3. INTERFACE ENTRE O SISTEMA BRASILEIRO E O SISTEMA INTERNACIONAL
A análise dos aspectos inerentes à resolução de conflitos na experiência internacional mostra diversos pontos em comum com o Direito Brasileiro. Nesse contexto, Cappelleti[19] observa que a busca por meios alternativos de resolução de disputas é consequência da terceira onda renovatória do movimento global por acesso à justiça, direito fundamental previsto no art. 5º, XXXV da CF.
No que tange à mediação no âmbito do direito público, percebe-se uma tendência mundial de modernização da administração pública, alcançando standards de boa administração, eficiência, transparência, adotando na gestão pública uma orientação voltada às formas convencionadas ou participativas, reposicionando o status jurídico do administrado frente aos serviços públicos oferecidos.
Nesta esteira, Diogo Figueiredo MOREIRA NETO ressalta que “...a consensualidade se vem sobressaindo como uma válida alternativa para incrementar a eficiência administrativa, plenamente suportada, assim no art. 37, caput, da Constituição...”[20].
Tanto no direito comparado quanto no Brasil, a mediação administrativa não está bem estabelecida e prevista nas leis em sentido estrito, fundando-se primordialmente em aspectos principiológicos, portarias ministeriais e regulamentações dos tribunais (v.g. Resolução 125, de 29 de novembro de 2010 do Conselho Nacional de Justiça).
Percebe-se que na maioria dos países analisados, predomina a mediação conduzida dentro da estrutura do poder judiciário, havendo previsão de suspensão do processo e indicação do mesmo para mediação, tornando-se esta uma condição de admissibilidade da ação.
Em consonância com a tendência de tornar obrigatória a medição, a Comissão de Juristas responsáveis pela elaboração do Anteprojeto do Novo CPC sugeriu na 1ª Audiência Pública a “obrigatoriedade da audiência de conciliação no início das demandas: sugeriu a mediação obrigatória nos escritórios de advocacia para evitar mais uma audiência a cargo do Juiz e que poderá atravancar a pauta ainda mais”[21]. Outro ponto de convergência entre o direito internacional e o anteprojeto do Novo CPC é a questão da confidencialidade, tratada em seu art. 144, §§ 2º e 3º.
Observa-se no art. 134, §1º do aludido anteprojeto uma preocupação em explicitar os princípios informadores da mediação, que também são adotados na experiência internacional, sendo eles a independência, a neutralidade, a autonomia da vontade, a confidencialidade, a oralidade e a informalidade.
A Comissão responsável pelo Novo CPC denota relevante atenção na questão da mediação entre disputas entre órgãos do governo e entre estes e os administrados, apontando a necessidade da “Criação de Câmaras de Conciliação dos órgãos estatais para que ali se trave a primeira tentativa de resolução dos problemas, para evitar processos desnecessários”. Aponta igualmente a necessidade de conferir “Maiores poderes aos advogados públicos: desistência de recursos, transação, possibilidade de não ingresso de recursos quando assim avaliar[22]”.
Abordando ainda o anteprojeto do Novo CPC, a Comissão sugere, como já ocorre no âmbito da Advocacia Geral da União, a “Inserção de uma condição de procedibilidade para que entes da Administração pública, antes de litigarem entre si, sejam obrigados a passar por Câmara de Conciliação e Arbitragem dentro do Estado[23]”.
Com relação à mediação conduzida pelo Ombudsman, adotada pelo direito alienígena, já existe no Brasil iniciativas semelhantes, como a mediação em ouvidoria pública, questão debatida pelo Ministério da Fazenda nos cursos de aperfeiçoamento em ouvidoria pública[24].
Por derradeiro, cabe ressaltar que no campo da mediação socioambiental, o Programa 2018 - Biodiversidade - do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente, previsto no Plano Plurianual de 2012[25], conta com o Projeto 8286 - Educação ambiental para grupos em situação de vulnerabilidade socioambiental - prevendo a gestão e mediação de conflitos territoriais e de sobreposições, entre outras, nas Unidades de Conservação, com enfoque em estratégias de educação e gestão socioambiental envolvendo gestão participativa, educação ambiental e gestão de conflitos.
Todos os pontos abordados demonstram relativa identidade entre os procedimentos de mediação administrativa adotados pela prática internacional e as iniciativas que estão paulatinamente sendo implementadas no Brasil.
4. APLICABILIDADE DA MEDIAÇÃO ADMINISTRATIVA NO BRASIL
Um dos principais entraves contra a mediação administrativa no Brasil, senão o maior, é o mito da indisponibilidade do interesse público, o que não deixaria margem de negociação à administração pública, que estaria umbilicalmente vinculada ao princípio da estrita legalidade.
Descontruindo a ideia de que a supremacia do interesse público levaria a uma preponderância apriorística dos interesses da coletividade sobre os interesses individuais, Gustavo Binenbojm[26] assevera que a supremacia do interesse público sobre o particular, é incompatível com o comprometimento da Constituição de 1988 com a promoção dos direitos individuais, dirigida pelo princípio da dignidade da pessoa humana. Deste modo, haveria a necessidade da efetiva proteção aos interesses individuais quando ameaçados pelos interesses gerais promovidos pelo Estado, através de uma lógica de ponderação proporcional.
O mesmo autor aponta a emergência do neoconstitucionalismo como uma das causas da mudança de paradigmas adotados pela Administração Pública, principalmente o da estrita vinculação positiva à lei. E vai além ao afirmar que “[...] a vinculação da atividade administrativa ao direito não obedece a um esquema único nem se reduz a um tipo específico de norma jurídica – a lei formal.”[27] Assim, defende a adoção do princípio da juridicidade administrativa como marca da superação do positivismo legalista, com foco numa interpretação conforme a Constituição[28].
Sob o ângulo da juridicidade, a legalidade comportaria tanto uma atuação imperativa da administração quanto uma atuação consensual. O princípio da legalidade não impede que o administrador adote soluções consensuais para a resolução de conflitos. Desta forma, deve-se avaliar se a opção adotada - imperativa ou consensual – possibilita como resultado a máxima efetividade do princípio da eficiência, respeitando assim os direitos fundamentais.
CONCLUSÃO
Embora existam alguns entraves legais e políticos para a adoção da mediação no âmbito da administração pública, como indisponibilidade do interesse público e falta de previsão legal, sugere-se no presente estudo que sua adoção no Brasil traria inúmeros benefícios ao Estado e ao administrado, como: redução do número de processos administrativos e judiciais, redução de custos, celeridade, legitimidade das decisões, preservação da imagem pública da organização, otimização das formas de comunicação e combate à indesejável judicialização excessiva na implementação de políticas públicas pelo Poder Executivo, evitando o litígio judicial e dando ao administrado uma sensação de justiça, além de estreitar seu relacionamento com o Estado com vistas à prevenção de litígios futuros.
A tendência mundial de mudança dos paradigmas clássicos, modernização da administração pública e reposicionamento do administrado para uma condição de cidadão-colaborador reflete a busca por uma gestão pública por resultados em que a adoção de soluções otimizadas concretiza o princípio constitucional da eficiência, dando legitimidade às decisões baseadas na consensualidade.
O Anteprojeto do CPC reflete um grande avanço na implementação da mediação no Brasil, mas perde a oportunidade de incluir na seção III de seu Cap. IV - que trata da advocacia pública - previsão para que os procuradores de Estado tenham poderes específicos para selecionar causas aptas à mediação e resolução pacífica de controvérsias entre Administração Pública e administrados. É essencial dotar o advogado de Estado de uma postura proativa, com meios necessários à otimização da atuação do Estado frente ao clamor da sociedade por justiça e democracia.
Nesse sentido, a experiência internacional no âmbito da mediação administrativa guarda diversos pontos de contato com as iniciativas que vêm sendo implementadas no Brasil, havendo um campo frutífero para um franco e definitivo desenvolvimento, consolidando assim um modelo de boa-administração baseado na consensualidade de na otimização do interesse público.
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Notas
[1] CARNELUTTI, F. Instituições do Processo Civil. vol. 1. São Paulo: Classic Book, 2000, p. 157.
[2] Cf. RISKIN, L.L., Understanding mediators? orientations, strategies, and techniques: a grid for the perplexed, Harvard Negotiation Law Review, v.1, n.7. 1996.
[3] WALDMAN, E.A., Identifying the role of social norms in mediation: a multiple model approach, Hastings Law Journal, v.48, n.4, 1997, p.708.
[4] SCHMITZ, T., The Transformation of Administrative Law in Europe / La mutation du droit administratif en Europe, Eur J Int Law, v.9, 2008, p. 629.
[5] Disponível em: <http://english.caijing.com.cn/2009-09-30/110269260.html>. Acesso em 02 de junho de 2011.
[6] BOYRON, B.T., European methods of administrative redress: Netherlands, Norway and Germany. DEPARTMENT FOR CONSTITUTIONAL AFFAIRS, ed. 2004. p.324.
[7] Disponível em: <http://www.nadr.co.uk/articles/published/AdrLReports/COWLvPLYMOUTH.CA2001.pdf.> Acesso em 02 de Junho de 2011.
[8] Disponível em : <http://www.mediationconference.eu/downloads/Pel%201.pdf>. Acesso em 02 de junho de 2011.
[9] Evento realizado no dia 30 de agosto de 2010 na PGE-RJ, em parceria com a AGU.
[10] Cf. DÖLLING et al, Täter-Opfer-Ausgleich in Deutschland. Bonn: Forum Verlag, 1998.
[11] MEDIATOR GmbH, Mediation in Umweltkonflikten. Verfahren kooperativer Problemlösung in der BRD, Oldenburg. 1996
[12] MEDIATOR GmbH, Mediation im öffentlichen Bereich – Status und Erfahrungen in Deutschland 1996-2002. 2004.
[13] Disponível em: <http://www.aigpol.be/en/mediation.htm>. Acesso em 05 de agosto de 2012.
[14] Ur. l. RS (Official Gazette of the Republic of Slovenia), nos. 80/99, 70/00, 52/02, 73/04, 119/05, 105/06-ZUS-1, 126/07, 65/08, 8/10.
[15] KOVAC, P. Mediation and Settlement in Administrative Matters in Slovenia HRVATSKA JAVNA UPRAVA. v.10, n.3, 2010, p. 743–769.
[16] Disponível em: <http://consensus.fsu.edu/Leadership-Letters/leadrship_june2002.html>. Acesso em 05 de agosto de 2012.
[17] Institucionalização de contra-poder no Estado, significando representante do povo, independente, e com funções de zeladoria, controle e promoção de interesses públicos manifestados pelos cidadãos.
[18] HASELGROVE-SPURIN, C. Constitutional and Administrative Law. 2.ed. Nationwide Mediation Academy UK Ltd. 2003. cap.11, p.19.
[19] CAPPELLETTI, M., Alternative dispute resolution processes within the framework of the worldwide access-to-justice movement. The Modern Law Review, v.56, 1995,p.287.
[20] MOREIRA NETO, D.F. Curso de direito administrativo, 15.ed, Rio de Janeiro: Forense. 2009. p. 109.
[21] BRASIL. Congresso Nacional. Senado Federal. Comissão de Juristas Responsável pela Elaboração de Anteprojeto de Código de Processo Civil. Código de Processo Civil : anteprojeto, 2010. pag.308.
[22] Ibidem, pag.318.
[23] Ibidem, pag.327.
[24] Disponível em: https://portal.ouvidoria.fazenda.gov.br/ouvidoria. Acesso em 30 de agosto de 2012.
[25] Disponível em: http://www.ibama.gov.br/acesso-a-informacao/ppa-plano-plurianual-2012. Acesso em 30 de agosto de 2012.
[26] BINENBOJM, G. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p.30.
[27] Ibidem, p. 140
[28] Ibidem, p. 141.