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Querela nullitatis: estudo acerca de sua aplicabilidade no atual ordenamento jurídico pátrio

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4  A Querela Nullitatis

Em sua origem, a querela “nullitatis” não era nem um recurso, nem uma ação. Tratava- se de uma invocação do “officiu iudicis”, uma forma simples de provocação do Estado para que expurgasse do sistema sentenças de espírito meramente emulativo.

Diferentemente de um Recurso que é remédio voluntário idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou integração da decisão judicial, a querela ‘nullitatis’ se enquadra no campo das ações impugnativas, que, como o próprio nome diz, são remédios voluntários que, fora da relação jurídica processual primitiva, tem por escopo a reforma ou a invalidação dos atos judiciais.

Em estudo sobre este tema, Tereza Arruda Alvim Wambier (2004, p. 35-58) aponta que há íntima relação entre coisa julgada e rescindibilidade da sentença. Neste lanço, cumpre destacar que, conforme dispõe o art. 485 do Código de Processo Civil, somente as sentenças transitadas em julgado podem ser rescindidas..

Por outro lado, ao ver da supra mencionada autora, sentenças inexistentes por si só, ou aquelas frutos de processos inexistentes, em hipótese alguma transitariam em julgado, razão pela qual, nessas situações, não seria cabível sua impugnação por meio da Ação Rescisória. Neste caso, o instrumento processual adequado para a invalidação destas sentença seria a Ação Declaratória de Inexistência, que na verdade, outra coisa não é senão a “querela nullitatis”.

Destarte, apreende-se que a sentença inexistente não precisa ser rescindida, pois que não se convalida pela “res judicata”, diferentemente das causas de nulidade e anulabilidade.

Com efeito, verifica-se, então, que a sentença objeto da querela ‘nullitatis’ é aquela que não obedece/reúne todos pressupostos processuais de existência do ato com relação à parte revel, ou seja, são aquelas que fogem dos requisitos mínimos para a própria constituição da relação jurídica processual, sem os quais essa não existe e, conseguintemente, o fruto dela, a prestação jurisdicional veiculada na sentença, também não. São eles: a citação; o procedimento; a jurisdição; e a capacidade postulatória.

No entanto, para uma melhor elucidação do tema, mister se faz elencar a divisão existente entre pressupostos de validade e os de existência:

a) Pressupostos de existência: a.1) petição inicial válida; a.2) competência do juízo e imparcialidade do juiz; a.3) capacidade processual e legitimidade processual; a.4) citação válida.

b) Pressupostos de validade: b.1) litispendência; b.2) coisa julgada; b.3) cláusula compromissória

Assim, resta evidenciada uma clara distinção entre o que seja uma sentença inexistente (que padece da ausência de um dos pressupostos processuais de existência) e uma sentença nula (que padece da falta de um dos pressupostos processuais de validade).

Desta forma, nas sentenças proferidas em que não se encontrem presentes um ou mais desses requisitos jamais passam em julgado, pois, na verdade, são frutos de uma relação jurídica processual inexistente, e assim sendo é impossível que seja rescindida, já que não cabe ação rescisória sobre algo que jamais chegou a existir.

Destarte, em ordem de combater os efeitos jurídicos emanados por este ato inexistente, mister se faz que tal inexistência seja declarada pelo Poder Judiciário, por meio da actio nullitatis, a moderna ação declaratória de inexistência.

Por essa razão, a qualquer momento, em qualquer grau de jurisdição, sem necessidade de ação própria ou através da ação declaratória de inexistência, essas sentenças podem ser declaradas inexistentes e, se operavam algum efeito, deixam de produzi-lo de imediato.

Na esteira do que foi acima mencionado, necessário se faz ressaltar que a ação rescisória e a ação anulatória, ambas previstas expressamente no ordenamento jurídico nacional, não são aptas a lidar com as sentenças inexistentes, pois estas ações são de caráter desconstitutivo.

Destarte, em suma, se houve um vício, estar-se-ia então diante do campo da nulidade, sendo esta, então, existente e rescindível no prazo legal.

Ademais, importante asseverar que o principal traço distintivo entre as ações impugnativas e os recursos, é que enquanto naquelas forma-se uma nova relação jurídica processual, nessa há uma continuidade do procedimento inicial. Trata-se de verdadeira ação, conseguintemente, de relação jurídica autônoma e diversa daquela em que proferida a decisão que se pretende impugnar.

Destarte, verifica-se que a querela ‘nullitatis’ foi a mãe de todas as ações impugnativas, sendo, então, impossível que esta, diversamente do imaginado no momento de sua concepção, ainda persistisse sendo encarada como invocação do “officiu iudicis” do Estado. Portanto, trata-se de verdadeira ação autônoma de impugnação que tem por objeto uma decisão judicial, mesmo que só na aparência.

A corroborar com esta tese esboçada, Alfredo Buzaid (1986, p. 86) manifestou-se:

Os embargos constituem uma ação do devedor contra a eficácia do título executivo representado pela sentença condenatória. Ora, a ação que o devedor pode exercitar mediante embargos à execução pode a fortiori propô-la autonomamente; esta ação tem por objeto a declaração da inexistência da relação jurídica processual por falta da citação do réu ou por citação nulamente feita, em conseqüência, a ineficácia da sentença que nela foi lavrada. Por estas razões é que se torna desnecessária a ação rescisória para desconsituí-la. Configura-se aí, de modo incontestável, a possibilidade jurídica do pedido.

Verifica-se que Alfredo Buzaid afirma, no excerto supra, a desnecessidade do uso de ação rescisória para desconstituir sentença eivada de vício em pauta.

 Contudo, José Carlos Barbosa Moreira (1989, p. 97), acrescentou à esta lição que, se haveria desnecessidade do manejo de ação rescisória, tal expediente seria, portanto, inadmissível ao combate da referida espécie de vício.

Afinal de contas, não se poderia impor ao réu não citado (ou citado invalidamente) a propositura da ação rescisória, pois, em seu desfavor não há uma sentença juridicamente constituída, nem muito menos, por conseguinte, coisa julgada para ser rescindida.

Particularmente, adoto o entendimento de que a ação rescisória só se tornaria juridicamente inadmissível diante da hipótese de manejo da querela de nulidade pela oposição de embargos à execução, a qual, diga-se de passagem, oferece até maior vantagem que a ação rescisória, pois, além de operar os efeitos da querela nullitatis, suspende automaticamente os efeitos da execução.

4.1  Regime Jurídico Processual

No direito brasileiro, nos moldes do art. 475-L, I, do Código de Processo Civil, a querela nullitatis está expressamente prevista como hipótese de cabimento de impugnação à execução de sentença.

Contudo, tal direito potestativo de pleitear a nulificação de uma decisão judicial poderá ser exercido por outro meio, revelando, destarte, outra feição procedimental à querela nullitatis, distinta daquela prevista aos embargos à execução. Trata-se da própria actio nullitatis, que tem como hipótese de cabimento preponderante, sentenças proferidas em processo com vício ou ausência de citação do réu prejudicado.

Inicialmente, cumpre asseverar que, diante da falta de uniformidade doutrinário acerca da definição do regime jurídico da actio nullitatis, somente se pode decretar com plena certeza, embora sem previsão legal expressa em nosso ordenamento jurídico, que esta ainda sobrevive na sistemática processual pátria.

Assim o sendo, levando-se em conta, ademais, a falta de regulamentação própria em procedimento especial, tem-se, então, como válido, a extração dos moldes previstos ao procedimento comum (ordinário ou sumário) para o processamento da querela nullitatis, seja no rito ordinário, ou no sumário; havendo sua adequação em conformidade ao valor dado à causa - regra geral para adoção do procedimento sumário.

Afortiori, assinale-se que, como não se pode alcançar a prestação jurisdicional mediante qualquer manifestação de vontade perante o orgão judicante, tem-se que, para o regular processamento da ação declaratória de nulidade (ou inexistência), é necessária a obediência aos requisitos de estabelecimento e desenvolvimentos válidos da relação processual - (i) capacidade da parte; (ii) representação por advogado; (iii) competência; (iv) forma adequado do procedimento.

Ademais disto, igualmente ocorre com todo processo, para que a actio nullitatis atinja sua prestação jurisdicional esperada, ou seja, a solução do mérito, mister se faz que a lide seja deduzida em juízo em observância aos pressupostos de condição da ação - (i) possibilidade jurídica do pedido; (ii) interesse de agir; (iii) legitimidade das partes.

Todavia, mister se faz configurar previamente à abertura do procedimento, o atendimento ao princípio basilar das nulidades, Pas de Nullité Sans Grief. Afinal, a invalidade processual é sanção que somente pode ser aplicada com a conjugação do vício processual e o decorrente prejuízo. Logo, sendo a sentença favorável ao suposto réu não citado (ou invalidamente citado)[3], sua possibilidade de nulificação restará prejudicada.

Ademais, ainda sob o prisma da hipótese supra mencionada, verifica-se, também, que o réu não citado, por não ter sido prejudicado pelos efeitos decorrentes daquele processo, careceria de interesse de agir para a propositura da querela nullitatis.

Todavia, apesar deste ser o entendimento majoritário da doutrina, Pontes de Miranda (2002, p. 82) aponta em sentido distinto, afirmando, para tanto, que " a sentença, ainda favorável, não cobre o vício da citação nula do revel."

Importante notar-se que, concomitantemente ao atendimento do princípio de Pas de Nullité Sans Grief, extrai-se o interesse de agir e a legitimidade para a propositura da actio nullitatis. Afinal, aquele que foi prejudicado pelo ato inválido poderá levar a juízo sua pretensão, posto que este é detentor de vínculo direto com a situação jurídica eivada de mácula.

A possibilidade jurídica do pedido decorrente da querela de nulidade é a própria anulação ou declaração de inexistência, daquele ato enodoado por vício transrescisório. Logo, verifica-se, de plano, que este não se choca com qualquer preceito de direito material, sendo assim possível o seu atendimento.

Outrossim, necessário esclarecer que, na tramitação da actio nullitatis, via de regra, dispensa-se a designação da audiência preliminar e a audiência de instrução e julgamento, pois, trata-se de litígio de improvável conciliação e de desnecessária produção de prova em audiência, devendo, então, haver o julgamento antecipado da lide, nos moldes do art. 330 do Código de Processo Civil. Afinal, como o objeto da querela de nulidade é a configuração de determinados vícios in procedendo, a análise dos autos impugnados já será suficiente para o convencimento do magistrado acerca da ocorrência ou não de vício suficiente para ensejar a nulificação daquele processo.

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Outro aspecto relevante ao trâmite da actio nullitatis esta na competência para sua apreciação. Via de regra, compete ao juízo que proferiu originariamente a decisão maculada por nulidade, julgar a querela de nulidade, salvo raros casos onde resta configurada a suspeição do magistrado que lavrou a sentença objeto da actio nullitatis.

Importante perceber que tal característica não fere a regra da livre distribuição[4] – corolário do princípio constitucional juiz natural (art. 5º, incisos XXXVII e LIII, da CF/88), que é norma expressa e cogente nos arts. 251 e 252 do Código de Processo Civil. Isto decorre pois, o processamento da actio nullitatis, não impõe o afastamento dos efeitos da coisa julgada, como sói acontecer com as ações rescisórias (art. 485 do CPC), mas objetiva, sim, o reconhecimento de que a relação jurídica processual e a sentença sob exame jamais chegaram a existir no universo jurídico.

Embora poucos tenham sido os enfrentamentos de questões similares nos tribunais, cito, a título de ilustração, arestos que abraçam a tese de que a competência originária para o processamento e julgamento das querelas nullitatis é a do próprio juízo prolator da decisão a ser apreciada:

PROCESSUAL CIVIL. QUERELLA NULITATIS. COMPETÊNCIA PARA PROCESSAMENTO E JULGAMENTO. PROVIMENTO.

1. A querela nullitatis, também denominada ação declaratória de inexistência, é adequada para impugnar sentenças inexistentes, não havendo prazo para tanto, pois trata-se de vício que subsiste à coisa julgada.

2. Como é de cediço, este tipo de ação anulatória é da competência do juízo de 1º grau, porquanto não se trata de afastamento dos efeitos da coisa julgada, como sói acontecer com as ações rescisórias (art. 485 do CPC), mas objetiva, sim, o reconhecimento de que a relação jurídica processual e a sentença nunca existiram no universo jurídico.

3. Em suma, a competência originária para o processamento e julgamento da presente é a do juízo que proferiu a decisão nula, no caso dos autos, a 29ª Vara Federal e não do Tribunal a que está vinculado.

4. Assim, se o autor busca a anulação de sua citação e de todos os atos judiciais posteriores a esta, referentes à ação de despejo nº 97.0010085-5, não poderia agora juízo distinto, no caso, a 1ª Vara Federal, processar e julgar a presente querela, uma vez que, não há hierarquia entre os juízos da 1ª e 29ª Varas Federais, mormente existindo pedido de antecipação de tutela para suspender a execução da sentença proferida na aludida ação de despejo que tramitou na 29ª Vara Federal.

5. Apelação a que se dá provimento.

(TRF-2.ª Região, AC 440522, rel. Des. Fed. Salete Maccaloz, 7.ª Turma Especializada, unânime, DJU 24/9/2009, grifos acrescidos.)

CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. ACÓRDÃO DE TURMA RECURSAL. AÇÃO RESCISÓRIA. COMPETÊNCIA DA TURMA RECURSAL. DECISÃO MONOCRÁTICA. AGRAVO REGIMENTAL.

1. A competência para a revisão, desconstituição ou anulação das decisões judiciais (seja pela via recursal, rescisória, por ação anulatória ou mesmo querela nullitatis), é do próprio sistema que a proferiu, assim o sendo também quanto à sua execução.

2. Precedentes da Terceira Seção desta Corte e da Quinta Turma do STJ.

(TRF-4.ª Região, AGRAR 2008.04.00.023483-6/RS, rel. Des. Fed. Celso Kipper, 3.ª Seção, unânime, D.E. 15/10/2008.)

Ultrapassado este aspecto, necessário esclarecer que a falta ou vício de citação contamina de nulidade todos os atos processuais, inclusive a sentença nele proferida, pois impede a regular formação da relação jurídica processual.

Assim sendo, verifica-se, então, que por tal nulidade frustrar a formação da coisa julgada, esta jamais poderá ser limitada/prejudicada pelo biênio da ação rescisória. Logo, tem-se que tal vício pode ser denunciado a qualquer tempo, pois a ação autônoma direta da querela nullitatis insanabilis, goza de caráter perpétuo, porque o que nunca existiu não passa, com o decorrer do tempo, a existir.

Por conta disto, tem-se que a Ação Declaratória de Inexistência não se sujeita a qualquer prazo decadencial ou prescricional.

A corroborar, Humberto Theodoro Júnior, a propósito, leciona que:

A decisão judicial transitada em julgado desconforme com a Constituição padece do vício da inconstitucionalidade que, nos mais diversos ordenamentos jurídicos, lhe impõe a nulidade. Ou seja, a coisa julgada inconstitucional é nula e, como tal, não se sujeita a prazos prescricionais ou decadenciais. Ora, no sistema das nulidades, os atos judiciais nulos independem de rescisória para a eliminação do vício respectivo. Destarte, pode ‘a qualquer tempo ser declarada nula, em ação com esse objetivo, ou em embargos à execução’ (STJ, REsp. 7.556/RO, 3 T., Rel. Ministro Eduardo Ribeiro, RSTJ 25/349)[...]

Por fim, destaque-se que mesmo nos casos de ausência ou vício de citação que venha a gerar revelia, o réu deve alegar tal mácula na primeira oportunidade possível sob pena de preclusão. Isto decorre do princípio da celeridade processual, buscando-se evitar que uma causa seja postergada premeditadamente pelo réu ciente da existência de vício que possa vir acarretar na nulidade do processo.

Sintetizando toda a problemática do processamento da querela de nulidade, Celso Neves transcreve, de um acórdão da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada de São Paulo, proferido ao tempo do Código de Processo Civil de 1939, a seguinte ementa:

Subsiste em nosso direito, como último resquício da querela nullitatis insanabilis, a ação declaratória de nulidade, quer mediante embargos à execução, quer por procedimento autônomo, de competência funcional do juízo do processo original. A Sobrevivência, em nosso direito, da querela nullitatis, em sua formação primitiva, restrita aos vícios da citação inicial, corresponde a uma tradição histórica, cujo acerto, na moderna conceituação da relação jurídica processual, adquire flagrante atualidade. Na evolução do direito luso-brasileiro, a querela nullitatis evoluiu até os contornos atuais da ação rescisória, que limitou a antiga prescrição trintenária para o lapso qüinqüenal de decadência. todos os vícios processuais, inclusive os da sentença, uma vez transitada em julgado, passaram a ser relativos e, desde que cobertos pela res judicata, somente são apreciáveis em ação rescisória, específica à desconstituição do julgado. Um deles, porém, restou indene à transformação da querela nullitatis em ação rescisória: a falta de citação inicial, que permaneceu como nulidade ipso iure, com todo o vigor de sua conceituação absoluta de tornar insubsistente a própria sentença transitada em julgado. Se a nulidade ipso iure não puder ser alegada em embargos à execução, subsiste, ainda assim, a ação autônoma direta da querela nullitatis insanabilis, de caráter perpétuo, não prejudicada pelo qüinqüênio da ação rescisória, porque o que nunca existiu não passa, com o tempo, a existir. Classifica-se como ordinária autônoma, de competência funcional do mesmo juízo do processo que lhe deu causa, a ação de nulidade ipso iure de relação contenciosa. (NEVES, 1999, p. 216-217)

4.2  Hipóteses de cabimento

Partindo destas supra referidas premissas, necessário se faz discorrer sobre as hipóteses de cabimento da referida actio nullitatis. Para tanto, imperativo destacar, inicialmente, que as sentenças inexistentes, objeto da citada “actio”, decorrem de processos tidos como inexistentes, ou em virtude de não possuírem elementos (intrínsecos ou extrínsecos) essenciais à sua constituição, como ocorre nos seguintes casos:

a) sentenças com ausência de decisório;

b) sentenças proferidas em processos instaurados por meio de uma ação, faltando uma de suas condições;

c) sentenças proferidas em feito em que tenha faltado pressuposto processual de existência – citação, petição inicial, jurisdição e capacidade postulatória;

d) sentenças em que teria havido citação nula aliada à revelia;e) sentença em que não tenha sido citado um litisconsórcio necessário unitário;

f) sentença que não contenha a assinatura do juiz ou que não esteja escrita.

Percebe-se, assim, um rol extenso de sentenças, que, por serem inexistentes, jamais transitariam em julgado, e assim sendo, por conseguinte, são passíveis de futura declaração de inexistência, independente do biênio para manejo da ação rescisória, a qualquer tempo e procedimento.

Dentre estas a hipótese de cabimento para manejo da “actio nullitatis”, tem maior evidência o caso de “sentenças proferidas por pessoas que não gozem dos poderes de jurisdição, nos termos do art. 161 do Código de Processo Civil Italiano.

Embora isso seja bastante improvável, posto que ninguém em sã consciência iria creditar validade a uma sentença dada a “non judice”, o fato é que não se pode negar a possibilidade de, por exemplo, um magistrado já aposentado, desatento ao fim de sua judicância, venha a proferir uma sentença, e, desapercebidas as partes, a mesma, sob o timbre judicial, consiga gerar efeitos por longa data. Nesse exemplo, enquanto não declarada a inexistência desse “decisum”, indiscutível que persiste a sentença no universo jurídico.” (GAJARDONI, 2005, p. 23)

Importante destacar que, entre as hipóteses supra mencionadas, a de maior usualidade na prática é a da querela motivada por vício ou ausência de citação. Ora, por não ter havido formação da relação jurídica processual, é inexistente a sentença proferida em feitos em que não tenha havido citação. Sem a formação trilateral da relação jurídica, não há processo. E sem processo, não há sentença. Em razão disso, mesmo que prolatada, tal decisão existe apenas formalmente, pois despida de qualquer conteúdo material. Conseqüentemente, tem-se como meio para expurgar do universo jurídico tal simulacro sentencial, a ação declaratória de inexistência.

Não existe a sentença, também, quando os feitos em que proferidas não tiveram um procedimento, iniciado por uma petição inicial e finalizado por uma sentença com o mínimo de elementos formais, haja vista que não se concebe de tutela jurisdicional de ofício, sem que tenha havido provocação da parte.

Neste sentido, não se concebe, também, uma sentença que não contenha parte dispositiva e que, portanto, não apresente comando algum. Isso não significa que sentenças sem motivação, ou com comando normativo defeituoso, sejam impugnáveis via “querela nullitatis”. As sentenças assim prolatadas são viciadas, sem dúvida. Mas existem e geram feitos, razão pela qual a via adequada para atacá-las é a rescisória, dentro do prazo legal de 02 anos. Superado esse lapso temporal, o “decisum”, mesmo que viciado, torna-se intangível.

Ademais do dilucidado ao longo deste capítulo, imperativo destacar que há, concomitantemente, outra corrente doutrinária mais restritiva no sentido de limitar a “querela nullitatis” tão somente para o caso de decisão proferida em desfavor do réu, em processo que lhe correu à revelia, por ausência de citação, ou por defeito nesta.[5]

4.2.1  Dos vícios de atividade

Os vícios processuais pertencem ao gênero dos atos jurídicos, aplicando-lhes, destarte, aqueles requisitos de constituição e validade dos atos, já tratados neste trabalho.

Conforme visto supra, o objeto da querela de nulidade são os chamados vícios transrescisórios, ou seja, defeitos que transcendem a competência material para manejo da ação rescisória, não sendo convalidados automaticamente pelo instituto da preclusão.

Tais deformidades jurídicas tem natureza de error in procedendo, ou seja, vícios de atividade, em que o juiz, ao formular a regra jurídica concreta para disciplinar a situação jurídica levada ao seu conhecimento, aprecia corretamente a prova, e aplica bem a lei, contudo, deixa de sanear integralmente o processo, omitindo-se acerca de possíveis nulidades que o tenha atingido.

Para sanar tais máculas, o ordenamento processual pátrio dispõe de uma vasta gama de remédios à disposição do interessado/prejudicado:

a) preliminares em contestação (art. 301 do CPC);

b)  arguição de exceções (art. 304 do CPC);

c)  diversos recursos (arts. 496 e seguintes do CPC);

d)  ação rescisória (arts. 485 e seguintes do CPC);

e)   ação de embargos à execução (arts. 736 e seguintes do CPC), e etc..

À aplicação da querela de nulidade, apenas interessa aqueles vícios de atividade que, inspirados na carga preponderante de eficácia que fala Pontes de Miranda (1976, p. 69), recebem a maior gradação, ou seja, os vícios de peso 4, ou os chamados vícios gravíssimos.

Como visto, diante da gravidade de tais máculas, estas não se convalidam com o acometimento da preclusão, podendo serem impugnadas mesmo após ultrapassado o prazo para ação rescisória.

José Carlos Barbosa Moreira (1989, p. 271) agrupa-os da seguinte forma: "Classe C) - a dos que, dispensando o exercício da rescisória, são alegáveis como óbices à execução, através de embargos."

Nesta classe, encontra-se o vício in procedendo considerado mais grave: falta ou nulidade de citação do réu no processo de conhecimento, se a ação lhe correu à revelia.

Tal defeito impõe tamanha austeridade, que, como será elucidado no próximo item deste trabalho, boa parcela da doutrina considera como inexistente a sentença proferida em processo eivado pelo supra mencionado error.

4.2.2 Da citação como pressuposto de existência e constituição do processo

O direito à citação válida emerge desde o Novo Testamento[6], onde se previa que o patrão deveria chamar o administrador para se defender e prestar contas de sua administração: "Quid hoc audio de te? ´Redde rationem vilicatinis tuae; jam enim non poteris vilicare."

Similar ocorria no Evangelho de São João, VII, 51: " "Nunquid lex nostra iudicat hominem, nisi prius audierit ab ipso et cognoverit quid faciat?"[7]

A corroborar, o professor Luiz Carlos Azevedo teceu as seguintes considerações:

Na verdade, o direito de ser citado acerta com a própria origem da humanidade; sua constante permanência ao longo da história fornece o alcance do seu significado, para localizá-lo entre aqueles direitos que pertencem ao indivíduo como emanação de sua personalidade. Por isto, é absoluto, inatingível, indisponível; inseparável da pessoa humana. Não há como afastá-lo.

A essência e a natureza do direito de ser citado permanecem íntegras, persistindo, com igual proveito, a atualidade máxima: aquele que quiser propor uma ação deve comunicá-la ao réu, pois é justo que este tome conhecimento do pedido, resolvendo se vai aceitá-lo ou contestá-lo. (AZEVEDO, 1980, p. 385)

Os romanos também adotaram igual preceito, e, desde então, o sagrado direito de ser citado tornou-se dogma em todos os ordenamentos, forjando-se, via de regra, como garantia constitucional às partes no processo civil, v.g.: art. 24, §2º da Constituição italiana; art. 6º da Constituição de Senegal; o art. 10 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, e o art. 6º da Convenção Européias sobre Direitos Humanos. (AZEVEDO, 1980, p. 356-357)

Assim, tem-se que ademais das óbvias razões de ordem filosófica, social e política, o direito de ser citado também ganha respaldo legal.

Conforme se depreende pela leitura do art. 213 do Código de Processo Civil, "a citação é o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado a fim de se defender."

Trata-se de elemento indispensável ao processo, pois instaurador do contraditório. Nas palavras de Humberto Teodoro Júnior (2010 p. 79), "Sem a citação, todo o procedimento estará contaminado de irreparável nulidade, que impede a sentença de fazer coisa julgada."

Neste viés, imperativo esclarecer, outrossim, que este referido requisito de validade do processo não se limita à mera existência de citação, mas sim à citação válida. É a inteligência aplicada do art. 247 do Código de Processo Civil, o qual determina que "As citações e intimações serão nulas, quando feitas sem observância das prescrições legais."

Destarte, verifica-se que a formação de um processo judicial se dá de forma gradual, não se estabelecendo em um só ato, pois através do mero ingresso da petição inicial em juízo, tem-se apenas a instauração de uma relação bilateral entre autor e juiz.

Para que o réu venha compor esta relação, necessário se faz o aperfeiçoamento de sua citação. Só assim o processo estará perfeito em sua forma angular de actus trium personarum.

Por conta disto, vários processualistas, como Liebman, Moniz de Aragão e Vicente Greco Filho, sustentam que a carência da citação acarretaria não só na nulidade do processo, mas sim na sua inexistência.

Vê-se, assim, que, diante da inteligência do art. 5º, LV, da Constituição Federal combinado com o art. 214 do Código de Processo Civil, o aludido vício de citação se revela o mais grave de todos.

Desta forma, tem-se que o processo somente "ganha vida" com a completa angularização de autor, juiz e réu. Logo, verifica-se que a citação é pressuposto de constituição do processo, pois, só após sua concreção, tem-se a incidência dos reflexos do processos em relação ao réu. Sem esta, a relação processual não é aperfeiçoada, tornando-se inócua para resolução da lide, já que a sentença restaria inoperante.

Pari passu, a corroborar, escreveu Enrico Tullio Liebman:

Primeiro e fundamenta requisito para a existência de um processo sempre foi, é, e sempre será, a citação do réu, para que possa ser ouvido em suas defesas. Audiatur et altera pars. É com a citação que se instaura o processo.

Sem esse ato essencial, não há verdadeiramente processo, nem pode valer a sentença que vai ser proferida. Um cidadão não pode ser posto em face de uma sentença que o condena, quando não teve oportunidade de se defender.(LIEBMAN, 1976, p. 179)

Outrossim, imperativo destacar que há uma corrente doutrinária distinta da elucidada ao longo deste capítulo, na qual tem-se que a citação não é pressuposto de existência do processo, mas sim de eficácia. Esta tese é adotada por Cândido Dinamarco, Pontes de Miranda, Barbosa Moreira, Adroaldo Furtado Fabrício, José Maria Tesheiner.

Para estes, basta que alguém postule perante um órgão investido de jurisdição para que uma relação processual exista. Logo, ter-se-ia que a relação processual existiria mesmo diante da ausência do réu, contudo, resguardando sua eficácia perante este mediante sua válida citação.

Ou seja, antes da citação, já existe um processo constituído, mesmo que "prematuramente". Além disto, argumenta-se que, como a citação decorre posteriormente à formação do processo, esta jamais poderia ser um pressuposto, já que este termo se refere aquilo que precede ao ato e se coloca como elemento indispensável para a sua existência jurídica.

Neste lanço, todavia, particularmente, adoto a tese defendida por Humberto Theodoro Júnior, o qual defende que:

Antes da citação já há processo, mas a relação processual está ainda incompleta, porque só produz vínculo entre o autor e o juiz. É a citação que irá completá-la com a inserção do terceiro sujeito indispensável ao desenvolvimento do processo rumo ao provimento jurisdicional de mérito. (THEODORO JÚNIOR, 2010, p. 78)

Por fim, imperativo  esclarecer que a citação nula não equivale a citação inexistente, mesmo que aquela esteja aliada ao fenômeno da revelia.

Diante de uma sentença de mérito, quando o caso era de carência da ação, tem a parte possibilidade de interpor recursos. E mais, ainda no prazo de dois anos, pode ajuizar a competente ação rescisória, com fundamento no art. 485, V, do CPC. Se inerte durante todo esse período, mesmo diante da gravidade do vício da sentença, o sistema prefere a pacificação das relações sociais. A sentença se torna, perpetuamente, imodificável.

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Sobre o autor
Rafael Novais de Souza Cavalcanti

Advogado, especialista em Processo Civil pela Universidade Católica de Pernambuco - UNICAP; pós-graduando em Direito Civil pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAVALCANTI, Rafael Novais Souza. Querela nullitatis: estudo acerca de sua aplicabilidade no atual ordenamento jurídico pátrio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3881, 15 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26682. Acesso em: 2 nov. 2024.

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