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Ampla defesa no inquérito policial

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14/12/2013 às 14:45
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5. DO DIREITO À AMPLA DEFESA E O INQUÉRITO POLICIAL

5.1 Valor Probatório do Inquérito Policial

Em decorrência do caráter inquisitivo do inquérito policial, por não se aplicar as regras referentes ao direito de defesa, é discussão pautada na doutrina a valoração que deve ser atribuída pelo órgão julgador aos elementos probatórios colhidos na investigação preliminar para condenação do réu (BONFIM, 2009).

Antônio Alberto Machado (2012) defende que o inquérito policial possui  valor probante relativo, haja vista possuir condão meramente informativo e não poder por si só, calcar uma condenação ao réu:

(...) Afirma-se com razão, que as peças do inquérito têm caráter predominantemente informativo, já que teriam apenas a finalidade de fornecer ao titular da ação penal os elementos necessários à propositura desta última. Logo, tais peças não teriam, propriamente, o caráter de prova, mas seriam, isto sim, simples elementos de informação acerca do crime e sua autoria. Além disso, como o inquérito tem natureza inquisitiva, os elementos colhidos nesse procedimento não se submetem aos princípios do contraditório e da ampla defesa, são colhidos de forma unilateral, portanto, sem o rigor e a credibilidade da prova autêntica. Por tais razões é que se considera relativo o valor probante do inquérito. Assim, não seria de se admitir uma condenação criminal lastreada única e exclusivamente nos elementos produzidos no âmbito desse procedimento inquisitivo.

José Frederico Marques (2003) também se posiciona reconhecendo um caráter relativo ao valor probatório do inquérito policial. Conforme o doutrinador “se os indícios e elementos circunstanciais do factum probandum forem tais que gerem a convicção de que a instrução provisória realizada na polícia espelha e reflete a verdade dos acontecimentos” verifica-se possível o juiz “fundamentar complementarmente sua decisão”.

Na visão do doutrinador, o inquérito policial serve de reforço à decisão do julgador:

O inquérito deve ser apenas um elemento subsidiário, ou para reforço do que em juízo foi apurado, ou para a colheita de dados circunstanciais que posteriormente possam ser comprovados. Patente está, por outro lado, que o juiz, ao examinar o inquérito para formar sua convicção, levará em conta que a instrução policial se realizou sem a cooperação do acusado, e, portanto, inquisitorialmente. Partindo-se desse preliminar ato de cautela, só excepcionalmente é que o juiz poderá encontrar no inquérito alguma base para estruturar o seu livre convencimento (MARQUES, 2003).

O valor probante relativo do inquérito policial fundamenta-se pelo exposto no artigo 155 do Código de Processo Penal[132], o qual permite ao juiz calcar sua decisão condenatória[133], desde que não o faça exclusivamente[134], nos elementos informativos colhidos na investigação policial, se coerentes com as demais provas do processo. Sendo assim, se extrai do referido artigo a capacidade de valoração dos elementos do inquérito policial como relativa, os quais não podem “por si só, sustentar uma eventual condenação do réu” (MACHADO, 2012).

Os adeptos do valor probatório relativo do inquérito policial defendem que para adquirir valor de prova, devem os elementos informativos colhidos no inquérito policial serem repetidos em juízo, mas nesta oportunidade, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa (MACHADO, 2012).

As provas que possibilitem a repetição, denominadas repetíveis ou renováveis, como as acareações, prova testemunhal, reconhecimentos etc., obrigatoriamente devem ser reproduzidas na fase processual para só então, “ingressarem no mundo dos elementos valoráveis na sentença”, tal repetição a se realizar “na presença do juiz, da defesa e da acusação, com plena observância dos critérios de forma que regem a produção da prova no processo penal”  (LOPES JUNIOR, 2011).

Nesse sentido, o magistério de Eugênio Pacelli (2012), quando menciona que “a prova produzida na fase investigatória tem por objetivo o convencimento e a formação da opinio delicti[135] do órgão da acusação. Recebida a denúncia ou queixa, todas elas, em princípio, deverão ser repetidas”.

Luís Fernando de Moraes Manzano (2012) explica que aos elementos informativos colhidos na investigação policial, podem ser atribuídos valor de prova “contando que ele seja submetido ao contraditório, perante o juiz, caso em que travestir-se-á em elemento de prova”.

Sobre a forma da repetição, observemos:

Por repetição entendemos a nova realização ou declaração de algo que já se disse ou fez. A repetição exige que a pessoa que originariamente praticou o ato volte a realizá-lo da mesma forma. No sentido processual, somente pode ser admitida a repetição de uma prova testemunhal quando a testemunha volte a declarar sobre o mesmo fato, isto é, deve estar presente o trinômio mesma pessoa, sobre o mesmo objeto e praticando o mesmo ato em sentido físico (...) O simples fato de dizer “ratifico o anteriormente alegado” é, em síntese, uma nada jurídico e uma reprovável negação da jurisdição. Ou seja, o juiz que assim procede não faz jus ao poder que lhe foi outorgado[136] (LOPES JUNIOR, 2011).

A exigibilidade da repetição justifica-se por ser “absolutamente inconcebível que os atos praticados por uma autoridade administrativa, sem a intervenção do órgão jurisdicional, tenham valor probatório na sentença”. Além dos referidos elementos informativos não serem colhidos perante o juiz, há a predominância de certa inquisição do acusador, pois “o contraditório é meramente aparente e muitas vezes absolutamente inexistente” de modo que não se instala uma condição de igualdade, mas pelo contrário “de todas as formas de busca acentuar a vantagem do acusador público” (LOPES JUNIOR, 2011).

No entanto, salienta-se a possibilidade das denominadas provas repetíveis ou renováveis serem utilizadas a fim de sustentar eventual absolvição:

(...) as provas repetíveis ou renováveis, enquanto inquisitoriais, têm valor meramente informativo – os chamados atos de investigação –, não podendo servir de base ou sequer apoiar subsidiarimente o veredicto condenatório, mas nada impede que sirvam de alicerce ao veredicto absolutório (LOPES JUNIOR, 2011 apud TOVO).

Desta feita, o projeto de Lei nº 1914/2007, apresentado pelo Deputado Federal Maurício Rands, visa a extinção do inquérito policial, no intuito de dar mais celeridade a persecução penal, instaurando-se de um juizado de instrução, evitando-se, assim, a necessidade de repetição das provas.[137]

No entanto, o próprio artigo 155 do Código de Processo Penal[138]  traz uma exceção a esse valor meramente informativo atribuído aos elementos colhidos no inquérito policial no que tange às provas cautelares, não repetíveis e antecipadas[139], de modo que “(...) o legislador entreviu a possibilidade de o juiz fundamentar sua decisão em elementos de informativos colhidos na investigação”. Explica, ainda que “(...) essa exceção aplica-se à prova cautelar, à prova não repetível e à prova antecipada” [140] (MANZANO, 2012).

Referente à prova cautelar versa Luís Fernando de Moraes Manzano (2012):

Prova cautelar é aquela que se reveste de dois requisitos: o fumus boni júris e o periculum in perdere[141]. O primeiro decorre de sua pertinência e relevância para o acertamento do fato; o segundo – perigo da perda da prova – consiste o risco de perecimento ou desaparecimento do elemento, em função do transcurso do tempo ou em razão da quebra do sigilo, que recomenda que seja produzida inaudita altera parte. O envolvimento do aspecto constitucional referente à flexibilização do contraditório recomenda em juízo delibativo quanto à pertinência, relevância, necessidade, adequação e proporcionalidade da medida, que sujeita sua admissibilidade, pois, ao controle judicial. Tal prova é obtida ou produzida sem contraditório concomitante, ou seja, sem contraditório na prova. O contraditório será posterior, postergado, diferido, o posticipato[142]. Cumpre destacar, porém, que se a cautelaridade decorre do tempo, a prova se sujeita a controle judicial posterior, quanto à admissibilidade; porém, se a cautelaridade verte do sigilo, o meio de investigação não escapa de prévia autorização judicial.

Luís Fernando de Moraes Manzano (2012) explica que “prova irrepetível, como o nome está a dizer, é aquela que não pode ser repetida posteriormente, em razão da existência de uma circunstância objetiva absoluta”.

Segundo Antônio Alberto Machado (2012), as provas irrepetíveis possuem qualidade de “verdadeiras provas penais, às vezes até mesmo provas definitivas, como é o caso, por exemplo, das perícias realizadas na fase investigatória”. O doutrinador explica que via de regra, não há possibilidade das referidas provas serem renovadas em juízo “pelo desaparecimento dos vestígios ou do corpo de delito”. Dada a impossibilidade, às provas irrepetíveis são atribuídas “qualidade de verdadeiras provas penais”.

Sobre o assunto, dispõe José Frederico Marques (2003):

Há a observar, porém, que, no inquérito, realizam-se certas provas periciais que, embora praticadas sem a participação do réu, contem em si maior dose de veracidade, visto que nelas preponderam fatores de ordem técnica que, além de mais difíceis de serem deturpados, oferecem campo para uma apreciação objetiva e segura de suas conclusões. Ressalvada a hipótese de terem os peritos falseado os dados em que baseiam o seu laudo, essas provas periciais, notadamente quando realizadas por funcionários do Estado, devem ter valor idêntico ao das provas colhidas em juízo. Cumpre ressaltar, porém, que tudo isso se encontra condicionado às circunstâncias do caso e à formação do livre convencimento, uma vez que o princípio da verdade real é básico e fundamental na justiça criminal.

É ponto de discussão relevante no Direito Brasileiro, no tocante às provas irrepetíveis a concessão do direito de contraditório ao investigado (NASCIMENTO, 2012).

As provas irrepetíveis colhidas no decorrer na investigação preliminar, via de regra, serão submetidas “a uma espécie de contraditório diferido, ou posterior, que se instala em juízo” (MACHADO, 2012).

Haja vista vigorar no processo penal brasileiro o princípio da livre convicção do juiz mostra-se possível que este forme sua convicção ou atribua grande peso valorativo aos elementos colhidos no inquérito. Em razão disso, recomenda-se que em se tratando de provas irrepetíveis, seja deferido ao investigado e seu advogado “uma espécie de contraditório pontual”, facultando-lhes no decorrer do inquérito policial, participação contraditória no tocante às referidas provas[143]. (MACHADO, 2012).

Luís Fernando de Moraes Manzano (2012) leciona que no tocante à prova irrepetível a instauração do contraditório deve se dar conforme o conhecimento da qualidade de irrepetibilidade da prova:

Conhecida de antemão a impossibilidade futura de colheita da prova, indispensável que se propicie o contraditório judicial, concomitante, na prova, sob isto é, contraditório sobre a prova, o que imporia em sacrifício injustificável ao direito constitucional em voga,invalidando-a com vício de ilicitude. O mesmo não se diga quando tal circunstância não puder ser antevista, mas revelar-se somente em juízo, durante a investigação criminal, caso em que o elemento de informação colhido na fase investigativa pode ser admitido e valorado, conquanto submetido a contraditório em juízo.

Nesse sentido, oportuna a observação de Eugênio Pacceli (2012), enfatizando que “a prova pericial deveria, sempre que possível, contar com a contribuição e fiscalização da defesa, desde o início, para a garantia não só do contraditório, mas, sobretudo, da amplitude da defesa”.

Contudo, verifica-se que se tratando de provas irrepetíveis, na prática não de admite no Brasil, em sede de inquérito policial, ao investigado o direito ao contraditório, de modo que é assegurado ao mesmo apenas o direito à informação e acompanhamento quanto à produção das referidas provas (NASCIMENTO, 2012).

Sobre as provas antecipadas, Luís Fernando de Moraes Manzano (2012):

Prova antecipada é aquela colhida antes do momento processual normal, não em razão do risco de seu perdimento ou desaparecimento em função do tempo ou da revelação, tampouco em razão da existência de uma circunstância objetiva absoluta que impeça a sua repetição, mas simplesmente porque se faz necessária ao embasamento da denúncia ou queixa. É o caso da perícia não cautelar realizada na fase do inquérito policial. O laudo produzido nessa fase, sem o crivo do contraditório, tem valor probatório relativo, conquanto seja submetido a contraditório posterior; sujeita-se, pois, também ao contraditório postergado; nessa hipótese, porém, nada  obsta a que a parte requeira que o exame seja repetido posteriormente, no curso do processo, em juízo, sob o crivo do contraditório, nos termos do art. 159, § 5º do CPP[144], o que deve ser deferido, a fim de se proporcionar o melhor contraditório, que é, sem dúvida, o contraditório na prova.

Em contrapartida, o entendimento quanto a inadmissibilidade do valor probatório do inquérito policial.

Segundo Aury Lopes Junior (2006), os elementos colhidos na investigação preliminar “são considerados meros atos de investigação[145] e, como tal, destinados a ter uma eficácia restrita às decisões interlocutórias que se produzem no curso da instrução preliminar e na fase intermediária”. Destarte, o entendimento do doutrinador é de que o referido instrumento de investigação não possui valor probatório.

Enreda o autor supramencionado, ser inadmissível que “(...) a atividade realizada no inquérito policial possa substituir a instrução definitiva (processual)”. Vejamos:

A única verdade admissível é a processual, produzida no âmago da estrutura dialética do processo penal e com plena observância das garantias de contradição e defesa. Em outras palavras, os elementos recolhidos na fase pré-processual são considerados como meros atos de investigação e, como tal, destinados a ter uma eficácia restrita às decisões interlocutórias que se produzem no curso da instrução preliminar e na fase intermediária. (...) Os atos de investigação preliminar tem uma função endoprocedimental no sentido de que sua eficácia probatória é limitada, interna à fase. Servem para fundamentar as decisões interlocutórias tomadas no curso da investigação, formalizar a imputação, amparar um eventual pedido de adoção de medidas cautelares ou outras medidas restritivas e para fundamentar a probabilidade do fumus commissi delicti[146] que justificará o processo ou o não-processo. (LOPES JUNIOR, 2006).

Jaime Vegas Torres (1993), citado por Aury Lopes Junior (2006), também preza pela inadmissibilidade absoluta do inquérito policial como prova: “É óbvio que as diligências levadas a cabo na investigação preliminar não podem servir como fonte de convencimento do órgão jurisdicional no momento da sentença”

Kelly Cristiny de Souza (2008) cita parecer de Ronaldo Leite Pedrosa (1995) no mesmo sentido:

O inquérito já nasce morto quanto a possibilidade de seus efeitos na esfera judicial. Como o inquérito é inquisitivo, prescindindo do contraditório e do devido processo legal, não está ele habilitado a auxiliar o juiz na formação de sua convicção.

Conforme Aury Lopes Junior (2006) é lamentável o fato de alguns magistrados ainda proferirem suas decisões com base no inquérito policial[147]. Dado esse fato, é que o doutrinador vem defendendo “a exclusão física dos autos do inquérito de dentro do processo[148], como única maneira de efetivar a garantia da jurisdição e de ser julgado com base nos atos de prova”.

Em suma, para os adeptos de tal posicionamento, constitui uma garantia constitucional que as sentenças condenatórias sejam exclusivamente fundamentadas nas provas obtidas na fase processual, com observância dos princípios da publicidade, oralidade, imediação, contraditório e ampla defesa. Dessa forma, tendo em vista que os elementos investigatórios não foram colhidos com observância das garantias, não são considerados meios de prova aptos a valoração na sentença (LOPES JUNIOR, 2006).

Por fim, o posicionamento daqueles que defendem o valor probatório absoluto do inquérito policial.

Bismael Batista Moraes citado por Kelly Cristiny de Souza (2008) é um dos poucos adeptos do posicionamento, calcando-se no fato do inquérito policial fazer parte do processo e pelo sistema utilizado no Brasil para apreciação de provas ser o do livre convencimento.

Igualmente, o elevado peso atribuído pelo nosso sistema ao instrumento de investigação embasa a teoria:

Há certos elementos de prova que encontram-se exclusivamente no inquérito policial, tais como: exames periciais, avaliações, reconhecimentos, busca e apreensões, etc., argumentando ainda que o nosso sistema processual empresta-lhe inquestionável valor jurídico, tanto assim que lhe dá força para a  prova da materialidade do crime e a concessão de prisão preventiva. Classifica o inquérito com base acredita da ação penal, o seu melhor alicerce.(...) os exames periciais acolhidos nessa fase preliminar sobrevivem e valem como prova na ação penal, desde que se processem com as devidas cautelas da lei, não havendo necessidade de ser reproduzir todo esse trabalho pericial em juízo, senão em casos especiais (SOUZA, 2008 apud MORAES).

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O fundamento arguido aos adeptos encontra-se Código de Processo Penal:

O próprio Código de Processo Penal em seu artigo 12[149] traz que o inquérito policial acompanhará a denúncia ou queixa sempre que servir de base a uma ou outra. Sendo a denúncia ou queixa responsável pela Ação Penal, o inquérito acompanhará os autos do processo penal, dele fazendo parte. Sendo admitida a consideração do Inquérito Policial fazer parte do processo penal, a aceitação do seu valor probatório se faz mais evidente, baseado no livre convencimento do magistrado. Segundo esse sistema de apreciação das provas, que é admitido no processo penal, o julgador tem liberdade para formar sua convicção, devidamente fundamentada. Fazendo o Inquérito Policial parte do processo penal, nada mais aceitável que o magistrado fundamente-se nele para formar seu convencimento (SOUZA, 2008 apud MORAES).

Destaca-se ainda que, para o magistrado se basear tão somente nas provas produzidas no inquérito policial a fim de embasar uma condenação ao réu, é necessária a plena convicção de “ser a prova verdadeira e não anulada durante o processo” (SOUZA, 2008).

Sendo assim, resta-nos claro que, a finalidade da “persecutio criminis”, independente da forma como se realiza é a “melhor verdade processual possível de ser atingida com vistas ao restabelecimento da paz social”, e o “máximo respeito a direitos individuais”. Desta forma, deve-se, através de um sopesamento de valores buscar uma ponderação entre a eficiência e o tão almejado garantismo no processo penal (MANZANO, 2012).

5.2 Direito à Ampla Defesa no Inquérito Policial

No Brasil, como visto, a investigação preliminar realizada a fim de se apurar a ocorrência de um fato delituoso se dá por meio do inquérito policial (LOPES JUNIOR, 2006).

Dada sua natureza inquisitorial, o inquérito policial não permite ao investigado a oportunidade de propiciar sua defesa “produzindo e indicando provas, oferecendo recursos, apresentando alegações, entre outras atividades que, como regra, possui durante a instrução judicial” (NUCCI, 2008).

A garantia Constitucional não é observada em sede de inquérito policial[150]:

O Inquérito Policial tem se mostrado impenetrável pelas garantias constitucionais consagradas nos processos administrativos em geral. A aplicabilidade do contraditório e da ampla defesa aplicável a todo processo administrativo encontra resistência na construção do Inquérito Policial que continua isento desta exigência garantista. Os argumentos são pela eficácia e presteza da investigação aliadas á inexistência de litígio pendente, o que acaba por permitir o desencadear de atos estatais quase que absolutos (GUIMARÃES, 2011).

Dessa forma, esse capítulo destina-se a realizar um estudo sobre a não aplicação do princípio da ampla defesa no inquérito policial, a qual se concretiza através dos princípios do contraditório e da ampla defesa, colhendo as posições existentes[151] a respeito, com o fim de identificar os argumentos contrários e os favoráveis a adoção do referido princípio em tal fase da “persecutio criminis”.

5.2.1 Posições Favoráveis a Aplicação da Ampla Defesa No Inquérito Policial

É crescente na doutrina Brasileira, principalmente em seminários, encontros acadêmicos, congressos, etc., a posição quanto à aplicação do direito de defesa no inquérito policial, como uma afirmação dos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988 (PACELLI, 2012).

Nesse sentido, leciona Aury Lopes Junior (2006), defendendo assíduamente o direito de defesa no inquérito policial. Conforme o doutrinador, a forma pela qual o inquérito policial se reveste no Brasil “abriga inúmeros e vários problemas”. De modo que, para o alcance da máxima efetividade do artigo 5º, LV da Constituição Federal “parece-nos inafastáveis a incidência do contraditório[152] e o direito de defesa no inquérito policial”. O direito de defesa “é aplicável no inquérito policial, em que pese todo ranço do senso comum espelhado por numerosas jurisprudência e doutrina”.

Aduz o autor, que o direito de defesa de fato existe no inquérito policial, sendo externado pela faculdade do investigado de, em seu interrogatório apresentar sua autodefesa positiva, ao apresentar sua versão dos fatos, ou negativa, ao manter-se em silêncio, pelo direito de ser acompanhado de defensor, requerer a realização de diligências ou a juntada de documentos, apresentar “habeas corpus” ou mandado de segurança.  Salienta que o direito de defesa “existe, é exigível, mas sua eficácia é insuficiente e deve ser potencializada. É uma potencialização por exigência Constitucional”.

Referente à questão, Aury Lopes Junior (2006) traz que, o ponto crucial diz respeito a interpretação dada ao artigo em discussão, que não deve ser realizada restritivamente, haja vista o legislador constitucional ter sido claro e extremamente garantidor na elaboração do mesmo. O que ocorrera fora um equívoco terminológico, no qual em uma infeliz colocação, mencionou processo administrativo ao invés de procedimento. Restando claro que, a referida confusão, não pode obstar sua aplicação no desenrolar do inquérito policial.

Nessa linha também é o escólio de Rogério Lauria Tucci (2002), conforme citação feita por Aury Lopes Junior (2006). Vejamos:

(...) de modo também induvidoso, reafirmou os regramentos do contraditório e da ampla defesa, com todos os meios e recursos a ela inerentes, estendendo sua incidência, expressamente, aos procedimentos administrativos....ora, assim sendo, se o próprio legislador nacional entende ser possível a utilização do vocábulo processo para designar procedimento, nele se encarta, à evidência, a noção de qualquer procedimento administrativo e, consequentemente, a de procedimento administrativo-persecutório de instrução provisória, destinado a preparar a ação penal, que é o inquérito policial.

A expressão “acusados em geral”, utilizada no texto constitucional trata-se de uma “imputação em sentido amplo”[153], dessa forma, referindo-se não apenas aos acusados, de modo a abranger também aos indiciados[154] (LOPES JUNIOR, 2006). Juízo também de José Laurindo de Souza Netto (2006):

Não obstante a doutrina dominante ver na redação do inc. LV do art. 5º a permanência da limitação do contraditório à instrução judicial, o dispositivo constitucional permite a mudança dos parâmetros de análise, propiciando a aplicação da contrariedade ao inquérito policial. A alusão a acusados em geral abrange todas as situações coativas, afastando a interpretação em sentido restrito da expressão processo administrativo. (...) não se pode ater ao sentido literal das palavras “processo” e “acusado”, constantes do art. 5º, inc. LV, para denegar a garantia constitucional na fase do inquérito policial. A correta interpretação constitucional impede que se denegue a garantia do contraditório na fase do inquérito. O conteúdo substancial do devido processo penal abarca no seu círculo de garantia também a atividade policial durante o inquérito[155] (...).

Sobre o tema, outro não é o entendimento de Marta Saad em citação feita por Rômulo Rocha dos Reis (2010) a qual, com fundamentos nos princípios penais democráticos, preza pela abolição da inquisitoriedade no inquérito policial, dispondo que o direito de defesa é concebível “em todos os crimes e em qualquer tempo, e estado da causa, e se trata de oposição ou resistência à imputação informal, pela ocorrência de lesão ou ameaça de lesão”.

Rogério Lauria Tucci (2004) salienta que para uma autêntica realidade do due process of law,  é imprescindível “a par do contraditório indispostivo, a concessão, ao acusado, “em geral”, da possibilidade da ampla defesa, com todos os meios e recursos a ela inerentes”, dando ensejo a uma “autêntica paridade de armas, efetivada no contexto da atuação dos agentes estatais da persecutio criminis e  da defensiva (...)”.

Johnny Wilson Batista Guimarães (2011) entende que a exclusão da ampla defesa no inquérito policial gera ilegitimidade na investigação:

Saber-se culpado na fase pré-processual[156], sem possibilidade de contraditar ou alçar a seu favor os benefícios da ampla defesa, é o mesmo que ser obrigado a aceitar passivamente uma decisão ilegítima. A ilegitimidade de tal decisão administrativa reside na impossibilidade de contestação, e sem essa possibilidade depara-se com a arbitrariedade do Estado. A precariedade que traz malefícios ao investigado não pode ser suportada pelo sistema constitucional.

Citado por Antônio Scarence Fernandes (2005), Rogério Lauria Tucci reafirma sua posição sobre o tema, defendendo “uma contraditoriedade efetiva e real em todo o desenrolar da persecução penal, na investigação inclusive, para maior garantia da liberdade e melhor atuação da defesa”.

Antônio Gomes Duarte (1996) destaca a importância da investigação preliminar, acentuando que o vício de defesa, pode acarretar e uma contaminação à futura ação penal:

(...) a fase preparatória é parte importante da acusação, uma vez que nela estará embasada a denúncia, com toda a sua carga de desvalor social. Será por intermédio dela que o Estado se preparará para punir um de seus cidadãos. Se o procedimento jurisdicionalmente garantido nasce da denúncia e esta, por sua vez, lastreia-se no inquérito policial, a conexão entre estas fases mostra-se evidente, fazendo-nos afirmar que a eiva existente ao nascedouro acabará por contaminar toda a ação penal como um todo.

O autor continua argumentando:

“Isolar o inquérito policial do processo penal, colocando-os em tempos e espaços diferentes e posteriormente utilizar peças do inquérito como suporte condenatório, frequentemente na prática criminal, é sofismar com a liberdade do cidadão”.

Em artigo sobre o tema, Higor Vinícius Nogueira Jorge (2004) [157] cita parecer favorável a aplicação da garantia constitucional no inquérito policial proferido pelo promotor de justiça Fauzi Hassan Chouke (1995), no qual assevera ser dever do responsável pela investigação proporcionar ao investigado meios de prova que lhe favoreçam:

O novo processo penal, acobertando explicitamente valores de garantia ao suspeito e alterando definitivamente papéis até então cristalizados, clama por certo uma nova postura ética do órgão acusatório nessa etapa prévia, na medida em que, se a participação do investigado aparece limitada pela própria natureza da atividade que se desenvolve, deve o titular da investigação preservar também meios de prova que favoreçam aquele, tendo este compromisso assumido em muitos ordenamentos o status de lei.

Justificativa invocada pela grande maioria da doutrina Brasileira que defende a inaplicabilidade do artigo 5º, LV da Constituição Federal [158]ao inquérito policial, é o de que nesta fase da persecução penal não há acusação formal direcionada a alguém, haja vista não haver oferecida denúncia ou queixa. Contudo, é notório o fato de que “qualquer notícia-crime que impute fato aparentemente delitivo a uma pessoa determinada constitui uma imputação no sentido jurídico de agressão” que se mostra plenamente (...) “capaz de gerar no plano processual uma resistência”[159] (LOPES JUNIOR, 2006).

Nesta mesma linha é o entendimento de Antônio Gomes Duarte (1996) remetendo-se à citação feita por Paulo Cláudio Tovo (1992), frisando que a partir do momento que se indicia alguém, já existe um litígio penal, tendo em vista este surgir da infração penal. Destarte, mesmo se entendendo que a expressão “acusados em geral” não engloba “indiciado”[160], “há que se garantir o contraditório e a ampla defesa, como litigante, no procedimento administrativo chamado inquérito policial”.

José Laurindo de Souza Netto (2006) atribui ao caráter inquisitorial do caderno investigatório parcela de culpa pela impunidade, dada a necessidade, devida a exclusão do direito de defesa, de repetição das provas na segunda fase da persecução criminal:

(...) é certo que o inquérito policial, herança do inquérito português, não vem funcionando a contento. Na prática, falta-lhe eficácia, levando-se em consideração que o conteúdo do interrogatório do indiciado e dos depoimentos de testemunhas efetuados perante autoridade policial dificilmente é confirmado em juízo, perante o juiz. A alegação constante é de que houve arbitrariedade ou manipulação anterior. Ademais, com a repetição dos atos gera-se lentidão e consequentemente a impunidade.

Posição favorável ao direito de defesa no inquérito policial é também a de Agapito Machado (1997), atribuindo a natureza de processo administrativo ao inquérito policial, e como tal, deve possibilitar o direito de defesa ao indiciado.

Para Aury Lopes Junior (2006), negar o direito de defesa ao investigado “implica violar os mais elementares postulados do moderno processo penal”, haja vista o direito defesa ser um direito natural e “imprescindível para a administração da justiça”. Outrossim, o autor faz referência a Convenção Americana de Direitos Humanos como afirmadora do direito de defesa,

No plano dos Tratados Internacionais, destacamos que por meio do Decreto 678/92 o Brasil aderiu à Convenção Americana de Direitos Humanos – CADH – (Pacto São José da Costa Rica, de 21/11/1969), de modo que suas disposições passaram a integrar o ordenamento jurídico interno nos termos de art. 5º, § 2º, da Constituição[161]. Determina o art. 7.4 da CADH[162] que toda pessoa detida tem o direito a ser informada sobre as razões da detenção, da acusação ou acusações que existam contra ela. No art. 8.2 da CADH[163], estão enumeradas as garantias judiciais do indivíduo.

Ademais, é pertinente o lembrete no que tange ao direito de defesa técnica no decorrer do inquérito policial, haja vista, tratar-se de “espécie do gênero ampla defesa”. Para o exercício pleno da defesa técnica, o advogado deve estar amparado das garantias “que lhe permitam uma completa independência e autonomia e relação ao juiz, promotor e a autoridade policial” (LOPES JUNIOR, 2006).

Desta maneira, deve o advogado estar presente no momento do interrogatório do investigado, além de, ter acesso aos autos de inquérito policial[164], a fim de que “a defesa técnica não seja meramente simbólica”, assim, levando-se em conta o previsto no artigo 133 da Constituição Federal[165], e o contido no artigo 7º, XIV do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil[166] (LOPES JUNIOR, 2006).

Segundo corolário de Aury Lopes Junior (2006), impedindo o acesso do advogado ao inquérito, estará se negando a “devida eficácia ao direito fundamental de defesa, que constitui a própria essência do devido processo legal”:

Por qualquer ângulo que se veja a matéria, estamos convencidos de que o advogado não pode ser alcançado pelo segredo interno, devendo-lhe ser assegurada a prerrogativa de acesso aos autos do inquérito. Mais do que limitar o exercício de uma atividade profissional, o segredo interno fulmina o contraditório e o direito, a defesa técnica. A situação é ainda mais grave porque o inquérito policial integra os autos do processo (por isso defendemos a exclusão física), contaminando o (in) consciente do julgador com atos de investigação (pois o inquérito não gera atos de prova) colhidos no segredo da santa inquisição. Essa contaminação faz com que o julgador valore na sentença os atos praticados em segredo, seja de forma inconsciente (pois os elementos estão no processo), seja de forma consciente. Nesse último caso, é corrente a utilização da falaciosa fórmula de “condenar com base na prova judicial cotejada com a do inquérito”. Na verdade, essa fórmula jurídica deve ser lida da seguinte forma: não existe prova no processo para sustentar a condenação, de modo que vou socorrer-me do que está no inquérito (cujo segredo também foi por mim determinado!), esse instrumento inquisitório, híbrido e mal formado que temos no CPP.

Apesar da Constituição Federal e do instituído no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil vedar o impedimento do acesso do advogado às peças do inquérito policial sob pena de violação do contraditório e do direito de defesa, infelizmente, “os tribunais continuavam fazendo pouco caso” da vedação, alegando que a garantia “era simplesmente afastada pelo pacífico entendimento dos tribunais e a melhor doutrina (manualistíca)” (LOPES JUNIOR, 2011).

A fim de resolver polêmica, e conforme alguns, caminhando para a abolição da inquisitoriedade no inquérito policial é que em data de 02 de Fevereiro de 2009 o Supremo Tribunal Federal editou a súmula vinculante número 14[167], garantindo o acesso do defensor aos autos de inquérito policial, com finalidade de efetivar as garantias constitucionais. É o que se observa em passagem no voto do Ministro Gilmar Mendes:

Não é demais enfatizar que estamos a consolidar nesta súmula entendimento que confirma, mais uma vez, o firme compromisso deste Tribunal com a efetiva aplicação das garantias constitucionais dos direitos fundamentais. (...) não se afigura admissível o uso do processo penal como substitutivo de uma pena que se revela tecnicamente inaplicável ou a preservação de ações penais ou de investigações criminais cuja inviabilidade já e divisa de plano. Tem-se nesses casos flagrante ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana[168].

Na visão de Aury Lopes Junior (2006), o Código de Processo Penal vem sendo interpretado de forma alheia à Constituição Federal, o que enseja a inobservância das garantias previstas na Carta Magna:

O Código de Processo Penal não pode mais ser lido de forma desvinculada do texto constitucional. É o Código de Processo que deve ser lido à luz da Constituição, e não o contrário como querem alguns paleopositivistas, que restringem a eficácia protetora de Constituição para fazer valer com que esta entre na sistemática autoritária e superada no nosso CPP.

Estando em vigor uma Constituição extremamente garantidora e democrática, deve o restante do ordenamento se reger nos moldes da mesma:

O processo penal é uma das expressões mais típicas do grau de cultura alcançado por um povo no curso da sua história, e os princípios de política processual de uma nação não são outra coisa que segmentos da política estatal em geral. Nessa linha, uma Constituição Democrática deve orientar a democratização substancial do processo penal, e isso demonstra a transição do direito passado ao direito futuro. Num Estado Democrático de Direito, não podemos tolerar um processo penal autoritário e típico de um Estado-policial, pois o processo penal deve adequar-se à Constituição e não vice-versa. (...) Os dispositivos do Código de Processo Penal (de 1941) é que devem ser objeto de uma releitura mais acorde aos postulados democráticos e garantistas na nossa atual Carta, sem que os direitos fundamentais nela insculpidos sejam interpretados de forma restritiva para se encaixar nos limites autoritários do Código de Processo Penal (LOPES JUNIOR, 2006).

Entretanto, verifica-se ainda no meio policial, a predominância do lubridiado entendimento de que “a Constituição é que deve ser interpretada restritivamente”, adaptando-se ao disposto no ultrapassado Código de Processo Penal de 1941 (LOPES JUNIOR, 2011).

Argumenta Aury Lopes Junior (2006) que a promulgação da Constituição Federal de 1988 deixou o Código de Processo Penal com suas estruturas comprometidas:

Sua sobrevivência tem exigido um verdadeiro contorcionismo jurídico, difícil e perigoso, pois deixa uma porta aberta para que os adeptos do discurso autoritário e paleopositivista neguem a eficácia a determinadas garantias fundamentais, fechando os olhos para a substancial invalidade de uma reforma total do Código de Processo Penal, não se podendo conceber alterações pontuais.

Abreviadamente, tem-se que “existe direito de defesa (técnica e pessoal – positiva e negativa) e contraditório (no sentido de acesso aos autos). O desafio é dar-lhes a eficácia assegurada pela Constituição” (LOPES JUNIOR, 2011).

O Direito Penal se vê concretizado através do processo, o qual possui a função de aplicar a pena e primordialmente, “servir como efetivo instrumento de garantia dos direitos e liberdades individuais”, de modo a evitar abusos por parte do Estado. Sendo assim, atividade estatal deve ser limitada pelo processo penal, o qual deve estruturar-se “de modo a garantir plena efetividade aos direitos individuais constitucionalmente previstos, como a presunção de inocência, contraditório, defesa, etc” (LOPES JUNIOR, 2006).

É necessário “romper com a tradição do direito regulador para inserir-nos em novo paradigma imposto pelo Estado Democrático de Direito: o do direito promovedor e transformador” (LOPES JUNIOR, 2006).

Desse modo, ante ao rol de princípios o garantias constitucionais existentes, o inquérito policial não pode se submeter “as fórmulas sigilosas, inquisitoriais e arcaicas ainda empregadas e defendidas pela mais respeitável doutrina”. Assim sendo, a Constituição Federal deve se sobrepor ao Código de Processo Penal, de modo que este compatibilize seus princípios aos da Carta Magna (DUARTE, 1996).

No mesmo sentido, conclui Aury Lopes Junior (2006), dispondo que à luz da Constituição Federal e da Convenção Americana de Direitos Humanos “é inafastável a incidência do contraditório e do direito de defesa” no inquérito policial. “O processo penal deve passar pelo filtro constitucional e se democratizar”, a democracia valoriza o indivíduo frente ao Estado, fortalecendo-o.

5.2.2 Posições Intermediárias à Aplicação da Ampla Defesa no Inquérito Policial

Atinente a discussão ao direito a ampla defesa no inquérito policial encontram-se alguns doutrinadores com posição intermediária sobre o tema.

Nesse sentido, é o entendimento de Eugênio Pacceli (2012) quando leciona que, em relação às provas periciais o contraditório deveria de imediato ser realizado, ainda no curso da investigação “(...) e o quanto antes, particularmente para aquelas hipóteses em que o objeto da perícia (corpo de delito) corra risco de perecimento no tempo ou de alteração substancial de suas características mais relevantes”.

Eugênio Pacceli (2012) dispõe que em uma primeira análise, o contraditório no inquérito policial “pode até se revelar muito útil”, haja vista a intervenção da defesa já na fase pré-processual poder demonstrar a desnecessidade da ação penal “com a apresentação e/ou indicação de material probatório suficiente a infirmar o juízo de valor emanado da autoridade policial ou do Ministério Público por ocasião da instauração da investigação”. Entretanto, a intervenção protelatória da defesa na investigação preliminar certamente iria ocasionar uma perturbação à sua tramitação, sendo assim, na ordem jurídica brasileira não há “como acolher a ideia”.

 Deste modo, o doutrinador posiciona-se no sentido do direito ao contraditório ser admitido em sede de inquérito policial somente em se tratando de provas periciais[169].

Antônio Scarence Fernandes (2005) leciona que, do artigo 5º LV da Constituição Federal[170] extrai-se a exigibilidade do contraditório somente na fase processual da persecução penal. “Ao mencionar o contraditório, impõe seja observado em processo judicial ou administrativo, não estando aí abrangido o inquérito policial”. O inquérito é “um conjunto de atos praticados por autoridade administrativa” não se caracterizando processo administrativo. Sequer é um procedimento, haja vista não seguir uma ordem de atos predeterminados por lei. Porém, nesse contexto, o doutrinador faz a ressalva:

Há, sem dúvida, necessidade de se admitir a atuação da defesa na investigação, ainda que não se exija contraditório, ou seja, ainda que não se ponha a necessidade de prévia intimação dos atos a serem realizados. Não se trata de defesa ampla, mas limitada ao resguardo dos interesses mais relevantes do suspeito, como o requerimento de diligências, o pedido de liberdade provisória, de relaxamento de flagrante, a impetração de habeas corpus.

Dessa maneira, Antônio Scarence Fernandes (2005) defende a necessidade de distinção dos atos de investigação que poderiam ser realizados com acompanhamento do suspeito daqueles que essa participação se mostra inapropriada. Assim, seria inconcebível que o suspeito acompanhasse o desenrolar de uma interceptação telefônica ou um mandado de busca e apreensão realizado em seu desfavor. Entretanto não seria empecilho algum às investigações que o indiciado se fizesse presente no momento da oitiva de uma testemunha.

Carlos Alberto Machado (2012) explica que apesar do inquérito policial não comportar contraditório e ampla defesa, ao indiciado sempre haverá resguardado determinado direito de defesa:

Em nome da inquisitorialidade, que é marca indelével do inquérito, não se deve concluir que o indiciado não possa ter nenhum direito de influir nas investigações, nem de se defender em face de alguma diligência que venha a prejudicar os seus interesses, sobretudo aquelas diligências que eventualmente sejam realizadas com a violação de algum direito fundamental do investigado. Se por um lado é certo que a natureza inquisitiva do inquérito policial não comporta mesmo os princípios do contraditório, da ampla defesa e da publicidade como regra; por outro, é certo também que há alguma defesa durante esse procedimento, sobretudo a defesa das liberdades públicas fundamentais, sempre que possível. Isso porque, embora por vezes se considere o indiciado uma espécie de “objeto” de investigação, apenas no sentido de que recairão sobre ele as investigações do inquérito, trata-se de alguém que jamais perderá a sua condição de sujeito de direito, nem antes, nem durante, nem depois do indiciamento. (...) Não se pode confundir ausência de contraditório e de ampla defesa com ausência de direito de defesa na fase inquisitiva. O indiciamento do indivíduo não suspende seus direitos e garantias fundamentais. Sempre haverá a possibilidade de que ele venha a utilizar os instrumentos clássicos para a defesa das liberdades públicas, mesmo no inquérito policial. Assim, é perfeitamente possível a utilização, por exemplo, do mandado de segurança para se garantir a realização ou o acompanhamento de alguma diligência no inquérito parte do indiciado; a impetração de habeas corpus[171] para se evitar o constrangimento ilegal à liberdade de locomoção do indiciado; e até a utilização do habeas data[172] para a obtenção, correção exclusão de dados criminais indevidamente registrados pela autoridade policial[173]. (...) Portanto, no âmbito do inquérito, é perfeitamente possível, por meio dos instrumentos próprios, a defesa da liberdade de locomoção, a defesa da inviolabilidade de domicílio, do sigilo da correspondência, do sigilo das comunicações telefônicas e telemáticas, do direito à prova, à integridade física do indiciado etc.

Destarte, resta claro que as liberdades fundamentais concernentes ao cidadão não podem ser suprimidas ante a inquisitorialidade do inquérito policial. Havendo violação “haverá sempre a possibilidade de se corrigir a ilegalidade por meio dos instrumentos e garantias constitucionais postos à disposição do indivíduo” e principalmente do indiciado, a fim de assegurar seu direito de liberdade (MACHADO, 2012).

5.2.3 Posições Contrárias à Aplicação da Ampla Defesa no Inquérito Policial

Posição predominante na doutrina Brasileira é pelo não cabimento da ampla defesa na primeira fase da “persecutio criminis”, realizando-se de maneira inquisitiva de modo a não oportunizar ao investigado o direito de defesa.

Inicialmente, o posicionamento de José Frederico Marques (2003) sobre o tema, argumentando que “a legislação policial, ou o inquérito, tem mesmo de plasmar-se por um procedimento não contraditório, porque ali ainda não existe acusado, mas apenas indiciado”.

Ademais, continua José Frederico Marques (2003), o atual Código de Processo Penal diferencia claramente a instrução criminal do inquérito policial, e “só a primeira é contraditória, de acordo aliás, com que impõe o mandamento constitucional”. O inquérito policial não se trata de instrução, dessa forma, não se encontrando abrangido pelo artigo 5º, LV da Constituição Federal.

Destarte, conforme o doutrinador a garantia constitucional também não abarca o inquérito policial:

Não se pode, pois, interpretar com simplismo o texto constitucional sobre a instrução contraditória, para estendê-lo ao inquérito policial. No direito pátrio, tem vigorado perfeita distinção entre inquérito policial e formação da culpa, desde a reforma de 1871, correspondendo ao primeiro a fase investigatória e à segunda da instrução criminal (MARQUES, 2003).

Em consonância está o posicionamento de Guilherme de Souza Nucci (2008), defendendo que, a atuação do investigado é limitada para se evitar duas instruções idênticas, outrossim, é por óbvio desnecessária:

O inquérito é, por sua própria natureza, inquisitivo, ou seja, não permite ao indiciado ou suspeito a ampla oportunidade de defesa, produzindo o indicando provas, oferecendo recursos, apresentando alegações, entre outras atividades que, como regra possui durante a instrução judicial. Não fosse assim, teríamos duas instruções idênticas: uma, realizada sob a presidência do delegado; outra, sob a presidência do juiz. Tal não se dá e é, realmente, desnecessário. O inquérito destina-se, fundamentalmente, ao órgão acusatório, para formar sua convicção acerca da materialidade e autoria da infração penal, motivo pelo qual não necessita ser contraditório e com ampla garantia de defesa eficiente. Esta se desenvolverá, se for o caso, em juízo.

Guilherme de Souza Nucci (2008) aponta a exclusão do direito de defesa no decorrer da investigação preliminar como vantagem e praticidade, tendo em visto proporcionar maior agilidade ao Estado para investigar a ação delituosa e alcançar sua autoria. Do contrário, o inquérito policial poderia fracassar em seus objetivos[174].

Fernando de Almeida Pedroso (1994) aponta que a contraditoriedade na investigação preliminar acabaria por “conturbá-la, tornando-a sinuosa e atabalhoada[175], com sérios gravames para a futura relação processual penal”.

Pedroso aduz que se concebido o direito ao investigado, este poderia utilizá-lo de má-fé:

A nada conduziria a informactio delicti se fosse azado[176] ao indiciado, durante o seu curso, formular pedidos, apresentar impugnações, recorrer. . . dando assim vazão ao seu interesse de procrástiná-la[177], para que contra si não pudessem ser reunidas de imediato as principais provas, eventualmente perecíveis.

O investigado deve direcionar sua defesa “(...) àquele que deve efetivamente apreciá-la, e decidir de sua procedência e improcedência, para que daí fluam as consequências jurídico-penais cabíveis e pertinentes”. Deste modo, a manifestação de defesa deve ser dirigida ao Juiz da causa, a realizar-se somente quando no decorrer da fase processual, haja vista a investigação preliminar ter como destinatário o Ministério Público e não o Juiz (PEDROSO, 1994).

Outro não é o parecer de Adilson José Vieira Pinto (1999), afirmando que a investigação criminal deva realizar-se de um modo a alcançar a verdade, sendo o direito de defesa um obstáculo para obtenção desse fim:

A Polícia Judiciária, na busca da verdade sobre o fato objeto da investigação e, por consecutário, igualmente do inquérito policial, deve, com observância a princípios legalmente insculpidos – especialmente o da legalidade - perseguir e sequencialmente coletar todos elementos que com aquele digam respeito. Tal busca não pode estar obstaculizada, sendo uma rocha a contrapor a investigação, dentre outras, a implantação, na forma vista no processo judicial, do contraditório e da ampla defesa na fase inicial da persecutio criminis. O inquisitio há de predominar nesse primeiro momento.

Apregoa José Adilson Vieira Pinto (1999) ser ainda, a atuação do indiciado limitada, por constituir-se o inquérito policial de “uma corrida à cata dos elementos informativos”, a realizar-se em uma fase em que não há imputação formalmente endereçada à ninguém. Deste modo, “seria estéril o emprego daqueles direitos”.

Este também o magistério de Fernando Capez (2011), salientando que “não se aplicam os princípios do contraditório e da ampla defesa, pois se não há acusação, não se fala em defesa”.

Argumenta-se ainda, que a observância da garantia no inquérito policial acabaria por deturpar sua finalidade:

Se na fase preliminar o defensor pudesse agir como no processo definitivo, o procedimento preliminar perderia seu caráter, tornando-se uma duplicação do procedimento definitivo (PEDROSO 1994 apud CARNELUTTI).

Greco Filho, citado por Antônio Scarence Fernandes (2005) salienta que nem em relação às provas periciais colhidas na investigação preliminar, há necessidade da observância do contraditório imediato:

A Constituição não exige, nem jamais exigiu, que o contraditório fosse prévio ou concomitante ao ato. Há atos privativos de cada uma das partes, como há atos privativos do juiz, sem a participação das partes. Todavia, o que assegura o contraditório é a oportunidade de a eles se contrapor por meio de manifestação contrária que tenha eficácia prática. Assim, por exemplo, é válida a prova pericial realizada na fase de inquérito policial, por determinação da autoridade policial, desde que, em juízo, possa ser impugnada e, se estiver errada, possa ser refeita.

Enfatiza Edílson Mougenout Bonfim (2009) que o direito de defesa não é concebido ao investigado pelo fato deste apresentar-se como “apenas um objeto da atividade investigatória, resguardados, contudo, seus direitos e garantias individuais”. Além disso, justifica seu posicionamento pelo fato de que o artigo 5º, LV da Constituição Federal, garantidor do direito de defesa, mencionar litigantes e acusados em geral, não se estendendo tais expressões ao indiciado, vez que na referida investigação preliminar não existe acusação formalmente direcionada ao investigado.

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Sobre a autora
Suelen Cristina Effting

Bacharela em Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

EFFTING, Suelen Cristina. Ampla defesa no inquérito policial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3818, 14 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26150. Acesso em: 25 abr. 2024.

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