A paisagem urbana funda-se sobre dois pilares essenciais: estética e funcionalidade. A preocupação com este aspecto é cada vez mais saliente se considerarmos que, de acordo com o último censo do IBGE, quatro quintos da população brasileira encontra-se nas cidades [1].
A concentração de pessoas importa em importante fator de variada degradação ambiental, inclusive a estética, evidenciada na face que os outdoors e fachadas conferem às cidades. Fachada é qualquer das faces externas de uma edificação, quer seja edificação principal, quer seja complementar, como torres, caixas d'água, chaminés ou similares [2].
O meio ambiente inclui dentre suas espécies o meio ambiente urbano, no qual tem sido intensificada a necessidade de proteção do seu aspecto estético e paisagístico. Jerusalém, por exemplo, exige que as novas edificações mantenham o estilo histórico de casas e edificações com fachadas de pedras.
O ser humano adapta-se a padrões de organização e formas, culturalmente estabelecidos na sociedade, que lhes proporcionam sensação de acolhimento, proteção e bem estar. A transformação da natureza pelo homem, estampada nas saliências paisagísticas, são texturas do espaço que revelam as impressões digitais de uma sociedade. Determinados ambientes, por sua própria desorganização estética, geram mal estar, sentimento de opressão e estresse. Outros, como os templos religiosos, são construídos intencionalmente para transmitir por suas formas ao visitante uma sensação de paz, grandiosidade, transcendência. Hospitais evocam a calma, serenidade e assepsia - restaurantes temperos condimentos e sabor.
Neste sentido fundem-se os elementos componentes do meio ambiente urbano e cultural. As edificações e equipamentos públicos refletem a identidade de certa comunidade, identidade esta componente da ambiência cultural comunitária. Esta compreensão fica melhor explicitada nas linhas de Ana Marchesan [3]:
A paisagem que interessa ao direito é sensitivo-espiritual. Carregada de valor estético, exterioriza ambiências que permitem ao homem um conforto emocional, apreço pelo belo, pela harmonia, paz de espírito. Uma paisagem bem estruturada contribui indubitavelmente para a elevação espiritual do ser humano, em oposição ao caos, cenário que conduz à opressão, ao estresse, à total ausência de qualidade de vida.
O aspecto visual das cidades vem sendo tutelado de por leis que regulam o uso abusivo de anúncios, painéis e cartazes nos municípios. Em São Paulo, por exemplo, criou-se a Comissão de Proteção à Paisagem Urbana, destinada basicamente a ordenar a matéria em vista da estética da cidade [4].
A polêmica sobre a tutela da estética do ambiente urbano e redução da poluição visual tem sido muito debatida em relação às medidas que visam sua coibição. Por um lado defende-se a proteção de conceitos estéticos referentes ao espaço urbano e sua identidade, de outro, contrapõem-se o direito de propriedade, da livre iniciativa ou até um elemento de marginalização dos "excluídos", quando a discussão recai sobre assentamentos e ocupações irregulares e o processo de "favelização".
A estética tutelada, sob o prisma da dignidade da pessoa humana, tem que ser uma estética democrática, e não elitizada.
A tutela da estética possui assento constitucional, cujo texto normativo incumbe a União, os Estados e o Distrito Federal de legislar acerca de sua proteção.
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
(...)
VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
Jacqueline Morand-Deviller tangencia a relação tênue entre o direito e a estética:
A Estética e o Direito não mantém relações conflituosas, mas delicadas, cujos responsáveis são os juristas reticentes em relação a um conceito que julgam demasiadamente marcado pela subjetividade e pelo irracional.
(...)
A Estética, em si mesma, é uma ordem. Ela tem como canais sistemas de regras, as convenções da arte e do jogo; sua arte admite uma disciplina. De qualquer forma, ela é criadora de ordem e harmonia. [5]
O direito à paisagem faz emergir a necessidade de um controle urbano sobre projetos propostos, considerando dentro do espectro do dano ambiental não só as corriqueiras análises, mas também a parte estética.
Na cidade de Ribeirão Preto/SP, por exemplo, determinado terreno, historicamente ocupado pro um conjunto de vegetação que floresceu naturalmente, foi substituído por um centro comercial com um imenso estacionamento asfaltado. O reflexo incômodo sobre os moradores do bairro, e mesmo os transeuntes e motoristas que passavam pela via, foi imediato. Será este valor alheio ao escopo da função social da propriedade?
Se considerarmos a disposição constitucional, parece que não:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(...)
III - função social da propriedade;
(...)
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
Não se postula a imobilidade do espaço urbano, apenas que sua evolução respeite o meio ambiente cultural, estético e paisagístico que reflita a identidade de uma dada comunidade naquele espaço-tempo.
Mais uma vez, aludimos aos ensinamentos de Jacqueline Morand-Deviller:
A maioria das cidades sofreu tais reveses, nas um sobressalto se manifestou nesses últimos anos, e Belém oferece um bom exemplo com a restauração, muito bem-sucedida , de seus edifícios públicos, bem como de sua docas sobre o rio, espaços de entretenimento da cidade. É evidente que uma cidade não é congelada nem no espaço, nem no tempo; ela se faz e se refaz sobre si mesma, e a destruição participa de sua evolução.
O importante é que a estética não seja relegada a um mero afã artístico, mas integre as políticas de ordenamento do território. Nesse contexto é essencial compreender que este ordenamento é necessariamente multidisciplinar. Disserta Ana Marchesan [6]:
A noção de paisagem é por excelência transdiciplinar. Trata-se de um objeto estudado por diversas disciplinas e que merece de fato uma abordagem múltipla, sem perder seu centro de referência. Na lição dos especialistas franceses Burel e Baurdy, tratar da paisagem é abordar um sistema de elementos em interação, por isso eles a qualificam como um conceito na encruzilhada de numerosas disciplinas.
É preciso integrar a visão sistêmica do meio ambiente, veiculada pela Carta de Paris, oriunda da realização da Convenção sobre Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural aprovada pela Conferência Geral da UNESCO em sua décima sétima reunião em 16 de novembro de 1972 [7].
Para o jurista, a tutela do patrimônio estético é viável pela Ação Popular (Lei 4.717/65) e pela Ação Civil Pública (Lei 7.347/85), tendo como um dos seus principais defensores o Ministério Público, e permitindo, por meio destes instrumentos processuais, a consolidação dos valores reverberados na Constituição Federal, no Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01), na Lei do Sistema de Unidades de Conservação (Lei 9.985/00). O IPHAN também exerce papel de destaque nesta tutela.
Mas a multidisciplinaridade não pode se esgotar no campo da tutela jurisdicional. O arquiteto e o urbanista, por exemplo, são fundamentais no implemento dessa peculiar tutela. Nos projetos que engendram ou no espaço urbano que ordenam, têm que revelar a sensibilidade para que o mero utilitarismo ou a urgência da pauta econômica não os façam descuidar da importância estética e do bem estar reflexo na paisagem urbana.
BIBLIOGRAFIA:
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Cursop de Direito Ambiental Brasileiro. 8 ª edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Saraiva, 2007.
KISHI, Sandra Akemi Shimada; SILVA, Solange Teles da; SOARES, Inês Virginia Prado – Organizadoras. Vários autores. Desafio do Direito Ambiental no século XXI - estudos em homenagem a Paulo Affonso Leme Machado. São Paulo: Malheiros, 2005.
MARCHESAN, Ana Maria Moreira. Tutela Jurídica da Paisagem no Espaço Urbano. Artigo publicado na Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 2, p.21-40, outubro/2008.
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro - 7ª edição, revista e atualizada. São Paulo: Malheiros, 2012.
[1] MARCHESAN, Ana Maria Moreira. Tutela Jurídica da Paisagem no Espaço Urbano. Artigo publicado na Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 2, p.21-40, outubro/2008.p. 22.
[2] SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro - 7ª edição, revista e atualizada. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 307.
[3] MARCHESAN, Ana Maria Moreira. Tutela Jurídica da Paisagem no Espaço Urbano. Artigo publicado na Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 2, p.21-40, outubro/2008.p. 25.
[4] SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro - 7ª edição, revista e atualizada. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 309.
[5]MORAND-DEVILLER, Jacqueline. vários autores. Desafio do Direito Ambiental no século XXI - estudos em homenagem a Paulo Affonso Leme Machado. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 151/153.
[6] MARCHESAN, Ana Maria Moreira. Tutela Jurídica da Paisagem no Espaço Urbano. Artigo publicado na Revista Internacional de Direito e Cidadania, n. 2, p.21-40, outubro/2008. p. 25.
[7] Disponível em http://portal.iphan.gov.br/portal/baixaFcdAnexo.do?id=244. Consulta em 15 de agosto de 2013.