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Ampla defesa no inquérito policial

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14/12/2013 às 14:45

Resumo:


  • O inquérito policial no Brasil, iniciado em 1841, é um procedimento investigativo de natureza inquisitiva, conduzido pela Polícia Judiciária, que tem como objetivo apurar infrações penais e suas autorias.

  • Existem divergências doutrinárias quanto à aplicação do direito à ampla defesa no inquérito policial, com posições favoráveis e contrárias, e outras que defendem uma aplicação intermediária, especialmente em relação a provas periciais.

  • O valor probatório do inquérito policial é discutido, com a predominância da visão de que possui valor probatório relativo, não podendo fundamentar, por si só, uma condenação criminal, exceto em casos de provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3. SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS

O processo e a jurisdição possuem duas finalidades precípuas: evitar a impunidade de criminosos e que pessoas inocentes venham sofrer condenações (MARQUES, 2003 apud ROUX,1920).

Para solucionar um litígio penal de modo certeiro, é necessário por parte do magistrado o conhecimento exato da lide que irá julgar, para então, aplicar a lei de maneira adequada (MARQUES, 2003).

“A descoberta da verdade se apresenta, assim, como meio e modo para a reconstrução dos fatos que devem ser julgados, e, consequentemente, da aplicação jurisdicional da lei penal” (MARQUES, 2003).

O processo, por meio do qual se realiza a investigação, a fim de obter o conhecimento das circunstâncias do fato criminoso, pode revestir-se de variados sistemas. Historicamente, conforme ensina Guilherme de Souza Nucci (2008), há três sistemas regentes do processo penal: a) inquisitivo; b) acusatório; c) misto.

Porém, verifica-se posição divergente na doutrina de José Frederico Marques (2003), o qual aponta apenas a existência do sistema inquisitivo e acusatório.

3.1 Sistema inquisitivo

O sistema inquisitivo tem origem nos regimes monárquicos, vindo a se aperfeiçoar durante o direito canônico. Em meados dos séculos XVI, XVII e VIII, passou a ser adotado pela maioria das legislações européias. Surgiu após o acusatório privado, com a justificativa de que não se poderia permitir que a defesa social dependesse da vontade dos particulares, os quais davam início a persecução penal (RANGEL, 2006).

A fim de evitar impunidades e injustiças, o Estado avocou para si a função de acusar e julgar,

O cerne de tal sistema era a reinvindicação que o Estado fazia para si do poder de reprimir a prática dos delitos, não sendo mais admissível que tal repressão fosse encomendada ou delegada aos particulares. O Estado-juiz concentrava em suas mãos as funções de acusar e julgar, comprometendo, assim, sua imparcialidade.  Porém, à época, foi a solução encontrada para retirar das mãos do particular as funções de acusar, já que este só o fazia quando queria, reinando, assim, certa impunidade, ou tornando a realização da justiça dispendiosa[68](RANGEL, 2006).

No processo inquisitivo realiza-se uma investigação unilateral. Conforme Guilherme de Souza Nucci (2008) caracteriza-se pela concentração do poder nas mãos do julgador:

É caracterizado pela concentração de poder nas mãos do julgador, que exerce também, a função de acusador; a confissão do réu é considerada a rainha das provas; não há debates orais, predominando procedimentos exclusivamente escritos; os julgadores não estão sujeitos à recusa; o procedimento é sigiloso; há ausência de contraditório e a defesa é meramente decorativa (NUCCI, 2008).

Eugênio Pacelli de Oliveira (2006) define o sistema inquisitivo como “(...) o sistema em que as funções de acusação e julgamento estariam reunidas em uma só pessoa (ou órgão)”.

Julio Fabbrini Mirabete (2006) conceitua o sistema inquisitivo como uma forma autodefensiva de administração da justiça:

No sistema inquisitivo encontra-se mais uma forma autodefensiva de administração da justiça do que um genuíno processo de apuração da verdade. Tem suas raízes no Direito Romano, quando, por influência da organização politica do Império, se permitiu ao juiz iniciar o processo de ofício. Revigorou-se na Idade Média diante da necessidade de afastar a repressão criminal dos acusadores privados e alastrou-se por todo o continente europeu a partir do século XV diante da influencia do Direito Penal da Igreja e só entrou em declínio com a Revolução Francesa. Nele inexistem regras de igualdade e liberdade processuais, o processo é normalmente escrito e secreto e se desenvolve em fases por impulso oficial, a confissão é elemento suficiente para a condenação, permitindo-se inclusive a tortura etc. (MIRABETE, 2006).

Na concepção de Fernando Capez (2011), o sistema inquisitivo “É sigiloso, sempre escrito, não é contraditório e reúne na mesma pessoa as funções de acusar, defender e julgar (...). Ainda segundo o referido autor, neste sistema, o réu é visto como um objeto, por tal motivo, admitia-se a utilização de tortura para se obter uma confissão.

Geraldo Prado (2006) expõe que o objetivo predominante do sistema inquisitório é a realização do direito penal material “o poder de punir do Estado (ou de quem exerça o poder concretamente) é o dado central, o objetivo primordial”. Sendo assim, os atos realizados pelo juiz devem estar em consonância com o referido objetivo, explica: “Em linguagem contemporânea equivale a dizer que o juiz cumpre função de segurança pública no exercício do magistério penal”.

 Para Edílson Mougenot Bonfim (2009), o sistema inquisitivo pode ser considerado primitivo, haja vista, prejudicar o réu em sua defesa,

É o processo em que se confundem as figuras do acusador e do julgador Em verdade, não há acusador nem acusado, mas somente o juiz (o inquisidor), que investiga e julga, e o objeto de sua atividade (o inquirido). É considerado primitivo, já que o acusado é privado de contraditório, prejudicando lhe o exercício da defesa. Aduz-se também, como característica desse sistema, o fato de inexistir liberdade de acusação, uma vez que o “juiz” se converte ao mesmo tempo em acusador, assumindo ambas as funções.

No sistema inquisitivo “(...) o próprio órgão que investiga é o mesmo que pune. (...) Não há separação de funções, pois o juiz inicia a ação, defendo o réu e, ao mesmo tempo julga-o” (RANGEL, 2006).

O juiz não constrói seu convencimento a partir das provas produzidas pelas partes e trazidas ao processo, mas, pelo contrário, aquele é quem objetiva convencer as partes de sua íntima convicção, pois, ao dar início a persecução penal, já emitiu um juízo de valor (RANGEL, 2006).

3.2 Sistema acusatório

O sistema acusatório tem origem na Grécia e em Roma (MIRABETE, 2006).

No Direito Grego, desenvolveu-se pela participação direta do povo, os quais exerciam o direito a acusação e atuavam como julgadores. Para os delitos graves, vigorava o sistema de ação popular, no qual, qualquer indivíduo poderia fazer acusações; em se tratando de delitos menos graves, vigorava o sistema de acusação privada, em consonância com os princípios do Direito Civil. Em Roma, no Direito Romano da Alta República, surgem a cognitio[69] e accusatio[70], quais sejam as duas formas de processo penal[71] (LOPES JUNIOR, 2006).

Com o sistema acusatório se mostrando ineficaz, os juízes passaram a invadir as atribuições dos julgadores privados, e, aos poucos, o sistema acusatório foi dando lugar ao inquisitório, é o que expõe Aury Lopes Junior (2009). Vejamos:

Mas na época do Império o sistema acusatório foi se mostrando insuficiente para as novas necessidades de repressão dos delitos, ademais de possibilitar com frequência os inconvenientes de uma persecução inspirada por ânimos e intenções de vingança. Por meio dos oficiais públicos que exerciam a função de investigação (os denominandos curiosi, nunciatores, stationarii[72], etc.), eram transmitidos aos juízes os resultados obtidos. A insatisfação com o sistema acusatório vigente foi causa de que os juízes invadissem cada vez mais as atribuições dos acusadores privados, originando a reunião, em um mesmo órgão do Estado, das funções de acusar e julgar. A partir daí, os juízes começaram a proceder de ofício, sem acusação formal, realizando eles mesmo a investigação e posteriormente dando a sentença. Isso caracterizava o procedimento extraordinário, que, ademais, introduziu a tortura no processo penal romano. E se no início predominava a publicidade dos atos processuais, isso foi sendo gradativamente substituído pelos processos à porta fechada. As sentenças, que na época Republicana eram lidas oralmente desde o alto do Tribunal, no Império assumem a forma escrita e passam a ser lidas na audiência. Nesse momento surgem as primeiras características do que viria a ser considerado como um sistema: o inquisitório. Também o processo penal canônico (antes marcado pelo acusatório) contribuiu definitivamente para delinear o modelo inquisitório, mostrando na Inquisição Espanhola sua face mais dura e cruel. Finalmente, no século XVIII, a Revolução Francesa e suas novas ideologias e postulados de valorização do homem levam a um gradual abandono dos traços mais cruéis do sistema inquisitório.

Ainda conforme Aury Lopes Junior (2006), na atualidade, a forma acusatória apresenta as seguintes características:

a) clara distinção entre as atividades de acusar e julgar; b) a iniciativa probatória deve ser das partes; c) mantém-se o juiz como um terceiro imparcial, alheio a labor de investigação e passivo no que se refere à coleta da prova, tanto de imputação como de descargo; d) tratamento igualitário das partes (igualdade de oportunidades no processo); e) procedimento é em regra oral (ou predominantemente); f) plena publicidade de todo o procedimento (ou de sua maior parte); g) contraditório e possibilidade de resistência (defesa); h) ausência de uma tarifa probatória, sustentando-se a sentença pelo livre convencimento motivado do órgão jurisdicional; i) instituição, atendendo a critérios de segurança jurídica (e social) da coisa julgada; j) possibilidade de impugnar as decisões e o duplo grau de jurisdição.

Adilson José Vieira Pinto (1999) assevera que o sistema acusatório constitui “(...) um sistema penal das partes, em que acusador e acusado se encontram em pé de igualdade; é, ainda, um processo de ação, com as garantias da imparcialidade do juiz e da publicidade”.

Segundo Paulo Rangel (2006), caracteriza-se pela nítida divisão de funções:

(...) o juiz é órgão imparcial de aplicação da lei, que somente se manifesta quando devidamente provocado. O autor é que faz a acusação (imputação + pedido), assumindo, ([segundo nossa posição (cf. Item 1.7, supra).]) todo ônus da acusação, o réu exerce todos os direitos inerentes à sua personalidade, devendo defender-se utilizando todos os meios e recursos inerentes à sua defesa. Assim, no sistema acusatório, cria-se o actum trium personarum, ou seja, o ato de três personagens: juiz, autor e réu.

No sistema acusatório, autor e réu, encontram-se em pé de igualdade, e em sobreposição ao ambos, encontra-se o juiz, o qual é órgão imparcial de aplicação da lei (MIRABETE, 2006).

O sistema acusatório é marcado pelo crivo do contraditório, no qual se permite a defesa ampla. O julgador é imparcial e igualmente distante das partes do litigio, as quais igualitariamente têm direito à produção de provas, auxiliando na busca da verdade real (BONFIM, 2012).

Paulo Rangel (2006) aponta importantes características do sistema acusatório:

a) há separação entre as funções de acusar, julgar e defender, com três personagens distintos: autor, juiz e réu (ne procedat iudex ex offício[73]); b) o processo é regido pelo principio da publicidade dos atos processuais, admitindo-se, como exceção, o sigilo na prática de determinados atos (no direito brasileiro, vide art. 93, IX, da CRFB c/c art. 792, § 1º c/c art. 481, ambos do CPP[74]); c) os princípios do contraditório e da ampla defesa informam todo o processo. O réu é sujeito de direitos, gozando de todas as garantias constitucionais que lhe são outorgadas; d) o sistema de provas adotado é o do livre convencimento, ou seja, a sentença deve ser motivada com base nas provas carreadas para os autos. O juiz está livre na sua apreciação, porém, não pode se afastar do que consta no processo (cf. art. 157 do CPP c/c art. 93, IX, da CRFB[75]); e) imparcialidade do órgão julgador, pois o juiz está distante do conflito de interesse de alta relevância social instaurado entre as partes, mantendo seu equilíbrio, porém, dirigindo o processo adotando as providencias necessárias à instrução do feito, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias (cf. 130 do CPC[76]).

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Eugênio Pacelli (2012) diferencia o sistema acusatório do inquisitório da maneira que segue,

a) o sistema acusatório, além de se atribuírem a órgãos diferentes as funções de acusação (e investigação) e de julgamento, o processo, rigorosamente falando, somente teria início com o oferecimento da acusação. b) já no sistema inquisitório, como o juiz atua também na fase de investigação, o processo se iniciaria com a notitia criminis, seguindo-se a investigação, acusação e julgamento.

Da mesma maneira, leciona Guilherme de Souza Nucci (2012),

Possui nítida separação entre o órgão acusador e julgador; há liberdade de acusação, reconhecido o direito ao ofendido e a qualquer cidadão; predomina a liberdade de defesa e a isonomia entre as partes no processo; vigora a publicidade do procedimento; o contraditório está presente; existe a possibilidade de recusa do julgador; há livre sistema de produção de provas; predomina maior participação popular na justiça penal e a liberdade do réu é a regra.

Vale salientar que, apesar de defendido em razão dos seus benefícios[77], há críticas direcionadas ao mesmo, e a principal delas, diz respeito à posição do juiz frente ao processo, o qual se mantém inerte e imparcial, tendo que resignar-se com a atividade das partes, mesmo que insuficientes ou incompletas, tomando sua decisão a partir do material deficiente que lhe apresentado. Com base nesse fundamento que se justificou a atribuição de poderes instrutórios ao juiz, instalando-se o sistema inquisitório (LOPES JUNIOR, 2006).

3.3 Sistema Misto

O sistema misto[78] constitui pela junção do sistema inquisitório e acusatório. Foi inaugurado no ano de 1808 com o Code d’ Instruction Criminelle[79] Francês (BONFIM, 2012). “Posteriormente, difundiu-se por todo o mundo, e na atualidade, é o mais utilizado” (LOPES JUNIOR, 2006).

Compõe-se de duas fases: Uma inquisitiva, na qual é realizada instrução e investigação preliminar, que se verifica sigilosa, escrita e não contraditória, e posteriormente uma segunda fase acusatória, regida pelos princípios basilares do processo penal: Devido processo legal, contraditório e ampla defesa (BONFIM, 2012).

Adilson José Vieira Pinto (1999) enfatiza que o processo penal misto é aquele “em que há somente algumas etapas secretas e não contraditórias”.

Segundo doutrina de Paulo Rangel (2006), o sistema misto surgiu baseando-se no sistema acusatório privado de Roma, objetivando evitar impunidades.

O sistema misto tem fortes influências do sistema acusatório privado de Roma e do posterior sistema inquisitivo desenvolvido a partir do Direito canônico e da formação dos Estados nacionais sob o regime da monarquia absolutista. Procurou-se com ele temperar a impunidade que estava reinando no sistema acusatório, em que nem sempre o cidadão levava ao conhecimento do Estado a prática da infração penal, fosse por desinteresse ou por falta de estrutura mínima e necessária para suportar as despesas inerentes àquela atividade; ou quando levava, em alguns casos, fazia-o movido por um espírito de mera vingança. Neste caso, continuava nas mãos do Estado a persecução penal, porém feita na fase anterior a ação penal e lavada a cabo pelo Estado-juiz. As investigações criminais eram feitas pelo magistrado com sérios comprometimentos de sua imparcialidade, porém, a acusação passava a ser feita, agora, pelo Estado-administração: O Ministério Público.

Em razão de ser composto por duas fases, é considerado bifásico:

1ª) instrução preliminar: nesta fase, inspirada no sistema inquisitivo, o procedimento é levado a cabo pelo juiz, que procede às investigações, colhendo as informações necessárias a fim de que se possa, posteriormente, realizar a acusação perante o tribunal competente. 2ª) judicial: nesta fase, nasce a acusação propriamente dita, onde as partes iniciam um debate oral e público, com a acusação sendo feita por um órgão distinto do que irá julgar, em regra, o Ministério Público (Paulo Rangel, 2006, grifo do autor).

O sistema misto uniu as características no sistema acusatório e do inquisitório. Os elementos do sistema inquisitivo encontram-se na instrução preliminar: procedimento sigiloso, escrito e com ausência do contraditório. Já os elementos do sistema acusatório estão presentes na segunda fase, a de julgamento, quais sejam: processo público, contraditório, oral, com concentração dos atos processuais e com livre apreciação de provas (NUCCI, 2012).

Paulo Rangel (2006) expõe que, assim como o sistema acusatório e o inquisitório, o sistema misto possui características próprias, quais sejam:

a) a fase preliminar de investigação é levada a cabo, em regra por um magistrado que, com o auxílio da polícia judiciária, pratica todos os atos inerentes à formação de um juízo prévio que autorize a acusação. Em alguns países, esta fase é chamada de “juizado de instrução” (Espanha e França). Há nítida separação entre as funções de acusar e julgar, não havendo processo sem acusação (nemo judicio sine actore[80]); b) na fase preliminar, o procedimento é secreto, escrito, e o autor do fato é mero objeto de investigação, não havendo contraditório nem ampla defesa, face à influência do procedimento inquisitivo; c) a fase judicial é inaugurada com acusação penal feita, em regra, pelo Ministério Público, onde haverá um debate oral, público e contraditório, estabelecendo plena igualdade de direitos entre a acusação e a defesa; d) o acusado, na fase judicial, é sujeito de direitos e detentor de uma posição jurídica que lhe assegura o estado de inocência, devendo o órgão acusador demonstrar a sua culpa, através do devido processo legal, e destruir este estado. O ônus é todo e exclusivo do Ministério Público; e) o procedimento na fase judicial é contraditório, assegurada ao acusado a ampla defesa, garantida a publicidade dos atos processuais e regido pelo princípio da concentração, em que todos os atos são praticados em audiência.

Em breves palavras, Fernando Capez (2011), conceitua o referido sistema: “Há uma fase inicial inquisitiva, na qual se procede a uma investigação preliminar e a uma instrução preparatória, e uma fase final, em que se procede ao julgamento com todas as garantias do processo acusatório”.

Apesar da evolução que apresenta, quando comparado com o sistema inquisitivo, apontam-se críticas ao sistema misto: “(...) não obstante ser um avanço frente ao sistema inquisitivo, não é o melhor sistema, pois ainda mantém o juiz na colheita de provas, mesmo que na fase preliminar da acusação” (RANGEL, 2006).

3.4 O Sistema Processual Brasileiro

A doutrina Brasileira diverge quanto ao enquadramento de seu processo penal em um dos sistemas[81] (BONFIM, 2012).

A Constituição Federal, eu seu artigo 5º, LV[82], garante o direito a ampla defesa aos litigantes, em processo judicial ou administrativo. Por este motivo, José Frederico Marques (2003), aponta que, somente o sistema acusatório atende ao disposto:

No direito Brasileiro, é garantida constitucionalmente aos acusados “plena defesa, com todos os meios e recursos essencias a ela” (...), e assegurada ainda instrução criminal contraditória (...), só o sistema acusatório pode ter acolhida.

Ainda conforme José Frederico Marques (2003), pelo fato de possuir instrução inquisitiva, o sistema misto não se enquadra as leis de processo do Brasil:

O chamado sistema misto ou francês, com instrução inquisitiva e posterior juízo contraditório e de forma amplamente acusatória, também não pode informar nossas leis de processo, porque a existir esse procedimento escalonado, com judicium accusationis[83] e judicium causae[84] necessário se torna que o primeiro tenha também forma acusatória.

Para Edílson Mougenout Bonfim (2012), apesar das divergências, pelo fato da persecução penal no sistema brasileiro contemplar-se em duas partes, rege-se pelo sistema misto. Na fase investigatória não se aplicam as garatias inerentes ao processo por não se tratar de um processo. Porém, na segunda fase, posterior a investigatória, as funções de acusar e julgar são organicamente separadas, configurando o sistema acusatório, de modo que a persecução penal como um todo, pode ser classificada sob os gêneros dos sistemas mistos.

Ainda consoante entendimento de Edílson Mougenout Bonfim (2012), o inquérito policial, com sua instrução provisória, protege o investigado de juízos errôneos e precipitados, dos quais poderia ser vítima caso a ação penal fosse instaurada sem uma investigação prévia, no intuito de garantir o contraditório desde o início. Nesse sentido, também dispõe o inciso IV da exposição de motivos do Código de Processo Penal[85].

Reza Guilherme de Souza Nucci (2008) que o sistema adotado no Brasil, é o misto. Porém, ressalta a necessidade de se analisar em dois enfoques:

Registremos desde logo que há dois enfoques: o constitucional e o processual. Em outras palavras, se fôssemos seguir exclusivamente o disposto na Constituição Federal poderíamos até dizer que o nosso sistema é acusatório (no texto constitucional encontramos princípios que regem o sistema acusatório). Ocorre que nosso processo penal (procedimento, recursos, provas, etc.) é regido por Código específico, que data de 1941, elaborado em nítida ótica inquisitiva (encontramos no CPP muitos princípios regentes do sistema inquisitivo) (...).

Segundo dispõe Guilherme de Souza Nucci (2008), o hibridismo que temos hoje, é resultado do encontro da Constituição Federal e do Código de Processo Penal: “Sem dúvida que se trata de um sistema complicado, pois é resultado de um Código de forte alma inquisitiva, iluminado por uma Constituição Federal imantada pelos princípios democráticos do sistema acusatório”. O referido autor justifica a inadequação do sistema acusatório:

(...) seria fugir à realidade pretender aplicar somente a Constituição à pratica forense, Juízes, promotores, delegados e advogados militam contando com um Código de Processo Penal, que estabelece as regras de funcionamento dos sistema e não pode ser ignorado como se inexistisse. É certo que muitos processualistas sustentam que nosso sistema é acusatório.Contudo, baseiam-se exclusivamente nos princípios constitucionais vigentes (contraditório, separação entre acusação e órgão julgador, publicidade, ampla defesa, presunção de inocência etc.). Entretanto, olvida-se, nessa análise, o disposto no Código de Processo Penal, que prevê a colheita da prova através do inquérito policial, presidido por um bacharel em Direito, concursado, que é o delegado, com todos os requisitos do sistema inquisitivo (sigilo, ausência do contraditório e de ampla defesa, procedimento eminentemente escrito, impossibilidade de recusa do condutor da investigação etc.) Somente após ingressa-se com a ação penal e, em juízo, passam a vigorar as garantias constitucionais mencionadas, aproximando-se o procedimento do sistema acusatório. Ora, fosse verdadeiro e genuinamente acusatório não se levaria em conta para qualquer efeito, as provas colhidas na fase inquisitiva, o que não ocorre em nosso processo e na esfera criminal. O juiz leva em consideração muito do que é produzido durante a investigação, como a prova técnica  (aliás, produzida uma só vez durante o inquérito e tornando à defesa difícil a sua contestação ou renovação, sob o crivo do contraditório), os depoimentos colhidos e, sobretudo -  e lamentavelmente – a confissão extraída do indiciado.[86]

Em contrapartida, encontra-se o posicionamento de Eugênio Pacceli de Oliveira (2006), o qual defende que sistema processual refere-se a análise do processo, da atuação do juiz no decorrer do mesmo, e, haja vista, o inquérito policial não se tratar de processo, o sistema processual brasileiro, não pode ser classificado como misto. Somente nos casos em que a investigação se der perante o juizado de instrução o sistema será contaminado, quando o mesmo juiz que proceder a investigação, exercer a função de julgamento, o que não é o caso brasileiro.

Desta forma, segundo Eugênio Pacceli de Oliveira (2006),

(...) pode-se qualificar o processo penal brasileiro como um modelo de natureza acusatória, tanto em relação às funções de investigação quanto às funções de acusação, e, por fim, quanto àquelas de julgamento.

Outrossim, é o entendimento de Adilson José Vieira Pinto (1999), afirmando que “no processo penal brasileiro adota-se o sistema acusatório”.

Os adeptos de tal posicionamento argumentam que o fato dos juízes atuarem ignorando as exigências constitucionais não afasta o caráter acusatório do sistema.

Convém insistir que o inquérito policial, bem como quaisquer peças de informação acerca da existência de delitos, destina-se exclusivamente ao órgão da acusação, não se podendo aceitar condenações fundadas em provas produzidas unicamente na fase de investigação. A violação ao contraditório e à ampla defesa seria manifesta. O fato de existirem juízes criminais que ignoram as exigências consitucionais não justifica a fundamentação de um modelo processual brasileiro misto. Com efeito, não é porque o inquérito policial acompanha a denúncia e segue anexado à ação penal que se pode concluir pela violação da imparcialidade do julgador ou pela violação ao devido processo legal. É para isso que se exige, também, que toda decisão judicial seja necessariamente fundamentada (art. 93, IX, CF[87]). Decisão sem fundamentação racional ou com fundamento em prova constante unicamente do inquérito é radicalmente nula (OLIVEIRA, 2006).

Geraldo Prado (2006) expõe não ser tarefa fácil assinalar com precisão qual sistema processual vigora no Brasil:

(...) se aceitarmos que a norma constitucional que assegura ao Ministério Público a privatividade do exercício da ação penal pública, na forma da lei, a que garante a todos os acusados o devido processo legal, com ampla defesa e contraditório, além de lhes deferir, até o trânsito em julgado da sentença condenatória, a presunção de inocência, e a que, aderindo a tudo, assegura o julgamento por juiz competente e imparcial, são elementares do princípio acusatório, chegaremos à conclusão de que, embora não o diga expressamente, a Constituição da República o adotou. Verificando que a Carta Constitucional prevê, também, a oralidade no processo, pelo menos como regra para as infrações penais de menor potencial ofensivo, e a publicidade, concluiremos que se filiou, sem dizer, ao sistema acusatório. Porém, se notarmos o concreto estatuto jurídico dos sujeitos processuais e a dinâmica que entrelaça todos os sujeitos processuais não nos restará alternativa salvo admitir, lamentavelmente, que prevalece, no Brasil, a teoria da aparência acusatória. Muitos dos princípios opostos ao acusatório verdadeiramente, são implementados todo dia[88]. 

Aury Lopes Junior (2006) classifica o sistema Brasileiro como (neo) inquisitório[89], mostrando-se “(...) claramente inquisitório na sua essência, ainda que com alguns ‘acessórios’ que normalmente ajudam a vestir o sistema acusatório”, porém, que não o transforma em acusatório.

Consoante o doutrinador “(...) o fato de um determinado processo consagrar a separação (inicial) de atividades, oralidades, publicidade, coisa julgada, livre convencimento motivado, etc., não lhe isenta de ser inquisitório”. Dispositivos que conferem ao magistrado poderes instrutórios, a exemplificar o artigo 156, incisos I e II do Código de Processo Penal[90] deixam claro a adoção do sistema inquisitório, haja vista representarem “uma quebra de igualdade, do contraditório, da própria estrutura dialética do processo” ; fulminando a imparcialidade do julgador. Deste modo, está verificado um processo inquisitório[91].

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Sobre a autora
Suelen Cristina Effting

Bacharela em Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

EFFTING, Suelen Cristina. Ampla defesa no inquérito policial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3818, 14 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26150. Acesso em: 22 dez. 2024.

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