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A responsabilidade civil do Estado nas prisões indevidas

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10/02/2014 às 15:16

Resumo:


  • A responsabilidade civil do Estado por prisões indevidas pode ser analisada sob a ótica do solidarismo jurídico, que preza pela igualdade entre os indivíduos.

  • A tendência da jurisprudência é caminhar para a responsabilização objetiva do Estado nos casos de prisões indevidas, afastando a necessidade de comprovação de culpa grave ou dolo.

  • Os valores de indenização por danos morais em casos de prisões indevidas podem variar de acordo com a intensidade do dano, podendo chegar a valores elevados, especialmente em casos de prisões prolongadas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

6) VALORES

Uma vez delineado o contorno do direito à indenização, como é e como deve ser, urge estabelecer parâmetros para indenização, especialmente em vista do dano moral, cuja quantificação se mostra mais dificultosa. 

A rigor, o dano moral decorrente de prisão que se revela indevida não tem, por sua origem e fundamento peculiares, características que façam ser diversos os critérios para fixação do seu quantum.  

A princípio, quando o dano moral, não obstante a ausência de previsão legal de incidência de forma geral, começou a ser reconhecido, na ausência de critérios legais, foi objeto de condenações em valores elevados, as quais foram paulatinamente sendo modulados para valores menores pela mesma jurisprudência que inicialmente acolhera valores vultosos[12].

Exemplificativamente, os casos de óbitos chegaram a gerar danos morais em valores de mais de 2.000 salários mínimos, e hoje os valores estão na faixa de 200 a 300 salários mínimos.[13]

A invocação destes valores é pertinente uma vez que os casos de óbito são aqueles onde o valor é, em regra, mais elevado. 

Posta esta premissa, devemos ainda classificar os danos e associá-los a um parâmetro de valor. Hoje vige um critério que classifica os danos em três categorias conforme a intensidade. Grosso modo e sinteticamente, podemos afirmar que os danos de pequena monta atingem valores de até 20 salários mínimos. 

Que condições de uma prisão caracterizariam um dano de pequena monta? Aquela que durasse poucos dias e que não apresentasse nenhuma intercorrência de anormalidade, como seria o caso de o preso ser vítima de alguma violência física ou psicológica excepcional durante o seu transcurso.[14]

São os casos típicos das prisões temporárias por delitos comuns (não hediondos) e cujo prazo é de cinco dias prorrogáveis por mais cinco ou em prisões preventivas de pouca duração. Exemplo tem-se no Resp nº 1150371, julgado em 08/02/2011, com valor de R$ 5.000,00.

Porém caso a prisão seja curta, mas contenha algo de anômalo, como ter o preso passado por uma rebelião, com risco de vida e exposição a cenas de grande violência ai se pode dizer que o dano será de média ou mesmo grande intensidade[15]

Os danos de média intensidade têm valores de 20 a 100 salários mínimos. Quais seriam no caso de prisões? A primeira hipótese já foi referida acima, ou seja, prisões que, mesmo curtas em sua duração, apresentaram fatos aptos a gerar abalo moral mais significativo. 

A segunda hipótese pode ser identificada nas prisões que duram algumas semanas ou poucos meses sem fatos anômalos. São as prisões temporárias em crimes hediondos que podem se estender por 60 dias, ou as prisões preventivas típicas. 

Um caso deste jaez parece estar estampado no Resp nº 34305, julgado em 19/03/2013, com indenização em valor de R$ 55.000,00, ou no Resp nº 99807, julgado em 14/08/2012, com valor de R$ 20.000,00.

Por fim, restam os danos de grande intensidade, cujo valor vai de 100 a alguns milhares de salários, embora o valor usual vá até aproximadamente 200 ou 300 salários. É o caso, por exemplo, do Resp nº 1429216, julgado em 24/04/2012, com valor de R$ 100.000,00. 

Porém, nos casos de prisão, o valor hoje do dano moral fixado para casos de morte deve ser superado em casos excepcionais. Isso porque, se deve ter em conta que o dano moral de casos de morte destina-se a ressarcir o prejuízo moral de familiares, não do falecido, ou seja, é um prejuízo secundário, ao passo que o dano moral do preso tem em voga a vítima mais efetiva e direta. 

De fato, em prisões que perduram por anos, tolhendo boa parte de uma vida, é de se ter que o valor possa chegar a alguns milhares de salários mínimos. É o caso do Resp 78967, julgado em 02/02/2012, com valor da indenização de R$ 400.000,00. 

A condenação, in casu, resultou de prisão com duração de 08 anos, declarada indevida.

Outro caso emblemático reside em condenação recente do primeiro grau da justiça do Rio de Janeiro em caso de prisão indevida por 11 anos, com valor de R$ 2.000.000,00. 

No caso, além da prisão ser indevida, o autor ainda foi transferido mais de 24 vezes de cárcere, o que prejudicou o contato com familiares.  

Parece-me que neste caso, dadas as peculiaridades do caso, a indenização esta dentro de parâmetros aceitáveis, embora certamente venha a sofrer alguma redução.

A caracterização do dano como de pequena, média ou grande intensidade e a fixação do valor não prescinde de avaliação judiciosa das circunstâncias concretas do caso e da pessoa envolvida, sendo os critérios supra indicados apenas orientadores. Ainda não se pode olvidar que, caso ocorram outros danos, como exempli gratia os decorrentes de violências físicas com seqüelas, estes serão somados ao dano decorrente exclusivamente do encarceramento.  

Vale recordar, por pertinente, que somente quando o valor do dano moral for evidentemente exorbitante pode ser objeto de revisão nas instâncias extraordinárias. 

Já o dano material, este terá de ser cabalmente comprovado e tem quantificação por isso simplificada. Ordinariamente ele será materializado em perdas e danos decorrentes de lucros cessantes.  


7) O FATOR IMPRENSA

Um fator que tem grassado crescente importância na temática da indenização por prisões indevidas reside na repercussão cada vez mais facilitada que encontram fatos deste jaez, aumentando, na exata proporção, as possibilidades de gravame moral ou o seu agravamento. 

A televisão e mais recentemente a internet trouxeram à dimensão do instantâneo a informação com imagem e esta última fez de cada pessoa com um celular com câmera um jornalista em potencial. Assim, mais e mais comuns se tornaram as divulgações de prisões, especialmente quando preso é pessoa famosa, o que se transforma em espetáculo preferencial de certas mídias especializadas, por vezes de gosto passível de questionamentos. 

A ampla possibilidade de divulgação da prisão não é em si um mal, podendo, ao revés ser um bem. É que, na medida em que aumentou a exposição destes fatos, na mesma medida aumentou a fiscalização sobre eles, evitando-se a arbitrariedade e o abuso de autoridade, outrora certamente muito mais fáceis de ocultar. 

Sintetizando, o mal não está no fato da divulgação, mas na forma como ela é feita. A forma açodada, parcial ou superficial com que os fatos são expostos podem de fato gerar sério gravame, tanto mais quando a corrigenda não recebe, em regra, o espaço que recebe a divulgação do fato. 

Sob dois aspectos esta divulgação pode ser objeto de apreciação na demanda indenizatória decorrente de uma prisão indevida.

Primeiro, ela pode ser o núcleo de uma causa da pedir, agregado a outros. É o caso de a divulgação ser a origem do gravame moral, seja porque feita de forma parcial ou inverídica, seja porque abusiva sob qualquer outro aspecto. Também pode ela ser fator que aumenta o gravame pela exposição negativa ampliada que propicia. Vejamos cada qual em vista da responsabilidade do Estado. 

Como elemento da causa de pedir, a divulgação de notícia pode ter como causadores do gravame pessoas de direito privado, mais precisamente pertencentes à imprensa, ou o Estado através de seus agentes. Refoge aos lindes desta abordagem ampla discussão acerca da contraposição do direito à informação com o direito à imagem e a vida privada, o que renderia seguramente extenso trabalho, sobretudo porque aqui nos interessa a responsabilidade do Estado por prisões indevidas. 

Posta esta premissa, a possibilidade de que, juntamente com uma falta de respaldo para a prisão, surja a sua indevida divulgação por agente estatal como fundamento de indenização de dano moral ou material é algo palpável. 

O direito à informação é assegurado constitucionalmente e pode haver interesse público em que determinadas prisões sejam divulgadas, até porque uma das funções da pena (a prevenção geral) depende justamente de seu conhecimento pela maior quantidade de pessoas possíveis. Porém, este acesso à informação deve ser conduzido com cautela pelos agentes que levam a efeito a persecução penal. 

O inquérito, por exemplo, é, segundo o CPP, sigiloso. Mais recentemente, este sigilo tem sido relativizado ao argumento de interesse público e, assim, aspectos relativos ao seu conteúdo e mesmo à realização de prisões tem sido divulgados. 

A meu juízo, se a divulgação pode ocorrer, certamente que é somente em ocasiões excepcionais, e preferencialmente com juízo de culpabilidade formado, vale dizer, após decisão judicial. A transformação de prisões em espetáculos midiáticos sem justificativa plausível ou real interesse social evidenciado, dando apenas azo à promoções pessoais ou institucionais, uma vez que esta prisão venha a ser declarada ilegal, é fato que pode se constituir causa de pedir a ser agregada à ilegalidade ou falta de fundamentação da prisão em si, ou seja, a divulgação em si é fato que gera gravame se posteriormente se verifica indevida a prisão. Para que isso ocorra, se há de aferir se a divulgação contou com o concurso de servidor do Estado e se ela se afigurou na hipótese concreta, abusiva, irrazoável, ou destituída de fundamento no interesse público. 

Quando a divulgação da prisão não resultar de ação direta de servidor, ai se terá a divulgação como fato a ser considerado na avaliação do gravame moral e material, especialmente no aspecto da quantificação do primeiro e como razão de reforço na causa de pedir do segundo e elemento a ser considerado também em sua quantificação. 

Nestas hipóteses, tanto quanto maior for a divulgação maior será o valor do dano moral a ser fixado e do dano material decorrente do lucro cessante.   


8) CONCLUSÕES

A prisão, quer como pena, quer como medida cautelar, já teve seu apogeu, mas isso não significa que ela não irá, ainda, por muito tempo fazer parte da realidade da sociedade. É possível alvitrar até que ela nunca deixe de existir. Já o erro humano este é possível afirmar nunca deixará de existir.

Da junção destas duas realidades, surge a problemática dos danos causados pela prisão que se revela indevida, seja por erro judiciário ou administrativo. 

Quando a causa da prisão indevida decorrer de atividades administrativas de suporte à atividade jurisdicional ou executivas, a solução torna-se relativamente fácil uma vez que aplicável o artigo 37, parágrafo 6º, da CF/88, contendo a regra ordinária de responsabilização. 

Já quando em voga uma causalidade originada em decisão judicial, hoje ainda se tem por aplicável genericamente o artigo 133 do CPC, com responsabilidade calcada no primado da culpa grave ou dolo, equivale dizer, um regime mais rígido de responsabilidade subjetiva. 

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Porém, já começa a se desenhar na jurisprudência uma tendência a imprimir um regime de responsabilidade objetiva nos casos de prisões indevidas o que se me afigura de extrema pertinência e acerto. 

Avaliada a problemática sob o prisma da premissa de um solidarismo jurídico, característica de uma sociedade que prima pela igualdade e pela cidadania plena, todo ato que prejudica ao administrado a bem de todos, deve, se considerado injustificado, ter seu ônus distribuído por todos, e não carreado exclusivamente ao prejudicado.

Logo, a regra deve ser a responsabilidade objetiva e somente em casos excepcionais afastada a indenizabilidade, como sejam, os casos de responsabilidade exclusiva da vítima. 

No que concerne aos valores, é inafastável considerar que os casos de prisões indevidas podem gerar valores de dano moral que podem ser muito superiores aos usualmente utilizados até mesmo em casos de morte. Casos de prisões que se estendam por anos poderão ter indenizações que cheguem a alguns milhares de salários mínimos. No mais, a quantificação não sofre grandes modificações em vista de outras espécies de causas de danos morais ou materiais, havendo critérios jurisprudenciais consagrados de que se valer no caso do dano moral. Não se há de olvidar o caráter apenas auxiliar de tais critérios, todavia, pois a análise o caso concreto, com todas suas peculiaridades, e das condições pessoais da vítima é imprescindível. 

Igualmente é fator a ser considerado a divulgação e repercussão que a prisão posteriormente dita indevida venha a ter, seja como fonte de gravame, seja como fator de quantificação. 

Encerro, assim, esta despretensiosa abordagem, esperançoso de que possa contribuir para aqueles que buscarem informações sobre o tema, e, principalmente, para o debate que será fundamental para a mudança aqui preconizada e consecução de uma sociedade mais justa e igualitária, como preconiza a Constituição em seu artigo 3º, inciso I. Em Direito, é a reflexão que induz a evolução.  


Notas

[1] Para uma análise crítica da Lei nº 12.403/11, ver, de minha autoria “Prisões e Medidas Cautelares à luz da Lei nº 12.403/11” disponível na internet.

[2] Na verdade a responsabilidade comissiva pode ser elidida por concausas ou culpa exclusiva da vítima.  

[3] Diz-se preponderante, pois, a rigor, todos os Poderes exercem, em maior o menor intensidade, todas as funções concomitantemente.     

[4] Fato ordinariamente negligenciado é que a prisão pode decorrer da ação de qualquer dos três Poderes. Veja-se que os agentes que efetuam a polícia repressiva (polícias militares) e judiciária, são agentes do Poder executivo, e podem realizar prisões sem ordem do Poder Judiciário. De outro lado, o Poder Legislativo também é dotado de poder de polícia, e podem ser executadas prisões por ação de seus agentes. No mais das vezes, porém, as prisões têm, senão na determinação, pelo menos na seqüência, o concurso do Poder Judiciário, a quem cabe, inclusive, avaliar da legalidade das prisões, mesmo as que ele próprio decretou. 

[5] Porém é ordinariamente invocada como a regra geral no caso de responsabilização do Estado por ato jurisdicional, tenha a natureza que tiver.  

[6] Exemplo da condição degradante dos presídios é o Presídio Central de Porto Alegre, considerado o pior do Brasil, fato vergonhoso para o Executivo e para o Judiciário do RS, que se batem em soluções ineficazes na vã tentativa de resolver o problema, em especial com interdições e transferências de presos que nada mais fazem do que relegar a outro lugar o problema da superlotação.    

[7] A menção à União e ao Estado Federado se deve pelo fato de que atos jurisdicionais somente são praticados por agentes destas esferas. Porém, por aspectos administrativos também Municípios podem ser responsabilizados. Deveras, as Guardas Municipais podem realizar prisões em flagrante indevidas, ensejando responsabilidade do ente Municipal. 

[8] Nestes casos, a responsabilidade é aferida com a presença de dolo ou culpa. Avaliando-se as circunstâncias da hipótese concreta, ao julgador competirá aferir se o agente efetivador da prisão, dadas as suas condições pessoais e do fato, agiu com imprudência.

[9] Exemplificativamente, no âmbito do STJ, o Agravo Regimental no Resp nº 1269548, julgado em 07/02/2012.

[10] O aspecto da ofensa à honra objetiva decorrente da exposição pública em vista de um fato negativo certamente sofre influência do fato de o indivíduo já ter, ad exemplum, várias prisões anteriores. Neste caso, a indenização poderá ser sensivelmente menor aquela deferida a quem mácula alguma tinha em sua reputação.   

[11] Embora a ação revisional não esteja sujeita a prazo de prescrição a responsabilidade do Estado está ex vi do decreto nº 20.910/32. Mas se considerando o princípio da actio nata, somente se pode cogitar de prescrição quando há possibilidade de ação e isso somente ocorre após a procedência da ação revisional. Uma vez que se implemente esta condição, passa a correr o prazo de 05 anos para ajuizamento da demanda de indenização ou pedido de liquidação ou execução da indenização fixada pelo próprio juízo criminal se for o caso.

[12] Gerou-se há época fenômeno que ainda hoje tem suas repercussões maléficas, qual seja, a denominada “indústria do dano moral” materializada na disseminada práxis de se postular dano morais por qualquer motivo e com valores absolutamente desproporcionais. Paulatinamente, estipulou-se segundo critério mais ou menos universalizado, que somente fatos excepcionais podem ensejar indenizabilidade de dano moral, assim como se sedimentaram parâmetros para os valores, tudo objetivando evitar-se o arbítrio e subjetivismo.

[13] Exemplificativamente, julguei em primeiro grau duas ações de significativa repercussão materializadas em ações de indenização ajuizadas em vista de sinistro ocorrido em setembro de 2004, na cidade de Erechim-RS, onde restaram vitimadas 17 pessoas na queda de um ônibus escolar em uma barragem. Em ambas o valor fixado, dadas as peculiaridades, foi de 500 salários mínimos para cada pai ou mãe, sendo uma condenação integralmente mantida em grau de recurso, ao passo que a outra teve valor reduzido para 200 salários mínimos por autor.

[14] Exemplos comuns de coisas anormais seriam agressões físicas por outros detentos ou agentes públicos, motins e rebeliões ou exposição a alguma cena de violência grave.  

[15] Entre as hipóteses de danos de grande monta ou intensidade podemos citar a de seqüelas físicas, abrangido o aspecto estético, permanentes. 

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Sobre o autor
Marcelo Colombelli Mezzomo

Ex-Juiz de Direito no Rio Grande do Sul. Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEZZOMO, Marcelo Colombelli. A responsabilidade civil do Estado nas prisões indevidas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3876, 10 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26664. Acesso em: 22 dez. 2024.

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