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A crise da ação cautelar como processo autônomo

01/02/2002 às 01:00
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A prevenção da ocorrência do dano irreparável é essencial para alcançar a razão de ser do Poder Judiciário: a tutela. Sem uma medida garantidora da eficácia do provimento final, perder-se-ia a função do aplicador do direito. Tanto as ações cautelares como o pedido de tutela antecipada têm, em sua essência, esta função preventiva, de urgência.

Muitas são as peculiaridades diferenciadoras da ação cautelar e do pedido de antecipação de tutela. Mas, por muitas vezes, na prática, é difícil decidir por uma ou outra forma.

O que vem acontecendo hoje, com muita freqüência, é a concessão de medida cautelar sob a forma de tutela antecipada.

A questão da economia processual é uma das principais razões que leva os advogados a pedirem liminar acautelatória nos autos principais, na forma de tutela antecipada. O Juiz, percebendo a verossimilhança da alegação, não deixará de conceder a medida pela formalidade ignorada, mesmo porque isto poderia causar a ineficiência total do provimento final.

No entanto, a técnica jurídica fica prejudicada e as normas processuais não existem à toa. Porém, a prevenção ainda é o grande objetivo, que não deve ser suplantado pela forma.

Como se sabe, a medida cautelar visa dar efetividade ao provimento jurisdicional final, assegurando o direito pleiteado através de uma medida de urgência, que não chega a satisfazer o pedido principal.

Assim, a cautelar indica necessariamente um direito a que se busca cautela urgente, sendo a medida de caráter eminentemente provisório e revogável. Previne-se que o réu, através de um ato seu, cause um dano ao autor, impossibilitando a eficácia do provimento final.

Já a tutela antecipada pode ser concedida quando a parte, através de uma prova inequívoca, demonstra ao Juiz a verossimilhança das alegações, que antecipará os efeitos da tutela final, satisfazendo total ou parcialmente, desde o início, o jurisdicionado. Mais do que remediar a demora das soluções jurisdicionais, evita a ocorrência de danos irreparáveis para a parte.

Luiz Orione Neto explica que:

"a purificação do processo cautelar que assim ficará restrito à sua finalidade típica: a obtenção de medidas para tutelar o processo e, indiretamente, o direito, sem porém satisfazê-lo. Todas as demais medidas assecuratórias, que constituam satisfação antecipada de efeitos da tutela de mérito, já não caberão em ação cautelar, podendo ser, ou melhor, devendo ser reclamadas na própria ação de conhecimento. Postulá-las em ação cautelar, onde os requisitos para a concessão são menos rigorosos, significará fraudar o art. 273 do Código de Processo Civil, que, para satisfazer antecipadamente, exige mais do que plausibilidade, exige verossimilhança construída sobre prova inequívoca[1]".

Não se pode deixar de mencionar os ensinamentos de Ovídio A. Baptista da Silva, que diferenciou os efeitos das cautelares e das tutelas antecipadas como segurança da execução e execução para segurança.

"para nós tudo o que importe em realização, ainda que por tempo limitado, do direito a que se deveria conceder proteção apenas cautelar ultrapassa o nível da mera cautelaridade para tornar-se tutela satisfativa, sob alguma forma de execução provisória. Se a antecipação de algum efeito da futura sentença de procedência se der em virtude de periculum in mora – porque a demora na satisfação do direito coloca-o sob risco de perecimento -, então esta espécie de execução provisória qualifica-se como ´execução-para-segurança´, ou seja, execução urgente que, não obstante ser urgente, conserva sua natureza de tutela executória[2]".

Uma das diferenças muito marcantes entre os dois provimentos é a característica do perigo de dano irreparável ou de difícil reparação. Para a cautelar, o perigo de dano deve estar ligado, necessariamente, a um ato da outra parte, que gera risco de dano. Já na tutela antecipada o dano por si só será causado em não sendo deferido o pedido final desde o início, podendo estar ligado, ou não, a um ato da outra parte.

Luiz Orione Neto, na sua obra Tratado das Liminares, esclarece que,

"disciplinando o processo cautelar, o art. 798 do CPC fala em fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação. Por isso mesmo, a cautelar requer exista ato da parte e dele derive o risco de dano. Conecta-se, este tipo de dano, geralmente, a uma conduta, em si mesmo ilícita, cujos efeitos devem ser coarctados pela medida cautelar. Tal não ocorre em relação ao instituto da tutela antecipatória, onde o juiz vai considerar apenas a necessidade de antecipação da eficácia do julgado porque, se não deferida, haverá risco de ocorrerem, para o autor, danos que serão eliminados, se antecipação houver"[3].

O Autor acima ainda acrescenta, citando Arruda Alvin, que "o dano do art. 273, I, não decorrerá, necessariamente, de conduta da outra parte nem será restaurável pela concessão de uma cautelar.[4]"

Mesmo frente a essas diferenças marcantes, estes institutos são constantemente desvirtuados pela necessidade urgente de cada caso. Já é pacífico na doutrina e jurisprudência que não é possível pedido satisfativo em cautelar, pois específico para os pedidos de tutela antecipada. Mas, poderia em sede de tutela antecipada pedir provimento meramente acautelatório?

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Muitas vezes o mesmo provimento pode ser requerido sob as duas formas: medida cautelar e tutela antecipada. Por exemplo, pedido de danos morais devido a inscrição indevida nos cadastros de inadimplentes, como SPC. Pode-se propor ação cautelar para exclusão do nome do cadastro de inadimplentes, assegurando que a reparação por danos morais seja efetiva (em nada adiantaria reparar os danos morais e manter o ato causador do dano). Ou, poder-se-ia ainda pedir tutela antecipada para, liminarmente, excluir o nome do SPC, fazendo o Juiz uma cognição sumária no sentido de considerar ilegal esta inscrição, o que geraria de fato o dever em reparar os danos.

No presente caso, mais acertado é o pedido de tutela antecipada, já que o provimento final maior é, de fato, dar fim ao fato gerador do dano, além da reparação.

Outro exemplo: nos casos de dissolução de sociedade por abuso de poder por parte do majoritário, pretendendo-se indisponibilizar a conta bancária da empresa para garantir o pagamento de haveres, pois temer-se-ia a dilapidação do dinheiro, o que se faria? Propor ação cautelar para garantir o direito de haveres ou pedir antecipação de tutela, na própria ação de dissolução, a fim de trancar a conta bancária da empresa? Parece ação cautelar mas o que acontece nos fóruns é que o pedido de liminar no processo principal vem cumprindo função acautelatória.

O que dizer então da sustação do protesto? Se for antes da efetivação do protesto, deve ser uma medida cautelar pois visa evitar um dano causado pela parte, instrumentalizando o processo principal de anulação de título de crédito. Mas se o protesto já tiver se concretizado, o pedido de levantamento do protesto é tutela antecipada, pois é efeito do provimento final da anulação do título.

Deve-se levar em conta, principalmente que, quando há um início da execução final para assegurar o direito, trata-se de tutela antecipada. A indisponibilização de bens, por exemplo, deve ser tratada como tutela antecipada pois é considerada como primeiro ato da execução.

Por outro lado, à par de todas as diferenciações, o que vem ocorrendo com grande freqüência é o uso indiscriminado da tutela antecipada como medida de acautelamento de direito. E isto em busca da economia processual, o que é aceito pelos julgadores para evitar o perecimento do direito.

Nesse sentido, o anteprojeto do Código de Processo Civil, n.º 13, versão final, se for aprovado, modificará o §6º do art. 273, que passará a ter o seguinte texto:

"§6º. Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar incidental do processo ajuizado."

Esta modificação apenas faria previsão legal do que já acontece nos Fóruns. A medida cautelar é conferida como se tutela antecipada fosse, relevando a questão formal, para resguardar os direitos das partes. Assim, adotou-se neste anteprojeto o princípio da fungibilidade como essência para a eficácia das medidas judiciais.

Deve-se questionar principalmente a questão do contraditório das medidas cautelares concedidas liminarmente pois, se a cautelar está prevista em lei como procedimento autônomo, isto tem como principal meta garantir sempre a ampla defesa por parte do réu.

Por outro lado, parece interessante diminuir o formalismo processual, para alcançar o verdadeiro objetivo do direito, que é a efetividade do processo, único meio legítimo de fazer valer um direito objeto da pretensão resistida de terceiros. Nas palavras de Luiz Orione Neto, "o instrumento – que é o processo – não pode se sobrepor ao direito material; afinal, aquele foi concebido para servir este, e não o contrário".


NOTAS

1.ORIONE NETO, Luiz. Tratado das Liminares. São Paulo: LEJUS, 2000. Vol. I. p. 139

2.SILVA, Ovídio A. Baptista da. Do Processo Cautelar. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 49

3.ORIOM NETO, Luiz. op. cit. p. 169

4.ORIOM NETO, Luiz. Idem. Ibidem.

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Sobre a autora
Claudine Costa Smolenaars

advogada no Rio Grande do Sul

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SMOLENAARS, Claudine Costa. A crise da ação cautelar como processo autônomo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 54, 1 fev. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2592. Acesso em: 26 dez. 2024.

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