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O direito ao processo sem dilações indevidas no âmbito penal

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18/01/2014 às 09:16
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CONCLUSÃO

A partir da abordagem que aqui se fez, pôde-se perceber que o direito a um processo sem dilações indevidas, enquanto direito fundamental, tem natureza jurídica de direito público, subjetivo, autônomo e caráter prestacional.

Viu-se também que o direito a um processo com duração razoável é um conceito indeterminado e aberto, que não se confunde com o mero descumprimento de prazo e cujo conteúdo somente se determina diante do caso concreto.

Tal direito encontra fundamento na dignidade da pessoa do imputado, no interesse probatório, no interesse coletivo e na confiança da capacidade da Justiça.

Os titulares desse direito são as partes envolvidas no processo, sejam elas físicas ou jurídicas ou, eventualmente, órgãos do Estado. O obrigado é sempre o Estado, por todos os seus órgãos.

Foi através de um longo percurso legislativo e jurisprudencial que os tribunais internacionais e nacionais assentaram as bases do que é até hoje e de modo praticamente universal a interpretação dominante acerca do significado jurídico da expressão prazo razoável.

Antes da Emenda Constitucional nº 45/2005 havia dúvida acerca da vigência desse direito fundamental no Brasil, dúvida esta que foi totalmente dissipada com a inclusão do inciso LXXVIII no rol das garantias fundamentais do art. 5º da Constituição vigente, o qual consagra expressamente referido direito entre nós.

O direito ao processo sem dilações indevidas, embora se apresente como um corolário do devido processo legal, integrando o rol das garantias em que este se consubstancia, afigura-se autônomo em relação ao direito à tutela jurisdicional.

O grande dilema do processo penal moderno é equacionar o difícil equilíbrio entre a necessidade de garantir um processo penal sem dilações indevidas e a necessidade de assegurar o contraditório e a ampla defesa, pois só assim se logrará um processo penal justo.

Em torno da interpretação dogmática desse direito, duas correntes doutrinárias divergem quanto ao modo de determinação do prazo razoável para a duração do processo.

A doutrina do prazo fixo defende que prazo razoável deve ser entendido em seu sentido processual, ou seja, como lapso de tempo dentro do qual – e somente dentro do qual – um ato processual, um conjunto de atos processuais, uma etapa do procedimento ou todo processo podem ser realizados válida e eficazmente. Defende assim a necessidade de intervenção do legislador tanto para estabelecer limites temporais quanto para regular as consequências jurídicas para o caso de violação, por ser uma exigência do princípio do Estado Democrático de Direito.

A doutrina do não-prazo, à sua vez, entende que, antes de tudo, o prazo razoável não é um prazo em sentido processual penal, que deve ser previsto abstratamente pela lei, senão que se trata de uma pauta interpretativa aberta para estimar se a duração total de um processo foi ou não razoável, para o qual deve proceder-se caso a caso, uma vez finalizado e globalmente, tendo em conta a complexidade do caso, a gravidade dos fatos, as dificuldades probatórias, a atitude do imputado e o comportamento das autoridades encarregadas da persecução penal. Em matéria de consequência, afirma essa corrente que, uma vez comprovada a irrazoabilidade da duração, a violação do direito deve ser compensada desde o ponto de vista material, penal ou civil, ou dar lugar a sanções administrativas, penais ou disciplinares, ou, em alguns casos, as soluções processuais, como o sobrestamento do procedimento.

Ante esse quadro, o presente trabalho optou por aderir à corrente que advoga a desnecessidade de intervenção do legislador para fixar prazos máximos de duração do processo, à consideração de que, no Estado Democrático de Direito, o Juiz é o principal garantidor dos direitos fundamentais, sem embargo de que, diante da complexidade da sociedade moderna, o legislador possa não fazê-lo com êxito, dado sua atuação em abstrato.

No que se refere à relação entre duração razoável do processo e prisão provisória, verificou-se que a duração excessiva do processo e a duração excessiva da prisão cautelar, embora sejam conceitos próximos, não se confundem e por isso merecem tratamento distinto, de forma que, se por um lado não pode o legislador fixar um prazo máximo para a duração do processo, vez que este deve ser aferido em cada caso concreto, por outro, o legislador deve fixar um prazo máximo para a prisão provisória, pois o princípio da legalidade não poderia atuar para a providência final e ser olvidado para a providência cautelar.

É por isso que, para equacionar as lacunas deixadas pelo legislador brasileiro e as interpretações disformes da jurisprudência, advogou-se nesta pesquisa a necessidade de se estabelecer, por lei, prazos máximos e globais para a prisão cautelar.

Na doutrina estrangeira as soluções sugeridas para a violação do direito na esfera penal e processual têm sido as mais variadas, a saber: atenuação da pena, suspensão ou prescindibilidade da pena, graça ou indulto, sanções de funcionários responsáveis pelos atrasos e, excepcionalmente, sanções processuais, com o consequente arquivamento do procedimento.

No Brasil, o problema dos efeitos penais da violação ao direito em exame poderia se resolver pela atenuação da pena ao final aplicada (aplicação da atenuante genérica do art. 66, CP), pela concessão do perdão judicial (art.121,§ 5º, art. 129, §5º, ambos do CP) ou pela detração penal (art. 42 do CP). As soluções processuais também poderiam ser adotadas, já que não há nenhuma incompatibilidade entre a legislação processual penal e o sistema dos impedimentos processuais ou das nulidades processuais. A sanção de natureza civil poderia ser adotada ainda que não exista prisão cautelar e independe da demonstração dos danos efetivamente sofridos pelas partes.

Por fim, pode-se dizer que o julgamento tempestivo de uma pessoa suspeita de cometer um delito, dentro de um prazo razoável, porém sem restrições das demais garantias fundamentais do imputado, permitirá evitar a perda de meios probatórios, poupar recursos financeiros estatais, hoje dilapidados em processos intermináveis, aumentar a capacidade de administração da justiça e, sobretudo, acalmar expectativas sociais, restabelecendo a paz jurídica.


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Sobre o autor
Jose Domingos Rodrigues Lopes

Graduado em Direito pela Universidade de Brasília - UnB. Pós-Graduado em Direito Público pela Universidade de Brasília - UnB. Procurador Federal (PGF/AGU) atuante no STJ e STF.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOPES, Jose Domingos Rodrigues. O direito ao processo sem dilações indevidas no âmbito penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3853, 18 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26440. Acesso em: 19 abr. 2024.

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