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Inviabilidade da cobrança vexatória de quota condominial

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4. As penalidades e o ordenamento jurídico

Em caso de não pagamento da quota condominial, as medidas previstas na lei civil, e as não previstas, mas aceitáveis, se aprovadas em convenção ou assembleia, não autorizam a aplicação de penas vexatórias; que segregam e atingem física ou psicologicamente o devedor; ou limitem ou atrapalhem o acesso e o uso da propriedade.

O artigo 1.335/CC confere direitos de natureza de ordem pública ao condômino. O inciso I trata do direito de usar, fruir e dispor livremente da unidade condominial, enquanto o inciso II garante o direito de usar as partes comuns segundo sua finalidade:

Art. 1.335. São direitos do condômino:

I - usar, fruir e livremente dispor das suas unidades;

II - usar das partes comuns, conforme a sua destinação, e contanto que não exclua a utilização dos demais compossuidores;

III - votar nas deliberações da assembleia e delas participar, estando quite.

Ao comentar o artigo 1.335, inciso II, do CC, LOUREIRO assim destacou [17]:

Direito de usar as partes comuns: O inciso II garante ao condômino usar das partes comuns, desde que de acordo com sua finalidade e de modo a permitir igual direito aos demais condôminos. A primeira limitação diz repeito à finalidade (...). A segunda limitação se refere à preservação da mesma prerrogativa aos outros condôminos, permitindo a todos a utilização da área comum.

O dispositivo traz em seu bojo também as limitações ao direito de utilização dessas áreas pelo condômino: desvio de finalidade e exclusão de iguais direitos aos demais condôminos, independentemente de inadimplentes ou não. Logo, garante ao condômino, como exercício de seus direitos, o acesso à unidade.

Já o artigo 1.336/CC trata dos deveres dos condôminos e disciplina as sanções aplicáveis em caso de inadimplemento. Seu §1º apresenta as sanções de natureza pecuniária que são aplicáveis e, segundo LOUREIRO [18], prevê a incidência de juros e multas sobre o valor devido a título de quota condominial:

O §1º do art. 1.336 disciplina as sanções aplicáveis ao condômino inadimplente no pagamento das despesas condominiais. É um dos preceitos mais polêmicos do Código Civil, introduzindo profundas alterações em relação ao que determinava o art. 12, §3º, da Lei nº 4.591/64. Traça as regras sobre a cobrança dos juros moratórios e da multa moratória. As sanções ao condômino inadimplente à obrigação de pagar a contribuição condominial são as previstas em lei, de natureza estritamente pecuniária. Fere os direitos fundamentais dos condôminos a aplicação de sanções diversas, ainda que previstas na convenção, especialmente aquelas que vedam a utilização de áreas e equipamentos comuns, como elevadores, piscina e sauna. (grifei)

Verifica-se que a aplicação de sanção que não possui natureza pecuniária viola direitos fundamentais do indivíduo. Aliás, o artigo 1.337, estudado anteriormente, ratifica essa noção quanto à natureza da punição.

Ademais, pelo ordenamento jurídico, excetuadas circunstâncias excepcionais expressas em lei, a responsabilidade e a execução não recaem sobre a pessoa do devedor, mas sobre seu patrimônio. Os artigos 391/CC e 591/CPC, em síntese, destacam que o devedor inadimplente responde com todos os seus bens [19-20].

Com efeito, pelo princípio da execução real, previsto no artigo 591/CPC, apenas o patrimônio do devedor ou do terceiro responsável sofre atividade jurisdicional executiva. É o que afirmam MARINONI e MITIDIERO [21] ao analisarem o dispositivo: “O executado responde apenas com o seu patrimônio, presente e futuro, pelo cumprimento de suas obrigações (arts. 591, CPC, e 391, CC), ressalvadas as restrições estabelecidas em lei”. (grifei)

Assim, cabe ao titular do direito violado, utilizar os meios processuais adequados na cobrança, e reaver seu crédito respeitando a proporcionalidade, como já decidiu o STF em acórdão perfeitamente aplicável ao objeto desse estudo [22]:

A prisão civil do devedor-fiduciante no âmbito do contrato de alienação fiduciária em garantia viola o princípio da proporcionalidade, visto que: a) o ordenamento jurídico prevê outros meios processuais-executórios postos à disposição do credor-fiduciário para a garantia do crédito... (grifei)

Vale lembrar a lição de NERY JUNIOR e NERY [23] sobre a proporcionalidade e o dever de o credor optar pelo meio menos ofensivo ao credor, para evitar o excesso:

8. Princípio da proibição de excesso. Existem princípios que não se encontram positivados no texto constitucional mas são ínsitos ao sistema e ao espírito da Constituição. O princípio da proibição de excesso também é identificado como princípio da proporcionalidade em sentido lato. Sua existência é ínsita ao Estado Constitucional e é fundamental para o controle da atuação dos poderes públicos no Verfassungsstaat, assumindo, notadamente no que se refere aos direitos fundamentais, o papel de principal instrumento de controle da atuação restritiva da liberdade individual. Para a doutrina, esse princípio comporta subdivisão em três elementos ou subprincípios: a) idoneidade (ou adequação), b) necessidade e c) proporcionalidade em sentido estrito. Na sua atribuição mais comum, o subprincípio da idoneidade consiste em que as medidas restritivas em causa sejam aptas a realizar o fim visado com a restrição ou contribuam para o alcançar. O subprincípio da necessidade preconiza que, entre todos os meios idôneos disponíveis e igualmente aptos a perseguir o fim visado com a restrição, deve-se escolher o que produza efeitos menos restritivos. Por sua vez, o princípio da proporcionalidade diz respeito à justa medida ou à relação de adequação entre os bens e interesses em colisão, ou, mais especificamente, entre o sacrifício imposto pela restrição e o benefício por ela almejado. A proibição de excesso é garantia fundamental. (grifei)

Por fim, na lição de BARROSO [24]: “É razoável [proporcional] o que seja conforme à razão, supondo equilíbrio, moderação e harmonia; o que não seja arbitrário ou caprichoso; o que corresponda ao senso comum, aos valores vigentes em dado momento ou lugar”.

De outro lado, destaca-se que em ação de cobrança de quota condominial a unidade devedora se constitui na própria garantia de satisfação do débito, pois a obrigação é de natureza “propter rem”, não estando a salvo de constrição sequer o imóvel bem de família ou suas vagas de garagem, como consignado no subtópico 3.7.

Destarte, a imposição de punição física, do corte de serviços essenciais ou de medidas restritivas de direitos sobre o uso e gozo do imóvel pelo devedor, por total distanciamento da natureza pecuniária, configura abuso de direito e exercício da autotutela, cujas situações especialíssimas devem estar previstas expressamente na lei.

Deliberação nesse sentido promove ato vexatório, segregador, constrangedor, que atenta contra direitos fundamentais do condômino; e tal medida deve ser rechaçada de pronto pelo Judiciário, pois em flagrante afronta ao ordenamento jurídico, que disponibiliza meios próprios (legais) de cobrança da quota condominial.

4.1. Deliberação assemblear, o artigo 1.334, IV, do CC e os limites das punições

Pela cumulação dos artigos 1.335 a 1.337, o Código Civil deixa claro que as penas devem ter natureza pecuniária, sendo o artigo 1.334, inciso IV, a seguir colacionado, insuficiente para autorizar a fixação de sanção que estabeleça punição física ou de qualquer natureza, que atente contra o princípio da dignidade da pessoa humana e seus consectários, ou impeça o acesso ao bem e a serviços essenciais:

Art. 1.334. Além das cláusulas referidas no art. 1.332 e das que os interessados houverem por bem estipular, a convenção determinará:

I – a quota proporcional e o modo de pagamento das contribuições dos condôminos para atender às despesas ordinárias e extraordinárias do condomínio;

II – sua forma de administração;

III – a competência das assembleias, forma de sua convocação e quorum exigido para as deliberações;

IV – as sanções a que estão sujeitos os condôminos, ou possuidores;

V – o regimento interno.

§1º. A convenção poderá ser feita por escritura pública ou por instrumento particular.

§2º. São equiparados aos proprietários, para os fins deste artigo, salvo disposição em contrário, os promitentes compradores e os cessionários de direitos relativos às unidades autônomas.

A autonomia da vontade prevista no dispositivo encontra limites noutros princípios e em questões de ordem pública, o que suscita uma interpretação sistemática que considere todo o contexto normativo e a natureza das sanções aplicáveis, com análise dos dispositivos à luz da CF/1988, para evitar excessos.

Com isso, a decisão assemblear não pode deliberar extrapolando seu poder normativo para autorizar a cobrança “manu militari” de quota condominial, com fundamento na regra do artigo 1.334, inciso IV, que embora admita exceções às sanções estabelecidas, como tratar de prazos e quóruns, p.ex., não é apto a autorizar a desobediência do contexto normativo, como destacou LOUREIRO [25]:

Dispõe o inciso IV que a convenção disporá sobre as sanções a que estão sujeitos os condôminos, ou possuidores, matéria mais bem analisada nos comentários aos arts. 1.336 e 1.337. Basta lembrar que a convenção não pode ultrapassar os limites máximos cogentes das multas dos artigos mencionados, podendo, porém, estabelecer limites menores e a forma de sua imposição, como prazo de defesa do condômino ou necessidade de aprovação em assembleia. (grifei)

Então, independentemente da aprovação pelo quórum do artigo 1.337, de três quartos dos condôminos remanescentes, para estabelecer as penas em assembleia, é inválida deliberação que admita cobrança vexatória e discriminatória do condômino inadimplente, através de sanção física, atentatória à dignidade da pessoa humana.

Ou seja, como as regras de cunho estatutário não podem nem mesmo ultrapassar o teto de percentuais medidos em pecúnia, que a lei estabeleceu para apenar o devedor, com menor razão poderiam atentar contra o uso ou gozo do bem, ou desprezar a dignidade da pessoa humana.

Do até aqui exposto, conclui-se que é inadmissível a interpretação do dispositivo legal que prestigie a autonomia da vontade de tal forma a validar deliberação afrontosa às normas de hierarquia ordinária, supralegal e constitucional.


5. Abusos na administração do condomínio e a dignidade da pessoa humana

Apesar de dispor de várias ferramentas processuais-executórias para satisfazer débito de quota condominial não paga, o condomínio comete abusos e desobedece a normas que vedam a invasão abusiva da esfera jurídica alheia, com o álibi da aprovação das convenções/assembleias. Daí o porquê de TARTUCE [26] afirmar: “... a grande dificuldade está em saber os limites de licitude das estipulações da convenção condominial”.

Para FARIAS e ROSENVALD, trata-se de abuso de direito, passível de reparação do dano causado [27]:

... considera-se constrangimento ilegal por abuso do direito o cerceamento ao exercício de faculdades do domínio ao condômino em decorrência do inadimplemento das taxas. Pode-se cogitar ainda do dano moral causado ao condômino, em virtude do alarde na divulgação de sua condição de inadimplente (v. g., aviso ostensivo no hall social), com nítido ânimo de constranger, lesando a dignidade e os direitos de personalidade do indivíduo.

Inicialmente, cabe firmar que, além do que dispõe o artigo 1.335, inciso I, do CC, o artigo 1.228, caput, 1ª parte, traz expresso que: “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa...”. O dispositivo regula garantias fundamentais insculpidas no artigo 5º, incisos XXII-XXIII, da CF/1988:

Art. 5º (...)

XXII – é garantido o direito de propriedade;

XXIII – a propriedade atenderá a sua função social.

Segundo FARIAS e ROSENVALD, malgrado se tenha como verdade que as deliberações da assembleia são soberanas, essa condição está adstrita aos limites de sua competência, sob pena de prática de abusos por uma maioria revoltada. Afirmam os doutrinadores que “para as mudanças na convenção que impliquem limitações ao direito de propriedade, há necessidade de unanimidade nas decisões” [28].

Porém, além do quórum, outras circunstâncias serão consideradas, pois a deliberação assemblear, de caráter estatutário, não pode afrontar o ordenamento jurídico e atrapalhar ou impor limitações às faculdades do condômino de usar e gozar do bem, nem atentar contra a dignidade da pessoa humana ou os princípios dela emanados.

Não se desprezam os inconvenientes causados pelo devedor, por incapacidade ou falta de vontade de participar no rateio das despesas. Na realidade, ao utilizar os serviços postos à disposição daquela coletividade, ele enriquece indevidamente, e é por isso que, armados desses argumentos, os demais condôminos se convencem de que o “castigo” patrimonial, em regra, não produz resultados, e decidem colocar em pauta e votar medidas que promovem a exclusão social do devedor, como: (i) negar o acesso às áreas de recreação (playground, salão de festas, academia, cozinha gourmet, piscina e outros tantos espaços disponibilizados nos condomínios mais modernos); (ii) interromper a entrega de correspondência; (iii) divulgar o nome do inadimplente; (iv) desligar o elevador; (v) cortar o fornecimento de água e de gás (se o medidor é individual); e (vi) negar a ocupação da unidade vazia pelo futuro condômino.

Só que, embora seja legítimo cobrar a dívida vencida, o credor não pode lançar mão de procedimentos que constrangem, humilham, prejudicam – não se justifica o uso de ameaça, de coação física ou moral, que afronte a dignidade da pessoa humana.

Cabe ao credor agir com diligência e moderação, evitando extrapolar os limites previstos na lei, até porque a punição não pode ser considerada abstratamente se a relação “condômino-inadimplemento-condomínio” envolve várias situações distintas. Como exemplo, se não for entregue ao devedor um pacote deixado na portaria, que contenha remédios vitais para a sua saúde?

Ensina SARMENTO [29] que “o princípio da dignidade da pessoa humana nutre e perpassa todos os direitos fundamentais que, em maior ou menor medida, podem ser considerados como concretizações ou exteriorizações suas”, pois “representa o epicentro axiológico da ordem constitucional, irradiando efeitos sobre todo o ordenamento jurídico e balizando não apenas os atos estatais, mas também toda a miríade de relações privadas que se desenvolvem no seio da sociedade e no mercado”. Repita-se: as relações privadas também são regidas sob a égide da dignidade da pessoa humana.

Com efeito, esse princípio informador, de aplicação imediata, pois prescinde da edição de leis infraconstitucionais para ter eficácia, no lugar de ceder diante da regra infraconstitucional (interpretação ultrapassada), serve de critério interpretativo a todo o ordenamento jurídico, consoante destacou Piovesan [30]:

... o valor da dignidade da pessoa humana impõe-se como núcleo básico e informador de todo ordenamento jurídico, como critério e parâmetro de valoração a orientar a interpretação e compreensão do sistema constitucional.

Considerando que toda Constituição há de ser compreendida como uma unidade e como um sistema que privilegia determinados valores sociais, pode-se afirmar que a Carta de 1988 elege o valor da dignidade humana como um valor essencial que lhe doa unidade de sentido. Isto é, o valor da dignidade humana informa a ordem constitucional de 1988, imprimindo-lhe uma feição particular (...).

Impõe-se a escolha da interpretação mais adequada à teleologia, à racionalidade, à principiologia e à lógica constitucional. Como leciona o professor Fábio Konder Comparato, se os princípios gerais do Direito, de acordo com a Lei de Introdução ao Código Civil, constituíram uma fonte secundária, subsidiária, do Direito, aplicável apenas na omissão da lei, hoje os princípios fundamentais da Constituição Federal constituem a fonte primária por excelência para a tarefa interpretativa.

À luz desta concepção, infere-se que o valor da cidadania e dignidade da pessoa humana bem como o valor dos direitos e garantias fundamentais vêm a constituir os princípios constitucionais que incorporam as exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro. A partir dessa nova racionalidade, passou-se a tomar o direito constitucional não só como o tradicional ramo político do sistema jurídico de cada Nação, mas sim, notadamente como seu principal referencial de justiça. (grifei)

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SARLET [31] reforça essa ideia, asseverando que os direitos fundamentais estão voltados à sublimação da dignidade da pessoa humana, fundamento da República expresso no artigo 1º, inciso III, da CF/1988, e princípio referencial a conduzir e sistematizar toda a análise interpretativa no âmbito de nosso ordenamento jurídico, servindo de parâmetro absoluto na aplicação e interpretação do macrossistema jurídico.

SARMENTO [32], lembrando Maria Celina Bodin de Moraes, aprofundou ainda mais:

Maria Celina Bodin de Moraes, num notável esforço de síntese, desdobrou juridicamente o princípio da dignidade da pessoa humana em quatro postulados essenciais: direito à igualdade, tutela da integridade psicofísica, direito à liberdade e princípio da solidariedade social.

Há violação da igualdade quando a punição, sem medir as diferenças, desprezando o dever de dar tratamento desigual aos desiguais, atinge de forma distinta àqueles a quem foi dirigida. Já a integridade psicofísica fica abalada se imposta punição física ao devedor para forçá-lo a pagar o débito, e ao mesmo tempo é humilhado diante de todos à sua volta ao tomarem ciência do “castigo” aplicado, donde surge o sofrimento psicológico por questões subjetivas e objetivas.

Com relação a medidas que atentam contra a liberdade ao acesso à propriedade e a solidariedade, lembra SARMENTO [33]:

... parece-nos equivocada a afirmativa corrente na doutrina, de que as limitações à autonomia privada derivam do reconhecimento da primazia dos interesses coletivos sobre os individuais. Na nossa opinião, esta tese não se compatibiliza com uma ordem constitucional centrada na pessoa humana, em que o Homem, e não a sociedade ou o Estado, continua sendo “a medida de todas as coisas”. (grifei)

E é isso mesmo. A Constituição Federal não admite que o bem-estar coletivo seja galgado à custa do sofrimento alheio ou através da exposição de outrem a situação vexatória ou degradante. Que sociedade seria essa que para fazer valer seus interesses nega a dignidade ao seu semelhante?

O não reconhecimento dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana implica, ainda, violação do artigo 5º, § 1º, da CF/1988, segundo o qual “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.

5.1. Da vedação ao acesso aos espaços de lazer do condomínio

Alguns condomínios suspendem o acesso dos condôminos inadimplentes às áreas de lazer e de relaxamento do prédio por entendê-las como não essenciais e porque sua manutenção gera aumento significativo da quota condominial. Então, como não se trata de espaço essencial, o devedor deve ser barrado para, ao se sentir pressionado, acertar sua situação financeira com o condomínio.

Essa medida é aprovada por VENOSA [34]: “Não se duvida de que o condômino, ou qualquer ocupante, pode ser punido com a suspensão temporária de frequentar a piscina ou salão de festas do edifício, em razão de comportamento inconveniente, por exemplo”.

Mas, o entendimento é controvertido, especialmente porque os empreendimentos se tornam mais atrativos por proporcionarem locais e serviços de lazer e relaxamento, considerados vitais para a manutenção de uma vida saudável, amenizando o stress da vida moderna – a disponibilização desses espaços é essencial, e hoje se transformou num tema recorrente da propaganda de venda de unidades imobiliárias.

Com isso, é interessante colacionar a lição de TARTUCE [35], que:

... não se filia à tese de impedir a entrada de supostas pessoas indesejadas no condomínio (expulsão antecipada), muito menos de limitação do uso das áreas comuns para os condôminos antissociais, caso do estacionamento, do elevador, da piscina, do salão de festas, da área de lazer e da churrasqueira. Nas duas hipóteses, fica notória a violação à dignidade da pessoa humana, conforme se tem julgado inclusive com a condenação do condomínio por danos morais diante de conduta vexatória. (grifos no original)

De outro lado, quem não reúne condições de se manter em condomínio acima dos padrões financeiros deve buscar outro espaço, como avisa VENOSA [36]:

Quem opta por residir ou trabalhar em um condomínio de edifícios ou comunhão condominial assemelhada deve amoldar-se e estar apto para a vida coletiva. Do contrário, deve estabelecer-se ou residir em local apropriado conforme sua condição, estado e personalidade.

A questão ligada ao fato de se “tentar colocar a mão onde essa não alcança” é um problema moderno a ser enfrentado pelo Judiciário, pois envolve a multidisciplinaridade, transcendendo o objeto desse estudo.

Dessa forma, para livrar o condomínio de surpresas e inconvenientes, aconselha-se buscar o crédito sem causar constrangimentos, e na forma mais efetiva possível: rapidez nas decisões de efetuar a cobrança, notificação do devedor e ajuizamento da demanda, sempre com respeito aos estritos limites do ordenamento jurídico.

5.2. Do corte no fornecimento de gás e de água

O corte no fornecimento de gás da unidade inadimplente não é medida aceita indiscriminadamente pelos operadores do Direito, como se vê no julgado a seguir [37]:

AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE C.C. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONDOMÍNIO. ASSEMBLÉIA QUE DETERMINOU O CORTE DO FORNECIMENTO DE GÁS DE UNIDADE INADIMPLENTE. EXERCÍCIO ARBITRÁRIO DAS PRÓPRIAS RAZÕES. NULIDADE MANIFESTA. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS ANTE O CURTO PERÍODO DE PRIVAÇÃO DO BEM, A QUAL, ADEMAIS, PODE SER REPARADA PELO USO DE ENERGIA ELÉTRICA. PEDIDO INDENIZATÓRIO IMPROCEDENTE. SENTENÇA REFORMADA APENAS PARA RECONHECER A NULIDADE DA DECISÃO DA ASSEMBLÉIA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. (grifei)

Entretanto, há julgados que admitem o corte quando o condomínio arca com o gasto perante a empresa fornecedora, por não se tratar de serviço essencial [38]:

PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - INADIMPLEMENTO - TAXAS CONDOMINIAIS - RESTRIÇÃO DE DIREITOS DO CONDÔMINO - CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO - INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO DE GÁS - LEGALIDADE - PROIBIÇÃO À UTILIZAÇÃO DOS ELEVADORES - IMPOSSIBILIDADE - DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.

Não há vedação legal à previsão de penalidades na convenção do condomínio - além de multas já expressamente previstas no Código Civil - passíveis de aplicação ao condômino inadimplente.

Tratando-se dos gastos com gás e despesas ordinárias do condomínio, é lícita a penalidade prevista na convenção que determina a interrupção do fornecimento ao condômino inadimplente.

A restrição ao uso dos elevadores, ainda que prevista no parágrafo em convenção do condomínio, sem dúvida, lança sobre o condômino devedor punição que, além de vexatória, é também iníqua, haja vista impor ao agravado a penalidade, configurada pela utilização das escadarias do edifício como único acesso à unidade condominial de sua propriedade, ferindo, portanto, um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, qual seja, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CR/88).

V.v.: O fato de o condômino ser inadimplente não gera direito ao agravante de adotar medidas restritivas do direito daquele de usar e fruir das partes comuns, inalienáveis e indivisíveis do condomínio.

O recorrente goza de ação própria para compelir o agravado a realizar o pagamento das taxas condominiais. (grifei)

O tema comporta discussões, cabendo ao julgador, ao analisar o caso concreto e o material probatório, declarar se a punição é cabível ou arbitrária, e até se há forma menos agressiva de se saldar o débito.

Mais grave, porém, é o corte no fornecimento de água, elemento de vital importância para a sobrevivência do ser humano. E, como não poderia deixar de ser, a jurisprudência desabona essa prática [39]:

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE RETOMADA DE ÁREA COMUM E SUSPENSÃO DE FORNECIMENTO DE ÁGUA, LUZ, ELEVADOR E MANUTENÇÃO - PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE ATIVA, INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL E CARÊNCIA DE AÇÃO POR IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO AFASTADAS - MÉRITO - CONDOMÍNIO - ASSEMBLÉIA AUTORIZANDO O CORTE NO FORNECIMENTO DE SERVIÇOS E RETOMADA DA ÁREA COMUM - CONDÔMINO INADIMPLENTE - EXERCÍCIO ARBITRÁRIO DAS PRÓPRIAS RAZÕES - COAÇÃO CONFIGURADA - NECESSIDADES ESSENCIAIS A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - MEIOS VEXATÓRIOS E INAPROPRIADOS - PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE - APLICABILIDADE - MEIO IMPRÓPRIO - AÇÃO DE COBRANÇA JÁ AJUIZADA - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CORRETAMENTE FIXADOS - LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - INOCORRÊNCIA - AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ DO CONDOMÍNIO - NÃO APLICAÇÃO DA MULTA DO ART. 18 DO CPC - MANUTENÇÃO DA SENTENÇA - RECURSOS DESPROVIDOS. (grifei)

VENOSA [40] não é de todo contrário a punir o devedor com o corte de serviços essenciais, mas deixa a ressalva de sua aplicação em casos extremos, e ainda lembra a alternativa da multa pecuniária:

Torna-se discutível, porém, na falta de lei expressa, se o condomínio pode impor a supressão de serviços essenciais, como água, telefonia e energia elétrica, em razão da falta de pagamento. Entretanto, se as próprias concessionárias de serviço público têm essa faculdade, o regulamento e a convenção também podem fazê-lo. Não obstante, a questão é por demais controversa e pode gerar abusos. Há necessidade de meditação, e uma imposição desse nível deve ser medida extrema. O novo Código, ciente dessa problemática, ao contrário da lei anterior, introduz expressamente no ordenamento a possibilidade da imposição de multas. (grifei)

Todavia, não é possível comparar o condomínio às concessionárias/permissionárias públicas, que não cometem irregularidade ao cortarem o serviço. Segundo o STJ [41], embora as empresas mantenham com o consumidor um contrato de prestação de serviços regido pelo direito privado, a questão do corte de fornecimento de energia ou água é regida por normas de direito público, por envolver a prestação de serviço público essencial, agindo as terceirizadas como representantes do Estado.

O ressarcimento das terceirizadas permite a prestação de serviço adequado com regularidade, continuidade, eficiência e segurança, e isso requer investimentos. Cortar o serviço pelo não pagamento de conta atual evita colocar em risco a ordem e a economia públicas, pois a mora pode comprometer a coletividade, já que sem receber a contraprestação pecuniária, a terceirizada seria desestimulada ou teria dificuldades de fazer novos investimentos, e acabaria prestando serviço na má qualidade.

Feitas essas considerações, o corte do fornecimento de gás pago pelo condomínio comporta discussão, já que o condômino inadimplente poderia se alimentar de outra forma, mas o corte de fornecimento de água não se admite, pois envolve questão humanitária, devendo ser utilizados outros meios de satisfação do crédito.

5.3. O desligamento dos elevadores

Alguns condomínios desativam a senha de acesso aos elevadores dos condôminos devedores, ao argumento de que há previsão em norma condominial. O caso, porém, requer uma análise mais apurada, pois se é até discutível a vedação do acesso ao salão de festas e à piscina, p.ex., o mesmo não ocorre no que tange à utilização do elevador, serviço essencial, imprescindível para acesso de certas unidades.

Vários fatores devem ser considerados na tentativa de se dar tons de legalidade à medida que obriga o devedor a utilizar apenas a escada para chegar à sua unidade. Em certos casos, a punição é física. Ora, considerando os andares mais baixos e os mais altos, o que para um é exercício, para o outro é martírio.

A deliberação de assembleia condominial que impõe pena física, discriminatória e vexatória ao condômino inadimplente, para coagi-lo a pagar sua quota, viola direitos e garantias fundamentais, como o direito à propriedade, à liberdade, à isonomia, à proporcionalidade e ao devido processo legal, além da dignidade da pessoa humana, fundamento da República que norteia todos esses princípios.

Embora em análise perfunctória seja possível concluir que todos os condôminos que se encontrem na situação de inadimplentes estão, de forma equânime, adstritos às restrições do uso dos elevadores, não há punição em abstrato que confira tratamento isonômico sob a ótica dos moradores dos andares superiores, crianças, idosos, operados, convalescentes e doentes (com problemas cardíacos ou de coluna, articulações etc.), o que torna a medida desigual em sua essência. A punição os atinge diferentemente, ferindo a isonomia quando comparadas as nuanças envolvidas.

Também deve ser considerada a possibilidade de alguém precisar ser socorrido ou levado às pressas a um hospital , bem como as ocasiões em que se carregam volume, como compras do mês, o que sugere a prática de maior esforço.

A imposição de barreiras de acesso ao imóvel viola a liberdade e o direito de propriedade. E, mais, a medida é desproporcional ao fim que se deseja, e a inobservância dos meios legais de cobrança afronta o devido processo legal.

Ademais, resta violada a dignidade da pessoa humana, como destacam os julgados citados no tópico 5.2, porque a medida é vexatória, abusiva e ilegal; e expõe o devedor a condições indignas, de humilhação diante dos vizinhos e funcionários do condomínio, que observarão que a todo o momento os moradores da unidade utilizam as escadas. Há exercício arbitrário das próprias razões, crime capitulado no artigo 345/CP (imputável a quem ordena o cumprimento da medida) [42], ou, na melhor das hipóteses, o abuso de direito do artigo 187/CC [43].

É instigante o voto condutor do agravo instrumental nº 8152638-94.2005.8.13.0024 do TJMG (nota nº 38), do qual se destaca o seguinte excerto:

A restrição ao uso dos elevadores prevista no parágrafo único, do artigo 28, da norma estatutária em questão, sem dúvida, lança sobre o condômino devedor punição que, além de vexatória, é também iníqua, haja vista impor ao agravado a penalidade física decorrente do inadimplemento, configurada pela utilização das escadarias do edifício como único acesso à unidade condominial de sua propriedade, ferindo, portanto, um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, qual seja, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CR/88). (grifei)

A orientação não é isolada, pois esposada por outras Cortes pátrias. Vejamos [44-45]:

Dano moral caracterizado pelas medidas vexatórias de cobrança praticadas pelo condomínio em relação aos condôminos inadimplentes, em especial o desligamento do elevador social no andar da unidade devedora. Arbitramento no valor equivalente a uma mensalidade condominial que se mostra em consonância com os parâmetros da jurisprudência, Recurso do réu provido em parte e improvido o adesivo do autor. (grifei)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. CONDOMÍNIO. COBRANÇA VEXATÓRIA. DESLIGAMENTO DO ELEVADOR SOCIAL COM INTENÇÃO DE CONSTRANGER OS INADIMPLENTES. DANO MORAL. OFENSA AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA SÍNDICA.

1. Em que pese inadimplentes os condôminos autores, mostra-se abusivo e ilícito o desligamento dos dois elevadores sociais que atendiam seu andar, comprovado que tal desligamento ocorreu em represália à inadimplência. Assim, caracteriza-se inequivocamente o dano moral, até mesmo por ser o varão pessoa idosa, além de consistir em violação aos direitos fundamentais (restrição indevida à liberdade e à propriedade privada).

2. A síndica responde subsidiariamente com o condomínio, pois o ato foi praticado no interesse deste.

(...)

Deram provimento. Unânime. (grifei)

Ora, punições que buscam estancar o inadimplemento extravasando o campo pecuniário não configuram medidas salutares, mas arbitrárias, e devem ser coibidas.

5.3.1. Estudo de caso

Em ação movida por vítima de medida desse jaez, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo, diferentemente dos demais tribunais, chancelou o abuso cometido pelo condomínio. Do voto acolhido à unanimidade, traz-se o seguinte excerto [46]:

Após detido exame dos autos, entendo não assistir razão à Apelante em sua irresignação. Adianto, pois, meu entendimento, no sentido de que inexiste ilegalidade de deliberação em assembleia condominial que restringe o uso de bens comuns do condomínio pelo condômino inadimplente.

(...) não se afigura plausível o entendimento de que o Código Civil, refúgio dos princípios da autonomia da vontade e da isonomia, prestigie a inadimplência do devedor com relação as suas obrigações condominiais, restringindo as consequências do inadimplemento exclusivamente àquelas nele (Código Civil) expressamente aludidas.

Pensar dessa forma, ao meu sentir, seria concluir que a legislação civil preocupa-se mais com os interesses do condômino inadimplente do que com os dos demais condôminos sobrecarregados com o pagamento, não só de suas despesas condominiais, como também daquelas devidas pelo inadimplente.

Consoante assente, não se admite a interpretação de dispositivos legais fora de seu contexto, alheios às demais normas previstas em lei. Impende, pois, interpretar sistematicamente as disposições do Código Civil.

Nesta senda, devem os artigos 1.336, §1º e 1.337, caput, ambos do Código Civil, serem [sic] interpretados em consonância com o disposto no artigo 1.334, inciso IV, do mesmo diploma legal, que expressamente confere poderes aos condôminos para que estabeleçam “as sanções a que estão sujeitos os condôminos, ou possuidores”.

(...) não se quer dizer que tenha o condomínio, através de sua convenção condominial e de seu regimento interno, total liberdade para dispor a respeito das sanções possíveis de serem aplicadas ao condômino inadimplente. Como não poderia ser diferente, a interpretação constitucional do código civil exige que suas disposições normativas sejam compreendidas e aplicadas à luz das normas e princípios constitucionais.

Nesse prisma, inegável a necessidade de observância, pelo condomínio, dos postulados da proporcionalidade e razoabilidade, mormente quando se delibera sobre sanções oponíveis aos seus próprios membros.

(...) a Assembleia Geral do condomínio do edifício (...) deliberou, com apoio de 2/3 dos proprietários, pela desprogramação dos elevadores das unidades inadimplentes com suas “cotas condominiais” a mais de 30 (trinta) dias.

Penso que a medida se adéqua a todos os subprincípios mencionados, vejamos.

(...) Embora sejam inegáveis os prejuízos suportados pela Apelante, decorrentes da imposição da medida, penso que as vantagens dela provenientes justifiquem sua aplicação.

Com efeito, não me parece razoável permitir que o condômino inadimplente com as despesas condominiais usufrua de bens e serviços arcados pelos demais condôminos.

O uso dos bens comuns dos condôminos gera despesas que devem ser divididas por todos, na forma da convenção condominial. Assim, a partir do momento que um condômino deixa de pagar as taxas de condomínio, onera os demais co-proprietários que deverão suportar financeiramente a falta de pagamento do inadimplente.

(...) não se pode afastar de plano a possibilidade de aplicação de sanções deste jaez. Basta imaginar, por exemplo, a situação do condômino inadimplente que utiliza a sauna do condomínio, que envolve consideráveis gastos. Não admitir, na hipótese, a vedação do uso de tal espaço pelo condômino inadimplente representaria nítida subversão da ordem jurídica e moral.

(...) o direito à propriedade, inclusive dos bens comuns, não é absoluto, tendo a própria Constituição Federal condicionado sua garantia à realização da função social que lhe é ínsita.

Portanto, no presente caso, inexiste eventual ofensa a tal princípio constitucional, mormente quando a propriedade particular da Apelante continua acessível pelas escadas do edifício, ainda que não com o conforto obtido através do elevador, que, todavia, gera gastos ao condomínio, seja com energia elétrica ou com sua manutenção.

Descabe, ainda, a alegação de ofensa ao princípio da isonomia, haja vista que, nos termos em que formulada, a sanção deliberada em assembléia geral tem aplicação em face de todo e qualquer condômino inadimplente. (grifei)

A decisão, que analisou caso recente, tem por base julgados exarados à luz do CC/1916, de cunho patrimonialista, numa época em que as leis ainda não eram interpretadas à luz da CF/1988: (i) Ap. Cível 2.0000.00.368928-9/000, que autorizou a restrição do uso do elevador e o corte de gás e de energia elétrica da área de acesso à unidade inadimplente (TJMG, Rel. Des. Guilherme Luciano Baeta Nunes, publ. em 20/11/2002); (ii) Ap. Cível 2002.001.15628 (0001198-31.2000.8.19.0208), que entendeu que não viola a lei a norma condominial que restringe o acesso do condômino inadimplente à piscina e à área de lazer (TJRJ, Rel. Des. RUYZ ALCANTARA, 9ª Câm. Cível, Julg. em 19/11/2002); (iii) Ap. Cível 70003043965, que entendeu cabível a previsão regulamentar que proíbe o uso do salão de festas pelo condômino inadimplente (TJRS, Rel. Des. Carlos Rafael dos Santos Júnior, 19ª Câm. Cível, Julg. em 02/04/2002).

E na decisão restou assentado que: (i) é legal a deliberação condominial que restringe o uso de bens comuns do condomínio pelo condômino devedor; (ii) o CC, refúgio dos princípios da autonomia da vontade e da isonomia, não pode restringir as sanções aplicáveis e favorecer o devedor em detrimento dos condôminos adimplentes; (iii) os artigos 1.336, §1º, e 1.337, devem ser interpretados sistematicamente com o artigo 1.334, inciso IV, que autoriza à convenção/assembleia, embora sem total liberdade, estabelecer normas e sanções complementares, para garantir o convívio harmônico de seus integrantes; (iv) a deliberação pela desprogramação dos elevadores das unidades em inadimplemento observa os três subprincípios da proporcionalidade: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito; (v) o direito à propriedade não é absoluto, e o desligamento do elevador não o afronta porque a propriedade continua acessível pelas escadas; e (vi) não há ofensa à isonomia, já que a deliberação assemblear é aplicável a todo e qualquer condômino inadimplente.

O julgado não encontra amparo na atual jurisprudência, por privilegiar o patrimônio em detrimento da dignidade da pessoa humana, não obstante o ordenamento jurídico se oponha a essa orientação e, para tanto, estabeleça meios executórios mais adequados para recuperação do crédito.

Ademais, reprovam-se as alegações de que o elevador dá conforto ao usuário independentemente do andar em que mora; e que seu desligamento encontra amparo legal por ser regra aplicável indiscriminadamente a todo e qualquer condômino inadimplente. Há clara afronta à isonomia, pois desprezadas as circunstâncias peculiares em que se encontram os devedores. Logo, essa tese também não se sustenta.

Contra a decisão, o autor desse artigo interpôs o recurso especial 1.401.815/ES, e o STJ, pela relatoria da Ministra NANCY ANDRIGHI, deu-lhe provimento, inaugurando precedente de que a utilização de elevador em edifício com vários pavimentos é essencial para o exercício do direito de propriedade. Veja-se a ementa [47]:

CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA CUMULADA COM PEDIDO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. INADIMPLEMENTO DE TAXAS CONDOMINIAIS. DESPROGRAMAÇÃO DOS ELEVADORES. SUSPENSÃO DE SERVIÇOS ESSENCIAIS. IMPOSSIBILIDADE. EXPOSIÇÃO INDEVIDA DA SITUAÇÃO DE INADIMPLÊNCIA. VIOLAÇÃO DE DIREITO S DA PERSONALIDADE. DANOS MORAIS. CARACTERIZAÇÃO.

(...)

2. Cinge-se a controvérsia, além de apreciar a existência de omissão no acórdão recorrido, a definir se é possível impor restrição ao condômino inadimplente quanto à utilização dos elevadores e, caso verificada a ilegalidade da medida, se a restrição enseja compensação por danos morais.

3. Ausentes os vícios do art. 535 do CPC, rejeitam-se os embargos de declaração.

4. O inadimplemento de taxas condominiais não autoriza a suspensão, por determinação da assembleia geral de condôminos, quanto ao uso de serviços essenciais, em clara afronta ao direito de propriedade e sua função social e à dignidade da pessoa humana, em detrimento da utilização de meios expressamente previstos em lei para a cobrança da dívida condominial.

5. Não sendo o elevador um mero conforto em se tratando de edifício de diversos pavimentos, com apenas um apartamento por andar, localizando-se o apartamento da recorrente no oitavo pavimento, o equipamento passa a ter status de essencial à própria utilização da propriedade exclusiva.

6. O corte do serviço dos elevadores gerou dano moral, tanto do ponto de vista subjetivo, analisando as peculiaridades da situação concreta, em que a condição de inadimplente restou ostensivamente exposta, como haveria, também, tal dano in re ipsa, pela mera violação de um direito de personalidade.

7. Recurso especial provido.

Com efeito, segundo o acórdão, a utilização de elevador em edifícios de vários andares não constitui mero conforto. No voto condutor ainda restou consignado que o exercício da autonomia privada se curva diante da dignidade da pessoa humana – com observância dos direitos e garantias fundamentais dela decorrentes –, e que, exposta a situação de inadimplemento, surge o dever de reparar o dano moral:

13. Desse modo, a autonomia privada no estabelecimento das sanções impostas pela assembleia geral deve ser exercida nos limites do direito fundamental à moradia, do direito de propriedade e sua função social e outros, todos enfeixados no princípio-mor da dignidade da pessoa humana.

         (...)

37. De outra banda, a medida imposta pela assembleia geral não apenas evidenciou o inadimplemento da recorrente perante os moradores e empregados do condomínio, como também perante seus familiares e amigos, que, ao se dirigirem a sua residência, perceberam a situação de devedora da recorrente ao não poderem se utilizar do elevador, em pleno funcionamento para os demais apartamentos.

         (...)

42. Dessarte, há dano moral, tanto do ponto de vista subjetivo, analisando as peculiaridades da situação concreta, como haveria, também, tal dano in re ipsa, pela mera violação de um direito da personalidade.

Como se vê, a dignidade da pessoa humana, princípio informador, de observância geral, representa o parâmetro absoluto da ordem constitucional na aplicação e interpretação do macrossistema jurídico, e não se submete a regra infraconstitucional ou condominial, por se tratar de princípio com independência para, de “per si”, servir de critério interpretativo a todo o ordenamento jurídico.

5.4. Vedação do acesso à unidade inadimplente para habitação

Da mesma forma que o corte dos elevadores, a vedação do acesso à unidade inadimplente para sua ocupação pelo condômino (proprietário ou não) encerra uma ilegalidade, sendo nesse sentido a orientação do Tribunal de Justiça de São Paulo, em acórdão de cujo voto condutor se extrai o seguinte excerto [48]:

1. O recurso comporta parcial provimento.

(...) Trocando em miúdos, o condômino inadimplente não obtinha autorização para ocupar a unidade residencial se não estivesse em dia com as despesas de condomínio. Em 05 de janeiro de 2000, a autora, que deixou de pagar as despesas de condomínio referentes aos meses de maio de 1999 a janeiro de 2000, não obteve autorização de mudança para seu apartamento. Tal situação persistiu, até que a autora finalmente conseguiu ocupar definitivamente o imóvel.

2. O artigo 1.335 do novo Código Civil disciplina em seus três incisos os direitos fundamentais dos condôminos. O preceito não esgota os direitos dos condôminos, constituindo um rol não exaustivo, mas de prerrogativas que não podem ser suprimidas ou comprimidas - salvo situações especiais - pela convenção ou regimento interno.

Note-se que embora a lei use o termo condômino, os direitos de usar e fruir a unidade autônoma e as partes comuns do edifício se estendem aos demais ocupantes, como o usufrutuário, o locatário e o comodatário.

Um dos direitos básicos dos condôminos (inciso II) é o de "usar das partes comuns, conforme a sua destinação, e contanto que não exclua a utilização dos demais compossuidores".

Disso decorre que as limitações ao exercício do direito estão contidas no próprio preceito: o desvio de finalidade e a exclusão de iguais direitos dos demais condôminos.

Não há previsão legal e nem se admite como sanção lateral ao inadimplemento das despesas condominiais a vedação ou restrição ao uso do imóvel ou das partes comuns da edificação.

(...) As sanções ao condômino inadimplente no pagamento da contribuição condominial são as previstas em lei, de natureza estritamente pecuniária. Fere os direitos fundamentais dos condôminos a aplicação de sanções diversas, ainda que previstas na convenção, especialmente aquelas que vedam a utilização do imóvel e de áreas e equipamentos comuns.

(...) Evidente, assim, que a proibição para que a autora, condômina inadimplente, tivesse acesso ao seu apartamento, se reveste de patente ilegalidade. (grifei)

Não obstante, adotando posição de extrema rigidez, VENOSA [49] admite que, em “casos extremos”, é possível impedir o acesso do condômino à sua unidade:

Como se percebe, o legislador chegou muito próximo, mas não ousou admitir expressamente a possibilidade de impedir que o condômino ou assemelhado seja impedido de utilizar a unidade. Não temos dúvida, porém, tendo em vista o sentido social do direito de propriedade que ora se decante, que essa solução pode e deve ser tomada em casos extremos. É de se perguntar se deve o condomínio suportar a presença de um baderneiro ou de um traficante de drogas. (grifei)

Como o doutrinador se refere a um conhecido dos administradores e demais condôminos (“baderneiro” ou “traficante”), subentende-se que o desconhecido ou quem não tenha tais “qualidades” poderá habitar o imóvel vazio em inadimplemento.

A punição não se mostra inteligente, na medida em que o dinheiro poupado pelo proprietário (do aluguel de outro imóvel), ou angariado mediante o inquilino, possivelmente o ajudaria a acertar as quotas condominiais em atraso.

Enfim, por tudo o que foi visto, é forçoso concluir que a pena aplicável deve ser de estrita natureza pecuniária, sem a imposição de medidas discriminatórias, castigos físicos ou psicológicos, sob pena de afronta ao ordenamento jurídico.

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Sobre o autor
Fernando César Borges Peixoto

Advogado, Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Faculdade Cândido Mendes de Vitória-ES; e em Direito Público pela Faculdade de Direito de Vila Velha-ES.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEIXOTO, Fernando César Borges. Inviabilidade da cobrança vexatória de quota condominial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3826, 22 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26213. Acesso em: 26 abr. 2024.

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