A República Federativa do Brasil, através do Decreto n.º 80.978, de 12 de dezembro de 1977, promulgou a “Convenção relativa à proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural”, adotada em Paris a 23 de novembro de 1972, durante a XVII Sessão da Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). A referida Convenção, adotada em um contexto de ameaça de destruição do patrimônio cultural que ainda é atual, estabeleceu um sistema de proteção coletiva do patrimônio cultural de valor universal.
A Convenção também previu, em seu Artigo 1º, a definição de patrimônio cultural:
Os monumentos - Obras arquitetônicas, de escultura ou de pintura monumentais, elementos de estruturas de carácter arqueológico, inscrições, grutas e grupos de elementos com valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência;
Os conjuntos - Grupos de construções isoladas ou reunidos que, em virtude da sua arquitetura, unidade ou integração na paisagem têm valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência;
Os locais de interesse - Obras do homem, ou obras conjugadas do homem e da natureza, e as zonas, incluindo os locais de interesse arqueológico, com um valor universal excepcional do ponto de vista histórico, estético, etnológico ou antropológico.
De forma alinhada à descrição do patrimônio cultural previsto na Convenção, a Constituição Federal também previu expressamente o que deve ser considerado como patrimônio cultural brasileiro:
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
A Constituição igualmente atribuiu, no § 1º do art. 216, ao poder público (e à sociedade em geral) o dever de promover e proteger esse patrimônio cultural, “por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação”. Essa cláusula constitucional vai ao encontro do Artigo 5º da Convenção da UNESCO, que demanda a instituição pelos países de “um ou mais serviços de proteção, conservação e valorização do património cultural e natural”.
Como visto, além de dizer o que se deve considerar como patrimônio cultural brasileiro, o texto da Constituição determina ao poder público proteger o referido patrimônio, através de diferentes instrumentos. Atualmente, a proteção desse patrimônio deve se realizar com base na Lei do Tombamento (Decreto-Lei n.º 25, de 30 novembro de 1937), na Lei de Arqueologia (Lei n.º 3.924, de 26 de julho 1961), no Decreto do Registro do Patrimônio Imaterial (Decreto n.º 3.551, de 4 de agosto 2000) e na Lei de Saída de Obras de Arte (Lei n.º 4.845, de 19 novembro de 1965), entre outras normas legais.
No que interessa ao objeto do presente estudo, que é a saída ou exportação de obra de arte, incidem algumas disposições da Lei do Tombamento e a Lei de Saída de Obras de Arte, regulamentadas pela Portaria n.º 262, de 14 de agosto de 1992, do Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural, atual Instituto do Patrimônio Histórico e artístico Nacional (IPHAN), autarquia federal responsável por proteger, fiscalizar, promover, estudar e pesquisar o patrimônio cultural brasileiro, nos termos do Decreto n.º 6.844, de 7 de maio de 2009.
Nesse sentido, as obras de arte que integram o patrimônio cultural brasileiro, quando tombadas, não podem “sair do país, senão por curto prazo, sem transferência de domínio e para fim de intercâmbio cultural, a juízo do Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional”, conforme dispõe o art. 14 da Lei do Tombamento.
A Lei de Saída de Obra de Arte também trata do tema, com aplicabilidade às obras que, apesar de não serem tombadas, tenham sido produzidas até o fim do período monárquico:
Art. 1º Fica proibida a saída do País de quaisquer obras de artes e ofícios tradicionais, produzidas no Brasil até o fim do período monárquico, abrangendo não só pinturas, desenhos, esculturas, gravuras e elementos de arquitetura, como também obra de talha, imaginária, ourivesaria, mobiliário e outras modalidades.
Art. 4º Para fins de intercâmbio cultural e desde que se destinem a exposições temporárias, poderá ser permitida, excepcionalmente, a saída do País de algumas obras especificadas nos artigos 1º, 2º e 3º, mediante autorização expressa do órgão competente da administração federal, que mencione o prazo máximo concedido para o retorno.
Como se extrai dos textos de lei transcritos acima, a saída do Brasil de obra de arte tombada ou produzida até o fim do período monárquico é proibida. Essa é a regra, expressa nas duas leis. Apenas excepcionalmente os referidos bens podem deixar o país, respeitados os requisitos e o procedimento descritos nas leis e regulamentados na Portaria IBPC n.º 262/1992.
Portanto, a saída das referidas obras de arte para o exterior, como medida excepcional, justifica-se sob a perspectiva do intercâmbio cultural e deve assegurar o retorno da obra ao Brasil.