações obedeçam a requisitos técnicos de segurança (CLT, At. 170). Como garantir que isso seja aplicado quando o local de trabalho é a casa do trabalhador?  Como garantir, por exemplo, que o trabalhador não ficará longas horas ininterruptas no computador, propenso a tendinites ou outros problemas decorrentes do esforço repetitivo se não há um chefe ou supervisor presente para fiscalizar?

Estas questões, embora muito relevantes, não serão tratadas neste trabalho, pois não fazem parte de seu escopo. Nossa discussão está focada na questão da jornada de trabalho. Em se tratando de trabalho imaterial, cujo produto não tem seu valor medido pelo tempo empregado na produção e cujo local de trabalho é variável (estabelecimento do empregador, domicílio do empregado e a distância – CLT, Art. 6º), a delimitação da jornada de trabalho não é uma questão simples. O parágrafo único do novo Art. 6º da CLT, instituído pela Lei nº 12.551/11, propõe:

Parágrafo único.  Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.

Nota-se que o texto tenta suprir, ainda que tardia e precariamente, a falta de regulamentação de setores de trabalho instituídos na e pela sociedade moderna. A lei permite que os teletrabalhadores sejam supervisionados por meios indiretos e não-presenciais, mas não deixa claro que “meios telemáticos e informatizados” podem ou devem ser usados. Essa é questão que discutiremos na seção seguinte.

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Sobre o autor
Dieimis Fábio Palma de Assumpção

Bacharel em Direito pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ). Pós Graduado em Advocacia Trabalhista pela Uniderp. Advogado em Bagé (RS).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ASSUMPÇÃO, Dieimis Fábio Palma. O controle da jornada do teletrabalhador sob a ótica da Lei n. 12.551/11. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3795, 21 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25899. Acesso em: 28 mar. 2024.

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