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A União Europeia e o Direito Comunitário: uma manifestação regional do direito internacional

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31/01/2014 às 08:09
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Notas

[1] Assim descreve o processo histórico o Professor Franklin Trein (TREIN, 2008: pp. 136-137):“Se a geografia da Europa não tem critérios claramente definidos para estabelecer suas fronteiras, sua história é objeto de interpretações e argumentos muitas vezes mais ricos e complexos. Contudo, isto não impediu, ao longo da História, que se tenha cogitado, com frequência, a construção de uma unidade dos Estados europeus. Contrariando alguns estudiosos, os séculos XVIII e XIX não foram o berço original dos ideais de uma Europa integrada, ainda que seja possível encontrar naquele período alguns de seus mais entusiasmados defensores. Muito antes, ainda nos séculos XIII, XIV e XV, poetas, filósofos e políticos já construíam argumentos em favor de uma Europa unida. O que nem sempre era dito é que, desse modo, se sonhava recuperar a herança histórica e as grandezas do Império Romano. Entre os muitos autores daquele período, alguns nomes merecem ser citados: Pierre Dubois (1250-1312) da França, Tomasso Campanela (1568-1639), da Itália, Georg von Podiebrad (1420-1471), rei da Boêmia. Mais tarde, no século XIX, dois homens ilustres merecem ser lembrados por suas idéias em favor de uma união da Europa: Victor Hugo (1802-1885) e Conrad Friedrich von Schmidt-Phiseldek (1770-1832). Este último elaborou, exaustivamente, a tese de uma “União Européia”, o que a tornou, talvez, a mais expressiva de todas as contribuições recolhidas ao longo de séculos.”

[2]Unificação monetária alemã, bem-sucedida, atingida com a integração territorial e política, marcada pela criação do Reichsbank, em 1876. União Monetária Latina, formada em 1866, por França, Suíça, Bélgica e Grécia. União Monetária Escandinava, constituída em 1872, por Suécia, Dinamarca e Noruega.

[3] O romeno naturalizado britânico nasceu em 1888 e faleceu em 1975. Sua obra, escrita no período entre-guerras, foi pioneira dentro da tradição liberal idealista na construção e teorização sobre os modelos de integração regional. Identificava que o sistema westfaliano de Estados gerava fortes tensões na defesa de cada país por seu interesse nacional. A tentativa de reverter o contexto de rivalidades históricas que acirravam as disputas durante os anos dourados do imperialismo europeu no século XIX e início do XX deveria ser comandada pela inter-relação econômica dos países, transferindo as competências a órgãos neutros e instrumentais, acima da política egoísta dos Estados. Em meio à interdependência econômica, ou seja, na coletivização dos interesses econômicos seria possível estabelecer um panorama de estabilidade e paz, próximo à paz perpétua kantiana pela federalização dos Estados. Para os autores desta matriz de pensamento, o período entre-guerras ilustrava como as rivalidades e a defesa irrestrita do interesse nacional podem ser danosas à humanidade. Para mais verMITRANY, David. A Paz e o Desenvolvimento Funcional da Organização Internacional. In: BRAILLARD, P. (ed.). Teoria das Relações Internacionais. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1990. p. 566-603.

[4] Corrente que além da defesa da cooperação regional voltada ao institucionalismo supranacional e o compartilhamento de competências soberanas, enfatizava a via comercial como principal responsável por irradiar efeitos positivos para outras áreas.

[5]Análises, como a de Elena Lazarou e dos autores que a inspiram, consideram esta peculiaridade como marca do estágio avançado europeu, como se o processo de integração (e o que chama de compartilhamento de competências) fosse evolutivo e gerasse efeitos positivos em todas as áreas (LAZAROU, 2013: p,. 107): “O que torna a União Europeia única é a fusão econômica, política, social e, possivelmente, ideacional da maioria das políticas dos Estados-membros. É, certamente, o único caso de integração regional funcional envolvendo governança supranacional, competências compartilhadas e uma partilha de soberania (Keohane e Hoffmann, 1991). Enquanto mercados comuns e uniões aduaneiras são menos incomuns, a UE evoluiu desse nível para uma comunidade política com instituições próprias, um sistema legal, políticas, valores e princípios. O processo de spillover, por meio do qual isso ocorreu, é, talvez, a chave para a singularidade do modelo.”

[6] O regionalismo é fechado em relação ao comércio internacional. Nas iniciativas de integração pautadas pela lógica cepalina, como a ALALC e a ALADI, no continente americano, por exemplo, antes de partir ao mercado internacional é preciso que as indústrias locais se fortaleçam por meio de medidas protecionistas para que possam obter melhores condições de competitividade.

[7] O regionalismo aberto tenta reverter a lógica cepalina, incutindo as ideias neoliberais de abertura dos mercados e economias nacionais, sem quaisquer medidas de transição, à competição internacional, a qual será, em teoria, a responsável por obrigar as indústrias nacionais a se modernizarem, se fortalecerem e se tornarem competitivas.

[8] Foros neutros, em teoria, nos quais a vontade comum é derivada da transferência de competências estatais, mas própria e não se coincide, necessariamente, com a de um Estado específico (TRINDADE, 2003).

[9] Ana Paula Tostes comenta a crise do Estado nação e as novas mudanças acarretadas pela globalização, caracterizando o conceito de supranacionalidade (TOSTES, 2001: pp. 36-37): “A União Europeia (UE) tem enfrentado dificuldades de várias naturezas ao inaugurar um modelo de ação política que é fruto de uma nova engenharia institucional, bem mais complexa do que a estatal. A ação política “comunitária” fundamenta-se em um princípio de interesse supranacional: o “interesse comunitário” dos Estados europeus. Esta novidade política estruturada por instituições que também não se comprometem a realizar os interesses intergovernamentais ou interestatais, mas apenas o “interesse comunitário”, exige esforços teóricos e analíticos em favor de modos alternativos (ao estatal) de constituição de legitimidade da ação política, de justificação do poder e de identidade coletiva.”

[10]O direito cosmopolita tem em Jürgen Habermas e Ulrich Beck seus defensores mais conhecidos.

[11]A Guerra dos Trinta Anos envolveu conflitos de cunho político e religioso que devastaram os reinos germânicos da parte central da Europa e que envolveram as grandes potências da época, ao final, foram marcados pela vitória dos países protestantes e pelo enfraquecimento da Igreja Católica. Os tratados que celebraram a paz, em 1648, firmados em Osnabrück e em Münster, duas cidades da região de Westfália, expressaram os valores que passariam a nortear a ordem jurídica interestatal (PELLET, 2003).

[12] Difundida pela publicação do livro Os Seis Livros da República, de Jean Bodin, em 1576.

[13] A premissa central do pensamento realista é o sistema de Estados, no qual cada ente quer impor seu interesse nacional, com o intuito de maximizar seu poder perante os outros (ZOLO, 1999 e FIORI, 2007).

[14] Apoiado na concepção difundida pelos autores é possível ilustrar a parte teórica com alguns exemplos práticos. A chancela hegemônica ao projeto de integração europeu é manifestada desde o Plano Marshall, a criação da OECE e da União Europeia de Pagamentos, passando pela criação da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), instituição responsável pela defesa militar na região, até na constituição da Alemanha (desenvolvida a convite) como polo de liderança econômica regional. Sem este apoio fundamental, não teria esta iniciativa certamente prosperado da forma como conhecemos. Para mais ver: TAVARES, Maria da Conceição e BELLUZZO, Luiz Gonzaga. “A Mundialização do Capital e a Expansão do Poder Americano”. IN: FIORI, J. L. C. (org.) O Poder Americano, Petrópolis: Editora Vozes, 2004.

[15]De acordo com José Manuel Pureza, crítico da integração europeia pela via dos capitais e que pontua a celebrada e relativa paz e estabilidades por ela geradas: (PUREZA, 2012): “A simples existência da UE como estrutura de integração econômica e política não é suficiente para explicar a paz prolongada na Europa. A paz pela integração dos mercados e pela abdicação de soberania é uma tese frágil. Porque só funciona para explicar a calmaria de quem ganha com a integração e de quem não é demasiado lesado com a perda de soberania. Quem perde não quer essa paz que o esmaga. E é claro que esses são sempre processos com ganhadores e perdedores. Mais ainda: os ganhadores de hoje podem rapidamente tornar-se os perdedores de amanhã”.

[16] Para este artigo o sistema interestatal capitalista emergiu no que Fernand Braudel cunhou ser o longo século XVI e permanece até os dias atuais, intensificado, como ressalta Fiori ao destacar o papel dos Estados protagonistas (FIORI, 2008: pp. 31-32): “Desde o início do sistema mundial moderno, o expansionismo dos Estados líderes teve um papel decisivo no desenvolvimento de suas economias nacionais, e vice-versa. O impulso conquistador desses Estados impediu que seus mercados locais se fechassem sobre si mesmos e alargou suas fronteiras, com a inclusão de outras economias no seu território econômico supranacional, ao mesmo tempo, que foi criando oportunidades monopólicas para a realização dos lucros extraordinários que movem o capitalismo. Neste novo sistema interestatal manteve-se- num patamar muito mais elevado- a mesma relação virtuosa que já existia na Europa no século XIII e XIV, entre acumulação do poder, as guerras, o aumento contínuo da produtividade e do excedente econômico; e entre as guerras, as dívidas públicas, os sistemas de crédito e a multiplicação do capital financeiro”.

[17]Carta do Atlântico é a denominação para o acordo de cavalheiros assinado por Winston Churchill e Franklin Roosevelt, cada qual representando sua respectiva nação, Grã-Bretanha e Estados Unidos, no qual se estabelecia os termos para o suporte estadunidense para os aliados na Guerra contra o Eixo. Esse documento foi assinado a bordo de um navio no Oceano Atlântico e não tinha o caráter jurídico de tratado internacional, mas seria legitimado pela moral do compromisso e duraria enquanto seus signatários ocupassem seus cargos de chefia do Estado. Esse acordo proporcionou aos aliados um fôlego extra no combate, uma vez que incluía condições facilitadas de empréstimo e de aquisição de material bélico, bem como suporte logístico.

[18] Diversas conferências importantes foram realizadas de 1941 até 1945, com destaque para a ocorrida na pequena cidade norte-americana de Bretton Woods, em julho de 1944.

[19]Essa percepção de hegemonia passa pela noção difundida por Antônio Gramsci (GRAMSCI apud MORTON, 2006: p.95): “It has been established that the moment of hegemony involves both the consensual diffusion of a particular cultural and moral view throughout society and its interconnection with coercive functions of power; or there is corresponding equilibrium between ethico-political ideas and prevailing socio-economic conditions fortified by coercion (…) To sum up, hegemony is marked by the decisive passage from the structure to the sphere of the complex superstructures.”

[20] Criada pela Conferência de São Francisco, em julho de 1945, como sucessora da combalida Sociedade das Nações

[21] Fiori esclarece (FIORI, 2004: p. 88): “Na verdade, a posição ultraliberal dos financistas só foi quebrada transitoriamente pela crise de escassez de dólares na Europa em 1947; pela ameaça de vitória política-eleitoral dos comunistas na França e na Itália, nas eleições de 1948; e pelo colapso da economia japonesa. Suas ideias predominaram de 1945 e 1947, mas acabaram sendo revertidas pelo novo quadro internacional e pela imposição de prioridades estratégicas da nova Doutrina da Guerra Fria. É neste contexto que se explica o Plano Marshall, assim como todas demais concessões feitas pelos Estados Unidos, com relação ao protecionismo dos europeus, em particular com a retomada dos velhos caminhos heterodoxos das economias alemã e japonesa.”

[22]Expressão consagrada pela literatura especializada que ganhou maior relevo após a unificação da Alemanha como Estado nacional no final do século XIX, gerando grande desequilíbrio na balança europeia de poder.

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[23] Henry Morgenthau foi Secretário do Tesouro Americano à época que não se confunde com seu contemporâneo, o realista acadêmico Hans Morgenthau, autor do clássico livro”A Política das Nações”.

[24]Expressão consagrada pela literatura especializada em desenvolvimento comparado para explicar os investimentos financeiros, intenso fluxo comercial e a tolerância monetária que os Estados Unidos tiveram em relação a Alemanha e Japão.

[25] Problemática geopolítica acirrada com a unificação e formação da Alemanha enquanto Estado nação, que esteve, direta ou indiretamente, presente nas causas das duas guerras mundiais.

[26] Fiori sintetiza a estratégia estadunidense quanto aos países derrotados (FIORI, 2004: p.89): “Esta mudança da posição americana com relação à estratégia de desenvolvimento dos países derrotados, em particular o Japão, a Alemanha e a Itália, se transformou na pedra angular da engenharia econômico-financeira do pós- II Guerra Mundial, em particular depois da década de 1950, quando estes países se transformaram nos grandes “milagres” econômicos da economia capitalista. (...) Em outras palavras, viraram “protetorados militares” e “convidados econômicos” dos Estados Unidos, e no caso da Alemanha e do Japão, foram transformados em “pivôs” regionais de uma máquina global de acumulação de capital e riqueza que funcionou de forma absolutamente virtuosa entre as Grandes Potências e em algumas economias periféricas até a crise da década de 1970.”.

[27] Em meio a uma sequência de crises, interna e externa, acompanhada de questionamentos sobre o declínio da hegemonia estadunidense, antes do fim do governo Carter, ainda em 1979, Paul Volker assume a cadeira do Federal Reserve, dando nova guinada às pretensões imperiais estadunidenses, com o Choque de Juros. Na manobra, as taxas de juros foram elevadas unilateralmente e atingiram níveis estratosféricos, acompanhadas por um discurso de fomento às inovações financeiras e à desregulamentação, que predominaria na década de 1980. A valorização inesperada do dólar, como manobra para sair do contexto de questionamentos, que suscitavam o questionamento à hegemonia americana, conduziu a economia mundial à recessão. Os EUA, em sua estratégia de restauração liberal-conservadora, retomam progressivamente o controle do sistema monetário-financeiro internacional.

[28]Conceito cunhado por Franklin Serrano para explicar o novo regime monetário internacional (SERRANO, 2004). A particularidade desse novo padrão reside no fim de duas limitações que tanto o padrão ouro-libra, quanto o ouro-dólar impunham aos países que emitiam a moeda chave, a necessidade de manter o câmbio fixo, para que se evitasse a fuga para o ouro e os consequentes déficits na conta corrente, e a possibilidade de incorrer em déficits globais na balança de pagamentos e financiá-los com ativos denominados em sua própria moeda como nos outros padrões anteriormente citados. Ademais, a ausência de conversibilidade em ouro garante ao dólar a liberdade de variar por sua iniciativa unilateral a paridade em relação às moedas dos outros países conforme sua conveniência, por meio de mudanças nas taxas de juros americanas.

[29] O ideário neoliberal inspirado nas ideias ultraliberais de economistas como Friedrich Hayek e Milton Friedman atribuía à iniciativa privada o papel regulamentador e fomentador da economia, relegando ao Estado funções meramente logística que proporcionassem à lógica mercadológica a máxima eficiência. Entre as medidas desejáveis haveria a redução da intervenção estatal, restrita a fatos episódicos e excepcionais, por meio, sobretudo, das privatizações dos serviços públicos, abertura do mercado interno ao capital estrangeiro e um dracioniano corte de gastos públicos, tendo a economia nacional a preocupação primordial de garantir a estabilidade de preços e os picos inflacionários.

[30] O pensamento de Medeiros é resumido (MEDEIROS, 2004: pp.139-140):“A retomada da política hegemônica do dólar no início dos anos 80 interrompeu as possibilidades de se construir em colaboração com os principais países industrializados, alternativas monetárias a um dólar enfraquecido. A estratégia de enquadramento dos aliados e das moedas rivais se deu como reação ao extraordinário sucesso industrial e exportador da Alemanha e do Japão e da contestação do dólar enquanto moeda internacional que caracterizaram a economia mundial no final dos anos 70. A iniciativa norte-americana de retomada da hegemonia econômica e ideológica nas relações internacionais afirmou-se, também, como uma ampla ofensiva interna liderada pelos EUA e Inglaterra contra os sindicatos, o Estado de Bem-Estar, o excesso de democracia, interrompendo o crescimento compartilhado típico do keynesianismo social que caracterizou o capitalismo industrial no pós-guerra.”

[31]Pureza resume a guinada ao neoliberalismo, abandonando o viés do desenvolvimento socioeconômico e priorizando exclusivamente o do fomento ao capital (PUREZA, 2012): “Sucede todavia que desde 1992 que a Europa abandonou esse modo de ser um projeto de paz. Passou a dar primazia inequívoca à competitividade em detrimento da coesão. Passou a dar primazia ao ser mercado em detrimento do ser união. A arquitetura da União Económica e Monetária, expressão da hegemonia do pensamento neoliberal, repudia o modelo social e a democracia inclusiva em escala europeia em que a paz se alicerçou.”

[32] O direito da União Europeia ganhou por ilustrar as normas e valores do sistema criado pelas Comunidades Europeias, criadas durante a década de 1950 e unificadas na década de 1960.

[33] A jurisprudência, de acordo com o artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, é um meio auxiliar ou fonte secundária do direito internacional, logo, não tem valor jurídico em princípio, não obriga necessariamente as partes, somente terá efeitos vinculantes na omissão de uma fonte primária que trate do assunto.

[34] O Caso Stauder (processo n° 29/69) confirmou a aplicação de princípios no direito comunitário, atribuindo relevo aos princípios gerais de direito e os princípios e garantias fundamentais. Com os Protocolos aos Tratados de Lisboa, foi incorporada a Carta de Direitos Fundamentais, positivando os direitos humanos no sistema jurídico regional.

[35] O Tratado Internacional é um exemplo, de acordo com o artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, de fonte primária ou material do direito internacional público, é um instrumento legal que possui valor jurídico, ou seja, os compromissos neles pactuados vinculam as partes a seu cumprimento, sob pena de sanções.

[36] Neste artigo não foi feita, mas a doutrina especializada (ESPADA et alli, 2012) realiza uma distinção entre os tratados internacionais, afirmando que há os tratados constitutivos (Tratados de Paris, de Roma e de Maastricht), tratados de reforma (Ato Único Europeu, Tratado de Amsterdã, de Nice e de Lisboa) e os tratados de adesão de novos membros.

[37] Órgão que proporcionou a administração multilateral das matérias-primas básicas e estratégicas da indústria, selando o acordo político para a estabilização do continente celebrado por França e Alemanha, iniciou-se a constituição de um espaço comum a algumas economias europeias como forma de garantir a paz e a segurança por meio do entrelaçamento econômico.

[38]Estes tratados vieram consolidar, expandir e institucionalizar a iniciativa, por meio da formação de uma comunidade econômica que visava ao fortalecimento do mercado interno entre os países membros, cujas ambições se direcionavam para a constituição de um mercado comum europeu. O sentido geopolítico deste processo de integração acompanhou, ainda que não no mesmo ritmo, os avanços econômicos, como a criação da comunidade europeia de energia atômica, a EURATOM, de fins pacíficos. Ademais, foram responsáveis pela criação da maior parte dos órgãos hodiernos da União Europeia.

[39] Conhecido como Tratado da União Europeia estruturou a integração por meio da formação da União Europeia, que abarcaria todas as iniciativas comunitárias anteriores sob o mesmo teto. Além disso, no documento, ficou expressa a intenção de transformação do mercado comum europeu em mercado único por meio da previsão de uma moeda comum para a zona comunitária. A integração europeia mostrava adaptabilidade ante a conjuntura internacional e, baseada na lógica neoliberal do regionalismo aberto, viria a servir de parâmetro para outras iniciativas de integração econômica no sistema mundial.

[40] Responsável por modificações estruturais que preparavam a União para uma planejada expansão.

[41] Este documento reformou a organização institucional de alguns órgãos comunitários.

[42]Refletiram uma tentativa pragmática de resgatar alguns elementos da rechaçada constituição europeia e que concederam à integração europeia uma nova lógica, que prioriza a operacionalidade, a partir da introdução de mudanças que possibilitam acordos e soluções bilaterais entre Estados parte da União Europeia em detrimento dos multilaterais sobre assuntos temáticos e pontuais da competência comunitária.

[43] O direito primário é também conhecido como direito fundamental ou constitucional, em analogia às normas constitucionais, fundadoras da ordem jurídica estatal interna.

[44] A transcrição literal do acórdão pode ser obtida pela análise do processo n° 26/62. Este caso foi o principal responsável pelo reconhecimento do efeito direto vertical (particular poderia invocar as normas comunitárias em litígio com o Estado dentro do país membro) do direito comunitário sobre o nacional.

[45] A transcrição literal do acórdão pode ser obtida pela análise do processo n° 36/74. A partir desta sentença, reconheceu-se também o efeito direto horizontal (particular invocar na relação com outro particular o direito comunitário).

[46]A transcrição literal do acórdão pode ser obtida pela análise do processo n° 106/77. Suscitou a primazia do direito comunitário quando em conflito com o direito nacional.

[47]A transcrição literal do acórdão pode ser obtida pela análise do processo n° 148/78. Este caso foi importante por estabelecer aos Estados-membros o dever de cumprimento do direito comunitário, para que este não fosse esvaziado pela prática da soberania intransigente.

[48]A transcrição literal do acórdão pode ser obtida pela análise do processo n° 6/90. Consagrou a possibilidade de punição ao Estado que não cumprir o direito comunitário, permitindo sua responsabilização civil por eventuais danos causados pelo não cumprimento.

[49]A transcrição literal do acórdão pode ser obtida pela análise do processo n° 6/64. Esta decisão paradigmática consolidou a existência de um ordenamento jurídico comunitário.

[50]Para Ernst Haas, maior exponente do neofuncionalismo, partindo do êxito do pilar econômico, articulado pela interdependência das economias nacionais, seria possível multilateralizar sua administração para que não haja interferência de questões políticas internas e, assim, com o fomento da parte comercial, conseguir espalhar os efeitos positivos para outras áreas, como a política e a social. Este efeito aumentaria as transações comerciais, atenuaria as rivalidades locais e proporcionaria acordos políticos para a transferência de competências soberanas dos Estados a órgãos supranacionais, teoricamente neutros da política governamental, o que incrementaria a rede institucional, viabilizando uma tecnocracia. O aprofundamento do Processo alcançaria uma união federal política, e, consequentemente, a paz. Para mais ver: MACHADO, João Bosco. Mercosul: Processo de Integração: Origem, evolução e crise.São Paulo: Ed. Aduaneiras Ltda., 2000; HASS, E. Beyond the Nation-State: Funcionalism and International Organization. Stanford: Stanford University Press, 1964; e CALEGARI, Daniela. “Neofuncionalismo ou Intergovernamentalismo: preponderância ou coexistência na União Europeia?”. Revista Eletrônica de Direito Internacional do CEDIN, vol.5, 2009, pp. 91-131. Disponível em: http://www.cedin.com.br/revistaeletronica/volume5/. Acesso em 18 de junho de 2013.

[51] Assim explica o professor Daniel Sarmento (SARMENTO, 2006: pp. 53-54): “As relações entre direito comunitário europeu e direito nacional se articularam sobre dois pilares que se assemelham àqueles que presidem o funcionamento de um sistema jurídico federal: os princípios de primazia e efeito direto. O primeiro estabelece a supremacia do direito comunitário europeu sobre o direito nacional em caso de conflito, tornando inaplicável a norma do direito nacional. Por vezes, tal conflito pode chegar a resultar não apenas inaplicabilidade, como também anulação da norma interna. Quanto ao princípio do efeito direto, através dele garante-se que se possa recorrer a tribunais ordinários, isto é, nacionais, para tratar de normas do direito comunitário europeu. Assim, quando as normas do direito comunitário europeu outorgarem direitos a indivíduos, estes poderão esgrimir tais direitos na sede judiciária nacional, como se se tratasse de um direito de criação garantido por lei nacional.”.

[52]Dente os quais merece destaque Jürgen Habermas, o responsável por difundir, adaptar e radicalizar pensamento kantiano ao longo da década de 1990.

[53] Soraya Nour sintetiza o pensamento kantiano sobre o direito (NOUR, 2003: p. 21): “O direito, até Kant, tinha duas dimensões: o direito estatal, isto é, o direito interno de cada Estado, e o direito das gentes, isto é, o direito das relações dos Estados entre si e dos indivíduos de um Estado com os do outro. Em uma nota de rodapé na Paz Perpétua (Kant,1795:347-349), Kant acrescenta uma terceira dimensão: o direito cosmopolita, direito dos cidadãos do mundo, que considera cada indivíduo não como membro de seu Estado, mas como membro, ao lado de cada Estado, de uma sociedade cosmopolita.Arelação destedireito comos dois anteriores segue a tabela das categorias daCrítica da Razão Pura: um único Estado corresponde à categoria da unidade;vários Estados, no direito das gentes, à da pluralidade; todos osseres humanos e os Estados, no direito cosmopolita, à da totalidadesistemática, que une os dois estados anteriores (Kant, 1781:93;Brandt, 1995:142).”

[54] Rafael de Agapito Serrano explica (SERRANO, 2009: p. 109): “La paz, para Kant, es un estado de dominio de las relaciones jurídicas entre los pueblos; o bien, es un estado de razón de los pueblos”.

[55] Para Habermas (HABERMAS, 1995: p. 98): “Globalização significa transgressão, a remoção das fronteiras, e portanto representa uma ameaça para aquele Estado-nação que vigia quase neuroticamente suas fronteiras. Anthony Giddens definiu "globalização" como "a intensificação das relações mundiais que ligam localidades distantes, de tal maneira que os acontecimentos locais são moldados por eventos que estão a muitos quilômetros de distância, e vice-versa". A comunicação global ocorre tanto por meio de linguagens naturais (na maioria das vezes através de meios eletrônicos) como por códigos especiais (são os casos, sobretudo, do dinheiro e do direito).”

[56] De acordo com Habermas (HABERMAS, 1995: p. 100): “Uma dasmaneiras de escapar ao impasse, tal como descrito acima, é indicada pelaemergência de regimes supranacionais com o formato da União Europeia.Precisamos tentar salvar a herança republicana, mesmo que seja transcendendoos limites do Estado-nação.”.

[57]É necessário recorrer a elementos históricos para compreender esta peculiaridade jurídica westfaliana. Alain Pellet aponta a Reforma Protestante como movimento precursor destas ideias (PELLET e alli, 2003): “O vínculo religioso quebrado pela Reforma é substituída por uma nova comunidade internacional alargada, fundada no humanismo do Renascimento.”.

[58]Engels explica (ENGELS, 2011):“O dogma e o direito divino eram substituídos pelo direito humano, e a Igreja pelo Estado. As relações econômicas e sociais, anteriormente representadas como criações do dogma e da Igreja, porque esta as sancionava, agora se representam fundadas no direito e criadas pelo Estado.”.

[59] Conflitos de cunho político e religioso que devastaram os reinos germânicos da parte central da Europa e que envolveram as grandes potências da época, ao final, foram marcados pela vitória dos países protestantes e pelo enfraquecimento da Igreja Católica. Os tratados que celebraram a paz, em 1648, firmados em Osnabrück e em Münster, duas cidades da região de Westfália, expressaram os valores que passariam a nortear a ordem jurídica interestatal.

[60] Logo, os Estados deveriam ter sua integridade respeitada por seus pares (não intervenção), a não ser em caso de conflito, no qual a guerra poderia ser considerada um meio legítimo de solução de controvérsias.

[61] Não há como pensar a sociedade internacional fora de um sistema de equilíbrio de poder, que coordena o ambiente anárquico (sem um poder hierarquicamente superior) dos Estados. Essa aparente “ordenação” não segue a semântica convencional. Não há ordem na acepção clássica do termo, mas uma disposição dos Estados, ao mesmo tempo rígida e precária, que necessita da desordem, para que continue se fortalecendo e se perpetuando.

[62] Enquanto prerrogativas soberanas são as áreas que denotam explicitamente o poder estatal, como a atrofia das iniciativas voltadas a uma comunidade política, a uma integração vinculada à defesa regional, a qual é praticada por uma organização internacional que é liderada por países de outro continente, a OTAN, a uma política externa comum e à questão tributária e à fiscal (apesar de a monetária ser o exemplo de prerrogativa soberana compartilhada, ainda que por nem todos os membros). Maurizio Bach alarga a análise, sustentando que oavanço normativo é referente à liberdade de bens, serviço e capital, não toca a questão da liberdade de trabalho e nem a institucionalização do conflito entre capital e trabalho, deixando os assuntos a cargo das regulações nacionais (BACH, 2006).

[63] Na opinião de Felix Peña (PEÑA, 2006: p. 92): “No caso do Mercosul- bem como no caso da União Europeia, do NAFTA ou da Comunidade Andina de Nações, entre outros- não se pretende que as partes se integrem em uma nova soberania ou unidade autônoma de poder dentro do sistema internacional- ao menos não no atual estágio dos respectivos processos nem num horizonte previsível. O panorama comum coexiste, portanto, com diferentes panoramas nacionais para o alcance de objetivos que são compartilhados. (...) “Uma aliança deste tipo não responde nem se explica pelo que tem sido chamado de uma hipotética racionalidade supranacional. Ao contrário, em sua origem e em sua permanência, explica-se por concretas racionalidades nacionais. É a partir do nacional- do interesse nacional- que se chega ao regional, ou seja, ao âmbito comum, ao espaço econômico e político compartilhado. Mesmo o aspecto comum tem o sentido profundo de afirmar o interesse nacional frente a desafios externos, como é hoje o da globalização dos mercados, com todas suas consequências, positivas e negativas, sobre a margem de ação- ou seja, o grau de permissibilidade para o exercício de políticas públicas em distintos campos, inclusive o externo- de uma nação no sistema internacional. A identidade comum não substitui a nacional, sendo percebida, porém, como forma de torna-la viável. Inclusive daí vem sua legitimidade social.”.

[64] Este viés da cooperação não foi incorporado pela lógica comunitária nem deverá sê-lo. Procura-se apenas elaborar diretrizes que podem ou não ser seguidas pelos Estados membros, caso estes estejam dispostas a praticar uma política externa e de segurança comuns.

[65] Órgãos como a Comissão Europeia, o Conselho da União Europeia, o Parlamento Europeu, o Tribunal de Justiça da União Europeia, o Banco Central Europeu, o Tribunal de Contas Europeu, o Banco Europeu de Investimento, dentre outros.

[66]Dentro das reformas mais substanciais, destaca-se a criação do cargo de Presidente do Conselho Europeu, competente para convocar as reuniões extraordinárias e administrar o funcionamento do órgão, cujo mandato é de dois anos e meio prorrogável uma vez por igual período; sua inter-relação com o ocupante de outro cargo recém-criado, o do Alto Representante para Assuntos Exteriores e de Segurança, que participa de suas reuniões; seus atos compõem o direito comunitário e, por isso, são passíveis de controle de comunitariedade pelo Tribunal de Justiça Europeu (ESPADA et ali, 2012); seu quórum de votação manteve-se no consenso, salvo para questões pontuais determinadas pelo Tratado de Lisboa, nas quais poderá adotar a unanimidade ou a maioria qualificada (como na eleição de seu Presidente); e reunir-se-á semestralmente, sendo pelo menos uma vez ao ano em Bruxelas.

[67]O alemão Maurizio Bach assim também entende (BACH, 2006: p. 161): “A União Europeia é, portanto, constituída, fundamentalmente, através dos atos jurídicos que se baseiam na livre celebração de acordos pelos governos soberanos participantes. Neste sentido, o sistema europeu de soberania supranacional constitui-se dentro dos limites do espaço jurídico estipulado pelos membros associados.”.

[68] O próprio Daniel Sarmento admite (SARMENTO, 2006: p. 61): “Assim, o tribunal constitucional nacional estará convocado a forçar, até o limite de suas possibilidades, a leitura da Constituição nacional com o objetivo de torna-la compatível com o direito comunitário europeu. Quando esta interpretação se revelar impossível, o conflito deverá ser resolvido favoravelmente à Constituição nacional.”.

[69] A professora Ana Cristina Paulo Pereira ratifica esta lógica(PEREIRA, 2006: p. 204): “Em geral, todo o direito comunitário encontra-se permeado dos princípios de direitos humanos e das normas jus cogens do direito internacional, que servem, portanto, de orientação para sua aplicação.”.Lógica esta que é aprofundada pela visão intergovermentalista de Jacques Ziller (ZILLER, 2012: p. 118): “TheEU is based upon international agreements (i.e., treaties) that arebinding upon sovereign states; as long as the treaties do not specifylegal rules and principles applicable to the functioning of the EU,the international law of treaties is applicable – a set of principles andrules which has been to a large extent codified by the United NationsConvention on the Law of the Treaties of 1969. One of the fundamentalprinciples of international law is the principle of specialty,according to which organizations or bodies set up by a treaty have only the powers which they have been provided by the treaty; on thecontrary, a state, in international law, has no limitation to its powers,other than the limitations they have voluntarily accepted by agreeingto international treaties. The principle of specialty is also known asthe “principle of conferral, and has always been applicable to the European Communities.”

[70]Maurizio Bach sustenta que (BACH, 2006: 161): “A legitimidade da União Europeia baseia-se, em primeiro lugar, na crença na legalidade do sistema normativo estatuído por elites funcionais pouco sujeitas a controles, e apoiado por códigos correspondentes de procedimentos, que regulam a formação da opinião e a tomada de decisões por parte dos órgãos da União Europeia.”.

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Sobre o autor
Luiz Felipe Brandão Osório

Graduado em Direito pela UFJF. Mestre e Doutorando em Economia Política Internacional pela UFRJ. Professor de Direito Internacional na UFRJ.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OSÓRIO, Luiz Felipe Brandão. A União Europeia e o Direito Comunitário: uma manifestação regional do direito internacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3866, 31 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26570. Acesso em: 19 abr. 2024.

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