A partir do ano de 2007, momento em que a economia brasileira atingiu sua estabilidade, ocorreu a queda no desemprego populacional, acompanhada por facilidades em se obter linhas de crédito com juros mais brandos, neste momento o mercado imobiliário saiu de seu longo período de estagnação, proporcionando a milhões de brasileiros a possibilidade de realizar o sonho de adquirir a casa própria.
Ocorre que com o crescimento vertiginoso no mercado imobiliário brasileiro, apareceram também os problemas inerentes a esta grande demanda, ocasionando diversos transtornos para os consumidores, sendo o mais comum o atraso na obra do empreendimento.
Observa-se que na maioria dos contratos de empreendimento imobiliário há penalidades previstas apenas para o consumidor (não reta dúvida de que este tipo de contrato trata de relação de consumo), senão vejamos:
É muito comum as construtoras fazerem constar em contrato de compra e venda de imóvel a tolerância de 180 dias pelo atraso na entrega da obra, o que não pode ser admitido.
Decisões recentes do judiciário vêm considerando a ilegalidade desta cláusula que prevê este período de atraso, isto porque o consumidor ou comprador é punido no caso de descumprir qualquer cláusula estabelecida em contrato, sendo que o mesmo não ocorre por parte das construtoras, neste caso há patente desequilíbrio contratual, havendo benefício somente para uma das partes.
E ainda, a falta de data específica para a entrega do empreendimento infringe o Código de Defesa do Consumidor, que exige que o contrato tenha prazo definido para seu cumprimento.
Conforme citado, os contratos de compra e venda de imóvel em sua grande maioria trata de penalidade apenas para uma das partes, o consumidor, nos contratos desta espécie há ainda encargos moratórios por parte do comprador, sem nada mencionar qualquer encargo por parte do vendedor, gerando ainda mais desequilíbrio da relação contratual.
Desta feita, no caso da vendedora (construtora) descumprir com qualquer das cláusulas contratuais, ou atrasar a obra sem qualquer justificativa é possível reverter as penalidades previstas do comprador para o vendedor. Ex: juros moratórios mensais até a entrega das chaves e multa de mora.
Nesta esteira, cabe ao magistrado fazer valer a sistemática do Código de Defesa do Consumidor, garantindo a eficácia dos direitos do consumidor, nos termos do art.6,V do referido diploma.
São direitos básicos do consumidor
Art. 06, V. a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.
Já o art. 51 do mesmo código estatui:
São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativamente ao fornecimento de produtos e serviços que:
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.
Inclusive, nestes casos inerentes de obra atrasada, existe entendimento pacifico do STJ no sentido de que o atraso injustificado na entrega da obra gera direito ao recebimento de indenização por lucros cessantes equivalentes ao valor do aluguel do imóvel em atraso até a conclusão definitiva da obra, independentemente de ter que provar o prejuízo sofrido.
Ainda, no que tange o atraso na obra, muito comum é ocorrer a atualização do saldo devedor, que é a atualização da diferença entre o valor financiado reajustado e o valor que já foi amortizado (valor pago a título de entrada). Ou seja, nada mais é que a atualização do valor que falta ser pago pelo imóvel.
Desta maneira, milhares de consumidores pelo Brasil ficam em situação extremamente delicada, pois no momento em que finalmente a construtora entrega a obra, muitas vezes com longos períodos de atrasos de até 02 (dois) ou 03 (três) anos exigem o pagamento da diferença do valor corrigido do saldo devedor para que seja liberado o financiamento do imóvel.
Para melhor elucidar a questão, imaginemos um caso pratico: O consumidor comparece ao estande de uma grande construtora, e após serem apresentadas as propostas de compra pelo corretor de imóvel, bem como prazo de entrega da obra (20 meses) resolve fechar o negocio. Neste momento a título de entrada é exigido o valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), restando um saldo devedor no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais).
Observa-se que no momento da contratação o saldo devedor está atualizado até a data de entrega da obra (20 meses).
Por motivo qualquer a obra atrasa, e o empreendimento é entregue após 36 meses, desta forma o saldo devedor sofrerá reajuste levando em consideração estes 16 meses excedentes, sendo este valor na maioria das vezes corrigido pelo índice do IGP-M, o que não é admitido.
Neste momento, o mutuário que adquiriu o tão sonhado imóvel encontra-se em situação extremamente complicada, pois fica compelido a quitar a diferença do saldo devedor e na maioria das vezes não possui esta monta disponível para pagar com a diferença cobrada e ser possível assim financiar seu imóvel.
Ocorre que na maioria das vezes o consumidor não conhece seus verdadeiros direitos.
Quanto à atualização do saldo devedor indiscriminadamente cobrado pelas construtoras de quase todo país, é possível solicitar judicialmente, inclusive em sede de liminar, o congelamento do saldo devedor até a entrega das chaves do imóvel, devendo ser afastada qualquer correção por qual índice for, seja IGP-M ou INPC.
Ainda, em outros casos o comprador, consumidor, pode optar por desistir da compra tendo em vista o atraso injustificável na obra, solicitando a devolução dos valores já quitados, corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de mora.
Em casos extremos é possível inclusive solicitar junto ao Judiciário a entrega do imóvel com penalidade de astreintes (multa diária) em face da construtora até a entrega do empreendimento, forçando assim que a obra seja entregue de maneira mais célere.
Conforme exposto acima, o consumidor que está enfrentando problemas com atraso na obra ou sofrendo alguma cobrança indevida por este atraso está juridicamente amparado, devendo valer de seu direito.
Há uma pesquisa recentemente realizada no país apontando que menos de 7% dos consumidores procuram o judiciário para fazer valer seu direito, assumindo com ônus que não são de sua responsabilidade.