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O direito ao processo sem dilações indevidas no âmbito penal

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18/01/2014 às 09:16
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2. DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO E DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.1. Evolução histórica do direito e sua afirmação no Direito Internacional dos Direitos Humanos e no Direito Comparado

A demora na prestação jurisdicional não é um problema recente. Constitui um dos temas mais antigos da administração da justiça. Porém, somente após a Segunda Guerra Mundial é que esse direito fundamental passou a ser objeto de maiores preocupações, sendo então consagrado nos principais tratados internacionais sobre direitos humanos.

Com efeito, já na compilação de Justiniano se recolhe uma constituição na qual se tornam medidas a fim de que os litígios não se tornem intermináveis e excedam a vida dos homens. As leis romanas estabeleceram um prazo preciso de duração do processo penal, dispondo Constantino que começará a contar-se com a litiscontestatio e que foi de um ano. Esse prazo, na época de Justiniano, era de dois anos (PASTOR, 2005, p.209).

Na Magna Carta da Inglaterra de 1215, o rei inglês se comprometia a não denegar nem a retardar direito ou justiça. Na versão inglesa, o texto era o seguinte: “to no one we will sell, to no one deny or delay right or justice”. No mesmo século, Afonso X, o sábio, mandou, em consonância com a fonte predominantemente romano-justinianéia de suas sete Partidas, que nenhum juízo penal poderia durar mais de dois anos. Nos tempos modernos, o problema passou a ser preocupação da ciência jurídico-penal desde suas primeiras e embrionárias manifestações (PASPTOR, 2005, p.209).

Beccaria, citado por Pastor (2005, p.209), em 1764, afirmava que

el processo mismo debe terminarse en el más breve tiempo posible, porque cuando más pronta y más cercana al delito cometido sea la pena, será más justa y útil; (...) más justa, porque ahorra al reo los inútiles y feroces tormentos de la incertidumbre, que crecen con el vigor de la imaginación y con el sentimiento de la propia debilidad; más justa, porque siendo una pena la privación de la liberdad, no puede preceder a la sentencia.

Depois, meio século mais tarde que Beccaria, seria Feuerbach quem afirmaria que não tardar é uma obrigação dos juízes. Shakespeare, também, no que é talvez sua passagem mais célebre, pôs na boca de seu personagem Hamlet a lentidão dos tribunais entre as causas que podem aniquilar um homem (PASTOR, 2005, p. 210).

Como fruto dessas ideias, o direito constitucional de inspiração iluminista consagrou expressamente o direito da pessoa acusada de ter cometido um delito a ser julgada rapidamente. Uma primeira manifestação expressa está contida na Declaração de Direitos feita pelos representantes do bom povo de Virginia, em 1776, segundo a qual toda pessoa submetida a persecução penal tem direito a um juízo célere e imparcial (Seção 8ª). Este direito passou à 6ª Emenda da Constituição dos Estados Unidos da América: “Em todos os juízos penais o acusado gozará de direito a um processo rápido” (PASTOR, 2005, p. 210).

Todavia, somente após a Segunda Guerra Mundial é que esse direito fundamental de ser julgado em um prazo razoável passou a ser objeto de preocupações mais intensas, no marco da atividade dos tratados internacionais de direitos humanos dessa época, que pretendiam, frente ao horror dos Estados totalitários nazistas e fascistas, reforçar o Estado constitucional de direito e tornar realidade a pretensão da universalidade dos direitos fundamentais perseguida já pela Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 (PASTOR, 2005, p.210-211).

De fato, não obstante o problema fosse antigo, como já ressaltado, a duração excessiva do processo somente foi objeto de uma regulação jurídica positiva específica e decidida depois de 1945, quando nos catálogos dos direitos fundamentais foram incluídos, juntos às garantias básicas burguesas já consolidadas, também alguns direitos básicos, chamados de “segunda geração”, tendentes a reconhecer a transformação das expectativas jurídicas dos indivíduos derivada do desenvolvimento de novas formas de relação entre estes e o Estado (PASTOR, 2005, p.211).

Assim, embora a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 não tenha se referido de forma expressa ao direito de ser julgado em um prazo razoável em seu artigo X, nesse mesmo ano, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, que relativamente aos direitos básicos do acusado se inspirou naquele dispositivo, estabeleceu, em seu artigo XXV, que “Todo indivíduo, que tenha sido privado da sua liberdade, tem o direito de que o juiz verifique sem demora a legalidade da medida, e de que o julgue sem protelação injustificada, ou, caso contrario , de ser posto em liberdade” (TRINDADE, 1991, p.328).

A convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais de 1950 consignou, em seu art. 6.1, valendo-se pela primeira vez da fórmula usual de “prazo razoável”, que

 Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, em um prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de caráter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. (TRINDADE, 1991, p. 405).

Logo depois, em 1966, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, regulou esse direito básico do imputado em duas oportunidades. A primeira delas foi no art. 9.3, no qual se estabeleceu, dentre outras garantias, que toda pessoa detida “terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade”. A segunda, foi no art.14.3, “c” adotando, entretanto, outra formula para regular o mesmo direito, ao estabelecer que toda pessoa acusada de um delito terá direito “a ser julgado sem dilações indevidas” (TRINDADE, 1991, p.101).

A convenção Americana sobre Direitos Humanos, conhecida como “Pacto de San José de Costa Rica”, de 1969, seguiu textualmente nesta matéria o modelo europeu, dispondo, em seu art. 7.5, que “Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções jurisdicionais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo”. Logo em seguida e com mais precisão, no art. 8.1, dispõe que “Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela” (TRINDADE, 1991, p. 359).

Ademais, convém mencionar que são numerosos os ordenamentos constitucionais do Direito Comparado que incluem o juízo penal rápido entre os direitos da pessoa submetida a uma persecução penal. Assim, por exemplo, a Constituição do Canadá estabelece que toda pessoa acusada de um delito tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável (art. 11. “b”); a Constituição Mexicana prescreve prazos dentre quatro meses e um ano como máximos para a duração dos processos penais (art. 20, VIII); a Constituição do Japão dispõe que o acusado tem direito a um juízo rápido e público ante um tribunal imparcial (art.37); a Constituição de Portugal estabelece que o acusado deve ser julgado tão rapidamente como isso seja compatível com a salvaguarda do exercício de sua defesa (art. 32.2); a Constituição espanhola outorga a todas as pessoas o direito a um processo público sem dilações indevidas (art. 24.2); e, por fim, a Constituição italiana dispõe que a lei deve assegurar a duração razoável do processo (art.11) (PASTOR, 2005, p. 213).

Analisando os diversos dispositivos acima mencionados, verifica-se, quer no âmbito dos tratados internacionais dos direitos humanos, quer no âmbito dos ordenamentos constitucionais do direito comparado, a presença de diversas fórmulas para a regulação do mesmo direito. Porém, todas elas não significam outra coisa senão que “el imputado goza de un derecho constitucional subjetivo según el cual su proceso debe finalizar definitivamente dentro de um plazo que asegure un enjuiciamiento expeditivo” (PASTOR, 2005, p. 213).

Por outro lado, no plano dos tribunais, constata-se que as interpretações jurisprudenciais acerca dessa questão somente começaram a ganhar corpo, de forma definitiva, no final da década de sessenta. Assim, a partir de 1968 o Tribunal Europeu de Direitos Humanos começou sua larga e interessante série de sentenças sobre o ponto. Na República Federal da Alemanha, a primeira sentença emanada do Tribunal Supremo Federal (BGH = Bundesgerichsthof) sobre o problema da excessiva duração do processo penal data de 1966. Também, a partir de 1967 começa a se formar, no direito casuístico dos Estados Unidos da América, a jurisprudência sobre o tema, quando a Corte Suprema daquele país reconheceu que o direito a um juízo rápido tem assento constitucional. Inicialmente, tal jurisprudência se referia à duração da detenção, mas logo (1970-1972) se estendeu à duração do procedimento, levando inclusive à sanção de uma lei (Speed Trial Act), a qual cuidava de estabelecer limites temporais para o encarceramento temporário. Na Argentina, em 1968, se inicia, com a sentença “Mattei” da Corte Suprema de Justiça da Nação, uma linha jurisprudencial que, embora não alcançasse claridade e precisão, “implicó el reconocimiento de un derecho constitucional del inculpado a que su situacón frente a la ley penal y la sociedad sea definida en el monor tiempo posible por la innegable restricción de derechos que supone estar sometido a persecución penal por el Estado” (PASTOR, 2005, p. 215).

Dessa forma, foi através de um longo percurso jurisprudencial que o Tribunal Europeu de Direitos Humanos assentou as bases do que é até hoje e de modo praticamente universal a interpretação dominante acerca do significado jurídico da expressão “prazo razoável”, quer se trate de prazo razoável da prisão preventiva, quer se trate de prazo razoável para a duração do processo.

Contudo, é importante dizer que, por enquanto, somente será possível resumir as linhas características desse posicionamento dominante que se dedica à definição do que se entende por prazo razoável e à determinação das consequências jurídicas aplicáveis no caso de superação desse prazo, remetendo o leitor aos capítulos 4 e 5, em que melhor se aprofundou a matéria.

Assim, seguindo Pastor (2005, p. 221), verifica-se que essa opinião universalmente dominante adota dois critérios centrais, a saber:

1.  O prazo razoável de duração do processo penal não é um prazo em sentido processual penal que deve ser previsto abstratamente pela lei, senão que se trata de uma pauta interpretativa aberta para estimar se a duração total de um processo foi ou não razoável, para o qual deve proceder-se caso a caso, uma vez finalizado o processo e globalmente, tendo em conta a complexidade do caso, a gravidade dos fatos, as dificuldades probatórias, a atitude do imputado e o comportamento das autoridades encarregadas da persecução penal;

2.  Comprovada a irrazoabilidade da duração, a violação do direito deve ser compensada desde o ponto vista material, penal ou civil, ou dar lugar a sanções administrativas, penais ou disciplinares, e somente em casos extremos se justifica o sobrestamento do procedimento.

2.2. Duração razoável do processo no ordenamento jurídico brasileiro   

No Brasil, o direito a um processo com duração razoável não encontrou o mesmo desenvolvimento que se verificou no âmbito de Direito Internacional dos Direitos Humanos ou no âmbito do Direito Comparado, sobretudo nos ordenamentos constitucionais de alguns países europeus.

Com efeito, antes da Emenda Constitucional nº 45/2004, a doutrina e a jurisprudência de nosso País apenas aludiam à possível presença desse direito fundamental no ordenamento jurídico brasileiro, ora o incluindo no feixe de garantias em que se constitui o princípio do devido processo legal, ora aduzindo que, tendo o Brasil aderido à Convenção Americana de Direitos Humanos através do Decreto nº 678, de 6 novembro de 1992, os direitos e garantias previstos nessa Convenção passaram a integrar o rol dos direitos fundamentais previstos em nossa Constituição, por força do que dispõe o art. 5º, § 2º da Constituição Federal.

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Assim, autores como Roberto Delmanto Junior (1998, p.26), José Rogério Cruz e Tucci (1997, p. 88) e Rogério Lauria Tucci (2004, p.67), mesmo antes da Emenda Constitucional nº 45/2004, já defendiam a vigência desse direito fundamental em nosso ordenamento jurídico, em razão de o conceberem como integrante do rol de garantias fundamentais em que se consubstancia o devido processo legal.

Este último autor, relativamente ao tema, asseverava que (2004, p.66):

E, no tocante à determinação de prazo razoável para a finalização do processo penal de conhecimento de caráter condenatório, trata-se, igualmente, de garantia preconizada, não somente em tratados e convenções internacionais, como, igualmente, nas Leis Magnas dos povos cultos, e também pela nossa vigente Constituição Federal, por força do disposto no § 2º do art. 5º.

Lopes Jr. (2005, p.102) também compartilhava desse mesmo entendimento, pois, ao referir-se a esse direito do imputado, afirma que:

No Brasil, está expressamente assegurado nos arts. 7.5 e 8.1 da CADH, em plena vigência, repita-se, recepcionado que foram pelo art. 5º, § 2º, da Constituição. Ademais, também poderá ser extraído a partir da conjugação dos seguintes direitos fundamentais:

-expressa vedação à tortura, tratamento  desumano ou degradante: art. 5º, III;

-direito à tutela efetiva: art. 5º, XXXV;

-direito ao devido processo legal: art. 5º, LIV;

-direito à ampla defesa e contraditório: art. 5º, LV.

No plano da jurisprudência, o Supremo Tribunal Federal, em algumas ocasiões, também abraçou esse posicionamento, afirmando a vigência desse direito fundamental em nosso país, por força da adesão do Brasil ao Pacto de San José da Costa Rica, embora o fizesse apenas para reconhecer o excesso de prazo da prisão preventiva, sem qualquer outra consequência jurídica. Nesse sentido, veja-se a emenda de acórdão proferido nos autos do HC 80.379-2/SP:

O JULGAMENTO SEM DILAÇÕES INDEVIDAS CONSTITUI PROJEÇÃO DO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.

- O direito ao julgamento, sem dilações indevidas, qualifica-se como prerrogativa fundamental que decorre da garantia constitucional do “due processo of law”.

O réu – especialmente aquele que se acha sujeito a medidas cautelares de privação da sua liberdade – tem o direito público subjetivo a ser julgado, pelo Poder Público, dentre de um prazo razoável, sem demora excessiva e nem dilações indevidas. Convenção Americana sobre Direito Humanos (Art.7º, ns. 5 e 6). Doutrina. Jurisprudência. (DJ: 25.05.2001; rel. Min. Celso Mello, grifo no original).

Em decisões mais recente, proferido nos autos do HC nº 85.237-8/DF, o Supremo Tribunal Federal assentou que:

É preciso reconhecer, neste ponto, que a duração prolongada, abusiva e irrazoável da prisão cautelar de alguém, como sucede na espécie, ofende, de modo frontal, o postulado da dignidade da pessoa humana, que representa – considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) – significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo.

Cabe-se referir, ainda por relevante, que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos – tendo presente o estado de tensão dialética que existe entre a pretensão punitiva do Poder Público, de um lado, e a aspiração de liberdade inerente às pessoas, de outro – prescreve, em seu Art. 7º, n. 5, que “toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou ser posta em liberdade...” Na realidade, o Pacto de São José da Costa Rica constitui instrumento normativo destinado a desempenhar um papel de extremo relevo no âmbito do sistema interamericano de proteção aos direitos básicos da pessoa humana, qualificando-se, sob tal perspectiva, como peça complementar e decisiva no processo de tutela das liberdades fundamentais. (DJ: 29.04.2005; rel. Min. Celso Mello)

Contudo, se dúvida havia acerca da vigência do referido direito em nosso ordenamento jurídico-constitucional, essa dúvida foi totalmente dissipada com a edição da Emenda Constitucional nº 45/2004, que acrescentou ao rol dos direitos fundamentais previsto no art. 5º da Constituição Federal o direito a um processo sem dilações indevidas. Veja-se como o constituinte derivado positivou esse direito:

Art. 5º todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

Assim, o legislador constituinte, ao consagrar expressamente esse direito no rol dos direitos fundamentais, segue, de forma louvável, a tendência que já vinha se verificando nas principais democracias ocidentais, conforme já referido neste trabalho, dando a demonstração de que essa garantia básica do imputado merece ser respeitada e que a sua violação traz consequências jurídicas para o Estado.

2.3. Duração razoável do processo e demais garantias processuais

Cruz e Tucci (1997, p. 87) esclarece que “A partir da concepção formulada por Haarbele, de um status activus processualis, passou-se a reconhecer nos direitos fundamentais um ‘prisma processual’, cuja realização prática é condição de efetividade da respectiva proteção constitucional à tutela jurisdicional”

Delmanto Junior (1998, p. 280, grifo do autor), por sua vez, salienta que “o processo penal existe não só para viabilizar a individualização do ‘ius puniendi’, mas, sobretudo, para regrar a persecução penal e assim proteger a liberdade dos cidadãos”. Pondera ainda, seguindo Inocêncio Borges da Rosa, que “esta função do processo penal é muito mais relevante do que a própria punição do culpado, uma vez que, ‘no Estado liberal, as garantias individuais são elementos essenciais da constituição político-jurídica do próprio Estado’” (DELMANTO JUNIOR, 1998, p. 280-281).

Efetivamente, o processo penal não deve ser dominado apenas pelos interesses das partes nele envolvidas. Há, no processo penal, um forte viés de interesse público, consubstanciado não somente no dever condenar o culpado, mas também no dever de absolver o inocente, pelo manuseio de um processo penal justo.

Nessa ordem de ideias, inteira razão assiste a Julio B. J. Maier, citado por Delmanto Junior (1998, p. 281, grifo do autor), quando salienta que:

Se dice que ‘el proceso penal de una nación es el termômetro de los elementos democráticos o autoritários de su Constitución’ o bien se observa al ‘Derecho procesal penal como sismógrafo de la Constitución del Estado’, porque con razón se afirma que el es Derecho constitucional reformulado o aplicado. Con esas metáforas se expresa mejor y con más fuerza que con textos extensos la función de garantia y protección del hombre frente al poder penal del Estado, que cumple el Derecho procesal penal. En realidade, todos los princípios limtadores del poder penal del Estado que contiene la Constitución Nacional se desarrolan y reglamentan... en los códigos de procedimentos penales y leyes orgânicas judiciales. ... Desde este punto de vista, el Derecho procesal penal es unn estatuto de garantias que, incluso, se supraordinan a las demás funciones que também se le adjudican. Estos limites al derecho de intervención del Estado sobre los cuidadanos , a título de aplicación de su poder penal, ejercido como persecución penal, que protegen tanto al inocente, con miras a una condena injusta, cuanto al mismo culpable, para que no se alcance una condena a costa de sua dignidade personal o sin posibilidad de defender sus puntos de vista, caracterizan la judicialidad del proceso penal y el legismo procesal en que consiste su regulación. 

Assim, o feixe de garantias processuais, em que se consubstancia o processo penal, representa um verdadeiro escudo que protege o individuo frente ao poder penal do estado. A duração razoável do processo, como garantia processual que é, também está inserida nesse rol e constitui-se num dos elementos indicativos de um processo penal democrático.

Na opinião de Tucci (2004, p.67), o direito a um processo com duração razoável está inserido no feixe de garantias processuais em que se constitui o devido processo legal, o qual, no campo penal, melhor seria denominar-se devido processo penal. Segundo ele, o devido processo penal abrangeria as seguintes garantias: a) de acesso à Justiça Penal; b) de juiz natural em matéria penal; c) de tratamento paritário dos sujeitos processos parciais no processo penal; d) da plenitude de defesa do indiciado, acusado, ou condenado, com todos os meios e recursos a ela inerentes; e) da publicidade dos atos processuais penais; f) da motivação dos atos decisórios penais; g) da fixação de prazo razoável de duração do processo penal; e, h) da legalidade da execução penal.

Esse mesmo entendimento é compartilhado por Cruz e Tucci (1997, p. 88), o qual afirma que o processo legal desdobra-se nas seguintes garantias: a) de acesso à justiça; b) do juiz natural ou preconstituído; c) de tratamento paritário dos sujeitos parciais do processo; d) da plenitude da defesa, com todos os meios e recursos a ela inerentes; e) da publicidade dos atos processuais e da motivação das decisões jurisdicionais; f) da tutela jurisdicional dentro de um lapso temporal razoável.

Contudo, na estreia do que vem decidindo tanto o Tribunal Constitucional Espanhol como o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, o direito à duração razoável do processo guarda autonomia em relação ao direito à tutela jurisdicional e devem sempre ser considerados separadamente, pois além de poderem ser alvos de violações distintas, a violação de um e de outro dão ensejo a formas de reparações distintas (NICOLITT, 2006, p. 37).

Com efeito, pode-se chegar à conclusão de que o restabelecimento da atividade jurisdicional, na hipótese de paralisação, ou mesmo a entrega da prestação jurisdicional, em caso de retardo, não sanam a violação ao direito em razão de dilatação indevidas.

Dessa forma, o direito ao processo sem dilatação indevidas, embora se apresente como um corolário do devido processo legal, afigura-se autônomo em relação ao direito à tutela jurisdicional.

2.4 A duração razoável do processo e a necessidade de assegurar um processo penal justo

O processo é o instrumento pelo qual o Estado faz atuar a vontade da lei, devendo, na medida do possível, desenvolver-se, sob a vertente extrínseca, mediante um procedimento célebre, a fim de que a tutela jurisdicional emerja realmente oportuna e efetiva (CRUZ E TUCCI, 1997, p.27).

Por outro lado. Também é correto afirmar “que os direitos subjetivos dos cidadãos devem ser providos da máxima garantia social, com o mínimo de sacrifício da liberdade individual, e, ainda, com menor dispêndio de tempo” (CRUZ E TUCCI, 1997, p. 27).

Aqui, o processo se depara com um grande dilema. Trata-se do difícil equilíbrio entre dois extremos: “de um lado o processo demasiadamente, expedito, em que se atropelam os direitos e garantias fundamentais, e, de outro, aquele que se arrasta equiparando-se à negação da (tutela da) justiça e agravando todo o conjunto de penas processuais” (LOPES, JR, 2005, p.94).

Na opinião de Lopes Jr. (2005, p. 126), um processo que se prolonga indevidamente no tempo conduz a uma distorção de suas regras de funcionamento. Contudo, adverte ele, “não se pode cair no outro extremo, no qual a duração do processo é abreviada (aceleração antigarantista) não para assegurar esses direitos, senão para violá-los”(LOPES JR. 2005, p. 126).

Esse mesmo autor, seguindo lição de Daniel R. Pastor, assevera que “não existe nada mais demonstrativo da arbitrariedade de um procedimento que os juízos sumários ou sumaríssimos em matéria penal, pois eles impedem que o imputado possa exercer todas as faculdades próprias de um processo penal adequado à constituição democrática” (LOPES JR.,2005, p.126).

De fato, a celeridade processual não se traduz em precipitação ou automatismo. Ela visa a proporcionar ao processo penal um ritmo tão rápido quanto possível, sem desatender aos princípios fundamentais da ordem jurídica como a presunção de inocência ou o direito de defesa (CRUZ E TUCCI, 1997, p.28).

Assim, verifica-se que o processo penal reclama tempo suficiente para a satisfação com plenitude, dos direitos e garantias processuais do imputado.

Aliás, essa foi a posição adotada pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), a qual prevê, em seu art.8°, 2, “c” que:

2­. Toda pessoa acusada de direito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:            

c) concessão ao acusado do tempo e dos meios adequados para a preparação a sua defesa (TRINDADE, 1991, p. 360, grifo nosso).

Em disposições semelhantes, a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, nos arts. 6º, 3, “b” e 14, 3, “b”, também consagram esse entendimento assegurando ao acusado tempo suficiente para que ele possa preparar a sua defesa.

Discorrendo sobre o tema, Héctor Faúndez Ledesma, citado por José Rogério Cruz e Tucci (1997, p.28), sustenta que:

Un elemento importante en la preparación de la defensa lo constituy el tiempo indispensable para su preparacion. Mientras que la parte acusadora puede con frecuencia haber estado preparando un caso durante un largo período antes del comienzo del proceso, la defensa deberá confrontar la evídencia acumulada por la acusación, encontrar testigos, presentar sus próprios medios de prueba y examinar y rebatir los argumentos jurídicos de la parte acusadora en un lapso sustancialmente   más breve. Esta es una desventaja que deriva de la naturaleza misma del procedimiento criminal, y cuya extención dependerá de las características del sistema jurídico a aplicar (acusatório o inquisitorial) y de las  circunstancias particulares de cada caso...

Por outro lado, não é só a defesa do acusado que reclama tempo. O próprio juiz da causa e a acusação também devem dispor de tempo para a busca da verdade no processo. O Juiz deve dispor de tempo para estudar a matéria com mais paciência e assim proferir uma decisão que reflita a verdadeira justiça. A acusação, da mesma forma, deve dispor de tempo para poder trazer a versão para o processo.

Dessa forma, seguindo a lição de Cruz e Tucci (1997, p.29) verifica-se que:

[...] a grande equação reside, essencialmente, em conciliar esses valores e todas as consequências que deles advêm, com a obtenção de decisão que represente uma composição de litígio consoante com a verdade, e em que se respeite amplamente o regramento do contraditório e todas as garantias de defesa, pois só assim, se logrará uma decisão acertada no âmbito de um processo justo.

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Sobre o autor
Jose Domingos Rodrigues Lopes

Graduado em Direito pela Universidade de Brasília - UnB. Pós-Graduado em Direito Público pela Universidade de Brasília - UnB. Procurador Federal (PGF/AGU) atuante no STJ e STF.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOPES, Jose Domingos Rodrigues. O direito ao processo sem dilações indevidas no âmbito penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3853, 18 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26440. Acesso em: 23 abr. 2024.

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