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Ampla defesa no inquérito policial

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14/12/2013 às 14:45

Resumo:


  • O inquérito policial no Brasil, iniciado em 1841, é um procedimento investigativo de natureza inquisitiva, conduzido pela Polícia Judiciária, que tem como objetivo apurar infrações penais e suas autorias.

  • Existem divergências doutrinárias quanto à aplicação do direito à ampla defesa no inquérito policial, com posições favoráveis e contrárias, e outras que defendem uma aplicação intermediária, especialmente em relação a provas periciais.

  • O valor probatório do inquérito policial é discutido, com a predominância da visão de que possui valor probatório relativo, não podendo fundamentar, por si só, uma condenação criminal, exceto em casos de provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

4. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO PENAL

Existem princípios jurídicos explícitos e implícitos no sistema normativo; porém, ambos com grande relevância e motivos para serem seguidos. Há ainda, os princípios enumerados na Constituição Federal, denominados de princípios constitucionais (NUCCI, 2008).

Segundo Guilherme de Souza Nucci (2008) a missão atribuída aos princípios constitucionais é “(...) dar uniformidade ao sistema jurídico, cuja norma máxima é a Constituição, permitindo que a interpretação e a integração dos preceitos jurídicos sejam feitas de modo a dar coerência ao sistema normativo”

Os princípios constitucionais exercem um importante papel, orientando todo o sistema jurídico. Vejamos:

(...) os princípios constitucionais são os princípios eleitos para figurar na Lei Fundamental de um povo, de forma que possam servir de norte para toda a legislação infraconstitucional, além de informarem a própria aplicação das normas constitucionais. Se, em qualquer ramo infraconstitucional, o intérprete deve levar em conta os princípios gerais e específicos do direito, com muito mais razão devem ser respeitados os príncipios constitucionais, que orientam todo o sistema jurídico, na aplicação das normas (NUCCI, 2008).

Nesse quadro, encontramos os princípios constitucionais do processo penal, os quais são normas fundantes do sistema processual, que objetivam a proteção dos direitos fundamentais (OLIVEIRA, 2006).

Mister se faz, a observação de José Pacceli de Oliveira (2006), afirmando que “o direito Processual Penal, portanto, é, essencialmente, em Direito de fundo constitucional”.

Sendo assim, dada à importância dos princípios constitucionais do processo penal, este capítulo destina-se ao estudo dos mesmos, destacando-se a análise do princípio da ampla defesa, a fim de compreender no que consiste tal garantia constitucional, para, posteriormente, analisar sua aplicação no inquérito policial.

4.1 Da Plenitude da Ampla Defesa e da Vedação das Provas Ilícitas

4.1.2 Da plenitude da ampla defesa

O direito de defesa encontra-se expressamente garantido pela Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LV[92]. Porém, desde as Constituições anteriores o referido direito já vem sendo mencionado[93] (FERNANDES, 2005).

Inicialmente, a garantia somente se aplicava ao processo penal. Com o advento da Constituição de 1988, estendeu-se a qualquer processo judicial ou administrativo.

 Rogério Lauria Tucci (2004), explica no que consiste a amplitude da formulação constitucional e qual o conteúdo da garantia:

É a garantia da ampla defesa, com todos os meios e recursos  ela inerentes, também, uma das exigências em que se consubstancia o due process of law[94], e especificada no processo penal em favor dos “acusados em geral”, ou seja, do indiciado, do acusado e do condenado. (...) Considerada universalmente, como um postulado “eterno”.

 Prevê o inciso LIV do artigo 5º da Constituição Federal[95], que ninguém poderá ser privado de sua liberdade sem o devido processo legal. Dessa constatação, há que se extrair, o direito resguardado pela Carta Magna ao indivíduo enredado na “persecutio criminis” a ampla defesa, plenamente efetivada, resguardada a participação ativa do processado no decorrer da lide, seu direito a contraditoriedade em todos os atos do procedimento, iniciando-se na fase pré-processual da investigação criminal até o findar-se o processo, independente da sentença ser absolutória ou condenatória (TUCCI, 2004).

Além da previsão Constitucional, constata-se que o artigo 14, 3, d do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos[96], resguarda a todo indivíduo possuidor de uma acusação criminal o exercício do direito de defesa na amplitude que a lei o consagra (CAPEZ, 2011).

Do direito a ampla defesa, como lembra Fernando Capez (2011), decorre a obrigatoriedade ao respeito da ordem natural do processo, impondo que a defesa deva sempre se manifestar em último lugar. Dessa maneira, qualquer manifestação do Ministério Público que se dê após a defesa, enseja obrigatoriamente a concessão de prazo ao acusado para que este, efetivando seu direito consagrado na carta magna, exerça sua defesa plenamente.

Julio Fabrini Mirabete (2003), reportando-se ao magistério de Fernando da Costa Tourinho Filho (1990), cita os meios inerentes à ampla defesa:

a) ter conhecimento claro da imputação; b) poder apreender alegações contra a acusação; c) poder acompanhar a prova produzida e fazer contraprova, d) ter defesa técnica por advogado, cuja função aliás, agora, é essencial à Administração da Justiça (art. 133 da CF)[97]; e e) poder recorrer da decisão desfavorável.

Como acentua Luís Fernando de Moraes Manzano (2012), há que se considerarem as duas ordens de defesa: “No processo penal, a defesa é de duas ordens: técnica (exercida por advogado) e pessoal (exercida pelo réu, no interrogatório)”

A defesa técnica é um corolário do princípio geral da ampla defesa, exigindo-se a efetiva participação de um defensor em todos os atos do processo.[98] A defesa pessoal, também denominada de autodefesa, é qualquer ato ou atuação em prol dos interesses da defesa, citando-se como exemplo o interrogatório a que se submete o réu (PACCELI, 2006).

Sobre as duas ordens de defesa, reza Rogério Lauria Tucci (2004):

Indispensável sempre, tanto que pressuposto de validade do processo penal, a defesa técnica, normalmente desenvolvida por quem tenha capacidade postulatória, diz com a necessidade do estabelecimento de equilíbrio entre as posições dos agentes estatais da persecutio criminis e do imputado, e não pode, à evidência, ser confundida com a autodefesa, consubstanciada na atuação pessoal deste em todo desenrolar do procedimento, especialmente no ato do interrogatório,  que se presenta facultativa, espontânea.

No processo penal, como acentua Luís Fernando de Moraes Manzano (2012), a defesa deve ser indeclinável, plena e efetiva:

Indeclinável porque o acusado não pode a ela renunciar. Plena porque deve se manifestar durante todo o processo. Efetiva significa substancial, vigorosa, suficiente, que não se basta com mera aparência ou defesa formal.

Tem-se o direito de defesa, sob uma perspectiva de direito público, como uma garantia, a qual possui dupla faceta: de um lado, garantia do acusado e, de outro, de um processo justo, o qual haverá de ser efetivado se obedecido os ditames do devido processo legal (FERNANDES, 2005).

Para que o direito a ampla defesa seja plenamente efetivado, independentemente do objeto do processo, verifica-se necessário a conjugação de três realidades procedimentais, quais sejam: O direito à prova legitimamente produzida ou obtida, vedando-se às provas ilícitas, direito a informação, e por fim, bilateralidade da audiência (TUCCI, 2004).

4.1.3 Direito à prova legitimamente obtida ou produzida – Da vedação das provas ilícitas

A garantia da plenitude da defesa somente se encontra efetivada, se juntamente com direito à informação, a bilateralidade da audiência e ao contraditório, verificar-se o direito à prova legitimamente obtida ou produzida, conforme ensina Rogério Lauria Tucci (2004), o qual ainda explica no que consiste o referido direito:

Expressa-se ele na concessão, aos sujeitos parciais integrantes do processo penal, de idênticas possibilidades de oferecer e materializar, nos autos, todos os elementos de convicção demonstrativos de veracidade dos fatos alegados, bem como de participar de todos os seus atos probatórios e manifestar-se sobre seus respectivos conteúdos (...) Consequentemente, impõe-se ao legislador, a par da asseguração, aos agentes estatais da persecução e da execução penal, e ao imputado, de absoluta igualdade no direito de obter ou produzir provas de fatos perquiridos, estatuir normas determinantes de que: a) quando necessário, o indiciado, acusado ou condenado necessitado não sofra, de que modo seja, limitação em sua atividade probatória  e, b) o órgão jurisdicional, independentemente das provas produzidas pelas partes, e inquisitivamente, proveja à realização daquelas por ele tidas como indispensáveis à descoberta da verdade material, ou atingível.

O direito à prova confere às partes o direito de produzir provas sem sofrer óbices injustificados. Importante observar, que a referida prerrogativa não se obsta somente às partes parciais da persecutio criminis, haja vista, a possibilidade de o juiz determinar de ofício a produção das provas não requeridas pelas partes (MICHELE TARUFFO 1984 apud TUCCI, 2004).

Em matéria de iniciativa probatória emergem dois postulados essenciais: “Só são admissíveis às provas pertinentes aos fatos objeto de apuração, e relevantes[99], e os meios de sua obtenção e produção devem ser idôneos” (TUCCI, 2004).

Para que a prova seja idônea, é necessário que seja obtida ou produzida por meios lícitos[100], assim como dispõe o artigo 5º, LVI da Constituição Federal[101] (TUCCI, 2004).

No processo penal, é inadmitido qualquer prova obtida por meio ilícito, devendo a persecutio criminis formar-se em torno da produção de provas legais e legítimas[102] (NUCCI, 2008).

Edílson Mougenout Bonfim (2009), explica no que constitui a garantia:

O Princípio constitui, em verdade, uma vedação a que o juízo adote, como elemento de convencimento no curso do processo penal, elementos e prova obtidos por meios considerados ilícitos (...). Assim, conquanto o processo penal tenha por finalidade a busca pela verdade real, esse valor encontra limites em outros valores tutelados pelo ordenamento jurídico, principalmente nos direitos e garantias fundamentais assegurados ao cidadão. Provas obtidas por meios ilegítimos, portanto, não devem influir na formação do convencimento do juiz.

Rogério Lauria Tucci (2004), remetendo-se ao magistério de Helio Tornaghi  (1974), expõe que verificação da licitude da prova deve ser realizada também, sob um prisma ético, de maneira que os meios considerados moralmente legítimos são os que não estão em desacordo com a lei moral e os preceitos éticos[103]. Tornando dificultoso o apontamento de um padrão de moralidade a ser seguido pelo juiz.

Fernando Capez (2011) diferencia as provas ilícitas das ilegítimas[104]:

Provas ilícitas são aquelas produzidas com violação a regras de direito material, ou seja, mediante a prática de algum ilícito penal, civil ou administrativo. Podemos citar como exemplos: a diligência de busca e apreensão sem prévia autorização judicial ou durante à noite; a confissão obtida mediante tortura; a interceptação telefônica sem autorização judicial; o emprego de detector de mentiras; as cartas particulares interceptadas por meios criminosos (cf. art. 233 CPP[105]) etc. Provas ilegítimas são as produzidas com violação a regras de natureza meramente processual, tais como: o documento exibido no plenário do Júri, com desobediência ao disposto no art. 479, caput (CPP[106]) (...).

Conforme Guilherme de Souza Nucci (2008) existem duas teorias à cerca da aceitação da prova ilicitamente produzida: A teoria da prova ilícita por derivação[107][108]e a teoria da proporcionalidade.[109] Conforme a primeira, quando uma prova for realizada por meios ilícitos, serão inadmissíveis as provas daí advindas.[110] A segunda teoria possui como objetivos ponderar os interesses individuais com os interesses da sociedade, sendo vedada a rejeição corriqueira das provas obtidas por meios ilícitos.

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Sobre a teoria da proporcionalidade, Luís Fernando de Moraes Manzano (2012):

O postulado da proporcionalidade, expresso na Constituição Alemã, presta-se à flexibilização da norma jurídica, a fim de evitar que a sua aplicação à risca conduza a imperfeições, injustiças. É o mesmo princípio da razoabilidade, com origens históricas distintas. O primeiro tem sua origem no conselho de Estado Francês; advém, pois, do direito administrativo. O segundo está previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos, cunhado da Suprema Corte Americana, antes de ser inserido no art. 5º, inc. LXXVIII, da CF[111] pela EC 45/04.

Dispõe a teoria da proporcionalidade que, ante a violação de uma garantia individual, far-se-á necessário uma ponderação de interesses. Desta forma, conforme entendimento majoritário na doutrina[112] afasta-se o princípio da vedação da prova ilícita quando dela restar prejuízos ao réu inocente, ou seja, se uma prova obtida por meios ilícitos for capaz de inocentar o réu, haverá então de ser admitida (NUCCI, 2008).

4.1.4 Direito a informação

No processo penal, o direito à informação é concedido ao indivíduo desde o início da “persecutio criminis” (TUCCI, 2004).

No que tange ao referido direito, aprimora Rogério Lauria Tucci (2004):

(...) essa exigência se concretiza, normalmente, quando o sujeito passivo é informado do aforamento da ação, tomando conhecimento do teor da postulação, a fim de que possa, no tempo e na forma da lei previstos, preparar sua atuação defensiva; isto é, por ocasião da citação válida, cuja finalidade precípua se diversifica em três aspectos, a saber: a) informação sobre o conteúdo do ato introdutório do processo; b) incitação do citado para comparecimento em juízo; e, c) propiciação de atuação judicial pertinente à respectiva defesa, em contradição com as alegações do peticionário.

O direito à informação justifica-se pelo fato de que seria impossível um indivíduo defender-se de uma acusação que lhe é dirigida sem ter conhecimento dos termos em que é feita. A revelação dos fatos e das provas ao indiciado, a acusação do seu crime, configura uma garantia essencial da defesa (MENDES DE ALMEIDA, 1976 apud TUCCI, 2004).

Rogério Lauria Tucci (2004), reportando-se a observação feita por ALEX CAROCCA PÉREZ (1998) continua esclarecendo que é requisito indispensável a fim de que o acusado possa efetuar sua defesa, sendo “(...) direito de ser informado do teor da acusação, como exigência da garantia de defesa (...)”.

Importante destacar, ainda, que a defesa do imputado, em termos  constitucionais amplamente assegurada, constitui-se não só da defesa técnica, como também da autodefesa.

4.1.5 Bilateralidade da audiência

A bilateralidade da audiência[113], ínsita ao devido processo penal, também constitui garanta da plenitude da defesa, possuindo como finalidade precípua, estabelecer o equilíbrio na relação processual (TUCCI, 2004). Vejamos:

(...) se assenta no regramento denominado princípio da justiça e se justifica pela inafastabilidade do estabelecimento de paridade de armas entre os sujeitos parciais do procedimento penal, de sorte a determinar-se, consequentemente, o mais perfeito equilíbrio entre as suas atuações na persecutio criminis (TUCCI, 2004).

Verifica-se indispensável que os sujeitos envolvidos na persecutio criminis, sejam devidamente cientificados de todos os atos praticados, para que no prazo frisado em lei, ou no concedido pelo órgão jurisdicional possa manifestar-se sobre eles, especialmente quando praticados pela parte adversária (TUCCI, 2004).

O princípio da bilateralidade da audiência constitui ainda, uma garantia de que o indivíduo seja regularmente ouvido durante todo o procedimento, para que, uma real oportunidade de defesa seja propiciada às partes, vislumbrando ao imputado, “sua justa atuação defensiva natural” (MAURO CAPPELLETTI, 1978 e VICENZO VIGORITI, 1973 apud TUCCI, 2004).

Ínsito ao princípio da bilateralidade da audiência está o direito a contrariedade, com todas as suas prerrogativas:

Pela justiça pública, não pode e não deve valer em juízo sem que haja oportunidade de defesa ao indiciado. É preciso que seja o julgamento precedido de atos inequívocos de comunicação ao réu: de que vai ser acusado; dos termos precisos dessa acusação; e de seus fundamentos de fato (provas) e de direito. Necessário também que essa comunicação seja feita a tempo de possibilitar a contrariedade: nisto está o prazo para conhecimento exato dos fundamentos probatórios e legais da imputação e para a oposição da contrariedade a seus fundamentos de fato (provas) e de direito (TUCCI, 2004).

Aury Lopes Junior (2006) referindo-se ao magistério de Ada Pellegrini Grinover (1996) faz pertinente distinção entre o direito ao contraditório e o direito de defesa, explicando que os princípios da ampla defesa e do contraditório estão interligados, “(...) porquanto é do contraditório (visto em seu primeiro momento, da informação) que brota o exercício da defesa; mas é esta – como poder correlato ao de ação – que garante o contraditório”. Explícita o elo existente entre defesa e contraditório “A defesa, assim, garante o contraditório, mas também por este se manifesta e é garantida”.

O contraditório constitui-se da oportunidade de conhecimento e de debate:

A assecuração da ampla defesa, pela Constituição Federal, “significa que o legislador está obrigado, ao regular o processo criminal, a respeitar três pontos: velar para que todo o acusado tenha seu defensor; zelar para que tenha ele pleno conhecimento da acusação e das provas que a alicerçam; e possam ser livremente debatidas essas provas ao mesmo tempo em que se ofereçam outras (o contraditório propriamente). O primeiro ponto obrigado Estado a oferecer, ao acusado que não tenha recursos, advogado gratuito e a não permitir que se pratique ato processual sem a assistência de defensor. O segundo proscreve os processos secretos que ensejam o arbítrio (...) o último propicia a crítica dos depoimentos e documentos, bem como dos eventuais exames periciais que apóiam a acusação. Igualmente confere à defesa recursos paralelos ao da acusação para o oferecimento de provas que infirmem o alegado contra o réu” (FERREIRA FILHO, 1990 apud TUCCI, 2004).

Assim, como acentua Aury Lopes Junior (2006),

(...) o contraditório deve ser visto como o direito de participar, de manter uma contraposição em relação à acusação e de estar informado de todos os atos desenvolvidos no inter procedimental[114].

Por fim, pertinente a observação de Rogério Lauria Tucci (2004), afirmando que a regra do contraditório que exige para sua concretização a bilateralidade da audiência, se verifica inseparável da administração de uma justiça bem organizada.

 4.2 Do Princípio da Publicidade e da Oficialidade

4.2.1 Princípio da Publicidade

O princípio da publicidade dispõe que todos os atos processuais devem ser realizados publicamente, aos olhos de quem quiser acompanhá-los, com ausência de segredo e sigilo, a fim de possibilitar o controle social dos atos e das decisões proferidas pelo Poder Judiciário (NUCCI, 2008).

Garantia com previsão nos artigos 5º, LX, 93, IX da Constituição Federal[115] e artigo 792 do Código de Processo Penal[116], possuindo como finalidade precípua a prevenção de excessos:

As audiências e demais atos processuais são públicos e qualquer pessoa pode examinar os autos, o que significa que a administração da justiça pelo Estado está sujeita a fiscalização popular e que ninguém será julgado por um juiz ou tribunal secreto, evitando, com isso, alguns excessos (MANZANO, 2012).

Paulo Rangel (2006) faz menção a publicidade como “uma das mais sólidas garantias do direito de defesa, pois a própria sociedade tem interesse em presenciar e/ou conhecer a realização da justiça”.

Guilherme de Souza Nucci (2008) apresenta a divisão de publicidade entre geral e específica:

(...) vale sustentar a divisão entre publicidade geral e publicidade específica. A primeira é o acesso aos atos processuais e aos autos do processo a qualquer pessoa. A segunda situação é o acesso restrito aos atos processuais e aos autos do processo às partes envolvidas, estendendo-se o representante do Ministério Público (se houver, o advogado do assistente de acusação) e o defensor. Portanto, o que se pode restringir é a publicidade geral, jamais a específica.

Paulo Rangel (2006), fala em publicidade absoluta ou restrita. A primeira, sendo a regra, é aquela que permite a qualquer do povo acompanhar os atos processuais, realizando uma fiscalização dos atos da Justiça. Já a segunda, apresentando-se como exceção, ocorre quando impõe-se uma restrição a presença/acesso de determinadas pessoas aos atos realizados na persecução penal.

Desse modo, como assevera Luís Fernando de Moraes Manzano (2012), o princípio da publicidade não é absoluto: “A publicidade, entretanto, não deve ser confundida com escândalo: há que se preservar o direito à vida privada do indivíduo, que também é garantido constitucionalmente (art. 5º, inc. X)” [117].

Como mencionado, há situações em que a própria Constituição Federal garante a restrição da publicidade ao processo, quando declarado segredo de justiça, em especial àqueles que “(...) versem sobre direito de família e, na esfera penal, crimes contra a dignidade sexual” (MANZANO, 2012).

Nos casos supracitados, é plenamente possível que o juiz limite o acesso aos atos praticados e aos autos do processo somente às partes envolvidas, podendo inclusive, solicitar ao réu que se retire da sala, assegurado a permanência de seu advogado[118]. Importante destacar que o juiz jamais conduzirá o processo sob sigilo absoluto, impondo limitações ao acesso dos órgãos da acusação e da defesa, assim como, para a validade de um ato processual, é imprescindível a presença do promotor e do advogado (NUCCI, 2008).

Segundo magistério de Edílson Mougenout Bonfim (2009), o princípio da publicidade converge com o sistema acusatório, estatuído pela Carta Magna de 1988. Somente alguns atos, dada sua natureza peculiar, não serão conduzidos de maneira totalmente pública, não caracterizando ofensa ao princípio:

Com efeito, não ofendem esse princípio o sigilo do inquérito policial (art. 20 do CPP[119]) nem o recolhimento dos jurados em uma sala secreta para procederem à votação dos quesitos formulados pelo juiz-presidente nos julgamentos de competência do Tribunal do Júri, caso em que a própria Constituição Federal assegura o sigilo das votações (art. 5º XXXVIII, b).[120]

Contudo, a restrição à publicidade dos referidos atos é relativa. Em se tratando de inquérito policial, o sigilo somente deverá permanecer, desde que a publicidade em relação à investigação expor à risco o sucesso das investigações. Assim que concluídas as investigações, e principalmente se as provas nela colhidas, forem utilizadas em juízo, é imprescindível que o investigado tenha acesso irrestrito às mesmas, inclusive as produzidas sob sigilo, evitando-se assim, afronta aos princípios do contraditório e da ampla defesa (BONFIM, 2009).

Além disso, o artigo 7º XIV do Estatuto da Ordem dos advogados do Brasil[121], garante ao advogado do investigado, acesso aos autos de inquérito policial, direito reafirmado pela Súmula 14 do Supremo Tribunal Federal[122], a qual garante o acesso pelo advogado mesmo nos casos em que tramita em segredo de justiça (MANZANO, 2012).

Por fim, digna de apreço a colocação de Paulo Rangel (2006), na qual afirma ser a publicidade um meio essencial para a concretização de outras garantias do processo penal:

Destarte, há que se ter uma visão sistemática do princípio da publicidade dos atos processuais em consonância com os princípios de devido processo legal e da verdade processual, pois não há como se respeitar os procedimentos delineados em lei sem garantir ao acusado a publicidade dos atos praticados no curso do processo a que responde nem se descobrir a verdade dos fatos praticados sem dar ao público a oportunidade de levar informações ao conhecimento do juiz e verificar se há imparcialidade devida no julgamento.

A correta aplicação da lei penal é de interesse da sociedade, devendo assim, ocorrer aos olhos de todos (RANGEL, 2006).

4.2.2 Princípio da Oficialidade

O princípio da oficialidade expressa ser a persecução penal incumbência do Estado, sendo-lhe uma função primordial e obrigatória. Fica a serviço dos órgãos instituídos pelo Estado, quais sejam a polícia judiciária, Ministério Público e o Poder Judiciário as tarefas de investigar, processar e punir o violador de uma norma jurídica (NUCCI, 2008).

Possui fundamento legal nos artigos 129, I e 144 § 4º da Constituição Federal; artigo 4º do Código de Processo Penal.[123]

Fernando Capez (2011) em breves palavras define que a oficialidade “(...) expressa que incumbe a um órgão público, oficial, do Estado, a instauração e presidência do inquérito policial”.

Edílson Mougenout Bonfim (2009), explica que no sistema Brasileiro, toda a persecução penal está a cargo do Estado:

Em nosso sistema, não só a aplicação da pena ao transgressor da norma jurídica (jurisdição penal) cabe ao Estado. Também a própria persecução aos transgressores e a apuração dos fatos que se suspeita constituírem crimes (persecução penal) são deveres do Estado. Ao contrário da jurisdição, que somente se manifesta sob provocação ([vide princípio da inércia, referente à jurisdição, acima]), a persecução penal é, por determinação legal, atribuição que o Estado deve desempenhar ex officio.

Tendo em vista que a função penal tem índole pública, são órgãos públicos que deverão executar a pretensão punitiva do Estado. Desse modo, cabe à autoridade policial à presidência do inquérito policial e ao Ministério Público a condução da ação penal pública (CAPEZ, 2011).

Em decorrência do princípio da oficialidade, explica Edílson Mougenout Bonfim (2009), o Estado é mais do que simples titular de uma pretensão, haja vista ter “(...) o poder-dever de concretizar essa pretensão por meio de uma atividade persecutória, em regra independente da manifestação do ofendido[124]”.

Por ser a atividade persecutória de tamanha importância exclui-se a possibilidade de se entregar a tarefa penal punitiva ao particular. Tanto é realidade, que o ofendido, em substituição ao Estado, possui o direito e poder para ajuizar a ação penal privada, porém, em havendo condenação definitiva, a tarefa de promover a execução de julgado incumbe ao Estado, através do Ministério Público (NUCCI, 2008).

4.3 Princípio do Juiz Natural

Com previsão constitucional no artigo 5º, LIII da Constituição Federal[125] o princípio do juiz natural versa ser dever do Estado na persecução penal “assegurar às partes, para julgar a causa, a escolha de um juiz previamente designado por lei e de acordo com as normas constitucionais[126]”, de modo a evitar o juízo ou tribunal de exceção[127][128] (NUCCI, 2008).

Dessa forma, o princípio deve ser observado sob suas duas vertentes fundamentais, qual seja a vedação do tribunal de exceção e a do magistrado com competência previamente estabelecida, em data anterior ao fato delituoso (OLIVEIRA, 2012).

Guilherme de Souza Nucci (2008) traz que, na vigência de um Estado Democrático de Direito seria inaceitável os julgamentos se realizarem de forma parcial e corrupta, sem equilíbrio por parte do magistrado (NUCCI, 2008).

4.4 Princípio do Devido do Processo Legal

Garantia fundamental prevista no artigo 8º da Declaração Universal dos Direitos do Homem[129], artigo 5.1 da Convenção Européia dos Direitos Humanos[130] e no artigo 5º, LIV da Constituição Federal[131] (SOUZA NETTO, 2006).

O princípio do devido processo legal impõe que “Somente o juiz natural pode impor a pena ao réu somente pode fazê-lo dentro de um processo, porque é neste que se plasma o exercício do direito ao contraditório e à ampla defesa” (MANZANO, 2012).

A garantia busca o “ideal encaminhamento do processo, assegurando o correto exercício da jurisdição e legitimando, assim, o próprio poder jurisdicional” (SOUZA NETTO, 2006).

Luís Fernando de Moraes Manzano (2012) assevera que os direitos de maior importância decorrem do devido processo legal:

(...) os direitos processuais mais relevantes, constitucionalmente tutelados, têm no processo o instrumento de seu exercício, o que leva alguns a afirmar que tais direitos decorrem do devido processo legal, vale dizer, o processo é o instrumento de tutela do direito ao contraditório, à ampla defesa, ao duplo grau, à publicidade, à motivação das decisões judiciais e à prova.

Pertinente à distinção do processo formal e do processo substantivo. O primeiro é um instrumento que possibilita o exercício dos direitos supramencionados, e o segundo visa assegurar a efetividade desses mesmos direitos, de modo que, somente terá havido processo, se todos os direitos foram efetivamente assegurados (MANZANO, 2012).

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Sobre a autora
Suelen Cristina Effting

Bacharela em Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

EFFTING, Suelen Cristina. Ampla defesa no inquérito policial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3818, 14 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26150. Acesso em: 23 dez. 2024.

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