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A política remuneratória paritária das carreiras jurídicas e seu limite constitucional:

magistrados, membros do Ministério Público, procuradores e defensores públicos

Leia nesta página:

Discute-se a política remuneratória dos Procuradores e Defensores Públicos do Estado do Tocantins, objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.667/TO em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal.

Inicialmente, é de se registrar que o presente artigo busca analisar o regime jurídico de tratamento remuneratório das carreiras jurídicas no Estado do Tocantins, uma vez todas se encontram com subsídios fixados no limite máximo previsto no art. 37, inciso XI, da Constituição Federal de 1988.

Recentemente muito se tem discutido acerca da política remuneratória dos Procuradores e Defensores Públicos do Estado do Tocantins, uma vez que as Leis Complementares Estaduais ns. 67/2010 e 66/2010 são hoje objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.667/TO em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal desde 14/10/2011 e de relatoria do Ministro Marco Aurélio (encontra-se aguardando pauta para análise do pedido liminar – rito do art. 10 da Lei 9.868/99[1]).

Após algumas alterações em sua redação, quis o Legislador Constituinte Federal, através da Emenda Constitucional n. 41/2003, determinar que a política remuneratória das carreiras jurídicas do Ministério Público (Promotores e Procuradores de Justiça), dos Procuradores e dos Defensores Públicos, bem assim como a dos juízes, seguissem o parâmetro fixado em 90,25% do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.

Referida norma constitucional não permite interpretações divergentes: a política remuneratória dos Juízes, Promotores de Justiça, Procuradores e Defensores Públicos seguem exatamente a mesma linha de raciocínio, qual seja, 90,25% do subsídio mensal dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.

Neste ponto, devemos ressaltar que é exatamente este o entendimento do Supremo Tribunal quanto à questão:

“(...) Note-se que o referido dispositivo excepcionou os membros do Ministério Público, os Procuradores e Defensores Públicos do subteto correspondente ao subsídio do Governador apenas depois da promulgação da EC 41/2003.

Parece-me necessário, entretanto, indagar razão pela qual o inciso XI do art. 37, na redação dada pela EC 41/03, estabeleceu uma exceção tão somente em prol dos membros do Ministério Público, dos Procuradores e dos Defensores Públicos.

A razão, segundo entendo, reside no fato de que, embora os integrantes de tais carreiras não façam parte do Poder Judiciário, exercem, segundo assenta o próprio texto constitucional, ‘funções essenciais à Justiça’. Tal característica determinou que se conferisse tratamento isonômico aos membros das carreiras jurídicas[2].”

Foi com fundamento nesta norma constitucional, alterada pelo Poder Constituinte Reformador, que o Legislador Estadual editou as Leis Estaduais ns. 1.631/05 (Subsídio dos Magistrados), 1.632/05 (Subsídio dos Promotores de Justiça) e 1.634/05 (Subsídio dos Membros do Tribunal de Contas), estabelecendo, em todas elas, como subsídio mensal o limite máximo constitucional de 90,25% daquele percebido pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal. Veja-se:

Lei 1.631/2005. Art. 1o. O subsídio percebido pelos Desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, a partir de 1° de janeiro de 2005, corresponde a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.

Lei 1.632/2005. Art. 1o. O subsídio percebido pelos Procuradores de Justiça do Ministério Público do Estado do Tocantins, a partir de 1o de janeiro de 2005, corresponde a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.

Lei 1.634/2005. Art. 1o. O subsídio dos Conselheiros e Procuradores de Contas do Tribunal de Contas do Estado do Tocantins, a partir de 1o. de janeiro de 2005, correspondem a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.

Todas estas normas estaduais que determinaram a remuneração dos Magistrados, Promotores de Justiça e Membros do Tribunal de Contas Estadual datam do ano de 2005, quando deixaram de fora aqueles que recebem idêntico tratamento constitucional: os Procuradores e Defensores Públicos.

Foi somente com cinco anos de atraso que o Legislador Tocantinense estendeu tal determinação constitucional aos Defensores Públicos e Procuradores do Estado com a promulgação das já citadas Leis Complementares Estaduais n. 66/2010 e 67/2010.

Assim, em decorrência do citado dispositivo constitucional, foram promulgadas as impugnadas Leis Complementares Estaduais ns. 67/2010 e 66/2010, de iniciativa do Chefe do Poder Executivo Estadual,  as quais tiveram como escopo o realinhamento dos subsídios das carreiras de Procurador e Defensor Público do Estado – ainda que tardiamente – nos moldes do que determina o texto da Carta Republicana de 1988 com a promulgação da Emenda Constitucional n. 41/2003. Verbis:

LC 66/2010. Art. 1o O subsídio de Defensor Público de Classe Especial corresponde a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, a partir de 1o de julho de 2011, observado os limites previstos no inciso XI do art. 37 da Constituição Federal, diminuindo-se, respectivamente, 5% para a classe imediatamente inferior.

LC 67/2010. Art. 1o O subsídio de Procurador do Estado, Nível IV, corresponde a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, a partir de 1o de julho de 2011, observado os limites previstos no inciso XI do art. 37 da Constituição Federal, diminuindo-se, respectivamente 5% para o nível imediatamente inferior.

Este tratamento igualitário entre as carreiras jurídicas de Estado, já amplamente reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (RE n. 558.258/SP), agora está pendente de julgamento acerca de sua inconstitucionalidade. E, mais do que isso, em que pese a vigência das já citadas Leis Estaduais que fixam os subsídios dos Juízes, Promotores de Justiça e Membros dos Tribunais de Contas, absolutamente idênticas em conteúdo às Leis que fixam os subsídios dos Procuradores e Defensores Públicos do Estado, a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.667/TO discute apenas a validade dos subsídios percebidos pelo Procuradores e Defensores Públicos do Estado do Tocantins.

As possíveis consequências desta Ação Direta de Inconstitucionalidade podem e devem refletir sobre todas as carreiras jurídicas (Juízes, Promotores de Justiça, Membros dos Tribunais de Contas, Procuradores e Defensores Públicos) e não somente sobre aquelas que expressamente constam do seu pleito inicial.

Estas Leis, além de idêntico conteúdo normativo, nasceram por meio da mesma raiz constitucional e por isso não podem obter tratamento diferenciado: Art. 37, inciso XI, da CF/88.

Tanto isto é verdade que o mesmo Ministério Público Federal que emitiu parecer favorável ao pleito liminar na ADI n. 4.667/TO, é o Autor de Ação Direita de Inconstitucionalidade n. 3.997/MA que alega a inconstitucionalidade de dispositivo remuneratório idêntico da Magistratura do Estado do Maranhão (relatoria do Min. Luiz Fux) e da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.405/RJ, que requer a inconstitucionalidade de também dispositivo remuneratório análogo do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (relatoria também do Min. Marco Aurélio).

Deve-se, ainda, registrar curto trecho acerca do tratamento constitucional igualitário reconhecido às carreiras pelo próprio Ministro Marco Aurélio quando do julgamento do Recurso Extraordinário n. 558.258/SP:

“(...) Pelo sistema, pelo menos sob o ângulo do teto, membros do Ministério Público, procuradores e defensores públicos estão no mesmo patamar.”

Seguindo este raciocínio, caso a Suprema Corte entenda ser inconstitucional o Estado da Federação estabelecer o paradigma remuneratório máximo do subsídio mensal dos Ministros do Supremo Tribunal Federal para qualquer das carreiras jurídicas, assim o será para todas as demais à luz da Teoria da Transcendência dos Motivos Determinantes, pois quando se trata de fiscalização abstrata de constitucionalidade, como no presente caso da ADI, àquela tem aplicação. Veja-se a jurisprudência do STF:

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Cabe registrar, neste ponto, por relevante, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no exame final da Rcl 1.987/DF, Rel. Min. MAURÍCIO CORREA, expressamente admitiu a possibilidade de reconhecer-se, em nosso sistema jurídico, a existência do fenômeno da "transcendência dos motivos que embasaram a decisão" proferida por esta Corte, em processo de fiscalização normativa abstrata, em ordem a proclamar que o efeito vinculante refere-se, também, à própria "ratio decidendi", projetando-se, em conseqüência, para além da parte dispositiva         do      julgamento,         "in    abstracto",         de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade[3].

Em outras palavras, segundo a jurisprudência clássica firmada, os fundamentos e “razões de decidir” (ratio decidendi) de toda e qualquer decisão do Supremo Tribunal Federal em sede de controle abstrato de constitucionalidade, transcendem a ação em que foram proferidas e se aplicam a todas as normas que possuam a mesma inteligência legislativa, devendo ser aplicada imediatamente por toda a Administração Pública e demais órgãos do Poder Judiciário em virtude de seu efeito vinculante. Neste sentido:

"(...) revela-se evidente a violação ao conteúdo essencial do acórdão proferido na mencionada ação direta, que possui eficácia erga omnes e efeito vinculante. A decisão do Tribunal, em substância, teve sua autoridade desrespeitada de forma a legitimar o uso do instituto da reclamação. Hipótese a justificar a transcendência sobre a parte dispositiva, dos motivos que embasaram a decisão e dos princípios por ela consagrados, uma vez que os fundamentos resultantes da interpretação da Constituição devem ser observados por todos os tribunais e autoridades, contexto que contribui para a preservação e desenvolvimento da ordem constitucional[4]."

Assim, eventual decisão desfavorável às Leis Complementares 66/2010 e 67/20120 terá o condão de invalidar também as Leis Estaduais que fixam os subsídios da Magistratura, do Ministério Público e do Tribunal de Contas do Estado do Tocantins.

Por outro lado, ainda que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal caminhe no sentido do overruling, que é o fenônomo que acontece quando o tribunal, ao julgar um determinado caso concreto, percebe que a sua jurisprudência merece ser revisitada, e firme-se no sentido da inaplicabilidade da Teoria da Transcedência dos Motivos Determinantes, outro também não seria o caminho (da declaração de inconstitucionalidade).

Isto porque é este o pedido formulado pela Associação Nacional dos Procuradores de Estados e do Distrito Federal – ANAPE e pela Associação Nacional dos Defensores Públicos – ANADEP, ambas admitidas pelo Ministro Marco Aurélio na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.667/TO na condição de amicus curiae.

Desta forma, feita uma simplória análise jurídica das possíveis consequências acerca da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.667/TO, facilmente se chega à conclusão de que, independentemente do seu resultado, a conclusão balizará a política remuneratória de todas as carreiras jurídicas e não somente os Procuradores e Defensores Públicos. Há muito mais em jogo.


Notas

[1] Art. 10. Salvo no período de recesso, a medida cautelar na ação direta será concedida por decisão da maioria absoluta dos membros do Tribunal, observado o disposto no art. 22, após a audiência dos órgãos ou autoridades dos quais emanou a lei ou ato normativo impugnado, que deverão pronunciar-se no prazo de cinco dias.

§ 1o O relator, julgando indispensável, ouvirá o Advogado-Geral da União e o Procurador-Geral da República, no prazo de três dias.

[2] RE n. 558.258/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski. Julgamento unânime em 09/11/2010.

[3] STF: Reclamação 2.986/SE, Rel. Ministro Celso de Mello. Informativo STF n. 379/2005.

[4] STF: Reclamação 1.987/DF, Rel. Ministro Maurício Corrêa.

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Sobre o autor
Fernando Pessôa da Silveira Mello

Mestre em Direito Constitucional pela Escola de Direito de Brasília – EDB/IDP. Especialista em Direito Público. Juiz Auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça. Ex-Juiz Auxiliar da Presidência do Tribunal Superior Eleitoral. Juiz Ouvidor do TSE nas Eleições Presidenciais de 2018. Juiz Federal da Justiça Militar. Ex-Procurador de Estado (Procurador-Chefe junto ao Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça). Ex-servidor do Supremo Tribunal Federal (assistente jurídico de Ministro – STF) e do Ministério Público Federal (assessor de Subprocurador-Geral da República – PGR). Professor universitário e de cursos de pós-graduação.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELLO, Fernando Pessôa Silveira. A política remuneratória paritária das carreiras jurídicas e seu limite constitucional:: magistrados, membros do Ministério Público, procuradores e defensores públicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3817, 13 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26141. Acesso em: 29 mar. 2024.

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