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A ofensa à coisa julgada como fundamento à propositura de ação rescisória:

o equívoco do legislador de 1973 reiterado no projeto do novo CPC

21/12/2013 às 09:09

Resumo:


  • A ação rescisória é um mecanismo previsto tanto no Código de Processo Civil de 1973 quanto no projeto do novo Código, que permite impugnar uma sentença ou acórdão que ofende a coisa julgada, considerada uma garantia fundamental pela Constituição.

  • Existe uma incoerência no sistema ao permitir que uma nova decisão judicial sobre um caso já decidido e com coisa julgada formada possa ser considerada válida, o que atentaria contra a estabilidade e autoridade da primeira decisão imutável.

  • O uso da ação rescisória para casos de ofensa à coisa julgada é questionável, pois uma decisão que desrespeita a coisa julgada deveria ser considerada juridicamente inexistente e, portanto, não poderia ser rescindida, sendo mais adequado o uso da querela nullitatis insanabilis, que não possui prazo para propositura.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Seria mais acertado que novo CPC dispusesse ser a ofensa à coisa julgada não uma hipótese autorizadora da ação rescisória, mas caso de propositura da querela nullitatis insanabilis.

O projeto do Novo Código de Processo Civil, ao cuidar da ação rescisória arrola, dentre as hipóteses de cabimento dessa ação autônoma de impugnação, o caso de a sentença ou o acórdão de mérito ofender a coisa julgada.

Essa hipótese, já prevista no Código de Processo Civil de 1973, guarda em seu âmago uma significativa impropriedade, uma relevante incoerência com o sistema constitucional pátrio.

Em termos gerais, pode-se dizer que essa ofensa à coisa julgada, indicada tanto no Código de 1973 quanto no projeto do novo Código de Processo Civil, dá-se naquele caso em que uma das partes de processo anterior já definitivamente julgado por decisão de mérito deflagra uma nova demanda integrada pelos mesmos elementos (partes, causa de pedir e pedido) daquele processo já findo, intentando obter um novo pronunciamento judicial sobre a mesma causa.

Em casos como esse, poderá o réu dessa segunda demanda arguir em contestação a preliminar peremptória (e não apenas dilatória) da coisa julgada, preliminar esta passível também de conhecimento ex officio pelo juiz (art. 327, VII, §§ 1º, 2º e 4º).

Todavia, não arguida pelo réu essa preliminar e não conhecida ela de ofício pelo juiz, uma nova sentença será proferida. E é aqui que surge o ponto crítico:

-  essa nova sentença é um ato jurídico existente e válido?

-  ela é mesmo alcançada pela qualidade da coisa julgada?

-  é possível que se forme nova coisa julgada sobre uma mesma causa já anteriormente deflagrada entre as mesmas partes e já transitada em julgado?

- qual das duas decisões prevalecerá, caso sejam de sentido diverso?

-  a segunda sentença transitada em julgado apagará a primeira sentença transitada em julgado?

Ora, a coisa julgada é uma garantia fundamental assegurada pela Constituição (CR, art. 5º, XXXVI). Cláusula pétrea da Lei Maior.. Formada a coisa julgada sobre um pronunciamento judicial de mérito, não é dado ao Poder Judiciário rediscutir a causa e emitir, validamente, um novo pronunciamento.

Não se pode negar que é possível, sim, ocorrer de uma nova demanda, composta dos mesmos elementos identificadores (partes, causa de pedir e pedido), ser deflagrada e, na sequência, vir a ser decidida no mérito sem que o juiz conheça da coisa julgada já formada. Mas esse desconhecimento do juiz não torna válida essa segunda decisão sobre a mesma causa, tampouco permite que incida sobre ela a qualidade da coisa julgada, pena de nítida afronta à garantia constitucional.

Se a formação de uma segunda coisa julgada fosse admitida como válida, isso representaria um atentado à garantia constitucional, atentado esse perpetrado pelo próprio Poder Judiciário, pois, em desrespeito àquela primeira (e única) coisa julgada validamente formada, emitiria ele um novo julgamento, o qual, se não atacado a tempo, transitaria em julgado e, pior, se não rescindido oportunamente, tornar-se-ia definitivamente imutável.

A Constituição da República, ao consagrar como garantia fundamental a coisa julgada, não permite que contra ela nenhum dos Poderes da República atente. Nem mesmo o Poder Judiciário! Logo, não pode sequer ser considerada como ato existente a segunda decisão sobre um mesmo caso já decidido e alcançado pela qualidade da coisa julgada.

Ora, um ato jurídico inexistente não transita em julgado. A segunda decisão proferida em ofensa à coisa julgada é um ato inexistente, logo, sobre ela não há formar coisa julgada.

Essa compreensão do tema não se distancia do valor atribuído pelo Supremo Tribunal Federal à coisa julgada. É interessante ver que a garantia da coisa julgada, por compor o núcleo rígido da Constituição, subsiste íntegra mesmo face à ulterior declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, via controle abstrato, do preceito legislativo em que esteada a sentença tornada imutável. Noutros termos: a coisa julgada não é superada sequer pela declaração de inconstitucionalidade!

Prolatada sentença com fundamento em lei ou ato normativo posteriormente declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, a eficácia ex tunc dessa declaração não afeta a coisa julgada, ao menos não de modo pronto e direito. Assim a decisão proferida pelo Supremo no RE 594.892, rel. Min. Celso de Mello:

A decisão do Supremo Tribunal Federal que haja declarado inconstitucional determinado diploma legislativo em que se apoie o título judicial, ainda que impregnada de eficácia ex tunc, como sucede com os julgamentos proferidos em sede de fiscalização concentrada [...], detém-se ante a autoridade da coisa julgada, que traduz, nesse contexto, limite insuperável à força retroativa resultante dos pronunciamentos que emanam, in abstracto, da Suprema Corte.

Dessarte, no mínimo curiosa é a previsão da ofensa à coisa julgada como hipótese autorizadora da ação rescisória. A segunda decisão, insista-se, é um ato juridicamente inexistente e não transita em julgado. Logo, despiciendo seja ela atacável via ação rescisória, já que esta pressupõe – e isso é estreme de dúvida –, a existência de coisa julgada, cuja desconstituição é o seu objeto. Se não há coisa julgada formada, ação rescisória não cabe. Simples assim.

Por essas razões, mais acertado seria que o legislador reformador dispusesse ser a ofensa à coisa julgada não uma hipótese autorizadora da ação rescisória, mas caso de propositura da querela nullitatis insanabilis.

Não bastassem essas lógicas razões, subsiste ainda outra bastante pragmática: a ação rescisória tem um prazo máximo para propositura (art. 928), a querella nullitatis não.

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Admitida essa hipótese, como quis o legislador do início da década de setenta e ainda quer o legislador hodierno, como caso de ação rescisória, a perda do prazo de sua propositura permitiria a consolidação de uma ofensa ao núcleo rígido da Constituição, tornando indiscutível a sentença ou o acórdão assim proferido, o que não pode encontrar esteio em um Estado Constitucional. Um ato inexistente – viciado gravemente por atentar à garantia fundamental – tornar-se-ia válido e eficaz se não atacado via ação rescisória no prazo de 1 (um) ano a contar de seu suposto (insista-se: suposto) trânsito em julgado.

Nessa hipótese, andou mal o legislador reformador, pois incorreu no mesmo equívoco já cometido pelo legislador de 1973. Mas ainda há tempo de evitar o erro.

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Sobre o autor
Marcelo F. Xavier

Servidor Público

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

XAVIER, Marcelo F.. A ofensa à coisa julgada como fundamento à propositura de ação rescisória:: o equívoco do legislador de 1973 reiterado no projeto do novo CPC. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3825, 21 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26207. Acesso em: 22 dez. 2024.

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