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O tempo do processo e o prazo do juiz

23/12/2013 às 09:30

Resumo:


  • O tempo é um elemento da natureza sobre o qual o ser humano não tem controle.

  • A vida moderna preenche os dias de tal forma que muitas vezes não encontramos tempo para aproveitar o tempo.

  • Prazo é uma criação do intelecto humano, permitindo a divisão do tempo em fatias com finalidades específicas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O projeto de Código de Processo Civil contém previsão de prazos processuais dirigidos ao magistrado, com possibilidade de sanção em caso de descumprimento. O texto visa instigar a reflexão e o debate sobre possíveis soluções para a morosidade judiciária.

Tempo e prazo são coisas distintas. Tempo é elemento da natureza, sobre o qual o ser humano não tem controle. Não podemos parar, suspender ou adiantar o tempo. Viagens através das eras sempre habitaram o imaginário das pessoas, mas permanecem nos livros e filmes de ficção. O que o ser humano conseguiu foi vislumbrar a existência de três dimensões lineares do tempo: o passado, o presente e o futuro. Mas mesmo essa classificação já fora contestada. Ainda na antiguidade Aristóteles, em sua obra Física, refutou a existência do tempo. Segundo o filósofo de Estagira, o tempo não poderia existir, já que nenhuma das partes que o compõe de fato existe. O passado já aconteceu e o futuro ainda não é. O agora não pode ser apropriado, pois num estante vira passado: o agora é um intervalo entre o anterior e o posterior, logo podemos concluir que também não existe.[i]

Não se pretende aqui definir o significado do tempo e suas implicações na vida dos seres humanos, tarefa que nem mesmo os filósofos conseguiram realizar a contento. Mas não há problema em ilustrar este texto com essas colocações.

Tempo é algo cada vez mais raro nos tempos atuais. A tal vida moderna e seus infindáveis afazeres preenchem de tal forma os nossos dias que não raras vezes não encontramos tempo para aproveitar o tempo.

É inegável que qualidade de vida está associada à forma como aproveitamos o nosso tempo. Daí a antiga expressão em latim “carpe diem”, isto é, aproveite o seu dia, aproveite o seu tempo, aproveite a sua vida.

Mas e quando o tempo deixa de ser melhor aproveitado em razão de prazos? E se são prazos judiciais?

Prazo é uma criação do intelecto humano. É como se dividíssemos o tempo em fatias, separando os segundos, minutos, horas, dias, anos, etc., e a partir dessa classificação atribuíssemos alguma finalidade ou utilidade ao tempo. Podemos de alguma forma alterar um prazo, mas não o tempo que corresponde a esse interregno. Dois contratantes podem acordar em prorrogar o prazo fixado para a entrega de determinado bem, mas não podem dilatar o tempo, de forma acrescer esse lapso no tempo de suas vidas, visando anular o prejuízo causado pela demora da entrega da prestação convencionada. O prazo sempre corresponde a um pedaço do tempo. O prazo pode até voltar atrás; o tempo não.

Assim é que o prazo pode assumir a feição de instituto jurídico. É o que ocorre, por exemplo, quando o art. 1º do Decreto 20.910/1932 estabelece o prazo prescricional quinquenal para que o particular acione a Fazenda Pública, da mesma forma que possui natureza jurídica o prazo de um ano, conforme o art. 206, §1º, do Código Civil, para que o estabelecimento de hospedaria cobre o pagamento da hospedagem, bem como o lapso decadencial de 120 dias para a impetração de mandado de segurança, nos termos do art. 23 da Lei 12.016/2009. Da mesma forma, são institutos jurídicos os prazos processuais, que nesse sentido podem ser entendidos como “o espaço de tempo em que o ato processual da parte pode ser validamente praticado”[ii].

O prazo processual está associado ao fenômeno da preclusão temporal, que “consiste na perda do poder processual em razão do seu não exercício no momento oportuno”[iii]. Se o processo deve ser encarado como uma marcha para frente, isto é, uma sucessão de atos encadeados e orientados para a realização de determinado fim[iv], é a preclusão que vai permitir que o processo prossiga em seu curso normal, conforme as regras que disciplinam o procedimento.

Conforme lição de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, citado por Fredie Didier:

Se o processo não obedecesse a uma ordem determinada, cada ato devendo ser praticado a seu devido tempo e lugar, fácil entender que o litígio desembocaria numa disputa desordenada, sem limites ou garantias para as partes, prevalecendo ou podendo prevalecer a arbitrariedade e a parcialidade do órgão judicial ou a chicana do adversário. Não se trata, porém, apenas de ordenar, mas também de disciplinar o poder do juiz e, nessa perspectiva, o formalismo processual atua como garantia de liberdade contra o arbítrio dos órgãos que exercem o poder do Estado.[v]

Mas nem todo prazo está relacionado à preclusão. Somente os prazos classificados como próprios ensejam alguma consequência processual. São esses os prazos fixados para as partes e intervenientes. Para o juiz que preside o processo, a legislação até estabelece alguns prazos, mas por serem impróprios, a sua inobservância, via de regra, não acarreta nenhum efeito processual[vi]. É o que confirma Humberto Theodoro Júnior:

No sistema legal vigente, há prazos não apenas para as partes, mas também para os juízes e seus auxiliares. O efeito da preclusão, todavia, só atinge as faculdades processuais das partes e intervenientes. Daí a denominação de prazos próprios para os fixados às partes, e de prazos impróprios aos dos órgãos judiciários, já que da inobservância destes não decorre consequência ou efeito processual.[vii]

Com a Emenda nº 45/2004, a duração razoável do processo ganhou status constitucional[viii]. A celeridade processual tão reclamada pelos jurisdicionados passou a constituir-se em meta para o Judiciário.

O caminho para a redução da morosidade passa, segundo significativo número de juristas, pela reforma da legislação processual. Ecoa longe o argumento de que o sistema recursal seria um dos responsáveis pela situação calamitosa vivenciada pela jurisdição pátria.

O projeto de novo Código de Processo Civil que atualmente tramita no Congresso Nacional possui em seu texto uma série de dispositivos que visam, de alguma forma, imprimir celeridade ao procedimento por meio do qual se materializa e instrumentaliza o direito de ação.

Quando se suprimem recursos ou se estabelecem mecanismos para aplicação de entendimentos estabelecidos em instâncias judiciais superiores em casos semelhantes – as denominadas demandas de massa – pretende-se reduzir o prazo que seria dispensado à prática dos respectivos atos judiciais – interposição do recurso, proferimento de decisão judicial, nova interposição de recurso, etc. – e, com isso, otimizar o tempo de espera do jurisdicionado. O problema é que nem sempre é legítima essa relação que se estabelece entre a brevidade do processo e a supressão de instâncias recursais. Mas isso é outro assunto. Voltemos aos prazos judiciais.

Quando se fala da demora em se alcançar um provimento judicial definitivo estamos falando de tempo, em alguns casos o tempo de uma vida[ix]. Mas o prazo (processual) – e sua plena observância – é um dos componentes que pode reduzir o tempo que o processo leva para chegar ao seu termo.

Nesse contexto, o estabelecimento de prazos na legislação processual dirigidos ao juiz pode ser uma solução para um melhor aproveitamento do tempo dos jurisdicionados.

O novo CPC projetado contém o seguinte dispositivo:

Art. 226. O juiz proferirá:

I – os despachos no prazo de cinco dias;

II – as decisões interlocutórias no prazo de dez dias;

III – as sentenças no prazo de trinta dias.

Até aqui, nenhuma novidade, pois o Código em vigor também possui previsão semelhante:

Art. 189. O juiz proferirá:

I - os despachos de expediente, no prazo de 2 (dois) dias;

II - as decisões, no prazo de 10 (dez) dias.

Como se percebe, a fixação de prazos impróprios para que o magistrado profira decisões ou exare despachos já está inserida no Código Buzaid.

A inovação é encontrada no art. 227 do projeto de novo CPC:

Art. 227. Em qualquer grau de jurisdição, havendo motivo justificado, pode o juiz exceder, por igual tempo, os prazos a que está submetido.

A possibilidade de prorrogação restrita ao mesmo interregno inicialmente fixado parece consubstanciar-se numa limitação do prazo em que o despacho ou o ato decisório devem ser proferidos. Dizendo com outras palavras, ainda que acompanhada de legítima justificativa, uma decisão interlocutória deve ser proferida no prazo máximo de vinte dias, após a conclusão dos autos ao juiz. A sentença, em no máximo sessenta dias.

Mas a grande novidade se encontra no art. 235 do CPC projetado:

Art. 235. Qualquer parte, o Ministério Público ou a Defensoria Pública poderá representar ao corregedor do tribunal ou ao Conselho Nacional de Justiça contra juiz ou relator que injustificadamente exceder os prazos previstos em lei, regulamento ou regimento interno.

§ 1º Distribuída a representação ao órgão competente e ouvido previamente o juiz, não sendo caso de arquivamento liminar, será instaurado procedimento para apuração da responsabilidade, com intimação do representado por correio eletrônico para, querendo, apresentar justificativa no prazo de quinze dias.

§ 2º Sem prejuízo das sanções administrativas cabíveis, dentro de quarenta e oito horas seguintes à apresentação ou não da justificativa de que trata o §1º, se for o caso, o corregedor do Tribunal ou relator no Conselho Nacional de Justiça determinará a intimação do representado por correio eletrônico para que, em dez dias, pratique o ato. Mantida a inércia, os autos serão remetidos ao substituto legal do juiz ou relator contra o qual se representou para decisão em dez dias.

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Verifica-se, pois, que a própria legislação processual poderá, caso aprovada a redação do dispositivo, estabelecer mecanismos para desencadear a apuração de responsabilidade disciplinar do magistrado que não cumprir o prazo fixado no código.

O estabelecimento de prazos para o juiz e a possibilidade de representação contra o magistrado que eventualmente não observe o estipulado, não altera a natureza do prazo, que continua sendo impróprio, na medida em que sua inobservância, em princípio, não produzirá efeitos processuais em relação ao desfecho da causa. No máximo, os autos serão remetidos ao substituto legal do juiz faltoso, para que a decisão seja proferida.

Mas a via da representação junto ao órgão do Judiciário responsável para apuração de eventual falta disciplinar de seus membros, por se consubstanciar em medida de caráter coercitivo, tem potencial de influenciar significativamente a atividade judicante, de forma semelhante ao que ocorre com o atual § 4º do art. 461 do CPC, que prevê o estabelecimento de pena pecuniária à parte que descumprir a ordem judicial.

Não se está afirmando aqui que a observância dos prazos estabelecidos no art. 226 do futuro CPC será suficiente para dar cabo à tormenta por que passam os jurisdicionados que aguardam uma providência judicial. Tampouco se pode olvidar a extenuante carga de trabalho a que são submetidos a grande maioria de nossos magistrados, que acabam privados do convívio social, do exercício de atividades acadêmicas – tanto como alunos quanto como professores – e, em alguns casos, de condições para a elaboração de sentenças e votos mais consistentes. É preciso entender e admitir que o número de juízes é insuficiente para atender a todas as demandas que foram transferidas para o Judiciário no paradigma jurídico do Estado social, em decorrência da insuficiência do Legislativo e do Executivo, e se consolidaram no Estado Democrático de Direito. Contudo, não há como negar que a medida representa um avanço na tentativa de se reduzir a morosidade judiciária.

Resta saber se os prazos fixados aos magistrados serão de fato respeitados. Sabemos que a mera positivação dos preceitos não garante a sua plena observância. Antes, faz-se necessário que sejam incorporados à nossa cultura jurídica. Afinal, todos que atuam em juízo devem cumprir os prazos que a legislação estabelece. É assim com as partes e seus advogados, os membros do Ministério Público e terceiros interessados. Por qual motivo deveria ser diferente com os magistrados? Este parece ser um tema que merece reflexão.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, vol. 1. 8ª ed. Salvador: Juspodivm, 2007.

DIDIER JR., Fredie; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Teoria dos Fatos Jurídicos Processuais. Salvador: Juspodivm, 2011.

Infopédia [Em linha]. Tempo (filosofia) . Porto: Porto Editora, 2003-2013. [Consult. 2013-11-06]. Disponível na www: <URL: http://www.infopedia.pt/$tempo-(filosofia)>.

OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro. “O Formalismo-valorativo no confronto com o formalismo excessivo”. Revista de Processo. São Paulo: RT, 2006, n. 137, p. 8, apud DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, vol. 1. 8ª ed. Salvador: Juspodivm, 2007.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, vol. I. 41ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.


[i] Tempo (filosofia) . In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2013. [Consult. 2013-11-06].
Disponível na www: <URL: http://www.infopedia.pt/$tempo-(filosofia)>.

[ii] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, vol. I. 41ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 223.

[iii] DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, vol. 1. 8ª ed. Salvador: Juspodivm, 2007, p. 251.

[iv] DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, vol. 1. 8ª ed. Salvador: Juspodivm, 2007, p. 250.

[v] OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro. “O Formalismo-valorativo no confronto com o formalismo excessivo”. Revista de Processo. São Paulo: RT, 2006, n. 137, p. 8, apud DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, vol. 1. 8ª ed. Salvador: Juspodivm, 2007, p. 249.

[vi] Fredie Didier e Pedro Henrique Pedrosa Nogueira nos lembram da preclusão lógica e consumativa em relação ao magistrado. Segundo os autores, verifica-se a preclusão lógica, por exemplo, quando o magistrado defere o pedido de antecipação de tutela em decorrência do abuso de direito de defesa, mas se recusa a condenar o réu em litigância de má-fé com base no mesmo comportamento. Por sua vez, ocorreria preclusão consumativa em relação ao juiz quando é publicada a decisão judicial, exaurindo-se a atividade jurisdicional e impedindo que o magistrado altere a decisão, ressalvados os casos admitidos em lei (art. 463 do CPC). Quanto à preclusão temporal, os autores lecionam ser necessário rever a tradicional lição doutrinária que não a admite em relação ao juiz, citando enunciados normativos expressos, como o Regimento Interno do STF, que prevê a possibilidade de julgamento implícito quando o Ministro não se pronunciar no prazo de vinte dias sob a existência de repercussão geral no recurso extraordinário. (DIDIER JR., Fredie; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Teoria dos Fatos Jurídicos Processuais. Salvador: Juspodivm, 2011, pp. 164-175).

Justicia, a inteligência artificial do Jus Faça uma pergunta sobre este conteúdo:

[vii] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, vol. I. 41ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 223.

[viii] CF/88 - Art. 5º - LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).

[ix] Pense-se, a título de exemplo, nas ações previdenciárias movidas por idosos que, em muitos casos, não estão vivos quando ocorre o pagamento do precatório oriunda da condenação em obrigação de pagar quantia, que, por sua vez, demanda o trânsito em julgado da ação judicial.

 

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Sobre o autor
Rodrigo Matos Roriz

Procurador Federal. Bacharel em Direito e em Ciências Contábeis. Especialista em Direito Público e em Direito Processual Civil. MBA em Gestão Pública.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RORIZ, Rodrigo Matos. O tempo do processo e o prazo do juiz. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3827, 23 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26231. Acesso em: 22 dez. 2024.

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