Resumo:O artigo tem por escopo apontar alguns fatores que envolvem a Justiça do Trabalho e que colaboram com a tardia entrega jurisdicional visto que é cada vez mais concreta à morosidade enfrentada pelos jurisdicionados em receber o bem da vida neste ramo do direito. O artigo principia com o tema da garantia constitucional do Acesso à Justiça e a necessária celeridade processual frente a morosidade enfrentada pelos jurisdicionados em receber aquilo que está estampado na decisão judicial. Aborda o que pode ser compreendido como crise desembocando na silenciosa interferência do poder econômico no Poder Legislativo em seus diferentes graus de alcance ao que se inclui a função judicial e a formação jurídica no Brasil. Por fim são pinçadas formas de como a legislação, direcionada pelos detentores do capital, influenciam fortemente o comportamento dos cidadãos Brasileiros.
Palavras chave: Acesso à Justiça; Efetividade; Celeridade; Crise; Poder Econômico.
INTRODUÇÃO
A Emenda Constitucional n° 45 insere no Brasil no ano de 2004, um novo momento no âmbito Judicial acrescentando à Constituição da República Federativa do Brasil - CRFB o Inciso LXXVIII ao art. 5º, que assegura “a razoável duração do Processo e os meios que garantam a celeridade”. Guarneceu-se o Princípio Constitucional do Devido Processo Legal com o Princípio da Celeridade Processual, pretendendo efetivar o direito de forma cada vez próxima do momento dos fatos.
Por certo, não basta apenas a garantia do Acesso à Justiça e do devido processo legal se não se obtiver o mais rápido possível, uma decisão próxima dos fatos. Neste sentido o grande jurista brasileiro Rui Barbosa já afirmava que a Justiça tardia não é Justiça: É Injustiça.
A agilidade processual não pode sobrepor-se às leis processuais. Elas, por si só, já imprimem certa lentidão ao trâmite processual já que se prestam à garantia do justo acertamento do litígio por meio da tutela jurisdicional. São as leis que salvaguardam a segurança jurídica em um Estado de Direito.
Talvez por esse motivo o legislador decidiu pela expressão “razoável” ao art. 5º da CRFB, prevendo os percalços a se enfrentar de acordo com a particular realidade de cada região, o número de processos em trâmite, a natureza da causa, a infra-estrutura do Poder Judiciário que efetivamente não permitem que o termo “razoável” possa ser o mesmo para todas as contendas judiciais.
Atribui-se frequentemente ao judiciário a responsabilidade pela morosidade com o acertamento dos títulos judiciais. Este é o propósito deste artigo. Analisar algumas questões que envolvem silenciosamente esse ramo do direito e impedem uma entrega jurisdicional em tempo razoável com vista a avaliar se há uma crise do judiciário ou um descompasso entre os poderes do Estado Brasileiro.
1 ACESSO À JUSTIÇA E EFETIVIDADE: OBJETIVOS DIVERSOS
A classe trabalhadora brasileira está cada vez mais inconformada com a morosidade apresentada pela Justiça do Trabalho para receber aquilo que está estampado nas sentenças ou acórdãos. Os Relatórios Anuais da Consolidação Estatística da Justiça do Trabalho,[1] comprovam esta realidade, a partir da taxa de congestionamento[2] ou resíduos no ano de 2012, que representam números para além da casa de um milhão. Pelos dados estatísticos percebe-se que a cada dez processos, aproximadamente sete carecem de efetividade[3].
Para melhor demonstrar o que se está a refletir, este artigo compila abaixo as publicações do Tribunal Superior do Trabalho - TST entre os anos de 2004 e 2011 como forma de facilitar a compreensão do que vem ocorrendo com a justiça do Trabalho nos últimos anos.
JUSTIÇA DO TRABALHO |
Taxa de Congestionamento |
|||||||
22004 [4] |
2005 [5] |
2006 [6] |
2007 [7] |
2008 [8] |
2009[9] |
2010[10] |
2011[11] |
|
Tribunal Superior do Trabalho |
68,11% |
63,11% |
64,00% |
63,00% |
55,09% |
38,63% |
53,21% |
57,44% |
Tribunais Regionais do Trabalho |
35,29% |
31,65% |
30,00% |
28,00% |
25,46% |
24,93% |
23,24% |
19,40% |
Varas do Trabalho – Fase de Conhecimento |
30,43% |
33,03% |
34,00% |
33,00% |
33,98% |
35,25% |
34,42% |
34,17% |
Varas do Trabalho – Fase de Execução |
65,68% |
66,38% |
68,00% |
66,00% |
62,80% |
67,96% |
67,46% |
63,36% |
Wagner D. GIGLIO e Claudia Giglio Veltri CORRÊA consideram que o século XIX promove nos trabalhadores “radicais modificações: multiplicaram-se as relações e as facilidades de comunicação propiciaram a conscientização dos direitos de grande número de cidadãos que antes não participavam de negócios, não requeriam do Estado a prestação de serviços judiciais e praticamente não existiam para o Direito.”[12] Asseveram os autores que “as lides judiciais se multiplicaram, esgotando a capacidade de absorção das Cortes. Aí se encontra a principal causa da chamada “crise do Poder Judiciário”. (...) Tal crise consiste,(...), na existência de muitos processos e de poucos juízes, assoberbados e incapazes de oferecer a prestação jurisdicional com a presteza desejada.[13] (Grifos no Original).
Ressalta-se que o TST divulga números a partir do ano de 1990. O período coincide com a garantia Constitucional do direito fundamental de Acesso à Justiça.
Mauro CAPPELLETTI ensina que o reconhecimento do Acesso à Justiça como um direito fundamental dos cidadãos resulta da inserção dos jurisdicionados a um “sistema jurídico moderno e igualitário”[14] como forma de garantia e não mais apenas como um texto legal. Ensina que “embora o acesso efetivo à justiça venha sendo crescentemente aceito como um direito social básico nas modernas sociedades, o conceito de “efetividade” é, por si só, algo vago”[15] (grifos no original), já que a necessária efetividade constitucional em tempo razoável fica comprometida diante da morosidade que a fase de execução trabalhista apresenta.
José Afonso da SILVA acertadamente discorre sobre o assunto quando sustenta que a garantia do Acesso à Justiça “já inclui uma prestação jurisdicional em tempo hábil para garantir o gozo do direito pleiteado – mas crônica morosidade do aparelho judiciário o frustrava; daí criar-se mais essa garantia constitucional, com o mesmo risco de gerar novas frustrações pela sua ineficácia, porque não basta uma declaração formal de um direito ou de uma garantia individual para que, num passe de mágica, tudo se realize como declarado”.[16]
A interdependência entre o Acesso à Justiça em tempo ‘razoável’ para uma efetiva entrega jurisdicional é patente. Quando viola-se uma dessas garantias o resultado é uma crise de inefetividade do Poder Judiciário que desserve aos escopos da sociedade. Analisar este estado de crise é o objetivo da continuidade deste artigo questionando-se haver ou não uma crise na Justiça do Trabalho.
1.1 CRISE NA JUSTIÇA DO TRABALHO?
Quando se fala em crise do Judiciário ao que se inclui a Justiça do Trabalho, destaca-se o raciocínio de Juliana Pondé FONSECA que afirma que “o período crítico, para ser tido como tal, deve poder ser comparado com um período de normalidade, ou de “não crise”. Caso contrário, não há como separar uma crise de algo que simplesmente funcionava mal”. [17] (Grifos no original).
A autora avalia que não é de hoje o discurso por uma crise do Judiciário brasileiro, a ponto de não se poder distinguir um intervalo de tempo que se possa tomar como padrão de normalidade.[18] Afirma que, desde as primeiras críticas à crise no judiciário, justificaram-na pelo excesso de trabalho, ou seja, que a capacidade das cortes não era suficiente para suprir a demanda. Daí concluir-se que a baixa produção era o principal fator da crise. FONSECA assegura que,
na verdade, o Judiciário sempre funcionou mal – nunca conseguiu prestar tutelas adequadas e em tempo hábil aos litigantes, pois a demanda sempre foi muito maior do que o trabalho que seus órgãos poderiam executar. O simples fato de que a situação se agravou a proporções absurdas não faz com que a crise tenha se instaurado agora. O desenvolvimento da situação, inclusive, foi de acordo com o previsível - isso se alguém tivesse se dado ao trabalho de fazer essa previsão.[19]
Os relatórios estatísticos do TST ratificam o que a autora sustenta. No ano de 2011, percebe-se que os casos novos por magistrado na fase de conhecimento foram de 6.290 processos por Ministro no TST; 1.028 processos nos Tribunais Regionais e de 745 processos na 1ª Instância[20], 11,35% a mais que no ano de 2010. Desse resultado se extrai que a carga média de trabalho dos magistrados em 2011 foi de 1.192 processos, quando ainda se acumulará a este Magistrado os processos de em fase de execução originários em sua instância, elevando ainda mais essa carga de trabalho. Isso favorece a morosidade enfrentada para receber o bem da vida afetando consideravelmente a confiança do jurisdicionado no Direito.
É o que assevera o presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Ministro João Oreste Dalazen declarando à imprensa local de Curitiba que “um órgão do Poder Judiciário que não proporciona ao credor o direito que lhe foi reconhecido em sentença definitiva, ou que está reconhecido em acordo homologado em juízo, leva à descrença na Justiça”.[21]
Afirma-se que o objetivo do Direito, com o advento do “capitalismo monopolista e a consequente globalização e concentração do capital atual, bem como o colapso da cultura liberal-individualista, começa a não mais atender o universo complexo dos sistemas organizacionais e dos novos sujeitos sociais”,[22] que requerem do Estado maior intervenção até mesmo para manter o sistema vigente.
WOLKMER avaliado a estrutura normativa, considera que ela entrou em colapso uma vez que foi gerada em função de valores e interesses econômicos. As grandes alterações paradigmáticas indicam que esta estrutura não mais reflete os objetivos das condições de vida atual e sustenta:
As atuais sociedades de massa integrantes do centro e da periferia capitalista passam por novas e flexíveis modalidades de produção de capital, por radicais contradições sociais e por instabilidades continuadas que refletem crises, tanto em nível de legitimidade, quanto de produção e aplicação da justiça. Ademais, importa enfatizar que o esgotamento do modelo jurídico tradicional não é causa, mas o efeito de um processo mais abrangente que, tanto reproduz a transformação estrutural por que passa o sistema produtivo do Capitalismo global, quanto expressa a crise cultural valorativa que atravessa as formas de fundamentação dos diferentes setores das ciências humanas.[23]
Para WOLKMER, a expressão “crise” consiste na “agudização das contradições de classes e conflitos sociais de um dado processo histórico (...), daí ser possível afirmar que a crise é a desconformidade estrutural entre um processo e seu princípio regulador”. [24]
O doutrinador afirma que a Dogmática Jurídica se reveste de uniformização, sistematização e universalização mediante o consenso positivado pela comunidade jurídica. Esta proposição realizou uma grande contribuição científica oferecendo respostas previsíveis e regulares para os tipos de conflitos tradicionais, “o que permitia o funcionamento do sistema de forma eficaz: mantinha a certeza e a segurança jurídica”.[25] No entanto, na atualidade, presa de forma resistente à legalidade formal escrita, utilizando-se de técnicas que transmitem um conhecimento abstrato e estático, a Dogmática Jurídica, está sim em crise[26]. Considera que um novo modelo aponta para um amplo processo de “flexibilidade, de abrangência e racionalidade substantiva, superando a rígida identificação formal do Direito com a Lei e revendo o princípio do monopólio estatal de produção normativa”.[27]
Eros GRAU disserta que, a partir do momento em que o Estado Institucional rotulou-se de Estado Social e Democrático de Direito, a função estatal voltou-se ideologicamente por consenso às finalidades do interesse coletivo, sob a égide do dever-poder-jurídico, e a produção normativa acabou limitando-se ao direito formal do cidadão.[28]
Questiona-se, por estes argumentos a crise do Poder Judiciário. Não seria uma crise com o direito regulado pelo Estado na medida da influência que recebe do poder econômico? Esta verificação será compreendida na continuidade deste artigo quando são abordadas as ideologias que envolvem o Direito Processual.
1.2 DIREITO PROCESSUAL x IDEOLOGIA ESTATAL
O estudo do Direito Processual de qualquer área do direito, normalmente implica na análise de uma sucessão de épocas que remontam desde a Antiguidade até os tempos mais recentes. LEITE discorre sobre a necessidade de se questionar os valores eleitos pela sociedade para os sistemas jurídicos estabelecidos e a relação deles com as ideologias predominantes do Estado:
(...) em qualquer setor do conhecimento jurídico o intérprete se depara com as seguintes indagações: quais os valores mais importantes segundo a ideologia política do Estado? Como o Estado-Juiz pode contribuir na promoção da liberdade, igualdade e dignidade das pessoas? Como proteger o meio ambiente (incluindo o trabalho), o consumidor e os grupos vulneráveis (mulheres, negros, homoafetivos, crianças, idosos, trabalhador escravo, sem-terra e indígenas)? A politização da justiça ou a judicialização da política podem contribuir para a promoção de um sistema juridicamente justo? A constitucionalização do Direito Processual do Trabalho pode contribuir para a efetividade do acesso à justiça?[29]
Partindo dessas indagações, o doutrinador inicia sua preleção analisando o Estado Liberal afirmando que o direito criado pela classe dominante se estabelece como um limitador da ação estatal cujo objetivo foi tão somente garantir e proteger a liberdade individual e a propriedade. O direito, portanto, se caracterizou pelo tecnicismo, legalismo, positivismo jurídico acrítico, formalismo e pela predominância da neutralidade do Poder Judiciário.[30] Logo, a jurisdição estatal passava ao largo da política, atuando apenas como reprodutora da racionalidade legislativa por meio de uma dogmática inoperante, garantindo tão somente a ordem jurídica e a economia liberal, formalmente.
Soma-se a este pensamento o ensinamento de Marçal JUSTEN FILHO. O autor afirma que o “Estado e o Direito buscam (têm de buscar) a promoção do bem-estar concreto dos cidadãos, a supressão da pobreza e das desigualdades, a promoção da dignidade da pessoa humana. Esses ideais políticos conduziram ao florescimento de ideais de ativismo e intervencionismo estatal”.[31] Estes ideais requereram do Estado a função de intervir evitando que a economia vise exclusivamente o lucro instaurando-se a exigência da função social da propriedade, graças à participação política dos trabalhadores na elaboração da ordem jurídica.[32]
Assim, o processo passa a visar a jurisdição, “(...) com vistas a permitir o acesso do economicamente fraco à justiça (...)”[33] que no Brasil, segundo LEITE, ensejou a criação da Justiça do Trabalho no ano de 1939.
Nessa linha de pensamento é interessante fazer constar a observação de Juliana Pondé FONSECA sobre esses espaços de transição do modelo Estatal. Diz a autora que no Brasil “nunca houve essa passagem do Estado Liberal, que não intervinha na economia nem na sociedade, para o Estado Social, ativo e interventor. As singularidades do caso brasileiro são tantas que a análise não pode ser feita nos mesmos moldes em que é feita em outros países”.[34]
De fato, o Brasil não vivenciou a maioria das experiências sociais e jurídicas que marcaram a história mundial. Na verdade, o Brasil registrou a maioria das experiências estrangeiras, tidas em outras formações sociais.
Essa isolada opinião se vê guarnecida – ainda que em outras palavras e voltada para a doutrina jurídica – pelo entendimento de João Gaspar RODRIGUES:
A doutrina jurística brasileira é superficial, palavrosa e imitativa, além de, em regra, ser compilatória e difusora de ideias estrangeiras, que nada tem a ver com a nossa realidade selvática e tropical. Escrevem (e pensam) os nossos doutrinadores e “autoridades” com um olho na Europa. Enfim, nossa doutrina, em regra, exerce apenas um papel de vulgarização de ideias pensadas além-mar. Nada de original é produzido! Diante disso, não é difícil dar as mãos ao que dizia Afonso Pena Junior a respeito de nossa literatura jurídica: livros do óbvio, pois que neles, além deles, nada se encontrava.[35]
Apesar da forte crítica do autor, este artigo considera importante a transcrição, visto que a doutrina, a depender da adoção de determinadas teses, pode colaborar fortemente com a morosidade da execução.
A ideologia que permeia o processo do trabalho relaciona-se com a força do poder econômico. As regras que regulamentam a fase da execução estão modeladas para expressar aquilo que é desejado pelos detentores dos meios de produção. Essa silenciosa ingerência do poder econômico na legislação alcança ainda outras dimensões do Estado, como por exemplo, a formação jurídica brasileira, minando a capacidade de enfrentamento pelo indivíduo na superação destas dificuldades. Este é o tema a ser abordado na próxima etapa deste artigo.
1.3 A FORMAÇÃO JURÍDICA NO BRASIL
A experiência vivida pelo magistrado Luiz Eduardo GUNTHER, o faz afirmar que há um espírito popular de que o processo é um jogo na Justiça do Trabalho. Observa que na maioria dos litígios o autor tem pressa e o réu quer ir devagar, alongando a prestação de contas. O doutrinador ressalta a infeliz constatação da existência de autores e réus que querem ganhar de qualquer forma e a qualquer custo, independentemente da realização de justiça enfatizando ser o processo um jogo de forças.[36] Salienta o autor que mesmo os jogos possuem regras previamente estabelecidas e que necessariamente essas regras devem ser respeitadas.[37]
Admitem alguns doutrinadores que esta atuação está vinculada com a preparação e atualização dos Juízes. Destaca-se neste artigo a tese abordada por Dalmo de Abreu DALLARI a defender a necessidade de um novo modelo do ensino jurídico para que o ingresso na magistratura seja capaz de realizar “a difícil simbiose de agente político, técnico do direito e conciliador de conflitos humanos e sociais”[38] que é a função judicial.
Afirma o autor que “a metodologia de ensino jurídico que prevalece na América Latina oscila entre dois vícios. Num extremo, o estudo limita-se a análise de doutrinas e doutrinadores, no plano das abstrações e do jogo intelectual, agredindo o estudante com uma profusão de autores e de teorias”.[39] Argumenta que, como o aluno não compreende muito bem a finalidade dessa metodologia, acaba por apreender, em curto espaço de tempo, o necessário para ser aprovado.[40]
Por outro lado, o autor crítica também o modelo daqueles professores que se dedicam a ensinar o Direito exclusivamente com base em códigos. Alerta que quando o aluno vir a se depara com a realidade de um processo, perceberá que será necessário muito mais que o texto legal para operar o direito com a pretensa justiça assegurada pelo Estado.[41]
Ressalta o autor, ser necessário um ensino jurídico de tal forma, que reúna doutrinas, textos legais, estágios e pesquisas “a fim de que ele possa conhecer, através da prática, quais são as verdadeiras características de cada área profissional e que tipo de preparo se faz mais necessário para cada uma (...) o modo de agir, as exigências e responsabilidades (...). Desse modo se reduzirá, por exemplo, o risco de que ele ingresse na magistratura levado por uma concepção equivocada do trabalho do juiz (...)”.[42]
Neste diapasão, interessante se faz aqui reproduzir a entrevista realizada com o Excelentíssimo Juiz da 17ª Vara do Trabalho da 9ª Região, Doutor José Aparecido dos Santos que muito bem relaciona o procedimento da fase de execução trabalhista e a formação jurídica no Brasil. Foi lhe perguntado se os altos números de represamento de processos na fase de execução da Justiça do Trabalho estariam relacionados com a formação jurídica ou com as influências econômicas no Direito Brasileiro, ao que respondeu:
(...) a execução propriamente dita é alguma coisa que ninguém gosta na área jurídica. Você não aprende execução na faculdade. Você aprende muito pouco de execução na especialização, não existe quase nada de execução no mestrado e no doutorado. Na área trabalhista é pior ainda porque os advogados têm a crença de que o importante é você ganhar na sentença e que depois o processo vai ser tocado e que mais cedo ou mais tarde ele vai pegar os bens, vai encontrar bens do devedor e vai executar porque o próprio Poder Judiciário vai tocando o processo. Então o advogado não tem uma estratégia para a execução. Ele vai para o processo, imaginando que o que importa para ele é fazer uma boa petição inicial, ganhar uma boa sentença e que o resto vai meio no que der. (...) o grande problema é que (...) uma boa execução está relacionada com uma boa petição inicial. Se você não inclui codevedores na petição inicial, às vezes você terá problemas seriíssimos na execução. Não inclui o tomador de serviços, devedores subsidiários, devedor solidário e aí você vai chegar na execução e não vai conseguir resolver. (...) O advogado tem que ter uma participação mais ativa na execução. Porque a secretaria, os servidores, o próprio juiz, ele está trabalhando aqui sem ter contato com a realidade. Quem tem contato com a realidade, quem tem condições de ir lá e verificar se a empresa está funcionando naquele local, obter uma informação a respeito de uma fraude, uma sucessão, é o advogado. O cliente dele também pode ajudar. Porque as vezes o cliente dele está trabalhando ali, próximo, junto com a pessoa. Então, falta às vezes comunicação. Esse é o nosso sentimento. (...) é muito comum aqui, a gente começar a execução, já fazemos o BACENJUD que é a conhecida penhora online, depois fazemos a consulta no DETRAN, fazemos consulta em cartório de Imóveis e não encontramos bens nenhum. Aí intimamos, fazemos despacho ao autor para indicar bens a penhora porque não foram encontrados. O advogado não indica bens a penhora, geralmente ele repete, faz uma petição padrão dizendo que quer que faça o BACENJUD, RENAJUD, INFOJUD, vai fazendo essa referência que na verdade já foi realizado, ou, pior ainda, mesmo que a secretaria não tenha efetuado um ou outro, o que importa mesmo para a efetividade é ele ter alguma estratégia dentro da Execução. A maior parte não tem (...) esse feeling, essa vontade com a execução. O advogado ainda está centrado na ideia que o negócio dele é vir fazer a audiência, peticionar, poucos advogados (tem alguns) (...) se dedicam efetivamente a execução. Mas, não é só o Advogado. A maior parte dos juízes não tem gosto nenhum pela execução, não gostam da execução, não entendem de execução. Eles acham que execução é uma coisa assim para a secretaria e vão levando conforme dá para levar porque o trabalho principal deles é fazer a sentença. E a avaliação do juiz de produtividade leva em conta exclusivamente o que ele faz na parte de conhecimento. Execução não conta absolutamente nada. Se o juiz está bem na execução ou não é absolutamente irrelevante para uma condição do juiz. (...) para a corregedoria que vem fazer avaliação, a avaliação da execução é como se fosse um trabalho da secretaria propriamente dita e não da atividade da qual um juiz deveria participar mais ativamente, resolver. Então é uma coisa bem do brasileiro. O brasileiro acha mais importante o título do que a solução. E no meio jurídico todo mundo também é assim. O que faz mais bonito é a sentença na fase de conhecimento. Isso é bonito, é elogiado, pontua para o advogado que ganhou, para o juiz que proferiu. A execução é uma coisa mais secundária. O nosso Tribunal tentou reverter isso com a criação da seção especializada. Já ajudou significativamente. Melhorou bastante. Tem-se hoje uma seção especializada em execução no Tribunal e entre os Desembargadores é uma espécie de Turma específica para julgar apenas a Execução. (...) eles decidem de forma uniforme a respeito de Execução em todo o Paraná, só as questões dos recursos. (...).[43]
A realidade prática enfrentada na fase de Execução revelada pelo magistrado demonstra que há estreita ligação com o poder econômico para que não haja celeridade na fase de execução. A EC nº 45 no ano de 2004 identificou grande parte destes elementos e pretendeu impor um novo modelo de gestão ao Poder Judiciário a partir da instituição do CNJ e das Escolas Judiciais visando promover à administração do judiciário comprometido com a realização da justiça através da formação do juiz-gestor.
Suzi Cavalcante KOURY entende que essa formação associa o “conceito de competência ao planejamento estratégico e à aprendizagem, sendo a primeira questão que se deve colocar a de que tipo de conhecimento, habilidade e atitudes devem ser desenvolvidos por um juiz (...)”[44] já que “lá na ponta, está o consumidor final, o jurisdicionado, que espera que o produto do seu trabalho, a solução efetiva do conflito, seja-lhe entregue com rapidez e eficácia (...).”[45] (Sem grifos no original).
A autora conclui apontando que “a complexidade da sociedade atual criou novas demandas e exige rapidez nas respostas, de tal sorte que o lema do Poder Judiciário só pode ser “mudar para atender aos anseios dos jurisdicionados””.[46] (Grifos no original).
Abili Lázaro Castro de LIMA alerta sobre o perigo de considerar o jurisdicionado como consumidor. Este perfil revela um ser preocupado com “a satisfação de suas necessidades consumistas”[47] afastando-o de sua “condição de cidadão, ou seja, de participar da vida pública,[48] o que o torna “(...) um mero súdito, passivo e conformado com esta realidade,”[49] argumentando que “essa condição de consumidor assumida pelo cidadão no mundo globalizado constitui uma subversão às conquistas políticas obtidas no seio do Estado moderno”.[50] Esse perfil favorece um “individualismo, egoísmo e apatia política engendrados pelo consumo”[51], aos cidadãos que lhes permite a auto exclusão da essência de cidadania.