6 LEGITIMIDADE
Segundo dispõe o artigo 3º da Lei 9.296/96, o único (exclusividade) legitimado para determinar a interceptação telefônica é o juiz competente para a ação penal. Logo, não pode fazê-lo, ainda que seja caso de urgência, o Ministério Público ou a autoridade policial. De outro lado, é possível verificar que a legislação optou pelo sistema de verificação judicial prévia da legalidade da interceptação telefônica, ou seja, o juiz irá verificar a existência dos pressupostos e, somente após, será determinada a captação:
A interceptação das comunicações telefônicas poderá ser determinada pelo juiz, de ofício ou a requerimento:
I - da autoridade policial, na investigação criminal;
II - do representante do Ministério Público, na investigação criminal e na instrução processual penal.
O legislador se utilizou da expressão “... poderá ser determinada pelo juiz...”. A doutrina diverge se o juiz pode ou deve determinar a interceptação. PARIZATTO (1996, p. 37) entende que se trata de uma faculdade judicial, ou melhor, mesmo se preenchidos os requisitos legais, não há obrigatoriedade em deferir a solicitação de captação telefônica, que ficará a critério do magistrado competente. Em sentido contrário, GOMES (2010, p. 478) defende que, se for constatada a subsunção da situação fática aos pressupostos legais, a autoridade judiciária estará obrigada a acolher a postulação de violação da comunicação telefônica. A expressão poderá tem o sentido de que incumbe ao magistrado proceder à constatação fática e jurídica do que se lhe pede.
São legitimados para requerer a interceptação telefônica: a) a autoridade policial, por meio de representação, apenas na fase da investigação criminal. Nesse caso, a lei não exige a prévia manifestação do Ministério Público, embora seja recomendável; b) o representante do Ministério Público, tanto na fase investigatória como na fase judicial. Em que pese existir controvérsia se o Ministério Público pode ou não presidir investigação, o Superior Tribunal de Justiça entende que esta instituição pode pedir a interceptação telefônica em investigação que ela está presidindo; c) o querelante, por meio de representação, uma vez equiparado à figura do promotor de justiça, por ser autor / titular na ação penal privada e tem o ônus de provar a acusação. Se a prova só puder ser obtida por captação telefônica, proibir o querelante de requerer a interceptação significa a violação do contraditório e do devido processo legal; d) o advogado de defesa, em respeito à busca da verdade real, para comprovar a inocência do acusado, por constituir o direito de defesa garantia constitucional oponível à intimidade do terceiro:
PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. CONCUSSÃO E PECULATO. DELITOS COMETIDOS SUPOSTAMENTE POR AGENTE PÚBLICO. DADOS OBTIDOS EM INQUÉRITO POLICIAL. BUSCA E APREENSÃO. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE PARA PROCEDER À INVESTIGAÇÃO. ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS INCISOS XI E XII DO ARTIGO 5º DA CF/88. INEXISTÊNCIA. LEI Nº 9.296/96. ORDEM DENEGADA.
1. A teor do disposto no artigo 129, VI e VIII, da Constituição Federal, e nos artS. 8º, II e IV, da Lei Complementar nº 75/93, e 26 da Lei nº 8.625/93, o Ministério Público, como titular da ação penal púbica, pode proceder às investigações e efetuar diligências com o fim de colher elementos de prova para o desencadeamento da pretensão punitiva estatal, sendo-lhe vedado tão somente realizar e presidir o inquérito policial. 2. Ademais, o requerimento de busca e apreensão e seu acompanhamento direto pelo Ministério Público, assim como qualquer outro pedido destinado ao esclarecimento dos fatos, se insere no âmbito normal de atuação do Parquet, conforme se depreende da leitura dos arts. 47 e 242 do Código de Processo Penal, não havendo, portanto, que se falar em violação ao princípio da legalidade. (...) (HC 33.682/PR, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 16/04/2009, DJe 04/05/2009)
E M E N T A: "HABEAS CORPUS" - CRIMES DE ROUBO, EXTORSÃO E USURA PECUNIÁRIA - ENVOLVIMENTO, EM REFERIDAS PRÁTICAS DELITUOSAS, AO LADO DE OUTROS AUTORES, DE EX-POLICIAL CIVIL - POSSIBILIDADE DE O MINISTÉRIO PÚBLICO, EM TAL HIPÓTESE, FUNDADO EM INVESTIGAÇÃO POR ELE PRÓPRIO PROMOVIDA, FORMULAR DENÚNCIA CONTRA REFERIDOS AGENTES - VALIDADE JURÍDICA DESSA ATIVIDADE INVESTIGATÓRIA - CONDENAÇÃO PENAL IMPOSTA ÀS PESSOAS INVESTIGADAS - LEGITIMIDADE JURÍDICA DO PODER INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - MONOPÓLIO CONSTITUCIONAL DA TITULARIDADE DA AÇÃO PENAL PÚBLICA PELO "PARQUET" - TEORIA DOS PODERES IMPLÍCITOS (...) (HC 85419, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 20/10/2009, DJe-223 DIVULG 26-11-2009 PUBLIC 27-11-2009 EMENT VOL-02384-02 PP-00252)
PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO DE HABEAS CORPUS. ESTELIONATO. PATROCÍNIO INFIEL. DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. QUADRILHA. MINISTÉRIO PÚBLICO. INVESTIGAÇÃO. DENÚNCIA. INÉPCIA. PROVAS ILÍCITAS. NULIDADE. I – A prática diretamente de atos investigatórios isolados por membro do Ministério Público, tais como a oitiva de testemunhas ou pedido de interceptação telefônica ao juízo, não gera, por si só, nulidade da ação penal. II – Se a exordial acusatória apresenta narrativa que se ajusta ao modelo típico de conduta proibida, não há como reconhecê-la como inepta. III – Conquanto não se admitam, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos, assim como as delas derivadas, não se tem como nulo o processo se não restou caracterizado um nexo de desdobramento entre a prova ilícita e o oferecimento da denúncia, mormente se há outros elementos probatórios, obtidos licitamente, que podem, em tese, dar sustentação ao decreto condenatório. Recurso desprovido. (RHC 10974/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 26/02/2002, DJ 18/03/2002, p. 273)
ROSSETTO (2009, p.188) entende pela impossibilidade do titular da ação penal privada realizar o pedido diretamente ao magistrado:
Na ação penal privada é possível a interceptação telefônica, desde que obedecidos os requisitos já mencionados. Para tanto, deve o ofendido requerer a medida por simples petição à autoridade policial ou ao Ministério Público, os quais deverão requerer o deferimento da medida ao juiz competente para julgar a ação principal.
A vítima e o assistente de acusação, de acordo com a Lei n. 9.296/96, na ação penal pública, não podem solicitar a autorização de captação de conversa telefônica diretamente ao magistrado, mas nada os impede de sugerir à autoridade policial ou ao representante Ministério Público, para que estes sim requeiram a diligência diretamente. Em relação ao assistente de acusação, RANGEL (2000, internet) e NUCCI (2008, p. 728) têm compreensão diversa, respectivamente:
Pensamos que a hipótese se encaixa perfeitamente no artigo 271 do CPP quando diz: ... propor meios de prova... Ora, se pode propor meios de provas porque não propor a interceptação telefônica que é um meio de prova reconhecido pelas própria lei?
Assim, mesmo no (aparente) silêncio da lei, entendemos possível ao assistente de acusação requerer a medida, pois a omissão do legislador não poderá levar o intérprete a deixar de aplicar a analogia ou os princípios gerias do direito, sempre nos exatos limites estabelecido nos arts. 4º da LICC e 126 do CPC.
Pensamento poder, igualmente, pleitear diretamente ao juiz a realização da prova..., pois é direito do assistente de acusação propor ao magistrado meios de prova, não devendo haver filtro algum entre ele e o condutor da instrução criminal (o juiz, na fase do processo) ou o fiscalizador da investigação policial (igualmente o magistrado, na fase do inquérito).
A legislação permite o juiz decrete de “ofício” interceptação telefônica nas fases de investigação criminal e de instrução processual penal. No entanto, parte da doutrina entende que o caput do artigo 3º da Lei 9.296/96 é inconstitucional no ponto que autoriza o juiz a decretar interceptação de ofício na fase das investigações, pois cria a figura do juiz inquisidor, investigador, violando o sistema acusatório do processo, o princípio da imparcialidade do juiz, da inércia de jurisdição e o devido processo legal. Na ação direta de inconstitucionalidade n. 3.450, a procuradoria-geral da república se manifestou pela procedência do pedido, a fim de que seja declarada a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do artigo 3º da Lei n. 9.296/96, excluindo-se a interpretação que permite ao juiz, durante a fase pré-processual penal, determinar de ofício a violação das comunicações telefônicas. No mesmo sentido, GOMES (2010, p. 484):
(...) seja porque viola o processo acusatório, que tem incontestável assento constitucional, seja porque retira do juiz a necessária imparcialidade que, para além de representar uma importante garantia, é nota essencial da jurisdição, no nosso entender, é absolutamente inconstitucional a determinação da interpretação telefônica pelo juiz de ofício na fase pré-processual
Com entendimento contrário, AVOLIO (2010, p. 238) afirma que:
Poderia fazê-lo durante a fase do inquérito policial? Penso que sim, pois não vislumbro aí a figura do juiz inquisidor, o processo cautelar pode ser utilizado sempre que necessário, e não ficaria o juiz impassível diante de eventual inércia do Ministério Público ou da autoridade policial. O que o juiz não pode, por força do princípio da inércia da jurisdição, é iniciar a investigação ou a ação penal. Mas tendo-se deflagrado o inquérito, se pode ele o mais (decretar a prisão provisória), também poderia determinar diligência probatória, de cunho cautelar.
No bojo da ação penal, a maioria dos doutrinadores entende pela inexistência de inconstitucionalidade, pois o magistrado estaria utilizando-se do poder geral de cautela em busca da verdade real e nos moldes do sistema do livre convencimento. Distinguindo a fase pré-processual da processual, para análise da possibilidade da captação de ofício, o professor RANGEL (2000, internet) preleciona:
Assim, devemos ressaltar que o Juiz não deve conceder de ofício a medida cautelar preparatória, pois esta deverá ser requerida pelo Ministério Público (dominus littis) ou mediante representação da autoridade policial, pois pelo sistema acusatório, adotado entre nós, o Juiz foi afastado da persecução penal. Porém, nada obsta, que a medida cautelar incidental (adotada no curso do processo) possa ser deferida pelo Juiz de ofício em nome do princípio da verdade real e de acordo com o sistema do livre convencimento. Pois, se sustentarmos tese contrária, o Juiz também não mais poderia decretar medida cautelar pessoal de ofício (prisão preventiva) ou medida cautela real (busca e apreensão).
Assim, fazemos distinção: no curso do inquérito policial não pode (e não deve) o Juiz decretar a medida de ofício, porém no curso do processo nada obsta que o faça em nome dos postulados acima mencionados.
GOMES (2010, p. 484) faz ressalvas a este posicionamento, por acreditar que:
(...) no que diz respeito à fase processual, impõe-se a estrita observância do artigo 156 do CPP, II, que só autoriza ao juiz uma atividade probatória supletiva, complementar, nunca desencadeante da colheita da prova, em busca da descoberta da autoria ou materialidade de qualquer crime. O juiz atua de ofício, mas suplementarmente (quando haja necessidade para o aclaramento de algum ponto controvertido relevante). Mesmo quando atua suplementarmente, não pode o juiz ter como único escopo a busca de provas para condenar o réu, visto que, nesse caso, estaria atuando como órgão acusador.
A decisão judicial que indefere a solicitação de violação a captação telefônica elaborada pela autoridade policial é irrecorrível, porque não há previsão na legislação processual de recurso de Delegado de Polícia contra ato de juiz, salvo como parte propriamente dita. Por outro lado, se o magistrado indeferir o pedido do Ministério Público, seja na fase investigatória, seja na instrução processual, somente será pertinente o mandado de segurança. O direito líquido e certo se consubstancia no direito do titular da ação penal realizar a persecução criminal. A apelação é inviável, pois não se trata de decisão de mérito, não é definitiva e nem põe fim ao processo, além de que seria um contra senso chamar o investigado ou acusado para apresentar contra razões ao recurso. O recurso em sentido estrito também não é aceitável, já que não se trata de uma das situações do artigo 581 do Código de Processo Penal (rol taxativo).
A decisão que defere a interceptação telefônica é atacável mediante habeas corpus, a fim de debater a legalidade da medida cautelar. Ocorre que, se a legalidade da captação não for arguida na instância inferior, não poderá ser discutida na instância superior, sob pena de supressão de instância. Este é o entendimento do Supremo Tribunal Federal:
DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. SUPERVENIÊNCIA DO JULGAMENTO DO MÉRITO DO HC NA INSTÂNCIA ANTERIOR. PRELIMINAR DE MÉRITO NÃO CONHECIDA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. DECRETO DE PRISÃO PREVENTIVA SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADO. PROCESSO COMPLEXO. INEXISTÊNCIA DE EXCESSO DE PRAZO PARA O ENCERRAMENTO DA INSTRUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS CONHECIDO EM PARTE. ORDEM DENEGADA. 1. A questão de direito tratada neste habeas corpus refere-se à suposta ausência dos fundamentos concretos necessários para a decretação da prisão preventiva do paciente e do alegado excesso de prazo em sua custódia cautelar. 2. A superveniência do julgamento do mérito do habeas corpus pela instância anterior torna prejudicado o presente writ. Ainda que superado tal óbice, a hipótese é de denegação da ordem. 3. A preliminar de mérito suscitada pelo impetrante, referente à nulidade da interceptação telefônica, não foi apreciada no julgamento do Superior Tribunal de Justiça, e conhecê-la nesta Corte configuraria supressão de instância. 4. A prisão preventiva do paciente foi decretada para a garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal e aplicação da lei penal. 5. A decisão que decretou a prisão preventiva do paciente foi suficientemente fundamentada, estando de acordo com os requisitos previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal e com a jurisprudência da Corte. 6. Consta dos autos que, na ação a que responde o paciente, foram denunciadas 35 (trinta e cinco) pessoas, o que por si só torna a instrução processual bastante mais complicada. 7. Conforme se infere dos autos, trata-se de ação penal complexa que justifica eventual dilação no prazo para se encerrar a instrução processual, haja vista que a razoável duração do processo (CF, artigo 5°, LXXVIII), logicamente, deve ser harmonizada com outros princípios e valores constitucionalmente adotados no Direito brasileiro, não podendo ser considerada de maneira isolada e descontextualizada do caso relacionado à lide penal que se instaurou a partir da prática dos ilícitos. 8. Habeas corpus conhecido em parte, para denegar a ordem. (HC 97542, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 24/11/2009, DJe-237 DIVULG 17-12-2009 PUBLIC 18-12-2009 EMENT VOL-02387-05 PP-00764)