Artigo Destaque dos editores

Estado moderno:

características, conceito, elementos de formação, instituições políticas, natureza jurídica, atualidades

Exibindo página 21 de 27
28/12/2013 às 07:10
Leia nesta página:

28. ESTADO DE DIREITO

Estado de Direito talvez seja a expressão mais propalada no mundo jurídico, mas será que temos uma compreensão adequada do conceito? Desde o século XIX, Estado de Direito significa a impostação de direitos afirmativos para a cidadania e de leis restritivas ao poder de império do Estado (como direitos negativos ou obrigações de não-fazer). Mas, o que é afinal Estado de Direito?

Inicialmente, devemos indicar que o conceito de Estado de Direito não é homogêneo, não se constituindo num conjunto jurídico orgânico, neutro, estático, mas sim político e atuante de acordo com o aprofundamento das demandas sociais por mais direitos. Porém, o nível de politização imposto ao direito deve ter limites estabelecidos pelo próprio direito e pela democracia. Afinal, não é possível conviver o Estado de Direito com a alucinação comum aos regimes de exceção. Após um atentado nos EUA, gestos banais do cotidiano passaram a ser criminalizados:

Uma jornalista entrou para a lista de suspeitos de terrorismo em Nova York, nos Estados Unidos, após ter comprado uma panela de pressão pela internet [...]“Ela acaba de contar que anteontem, quarta-feira, um grupo de seis agentes do FBI, com revólveres na cintura, estacionou dois carros em frente à casa que ela vive, mostraram os distintivos e pediram para fazer uma busca. Durante a batida, fizeram perguntas do tipo: de onde você é? De onde são seus pais? Onde você trabalha? E finalmente: você tem uma panela de pressão em casa?” 161

Quando investigamos do ponto de vista jurídico, entretanto, apesar dos acréscimos de direitos, identificamos uma base conceitual que sempre se repete; o que implica obviamente que há um núcleo duro, estável, quase que permanente e que já se estruturou como doutrina, como dogmática, ou seja, como conjunto orgânico irrefletido na/da realidade. O núcleo duro do Estado de Direito vem se mantendo desde o século XIX, apenas recebendo notáveis acréscimos, mas não modificações nas suas cláusulas pétreas. Por outro lado, este fator impossibilita ao investigador perceber muitas das nuances ou dos indicativos históricos e políticos que cercam a própria investigação do conceito.

Não há uma posição ou leitura politizada ou suficientemente precisa atualmente acerca dessa amarração e do fluxo do ordenamento jurídico, que é o Estado de Direito; infelizmente, seus clássicos também não têm sido publicados. Isso torna qualquer pesquisa sobre o conceito (essencial ao Direito moderno) um trabalho monótono, de leitura indireta dos clássicos (hoje inacessíveis) porque os autores e manuais contemporâneos também não reúnem proposições críticas ou leituras minimamente investigativas. Nosso objetivo, portanto, é basicamente conceitual e pautou-se pela revisão bibliográfica das principais teorias e conceitos jurídicos e políticos relacionados. É certo que, a luta política pelo reconhecimento jurídico nunca deixou de ser uma luta por conservação, mas agora supõe-se a conservação dos demais institutos já anunciados, em face dos direitos apregoados. É, sem dúvida, uma luta pela “autoconservação moral” de todo o grupo humano relacionado:

Portanto, a defesa do direito é um dever de autoconservação moral: o abandono total do direito, hoje impossível, mas que já foi admitido, representa o suicídio moral. E o direito nada mais é do que a soma dos seus intuitos. Cada um destes tem um pensamento peculiar, físico ou moral, que condiciona sua existência (Ihering, 2002, p. 41. – grifos nossos).

A fórmula do Estado de Direito, como o conhecemos hodiernamente, é um produto acadêmico provindo do século XIX (arquitetado pelo jurista Robert von Mohl), a partir da Alemanha, como sinônimo de imperatividade, impessoalidade, neutralidade processual e defesa constitucional dos direitos individuais conquistados.

Em algum ponto da história ou da convergência entre os anseios “mais populares” e os “meios necessários à sua realização”, a luta pelo direito se converteu em luta pelo Estado de Direito, fase em que o direito passou a regular/limitar a ação dos poderes estatais (a fim de que realmente pudessem ser chamados de públicos). O alcance do instituto, no século XIX, ainda se limitava a três aspectos jurídico-institucionais: a) império da lei: b) separação dos poderes: c) prevalência dos direitos individuais fundamentais. Por tudo isso, o Estado de Direito (se) impõe por meio da Ratio legis (“em razão da lei”). Como descreve Canotilho, resgatando a tradição alemã de Von Mohl:

A expressão Estado de direito é considerada uma fórmula alemã (Rechtsstaat) [...] O Estado domesticado pelo direito é um Estado juridicamente vinculado em nome da autonomia individual ou, se se preferir, em nome da autodeterminação da pessoa [...] Contra a ideia de um Estado de polícia 162 que tudo regula a ponto de assumir como tarefa própria a felicidade dos súditos, o Estado de direito perfila-se como um Estado de limites, restringindo a sua ação à defesa da ordem e segurança públicas. Por sua vez, os direitos fundamentais liberais – a liberdade e a propriedade – decorriam do respeito de uma esfera de liberdade individual e não de uma declaração de limites fixada pela vontade política da nação (Canotilho, 1999, p. 27. – grifos nossos).

Guiando-se por esta tradição, mas na versão de um jurista francês indignado com o descalabro da Primeira Guerra Mundial, Carré de Malberg sempre esteve pronto a defender a lei contra a violência. Como nos legou o autor:

Por Estado de Direito se deve entender um Estado que, em suas relações com seus súditos e para a garantia do estatuto individual, submete-se ele mesmo a um regime de direito, porquanto encadeia sua ação em respeito a eles, por um conjunto de regras, das quais umas determinam os direitos outorgados aos cidadãos e outras estabelecem previamente as vias e os meios que poderão se empregar com o objetivo de realizar os fins estatais: duas classes de regras que têm por efeito comum limitar o poder do Estado subordinando-o à ordem jurídica que consagram [...] Isto implica duas coisas: por um lado, quando entra em relação com os administrados, a autoridade administrativa não pode ir contra as leis existentes, nem se apartar delas, ela está obrigada a respeitar a lei. Por outro lado, no Estado de Direito em que se tenha alcançado seu completo desenvolvimento, a autoridade administrativa não pode impor nada aos administrados se não for em virtude da lei, e não pode aplicar, com respeito a eles, senão as medidas previstas explicitamente pelas leis ou ao menos implicitamente autorizadas por elas; o administrador que exige de um cidadão um feito ou uma abstenção deve começar por mostrar-lhe o texto da lei de onde toma o poder para dirigir-lhe esse mandamento 163 [...] Por conseguinte, em suas relações com os administrados, a autoridade administrativa não deve somente abster-se de atuar contra legem senão que ademais está obrigada a atuar somente secundum legem, ou seja, em virtude das habilitações legais. Finalmente, o regime do Estado de Direito implica essencialmente que as regras limitantes que o Estado impôs a si mesmo, em interesse de seus súditos, poderão ser alegadas por estes da mesma maneira que se alega o direito, já que somente com esta condição terão de constituir, para o súdito, verdadeiro direito [...] O regime do Estado de Direito significa que não poderão impor-se aos cidadãos outras medidas administrativas, que não sejam aquelas que estejam autorizadas pela ordem jurídica vigente, e, por conseguinte, exige-se a subordinação da administração tanto aos regulamentos administrativos quanto às leis (Malberg, 2001, pp. 449-461 – tradução livre – grifos nossos).

Já às margens do século XX, o sociólogo Max Weber descreveu alguns dos tópicos em que o Estado de direito se afirma como mecanismo de contenção do Poder Político. O Estado de Direito, entretanto, na primeira fase de sua construção jurídica, corresponde à imposição de direitos negativos, como obrigação de não-fazer do Estado; mais especificamente, a proibição jurídica de governar fora dos limites estabelecidos pela lei, contra a sociedade ou de forma a aniquilar os direitos do cidadão (como se vê no democídio 164).

Pode-se dizer que, atualmente, a dominação legal se baseia em todos os princípios de direito e em todo o ordenamento jurídico de um determinado Estado de Direito, tendo-se no direito o reflexo da racionalização da política (Weber, 1999). Outra reivindicação é quanto à ética ou o ethos público, em que o direito é reflexo da moral elevada de um determinado povo e atua como substrato de consciência em cada cidadão moralmente estabelecido; contudo, essa conversão do direito com uma natureza modificada qualitativamente pela moral (ou pela ética) só se efetivou a partir de meados do século XX, com a vigência da ordem jurídica democrática.

Um demonstrativo dessa reflexão está posto nas investigações de Jean Piaget. Para o educador suíço, a principal diferença entre moral e direito está no fato de que a primeira se estabelece de pessoa a pessoa e o “jurídico” nos obriga, como seres sociais, a orientar nossos sentimentos e ações a transcender em direção ao impessoal. Trata-se do próprio sentimento de pertencimento à Humanidade, como Princípio Civilizatório, de se reconhecer como membro da sociedade humana apenas se e, tão-só, quando nos reconhecemos como sujeitos de direito a partir da relação que estabelecemos com os demais sujeitos que compõem o meio social. Quando temos a maturidade intelectual e moral para entender que somos sujeitos de direitos apenas se os outros ao nosso redor têm o mesmo status jurídico, ou seja, quando superamos a primeira infância do individualismo jurídico, do egoísmo social e da menoridade moral:

A moral, assim como o direito, supõe um poder ou uma autoridade inicial, com passagem possível desta heteronomia para uma autonomia gradual e, aliás, sempre relativa. Amas repousam sobre uma construção criadora feita ao mesmo tempo de aplicação e de publicação em éditos contínuos das normas. Ambas implicam relações bilaterais imperativo-atributivas e ambas oscilam entre as relações assimétricas ou de hierarquia e as relações simétricas ou de reciprocidade [...] Quando [...] Gurvitch fala de “emoções-leis”, de “convicções legais” ou de “fatos normativos”, trata-se de sentimentos interindividuais [...] o sentimento interindividual mais característico da vida moral é o “respeito” [...] O respeito é o sentimento complexo, formado por medo e afeição combinados [...] os autores que procuraram descrever as fontes do direito em termos psicológicos ou sociais [...] concordam todos ao falar do “reconhecimento” dos direitos, como se o fato de “reconhecer” sua validade constituísse o essencial do respeito à lei [...] para uns, é o reconhecimento que acarreta a validade de uma norma e, consequentemente, seu caráter normativo ou obrigatório, enquanto para outros é a norma dada em si mesma que desperta nas consciências o sentimento de seu reconhecimento [...] a experiência jurídica imediata deveria ser interpretada não em linguagem individualista, mas em termos de relações comunitárias no sentido da “comunhão” interindividual [...] não podemos viver com outra pessoa sem “reconhecer” seus direitos [...] O reconhecimento é, pois, o sentimento jurídico elementar; é um “ato intuitivo” e não “refletido”, isto é, um dado e não uma construção [...] Em outras palavras, uma coação bruta, que seria força pura, não reveste por si mesma um “valor jurídico” [...] O que é, com efeito, uma norma fundamental que assegura sua validade primeira às normas de Estado supremas (às constituições), a não ser justamente a expressão abstrata do fato de que a sociedade “reconhece” válida a ordem jurídica reconhecida? (Piaget, 2001, p. 139-143).

A partir disso, temos que a conclusão de que reconhecer o direito é a essência da interação social, como reconhecimento da Humanidade. De todo modo, no Direito (ou mais especificamente no Estado de Direito), essa mesma alteração/transformação individual da consciência acarreta uma rotação institucional, apartando-se (teórica e historicamente) do eixo estático da relação direito/dever (um mecanismo de tipo mecânico, sistemático, de puro reflexo). E em troca, consubstancia-se uma dinâmica de composição/relação entre direitos e garantias desses mesmos direitos 165.

O Estado de Direito reconhece a personalidade jurídica estatal, mas não deixa de ser a apostação de certas características individualistas da própria personalidade (antes abrigada sob o império do direito de propriedade). Será esse o maior ou melhor sentido exposto na própria suposição da personalidade jurídica do Estado (ou fase atual em que se encontra a teoria da finalidade jurídica do Estado de Direito) e que corresponde à capacidade ou condição suficiente para transformar as pluralidades sociais em uma determinada unidade jurídica global, sem anular as mesmas particularidades que lhe deram vantagem inicial (transportando as individualidades ao social): do querer individual ao fazer pelo social (a República) e sem que se promova qualquer tipo de sujeição 166 ou sob o disfarce de uma ditadura da maioria (Bobbio, 2000).

O transporte da personalidade (que é uma condição individual prevista no Direito Privado – Direito Civil) para o Estado 167 não subentende exatamente a total abstenção ou ausência de ação individual – pois, tanto é verdade que quem cala, consente, quanto é visível que nem todos sentem da mesma forma, e assim não podem ser também unânimes no consentimento: uns sentem mais que outros e, assim, alguns (con)sentem menos ao Estado (porque mais exatamente sentem menos a presença do Direito).

Para milhões de pessoas, sem exagero algum, o Estado de Direito é mera ficção e é isto o que torna alguns mais iguais do que outros, ou seja, na vida prática de milhares de excluídos, a personalidade jurídica do Estado não tem um dado mínimo de realidade. É isto, por exemplo, que também legitima a ação contra o Estado, na aposta democrática da desobediência civil contra as leis injustas ou na requisição do direito de revolução (Menezes, 1998). Veja-se que, mesmo limitadamente, é possível falar-se em termos da composição entre Direitos e Garantias.

Já no binômio restrito a Direito/dever só há o Direito do mandatário e o dever da obediência. Portanto, como salienta Lyra Filho (2002), aí não há Direito, só há antidireito 168, só há dever. E hoje, em relação à própria institucionalização das garantias, ainda há o dever de opor-se ao antidireito 169 ou, simplesmente, há a garantia do/ao próprio Direito: diz-se, acertadamente, do direito de resistência a todo dever imposto pelo antidireito. Para Bobbio, em suma, o binômio Direito/dever perde toda relevância após a experimentação dos períodos revolucionários:

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

O homem tem deveres, mas enquanto pessoa com valor em si próprio, independentemente das circunstâncias de tempo e de lugar em que vive, em primeiro lugar tem direitos, como o direito à vida, à liberdade (às várias formas de liberdade), e à igualdade (pelo menos à igualdade dos pontos de partida). Só lhe podem ser atribuídos deveres quer em relação aos outros individualmente considerados quer em relação à comunidade de que ele próprio faz parte, enquanto é em primeiro lugar centro de imputação dos direitos fundamentais 170 (Bobbio, 1999, p. 232. - grifos nossos).

Até mesmo porque o(s) Direito(s) de alguns deveria(m) importar em deveres aos demais, bem como, por essa lógica restritiva do direito, seria possível ver que as garantias e a segurança (jurídica) de um exige a limitação/restrição de direitos dos demais. No limite, pensando historicamente, não teríamos desenvolvido uma consciência social ou coletiva dos direitos humanos, limitando-nos à incipiente visão individualista/egoísta da própria liberdade.

Como diz Juan Ramón Capella, em texto intitulado Os cidadãos servos: “No mundo moderno – há que repeti-lo – afirmar com sentido que alguém tem um direito, implica que alguém distinto dele tem um dever. Um dever de fazer ou de não fazer, ou de respeitar o que faça quem tem o direito” (Capella, 1998, p. 136). Portanto, aquele que só tem direitos declarados, mas sem garantias efetivas desse Direito, acaba por só ter deveres – principalmente o dever de não interferir no direito de propriedade alheio: e esta é a fonte da luta de classes, entre proprietários e não-proprietários, como se o direito fosse criado apenas para a primeira categoria.

Desse modo: “A frágil liberdade moderna não implica igualdade de deveres” (Capella, 1998, p. 139). Seguindo o exemplo anterior, o direito de propriedade (real) dos poucos proprietários e a garantia de sua propriedade são assegurados pelo dever de obediência pelos demais, ou seja, pela negação do mesmo Direito aos não-proprietários 171. De forma direta, no Estado de (não)Direito: para poucos, há muitos direitos; para muitos, há muitos deveres.

Do Estado de não-Direito

Uma das maiores dificuldades na afirmação do Estado de Direito, na atualidade, está em negar todas as formas jurídicas e sociais que neguem o direito como inclusão social. A categoria central do Estado de (não)Direito, como figura política ou categoria (anti)jurídica em que se destacam tanto o que chamamos de Estado de Direito Injusto, quanto o mais próprio e específico Estado de não-Direito 172, como negação explícita de um Direito que promova Justiça, é um exemplo. Nessa mesma linha ainda se pode tratar da transmutação da lógica entre poder/sujeição e poder/organização, da mesma forma que o binômio Direito/pretensão seria oposto ao respeito de outrem. Pois, na verdade, sob a ótica do Direito (até mesmo do Direito Positivo), não se trata de um respeito, mas sim da possibilidade jurídica de uma ação própria e necessária 173. Ou, dito de outra forma, ainda se pode entender, como sugere Miranda, que se encaminha da ação individual à ação social, das estruturas formais do Estado de Direito 174 ao (hoje, sobrevivente) Estado Social de Direito 175:

Do que se trata é de articular direitos, liberdades e garantias (direitos cuja função imediata é a proteção da autonomia da pessoa) com direitos sociais (direitos cuja função imediata é refazer as condições materiais e culturais em que vivem as pessoas); de articular igualdade jurídica (à partida) com igualdade social (à chegada) e segurança jurídica com segurança social; e ainda de estabelecer a recíproca implicação entre liberalismo político [...] e democracia, retirando-se do princípio da soberania nacional todos os seus corolários (com a passagem do governo representativo clássico à democracia representativa). Do que se trata é ainda, para tornar efetiva a tutela dos direitos fundamentais, de reforçar os mecanismos de garantia da Constituição; e daí a afirmação de um princípio da constitucionalidade acrescido ao princípio da legalidade da atividade administrativa e a instituição de tribunais constitucionais ou de órgãos análogos. Para já, diga-se apenas que as Constituições que servem de diretriz são a mexicana de 1917 e, sobretudo, a alemã de 1919 (chamada de Constituição de Weimar) e que, entre as Constituições vigentes que as seguem, reporta-se à italiana de 1947, à alemã de 1949, à venezuelana de 1961, à portuguesa de 1976, à espanhola de 1978 e à brasileira de 1988 176 (Miranda, 2002, p. 53. - grifos nossos).

Pois é exatamente esta transmutação do Direito egoísta em Direito global o que não ocorre no Estado de (não)Direito. Trata-se, então, de uma ação possível e que pudesse ser interposta como garantia do próprio Direito requerido (as garantias institucionais do Direito), a exemplo dos remédios jurídicos: essa seria a fase ativa e corresponderia à consciência do Direito para si 177. Ou seja, a transposição do meu direito de requerer em favor do nosso direito de agir; do maniqueísmo clássico (Direito-dever) ao pluralismo (Direito-garantias); da gramatura (formalidade) e da ranhura (históricas) à gramática (a escrita do novo direito) e às gravuras universais do direito; da (in) consciência do Direito em si à (cons) Ciência do Direito para si.

Dessa forma, ainda deveremos ler o artigo 144 da Constituição Federal (ordem e segurança pública) de acordo com um horizonte ampliado, mas que hoje ainda é dado como mero reflexo de um tipo de Estado Hobbesiano 178 (com um significado nem tão atual 179). Sobretudo porque a chamada Ordem Pública requer exatamente o direito de consentimento e não a mera acomodação cega às instituições – ou, mais simplesmente, porque não há República possível sem consciência inevitável. Esta que seria a consciência inevitável e criada pelo direito de consciência e não só pelo dever de obediência.

Assim é que na opulência do Poder Absoluto, presente no Estado de (não)Direito, não há terreno viável para essa consciência possível da Justiça. Na melhor tipologia de um Estado de Direito Injusto, acaba se tornando Estado de não-Direito quando aplica a lei injustamente, persecutoriamente. Será Estado de não-Direito quando regular a abordagem e a implicação institucional de forma desnivelada entre amigos e inimigos, quando estiver em vigor a máxima de aos amigos, tudo; aos inimigos a lei! Isto se verifica porque, em nome da institucionalização do Poder Político, perdeu-se de vista a legitimidade popular que deveria ser auferida à aplicação do Direito e à consecução da Justiça Social. É como se disséssemos que se perdeu a mobilidade do Direito, pois suas raízes mais sociais estão soterradas por um imenso processo de burocratização e de despersonalização.

O Estado de (não)Direito desconhece a legitimidade normativa, se entendermos que esta legitimidade advenha da cultura da vida em sociedade e não unicamente das estruturas oficiais do Estado. No caso, é óbvio que estaríamos tratando de um Estado Leviatã. Neste caso, os adversários políticos são tratados como inimigos de Estado e esta não deixa de ser uma característica do chamado Estado Total. Vemos como o lado positivo do direito (da “negação da negação” do Direito) pode ser reformado/transformado num eficiente Direito Proposto, projetivo de uma sociedade mais justa e igualitária – tal qual previsto pelas promessas do Estado Democrático de Direito Social. Por fim, em uma demonstração mais simplificada, ainda podemos dizer:

A premissa política 180 da finalidade organizativa do Estado de Direito assegura que:

· o poder político deve estar conformado segundo as medidas do Direito 181

· o governo dos homens é um governo sob leis e por meio de leis

(direitos — garantias — liberdades 182)

De certo modo, o objetivo maior é desconstruir o conceito exposto de Estado de não-Direito, ou seja, afirmar uma certa condição popular. Nessa tentativa de síntese, podemos/devemos reconstruir o conceito de Estado de Direito sob um prisma mais popular, cultural e atuante. Quando o Poder Político não encontra limitações éticas facilmente se converte em Estado de Sítio.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINEZ, Vinício Carrilho. Estado moderno:: características, conceito, elementos de formação, instituições políticas, natureza jurídica, atualidades. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3832, 28 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26268. Acesso em: 19 mai. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos