O direito ao esquecimento é um tema novo, de interesse não só para a comunidade jurídica como para todos nós cidadãos, tendo ganhado relevância e um considerável destaque na imprensa nacional a partir da publicação de um acórdão do Superior Tribunal de Justiça. Os ministros do STJ condenaram a TV Globo a pagar uma indenização por danos morais no valor de R$ 50.000,00 em favor de um cidadão que teve o seu direito ao esquecimento violado pela emissora carioca.
Entenda o caso: o cidadão ajuizou ação de indenização por danos morais contra a rede de televisão, pois, em 2006, foi exibido no programa “Linha Direta Justiça” uma reportagem que o apontava como um dos criminosos responsáveis pelas mortes de um episódio histórico, batizado pela mídia nacional como “Chacina da Candelária”, ocorrido em 23 de Julho de 1993, na cidade do Rio de Janeiro. Na época, durante as investigações, este cidadão foi indiciado como coautor dos homicídios, entretanto, ao final do processo criminal, foi absolvido e a decisão transitou em julgado. A partir de então, esta pessoa foi oficialmente reconhecida como inocente pelo Poder Judiciário. Muitos anos depois, contudo, a reportagem foi exibida e a emissora processada.
O cidadão alegou que a exibição da reportagem reacendeu aquela imagem de criminoso, que, durante muitos anos, carregou perante a comunidade, gerando ódio social, ferindo seu direito à paz, anonimato, privacidade pessoal, e, consequentemente, trazendo prejuízos, até mesmo em sua vida profissional. Aduziu, ainda, que jamais autorizou a imprensa a exibir seu nome e/ou imagem e a relacioná-los com o crime. A emissora, por sua vez, alegou que o simples fato de a pessoa estar relacionada com um fato de natureza histórica, incorporado ao imaginário coletivo da população e, por isso, de interesse público, é pressuposto suficiente para desconsiderar seu direito à intimidade (e ao esquecimento) ante as liberdades de expressão e de imprensa. No entendimento da TV Globo, tal condição legitimaria a divulgação do nome e da imagem do cidadão, independentemente de autorização prévia.
Este processo é mais um dos vários que tratam do debate de um tema que está se tornando cada vez mais constante nos dias de hoje: a colisão de direitos constitucionais, estando, de um lado, as liberdades de expressão e de imprensa, o direito à manifestação do pensamento e, de outro, os direitos da personalidade, tais como, direito à honra, imagem, intimidade e privacidade. São vários os exemplos de processos que versam sobre a temática, como, por exemplo, o do deputado federal Edmar Moreira, que alegou violação de sua intimidade pela imprensa, durante a cobertura do escândalo da compra de um castelo com dinheiro público e, até mesmo, o flagra da modelo e apresentadora Daniella Cicarelli, com comportamento inadequado em local público, fato que se transformou em notícia nos principais veículos do país.
O direito ao esquecimento ganha mais importância a partir da atual fase do país, em que cresce, exponencialmente, o número de indivíduos com acesso à Internet, alargando, de modo expressivo, o alcance dos conteúdos. Esta conjuntura dificulta o esquecimento, uma vez que quase todos os conteúdos que ali circulam ficam armazenados. A isso, se soma o fato de ainda não existir no Brasil regulação específica para esses e outros assuntos relacionados com a web.
Os julgados mais recentes a respeito deste tema possuem características comuns para solucionar os litígios e devem ser destacadas as principais: as liberdades de imprensa e de expressão não são absolutas e ilimitadas; deve-se observar se o conteúdo veiculado está pautado no interesse público (que não se confunde com a noção perversa e mercadológica de “interesse do público”); a ponderação de valores é a principal ferramenta utilizada para decidir qual direito deve prevalecer no conflito; o direito ao esquecimento é uma espécie de derivação do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, logo, caso haja uma colisão desses direitos fundamentais, e constatada a atitude abusiva da imprensa sobre o cidadão, deve prevalecer a proteção aos direitos da personalidade, nos quais o direito ao esquecimento está inserido.
Entre outras questões, subjaz ao direito ao esquecimento a noção nuclear de que este existe no cenário jurídico para que o cidadão, tendo cumprido sua pena, ou, sido absolvido, possa estabilizar o passado e prever o futuro. De todo modo, e porque não existem soluções prontas e acabadas, qualquer caso que envolva a coalisão entre liberdades de expressão e de imprensa e direitos da personalidade, todos sob tutela constitucional, deve ser analisado nas suas mais específicas características. Só assim, magistrados de todas as instâncias estarão habilitados a fornecer a qualidade da prestação jurisdicional, prevista na Carta de 1988.