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Antecedentes históricos da seguridade social no mundo e no Brasil

14/12/2013 às 07:08

Resumo:


  • A Seguridade Social mundial tem raízes nos modelos Bismarckiano e Beveridgiano, com origem na Alemanha em 1883 e no Reino Unido em 1942, respectivamente.

  • No Brasil, a Seguridade Social evoluiu de proteção privada e voluntária para a intervenção estatal, com marco normativo na Lei Eloy Chaves de 1923 e atualmente regida pelas Leis nº 8.080/90 (SUS) e nº 8.213/91 (Previdência Social).

  • A Constituição Federal de 1988 estruturou a Seguridade Social brasileira em Previdência Social, Assistência Social e Saúde, com custeio tripartido envolvendo empregador, trabalhador e governo.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

No Brasil, a proteção social evoluiu de forma semelhante ao plano internacional. Inicialmente foi privada e voluntária, passou para a formação dos primeiros planos mutualistas e, posteriormente, para a intervenção cada vez maior do Estado.

Resumo:A Seguridade Social não surgiu abruptamente, seja no mundo, seja no Brasil. Ela originou-se na necessidade social de se estabelecer métodos de proteção contra os variados riscos ao ser humano. A Seguridade Social, sob o enfoque mundial, tem origem nos modelos Bismarckiano (1883) e Beveridgiano (1942).  No Brasil, a proteção social evoluiu de forma semelhante ao plano internacional. Inicialmente foi privada e voluntária, passou para a formação dos primeiros planos mutualistas e, posteriormente, para a intervenção cada vez maior do Estado. O marco normativo da Seguridade Social brasileira foi a Lei Eloy Chaves, que criou nacionalmente as Caixas de Aposentadorias e Pensões para os ferroviários, e atualmente é regida pelas Leis nº 8.080/90 e nº 8.213/91, que criaram, sob a égide da Constituição Federal de 1988, o Sistema Único de Saúde (SUS) e o Plano de Benefícios da Previdência Social.

PALAVRAS-CHAVE: Seguridade Social. Direito Previdenciário. Modelo Bismarckiano. Plano Beveridge. Lei Eloy Chaves.


I. Considerações iniciais

A Seguridade Social não surgiu abruptamente, seja no mundo, seja no Brasil. Ela originou-se na necessidade social de se estabelecer métodos de proteção contra os variados riscos ao ser humano. Em verdade, a elaboração de medidas para reduzir os efeitos das adversidades da vida, como fome, doença, velhice, etc. pode ser considerada como parte da própria teoria evolutiva de Darwin, na parte em que refere à capacidade de adaptação da raça humana para sobreviver. Segundo Ibrahim, “não seria exagero rotular esse comportamento de algo instintivo, já que até os animais têm hábito de guardar alimentos para dias mais difíceis. O que talvez nos separe das demais espécies é o grau de complexidade de nosso sistema protetivo”[1].

Este é o tema deste ensaio: os antecedentes históricos da Seguridade Social no mundo e no Brasil.


II. Antecedentes históricos da Seguridade Social no mundo e no Brasil

Inicialmente, a proteção contra os riscos da vida era conferida pela família. Contudo, antigamente o conceito de família era bem mais amplo[2]. Nos dias de hoje, a reunião dos genitores e seus filhos sob a mesma moradia representa a ideia clássica de família. Contudo, no Império Romano, a família, normalmente sob o comando do homem mais velho que conservasse o vigor físico, o pater familiae, consistia num aglomerado maior, reunindo avós, pais, filhos, netos, sobrinhos, ou seja, além do vínculo sanguíneo em linha reta, uma mesma família também reunia a linha colateral em vários feixes.

Aqueles que não eram abarcados pela proteção familiar e não tinham condições de prover o próprio sustento dependiam da chamada ajuda aos pobres e necessitados. Por bastante tempo a caridade praticada pelos mais ricos tinha o efeito psicológico de diminuir-lhes a culpa pela exploração realizada ao seu próprio semelhante, tanto a exploração dos escravos como a exploração trabalhista sobre o homem livre. Dessa forma, a caridade seria a efetiva garantia de acesso ao Reino de Deus[3].

Formalmente, “a notícia da preocupação do homem em relação ao infortúnio é de 1344. Ocorre neste ano a celebração do primeiro contrato de seguro marítimo, posteriormente surgindo a cobertura de riscos contra incêndios”[4]. Vale ressaltar, no entanto, que a preocupação maior desses seguros não era com as pessoas, mas, sim, com as cargas e bens materiais[5].

Segundo Martins, posteriormente vieram as confrarias ou guildas, consistentes em associações com fins religiosos. Essas sociedades normalmente vinculavam pessoas da mesma categoria ou profissão, que tinham objetivos comuns. Os integrantes recolhiam valores anuais, que poderiam ser utilizados em caso de velhice, doença e pobreza. Saindo um pouco da realidade europeia, cabe destacar que o Império Inca, ainda que em estado evolutivo menos avançado, já se preocupava com os seus integrantes que não tinham capacidade de produção. Por essa razão, havia o cultivo de terras com trabalho comum, cuja meta era atender as necessidades alimentares dos anciãos, doentes e inválidos.[6]

Retornando à Europa, o ano de 1601 marcou o advento, na Inglaterra, do Poor Relief Act (lei de amparo aos pobres), que instituiu a contribuição obrigatória para fins sociais e consolidou outras leis sobre a assistência pública. Essa lei concedia aos juízes da Comarca o poder de tributar, pois autorizava que lançassem o imposto de caridade a ser pago por todos os ocupantes e usuários de terras. O valor arrecadado era centralizado nas paróquias e administrados pelos inspetores nomeados pelos juízes, cabendo a elas - paróquias - o auxílio aos indigentes.[7]

Também tem inegável relevância o artigo 21 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, acrescentado pela Convenção Nacional francesa de 1793. Dispôs o artigo 21 que “os auxílios públicos são uma dívida sagrada. A sociedade deve a subsistência aos cidadãos infelizes, quer seja procurando-lhes trabalho, quer seja assegurando os meios de existência àqueles que são impossibilitados de trabalhar.[8]” Assim, verifica-se que a proteção assistencial passou, progressivamente, a ser institucionalizada.

A gênese da proteção social conferida pelo Estado originou-se, então, na Alemanha, com a aprovação, em 1883, do projeto do Chanceler Otto Von Bismarck. A Lei do Seguro Social garantiu, inicialmente, o seguro-doença, evoluindo para abrigar também o seguro contra acidentes de trabalho (1884) e o seguro de invalidez e velhice (1889)[9]. O financiamento desses seguros era tripartido, mediante prestações do empregado, do empregador e do Estado.

Depois da atuação do Chanceler Alemão para diminuir a tensão existente entre as classes trabalhadoras, surge uma nova fase, denominada constitucionalismo social, em que o tema sob análise começa a ser positivado na própria Constituição dos países:

A primeira Constituição do mundo a incluir o seguro social em seu bojo foi a do México, de 1917 (art. 123). Previa que os empresários eram responsáveis pelos acidentes do trabalho e pelas moléstias profissionais dos trabalhadores, em razão do exercício da profissão ou do trabalho que executarem; por conseguinte, os patrões deverão pagar a indenização correspondente, conforme a consequência decorrente seja morte, ou simplesmente a incapacidade temporária ou permanente para o trabalho, de acordo com o que as leis determinarem. Esta responsabilidade subsistirá ainda no caso de o patrão contratar o trabalho por via de intermediário (XIV).

A Constituição Soviética de 1918 também tratava de direitos previdenciários.

A Constituição de Weimar, de 11-8-1919, criou um sistema de seguros sociais para poder, com o concurso dos interessados, atender à conservação da saúde e da capacidade para o trabalho, à proteção, à maternidade e à previsão das consequências econômicas da velhice, da enfermidade e das vicissitudes da vida (art. 161). Determinou que ao Estado incumbe prover a subsistência do cidadão alemão, caso não possa proporcionar-lhe a oportunidade de ganhar a vida com um trabalho produtivo (art. 163).

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi criada em 1919. Tal órgão passou a evidenciar a necessidade de um programa sobre previdência social, aprovando-o em 1921. Várias convenções vieram a tratar da matéria, como a de nº 12, sobre acidentes do trabalho na agricultura, de 1921; a Convenção nº 17 (1927), sobre “indenização por acidente de trabalho”, e outras.[10]

Após o modelo Bismarckiano, outros países aprovaram seus planos de proteção social. A Dinamarca aprovou o direito à aposentadoria em 1891. Logo depois, a Suécia desenvolveu o primeiro plano de pensão nacional universal. Na América Latina, os sistemas mais antigos de seguro social foram criados na Argentina, Chile e Uruguai, no começo da década de 1920.[11] Os Estados Unidos da América, de Franklin Roosevelt, instituíram o New Deal, com a doutrina do Wellfare State (Estado do bem-estar social), a partir de 1933, e editaram o Social Security Act, em 1935. A Nova Zelândia instituiu, em 1938, instituiu uma lei concedendo proteção a toda a população, implantando o seguro social e extinguindo o seguro privado. A Carta do Atlântico previu a previdência social como “um modo de viver livre do temor e da miséria”, em 14 de agosto de 1941.[12]

O ápice da evolução securitária deu-se a seguir, no ano de 1942, com a divulgação, na Inglaterra, do famoso Relatório Beveridge, que previa uma ação estatal concreta como garantidora do bem-estar social, estabelecendo a responsabilidade do Estado, além do seguro social, na área da saúde e assistência social. O Plano Beveridge foi elaborado por uma comissão interministerial de seguro social e serviços afins, nomeada um ano antes, com o escopo de estabelecer alternativas para a reconstrução da sociedade no período pós-guerra. É considerado um marco da evolução securitária porque se trata de um estudo amplo e minucioso de todo o universo do seguro social e serviços conexos, tendo questionado a proteção somente aos empregados, enquanto todos os trabalhadores estão sujeitos aos riscos sociais.[13]

O Plano Beveridge baseava-se numa proteção ampla e duradoura, tanto que Lorde Beveridge afirmara que a segurança social deveria ser prestada do berço ao túmulo (Social security from the cradle to the grave). Segundo Martins,

o Plano Beveridge tinha por objetivos (a) unificar os seguros sociais existentes; (b) estabelecer o princípio da universalidade, para que a proteção se estendesse a todos os cidadãos e não apenas aos trabalhadores; (c) igualdade de proteção; (d) tríplice forma de custeio, porém com predominância do custeio estatal.” O Plano Beveridge tinha cinco pilares: (a) necessidade; (b) doença; (c) ignorância; (d) carência (desamparo); (e) desemprego. Era universal e uniforme. Visava ser aplicado a todas as pessoas e não apenas a quem tivesse contrato de trabalho, pois o sistema de então não atingia quem trabalhava por conta própria. (...) Tinha por objeto abolir o estado de necessidade. Objetivava proporcionar garantia de renda às pessoas, atacando a indigência. (...) Os princípios fundamentais do sistema eram: horizontalidade das taxas de benefícios de subsistência, horizontalidade das taxas de contribuição, unificação da responsabilidade administrativa, adequação dos benefícios, racionalização e classificação.[14]

Com base no Relatório Beveridge, o governo inglês apresentou uma proposta de reforma da Previdência Social, implantando-o no ano de 1946.

No Brasil, a proteção social evoluiu de forma semelhante ao plano internacional. Inicialmente foi privada e voluntária, passou para a formação dos primeiros planos mutualistas e, posteriormente, para a intervenção cada vez maior do Estado.[15] No século XVI, decorrente da caridade imanente à fé cristão e a atuação da Igreja Católica, o padre jesuíta José de Anchieta fundou a Santa Casa de Misericórdia, cujo objetivo era prestar atendimento médico e hospitalar aos necessitados[16].

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Em 1795, foi criado o Plano de Benefícios dos Órfãos e Viúvas dos Oficiais da Marinha. Esse talvez seja a primeira ideia de pensão por morte no ordenamento jurídico brasileiro, na medida em que tinha por objetivo estabelecer proteção aos citados dependentes dos oficiais da Marinha contra o risco social morte. Em 1808, estabeleceu-se o montepio para a guarda pessoal de Dom João VI e, em 1835, o Montepio Geral dos Servidores do Estado (Mongeral).[17] Em 1º de outubro de 1821, Dom Pedro de Alcântra publicou Decreto concedendo o direito à aposentadoria aos mestres e professores, desde que completassem 30 (trinta) anos de serviço, bem como assegurou um abono de ¼ dos ganhos para aqueles que continuassem trabalhando depois de completarem o tempo para inativação[18].

Na Constituição Imperial de 1824, a referência mais próxima ao seguro social foi feita pelo artigo 179, inciso XXXI, ao constituir os Socorros Públicos[19]. Depois da proliferação dos Socorros Públicos, instituiu-se, como já referido, o Montepio Geral dos Servidores do Estado, no ano de 1835. Esse Montepio, que previa um sistema mutualista de cobertura de riscos, foi a primeira entidade privada a funcionar no país.[20]

Na vigência da Constituição Imperial, ainda, merecem destaque: a) o Código Comercial (1850), que previa o direito de manutenção do salário por três meses na hipótese de acidente imprevisto e inculpado; b) o Regulamento nº 737 (1850), que igualmente garantia aos empregados acidentados os salários por até três meses; c) o Decreto nº 2.711 (1860), que regulamentava o custeio dos montepios e das sociedades de socorros mútuos; d) o Decreto nº 9.912-A (1888) e nº 9.212 (1889), que, respectivamente, concedeu aos empregados dos Correios o direito à aposentadoria, ao conjugarem 60 (sessenta) anos de idade e 30 (trinta) anos de serviço e criou o montepio obrigatório para os seus empregados dos Correios; e) o Decreto nº 221 (1890), que instituiu o direito à aposentadoria para os empregados da Estrada de Ferro Central do Brasil.[21]

A Constituição Federal de 1891 foi a primeira a referir expressamente o termo “aposentadoria”, concedendo o direito à inativação somente aos funcionários públicos, no caso de invalidez. As outras categorias de trabalhadores não foram contempladas pela Constituição. Essa diferenciação de tratamento entre funcionários públicos e privados merece registro. A justificativa era a necessidade de conceder uma proteção aos militares porque eram eles que defendiam as fronteiras territoriais e mantinham a ordem, sacrificando-se pelo país. Essa argumentação é válida, mas é bom que se diga: ao manter a ordem, o exército mantinha o regime monárquico e o próprio imperador no poder. [22]

Na vigência da Constituição Federal de 1891, tem importância a edição da Lei nº 217 (1892), que concedeu o direito à aposentadoria por invalidez e a pensão por morte dos operários do Arsenal da marinha do Rio de Janeiro, da Lei nº 3.724 (1919), que estabeleceu o seguro acidente e tornou obrigatório o pagamento de indenização pelos empregadores e, principalmente, a Lei Eloy Chaves (Decreto nº 4.682/1923).[23]

A Lei Eloy Chaves é considerada um marco na evolução da Seguridade Social no Brasil, pois criou nacionalmente as Caixas de Aposentadorias e Pensões para os ferroviários.[24] O custeio das Caixas, conforme previsão do artigo 3º, era feito da seguinte forma:

a) uma contribuição mensal dos empregados, correspondente a 3% dos respectivos vencimentos;

b) uma contribuição anual da empresa, correspondente a 1% da sua renda bruta;

c) uma contribuição equivalente ao aumento de 1,5% sobre as tarifas das estradas de ferro;

d) as importâncias das joias pagas pelos empregados na data da criação da caixa e pelos admitidos posteriormente, equivalentes a um mês de vencimentos e pagas em 24 prestações mensais;

e) as importâncias pagas pelos empregados correspondentes à diferença do primeiro mês de vencimentos, quando promovidos ou aumentados de ordenado, pagas também em 24 prestações mensais;

f) o importe das somas pagas a maior e não reclamadas pelo público, dentro do prazo de um ano;

g) as multas que atingiam o público ou o pessoal;

h) as verbas sob rubrica de venda de papel velho e varreduras;

i) os donativos legados à caixa;

j) os juros dos fundos acumulados.[25]

Além da aposentadoria por invalidez, a Lei Eloy Chaves previa, no seu artigo 12, a aposentadoria ordinária nas seguintes situações:

a) integral, ao empregado ou operário que tenha prestado, pelo menos, 30 (trinta) anos de serviço e tenha 50 (cinquenta) anos de idade;

b) com 25% de redução, ao empregado ou operário que, tendo prestado 30 (trinta) anos de serviço, tenha menos de 50 (cinquenta) anos de idade;

c) com tantos trinta avos quanto forem os anos de serviço, até o máximo de 30 (trinta), ao empregado ou operário que, tendo 60 (sessenta) ou mais anos de idade, tenha prestado 25 (vinte e cinco) ou mais, até 30 (trinta) anos de serviço.[26]

Imperioso ressaltar que a Lei Eloy Chaves instituiu, no seu artigo 9º, item 3º, a pensão por morte para os dependentes dos segurados. O benefício seria extinto, nos termos do artigo 33, para a viúva, o viúvo ou pais, quando contraíssem novas núpcias, para os filhos, ao completarem 18 (dezoito) anos, para as filhas ou irmãs solteiras, ao contraírem matrimônio e, para todos, em caso de vida desonesta ou vagabundagem.[27]

Com a edição da Lei Eloy Chaves, outras categorias mobilizaram na busca pelos mesmos direitos, provocando uma extensão dessa medida protetiva. São exemplos dessa situação a Lei nº 5.109 (1926), que estendeu a incidência da Lei Eloy Chaves aos portuários e marítimos, e a Lei nº 5.485 (1928), referente ao pessoal das empresas de serviços telegráficos e radiotelegráficos.[28]

Após publicação da Lei Eloy Chaves, o desenrolar da Seguridade Social no Brasil passa pela Revolução de 1930, com o governo de Getúlio Vargas. Este Presidente reformulou os regimes previdenciário e trabalhista. Na esfera previdenciária, tem especial destaque a mudança da organização do sistema de caixas de Aposentadoria e pensão para institutos de aposentadoria e pensão. O primeiro a ser criado foi o Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Marítimos (Decreto nº 22.872/1933).  Gize-se que “a unificação das caixas em institutos também ampliou a intervenção estatal na área, pois o controle público ficou finalmente consolidado, já que os institutos eram dotados de natureza autárquica e subordinados diretamente à União, em especial ao Ministério do Trabalho”[29].

A Constituição Federal de 1934, que empregou o termo “previdência” dissociado do termo “social”, foi a primeira a estabelecer a forma tripartida de custeio, mediante contribuições do empregado, do empregador e do Estado. A Constituição Federal de 1937 não trouxe nenhuma inovação significativa, senão o emprego da expressão “seguro social”. A Constituição Federal de 1946 foi a primeira a empregar o termo “previdência social” em substituição à “seguro social”; também durante a sua vigência foi editada a Lei nº 3.807 (1960), que unificou a legislação securitária e foi apelidada de Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS). Em 1965 ocorreu um fato significativo, incluiu-se na Constituição Federal de 1946 um parágrafo proibindo a prestação de benefício sem a correspondente fonte de custeio.[30]

Finalmente, no ano de 1966, o Decreto nº 72 criou o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), autarquia integrante da administração indireta da União, com personalidade jurídica própria. Em 1977, a Lei nº 6.439 instituiu o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (SINPAS), conservando as competências previdenciárias do INPS, e criando, entre outros órgãos, o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS). Em 1976, novamente a legislação esparsa, que havia surgido desde a LOPS de 1960, foi unificada pelo Decreto nº 77.077 na Consolidação das Leis da Previdência Social (CLPS). A CLPS de 1976 foi substituída pela CLPS de 1984, aprovada pelo Decreto nº 89.312.[31]

Em 1988, sob inspiração do Wellfare State, foi publicada no Brasil uma nova Constituição Federal. O novel texto constitucional trouxe um capítulo abordando a Seguridade Social (artigos 194 a 204), que foi dividida em Previdência Social, Assistência Social e Saúde. Num primeiro momento, o custeio da Seguridade Social seria realizado por contribuições sociais do empregador, dos trabalhadores e sobre as receitas dos concursos de prognósticos. Com as emendas constitucionais que sobrevieram, o custeio foi melhor especificado, passando a ser da seguinte forma:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

b) a receita ou o faturamento; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

c) o lucro; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

III - sobre a receita de concursos de prognósticos.

IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

A Constituição Federal de 1988 reclamou a alteração da legislação ordinária. Dessa forma, em 1990, o SIMPAS, do qual faziam parte INPS e o INAMPS, foi extinto. A Previdência Social foi assumida, então, pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), criado pela Lei nº 8.029, e o atendimento médico hospitalar passou a ser realizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), criado pela Lei nº 8.080. Por fim, a CLPS de 1984 foi revogada pela Lei nº 8.213 (1991), que dispôs sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, e pela Lei nº 8.212 (1991), que institui o Plano de Custeio , vigentes até hoje.

Em breves linhas, estes são os principais fatos e atos normativos que demonstram a evolução da seguridade social no mundo e no Brasil.


III. Considerações finais

Diante de todo o exposto, possível concluir-se que a Seguridade Social, sob o enfoque mundial, tem origem nos modelos Bismarckiano e Beveridgiano. O modelo Bismarckiano foi inaugurado em 1883, com o seguro-doença, evoluindo para abrigar também o seguro contra acidentes de trabalho (1884) e o seguro de invalidez e velhice (1889). O Plano Beveridge (1942), por sua vez, era universal e uniforme, tendo cinco pilares: necessidade, doença, ignorância, carência (desamparo) e desemprego. Ele baseava-se numa proteção ampla e duradoura, tanto que Lorde Beveridge afirmara que a segurança social deveria ser prestada do berço ao túmulo (Social security from the cradle to the grave).

No Brasil, a proteção social evoluiu de forma semelhante ao plano internacional. Inicialmente foi privada e voluntária, passou para a formação dos primeiros planos mutualistas e, posteriormente, para a intervenção cada vez maior do Estado. O marco normativo da Seguridade Social brasileira foi a Lei Eloy Chaves, que criou nacionalmente as Caixas de Aposentadorias e Pensões para os ferroviários, e atualmente é regida pelas Leis nº 8.080/90 e nº 8.213/91, que criaram, sob a égide da Constituição Federal de 1988, o Sistema Único de Saúde (SUS) e o Plano de Benefícios da Previdência Social.


Notas

[1] IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário. 15ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010, p. 1.

[2] IBRAHIM, op. cit., p. 1.

[3] IBRAHIM, op. cit., p. 2.

[4] MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social. 30ª ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 3.

[5] IBRAHIM, op. cit., p. 2.

[6] MARTINS, op. cit., p. 3-4.

[7] MARTINS, op. cit., p. 4.

[8] FRANÇA. Declaração dos direito do homem e do cidadão alterada pela Convenção Nacional de 1793. 1793. Disponível em < http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/dec1793.htm>. Acesso em: 22 mar 2013.

[9] IBRAHIM, op. cit., p. 51.

[10] MARTINS, op. cit., p. 5.

[11] IBRAHIM, op. cit., p. 51.

[12] MARTINS, op. cit., p. 5.

[13] IBRAHIM, op. cit., p. 51-52.

[14] MARTINS, op. cit., p. 5-6.

[15] IBRAHIM, op. cit., p. 58.

[16] ALENCAR, Hermes Arrais. Benefícios previdenciários. 3ª ed.rev.e.atual. São Paulo: Universitária de Direito, p. 30.

[17] IBRAHIM, op. cit., p. 58.

[18] MARTINS, op. cit., p. 6.

[19] ALENCAR, op. cit., p. 31.

[20] MARTINS, op. cit., p. 6.

[21] MARTINS, op. cit., p. 6-7.

[22] IBRAHIM, op. cit., p. 59.

[23] MARTINS, op. cit., p. 7.

[24] ALENCAR, op. cit., p. 30.

[25] BRASIL. Decreto nº 4.682, de 24 de janeiro de 1923. Cria, em cada uma das estradas de ferro existentes no país, uma caixa de aposentadoria e pensões para os respectivos empregados. Disponível em <http://www.camara.leg.br>. Acesso em: 28 mar 2013.

[26] BRASIL. Decreto nº 4.682, op. cit..

[27] BRASIL. Decreto nº 4.682, op. cit..

[28] IBRAHIM, op. cit., p. 61.

[29] IBRAHIM, op. cit., p. 62.

[30] IBRAHIM, op. cit., p. 63-64.

[31] IBRAHIM, op. cit., p. 64-66.

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Sobre o autor
Rodrigo Guimarães Jardim

Procurador Federal. Especialista em Direito Público pela Universidade Potiguar (UnP). Graduado em Direito pela Universidade de Passo Fundo/RS (UPF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JARDIM, Rodrigo Guimarães. Antecedentes históricos da seguridade social no mundo e no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3818, 14 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26145. Acesso em: 21 dez. 2024.

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