INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, na expressão do saudoso Presidente da Constituinte, o ex-Deputado Ulysses Guimarães, marca o início de uma nova era na sociedade brasileira, deixando para trás um período conturbado, marcado por opressão, tortura, abusos e descrença de todos os cidadãos.
Após o fim do regime militar, em todos os segmentos da sociedade, era unânime a necessidade de se promulgar uma nova Constituição Federal, considerando que a anterior havia sido promulgada em 1969. Neste ano, com o falecimento do Presidente Arthur da Costa e Silva, assumiu a Presidência uma Junta Militar, a qual promulgou uma emenda constitucional (EC) – a chamada EC n. 1 –, que instituía a Lei de Segurança Nacional, restringindo as liberdades civis, e a Lei de Imprensa, regulamentando a censura oficial. Diante disso, pelas profundas modificações que trouxe, a Emenda n. 1 é considerada por alguns pesquisadores como um novo texto constitucional –, originária de um período nebuloso na história do País, impondo de maneira não democrática e representando a expressão da vontade autoritária dos curadores do regime.
A Constituição Federal de 1988 pôs fim aos governos militares, solidificou a democracia e trouxe com ela o anseio de liberdade manifestado por todos os cidadãos brasileiros.
Com relação a esse episódio, consideramos o comentário de Zaverucha, argumentando que:
“o objetivo de toda Constituição Democrática de um país é garantir os direitos fundamentais do homem e a organização democrática do seu Estado. Para tanto, faz-se necessário o controle civil sobre o comportamento burocrático das ditaduras militares, vez que a manutenção de enclaves autoritários no Estado coloca em risco a democracia”.[1]
Entre as significativas mudanças trazidas pela nova ordem constitucional, o legislador constituinte dedicou um capítulo específico no Título IV da Constituição Federal do Brasil, o qual versa sobre a organização dos Poderes, às funções que considera essenciais à Justiça.
Entre essas funções essenciais à Justiça está o Ministério Público, que, ao contrário do ocorrido nas Constituições anteriores, não está, agora, inserido em nenhum dos Poderes de Estado.
A Constituição dispensa ao Ministério Público tratamento especial, instituindo princípios, ampliando suas funções e fixando garantias tanto para a instituição como para seus membros, não chegando a considerá-lo um quarto Poder do Estado, mas, sim, uma instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
A Constituição Federal de 1988 repaginou o Ministério Público, conferindo-lhe atribuições que o tornaram instrumento essencial do Estado Democrático de Direito, permitindo chamá-lo de defensor da sociedade e de seus interesses constitucionalmente assegurados.
A partir de 1988, o Ministério Público passa a ser independente em suas atividades, dissociado dos três Poderes, adquirindo autonomia para se auto-organizar, elaborar seu projeto de orçamento, além de independência em suas funções. Nenhuma Constituição concedeu tantas prerrogativas ao Ministério Público e aos seus membros como a Constituição de 1988, destacando-se com grande propriedade na organização estatal, tendo como função a proteção dos direitos sociais e individuais indisponíveis.
1. MINISTÉRIO PÚBLICO: ÂMBITO DE ATUAÇÃO
Até recentemente, o Ministério Público atuava quase exclusivamente perante o Poder Judiciário, ora ajuizando a ação penal pública, ora intervindo nos processos cíveis, figurando como “custos legis” nas causas em que há interesses de incapazes, estado da pessoa, poder familiar, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposições de última vontade (CPC, art. 82).
No âmbito penal, o Ministério Público possui a função de promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei (CF, art. 129, I). No entanto, embora seja considerado o titular da ação penal pública, o Órgão Ministerial, durante muito tempo, não foi capaz de interferir eficazmente na produção da prova no processo penal, seja pela formação de seus membros, seja pela falta de estrutura material e pessoal para tanto.
Diante de tais dificuldades, o Órgão atuava, muitas vezes, apenas com base na prova produzida na fase policial, utilizando-se exclusivamente do inquérito policial como sustentação no oferecimento de uma denúncia perante o Poder Judiciário.
As provas produzidas na fase instrutória, por sua vez, baseiam-se quase exclusivamente na prova testemunhal, a qual, muitas vezes, torna-se inadequada e falha. A prova testemunhal nada mais é do que o processamento dos dados elaborados pela mente humana a partir da captação de determinados fatos por meio dos sentidos.
Há que se considerar, contudo, que a testemunha geralmente está envolvida na situação presenciada, a qual pode ocorrer em fração de segundos. Ademais, fatores como a adrenalina, a fadiga, a falta de visão e o nervosismo também podem alterar o estado de ânimo e influenciar na transmissão de dados ao cérebro, podendo ocasionar o desvirtuamento entre aquilo que se viu e o que de fato ocorreu. O antigo adágio de que a prova testemunhal é a “prostituta das provas” tem sua razão de ser, denotando o valor relativo de tal meio de prova.
Por isso a necessidade urgente de se investir na produção de provas técnicas, proporcionando à Polícia Judiciária e ao Ministério Público meios mais eficazes para se alcançar o convencimento a respeito da demonstração da verdade real.
Em pleno século XXI, depender de testemunhos de policiais ou da própria vítima para se condenar alguém é inadmissível, tornando-se inócua a função do Ministério Público de promover privativamente a ação penal pública se não dispõe de elementos suficientes para tanto, ficando, essa Instituição, de “braços amarrados”, dependente das investigações da Polícia Judiciária e do espírito acusatório e “pró-MP” do Juiz para se buscar uma condenação.
É inegável a necessidade de se investir na preparação e capacitação dos membros do Ministério Público para promoverem e executarem investigações por meios próprios, ressaltando que o poder investigatório do Ministério Público não exclui o trabalho policial. Na realidade, ambos se complementam.
No processo civil, o Ministério Público sempre assumiu um papel secundário, digamos, à semelhança de um “parecerista”, atuando como órgão interveniente, opinando, ao final, pela procedência ou improcedência do pedido, servindo sua manifestação, não raras vezes, para o Juiz fundamentar sua decisão.
Faz-se necessário interpretar o art. 82 do Código de Processo Civil (CPC) de acordo com as funções institucionais previstas no art. 129 da Constituição Federal, valorizando a atuação do Ministério Público como órgão agente, revendo a imposição burocrática e desnecessária da intervenção ministerial em processo que não tenha qualquer repercussão social.
Não se pode fechar os olhos para essa realidade! As regras processuais estabelecidas no art. 82 do CPC estão elencadas em um documento legislativo em vigor desde 1973, época em que o Ministério Público assumia outra feição totalmente diversa do novo perfil constitucional definido ao Órgão, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988.
Nesse sentido, tem-se o ensinamento de Maurício Augusto Gomes, Procurador de Justiça no Estado de São Paulo, ao explanar que:
“não há dúvida que é mesmo necessário compatibilizar as disposições legais que impõem a intervenção do Ministério Público nas ações e procedimentos de natureza civil em geral ao seu novo perfil constitucional, que enfatiza suas funções como órgão agente, devendo ser buscada a redução das hipóteses de intervenção no processo civil, até mesmo e especialmente para viabilizar atuação eficiente em defesa de interesses superiormente relevantes, como são aqueles que se refletem de maneira coletiva ou difusa na comunidade, a serem tutelados por meio da instauração de inquérito civil e da promoção da ação civil pública”[2].
Complementando o posicionamento acima, Hugo Nigro Mazzili[3] ensina que:
“outro ponto relevante, a ser mudado, é exigir, do Ministério Público, um posicionamento funcional mais crítico, que busque, em cada autuação, os fundamentos e as finalidades constitucionais de sua intervenção. Assim, há inúmeras atribuições, como sua atuação na avaliação de minas e jazidas, no mandado de segurança ou na jurisdição voluntária em que não haja interesses indisponíveis, e em outras situações semelhantes, que devem hoje ser questionadas, à vista da atual destinação constitucional do Ministério Público, até porque, em casos de mera defesa de interesses patrimoniais da Fazenda, tem esta seus representantes, que não o Ministério Público, ao qual só está reservada a defesa do patrimônio público quando o legitimado ordinário não o faça a contento”.
Exigir a atuação ministerial, por exemplo, em ação de separação ou divórcio consensual, em que não há interesse de incapazes, ou, ainda, em ação de partilha de bens ou habilitação de casamento, enquanto o meio ambiente é destruído pela ação de grupos organizados, os desvios de dinheiro público não param de crescer e a exploração sexual de crianças e adolescentes aumenta diariamente, é fazer “tabula rasa” das proposições constitucionais afetas à atuação da Instituição.
Importante ressaltar, no entanto, que não se pretende com isso propagar a ideia da não intervenção, de maneira absoluta, nos processos cíveis, mas valorizar uma intervenção mais efetiva e com expressão social, privilegiando as atribuições e funções estabelecidas no Texto Maior.
O atual contexto do Ministério Público leva à necessidade de repensar ou pensar de maneira diferente os caminhos futuros da Instituição, valorizando os interesses sociais e individuais indisponíveis.
2. A ATUAÇÃO DO “PARQUET” NA DEFESA DOS INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS
Estabelece a Constituição Federal de 1988 competir ao Ministério Público a defesa de diversos direitos e interesses, entre os quais os sociais e individuais indisponíveis:
“Art. 127 – O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.”
A legitimidade do Ministério Público para promover a ação civil pública em defesa de interesses coletivos é indeclinável, nos exatos termos dos dispositivos localizados nosarts. 127 e 129, inciso III, da Constituição Federal.
Essa ampliação no âmbito de atuação do Ministério Público na órbita civil ocorreu primordialmente com a edição da Lei da Ação Civil Pública (LACP) – Lei n. 7.347/85 –, por permitir a propositura de inúmeras ações para defesa de interesses transindividuais antes mesmo da entrada em vigor da Constituição de 1988.
Ao instituir o inquérito civil e a ação civil pública, concedendo a titularidade de ambos ao Ministério Público, a LACP tornou-se marco para uma nova forma de atuação institucional, permitindo a transformação do membro do “Parquet” em verdadeiro agente político transformador da realidade social.
Tais instrumentos previstos expressamente na Lei n. 7.347/85 e, sobretudo, na Constituição Federal de 1988, deram ao membro do Ministério Público poderes suficientes para investigar, realizar termos de ajustamento de conduta, reprimir e combater lesões a direitos fundamentais do cidadão.
Para consolidar definitivamente a atuação do Ministério Público na defesa dos interesses metaindividuais, a Lei n. 8.078/90, a qual instituiu o Código de Defesa do Consumidor (CDC), delineou um microssistema de atuação para a tutela coletiva.
Dessa forma, legislações como a LACP e a Lei da Ação Popular encontraram no CDC os conceitos e preceitos de que precisavam para, com seu caráter de integração, abraçar todas as possibilidades de proteção aos interesses transindividuais.
Outro mecanismo disponibilizado ao membro do Ministério Público é a possibilidade de expedir recomendação administrativa, muitas vezes até antes de se instaurar o inquérito civil ou se ingressar com ação civil pública. Não raras vezes, referido documento tem o condão de solucionar o problema, orientando a autoridade pública no sentido de que adote providência em um determinado sentido, visando atender ao interesse público.
Com tantos mecanismos disponibilizados para atuar na defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, torna-se imperioso que o Ministério Público seja um órgão ativo, que não se recolha a uma posição neutra ou indiferente diante da violação de direitos fundamentais.
O Promotor de Justiça deve deixar de lado sua atuação como “despachante processual” e voltar os olhos para o cumprimento da missão que a sociedade dele exige, priorizando a atividade extrajudicial na defesa dos interesses coletivos e assumindo papel de verdadeiro ombudsman da sociedade.
O novo perfil constitucional do Ministério Público faz com que Marcelo Pedroso Goulart defenda a existência de dois modelos de Ministério Público: o demandista e o resolutivo. O Ministério Público demandista, o qual ainda prevalece, é o que atua perante o Poder Judiciário como agente processual, transferindo a esse órgão a resolução de problemas sociais[4]. Por outro lado, o Ministério Público resolutivo é aquele que atua na solução de conflitos sociais, no âmbito da própria Instituição e em parceria com a sociedade, sem a necessidade de recorrer ao Poder Judiciário, já tão assoberbado[5].
Esse modelo demandista de atuação do Ministério Público está evidentemente ultrapassado. Para a realidade contemporânea, propõe-se “um Ministério Público resolutivo, que leve às últimas consequências o princípio da autonomia funcional”[6].
Existem inúmeras formas de se concretizar esse tão almejado Ministério Público resolutivo. Essa nova função institucional encaminha o Promotor de Justiça a fugir da falta de celeridade do Poder Judiciário, valorizando a resolução extrajudicial dos conflitos sociais, com a realização de audiências públicas, conferências, palestras, reuniões de conselhos municipais e de associações de moradores.
O membro do “Parquet” deve atuar como guardião do regime democrático e dos direitos sociais e individuais indisponíveis, dando tratamento prioritário às ações capazes de melhorar a qualidade de vida da comunidade em que estiver desempenhando sua importante missão.
Marcelo Goulart propõe que o Ministério Público deve
“[...] transformar-se em efetivo agente político, superando a perspectiva meramente processual da sua atuação; atuar integradamente e em rede, nos mais diversos níveis – local, regional, estatal, comunitário e global –, ocupando novos espaços e habilitando-se como negociador e formulador de políticas públicas; transnacionalizar sua atuação, buscando parceiros no mundo globalizado, pois a luta pela hegemonia (a guerra de posição) está sendo travada no âmbito da ‘sociedade civil planetária’; buscar a solução judicial depois de esgotadas todas as possibilidades políticas e administrativas de resolução das questões que lhe são postas (ter o judiciário como espaço excepcional de atuação)”[7].
A atuação do Promotor de Justiça, na visão de um Ministério Público resolutivo, deve estar voltada para as ações de caráter coletivo. Nessas ações que a Instituição conseguirá resolver problemas abrangentes que alcançam maior número de pessoas, por consequência, de maior expressão social, evitando que o Poder Judiciário receba milhares de ações judiciais tratando do mesmo tema.
Para que isso ocorra, entretanto, é imprescindível a atuação extrajudicial do membro do Ministério Público. Como bem ressalva o Promotor de Justiça do Estado de Minas Gerais, Gregório Assagra de Almeida:
“a atuação extrajurisdicional da Instituição é fundamental para a proteção e efetivação dos direitos ou interesses sociais. A transferência para o Poder Judiciário, por intermédio das ações coletivas previstas, da solução dos conflitos coletivos não tem sido tão eficaz, pois, em muitos casos, o Poder Judiciário não tem atuado na forma e rigor esperados pela sociedade. Muitas vezes os juízes extinguem os processos coletivos sem o necessário e imprescindível enfrentamento do mérito. Essa situação tem mudado, mas de forma muito lenta e não retilínea. Não se nega aqui a importância do Poder Judiciário no Estado Democrático de Direito, ao contrário, o que se constata e deve ser ressaltado é o seu despreparo para a apreciação das questões sociais fundamentais. Um Judiciário preparado e consciente de seu papel é das instâncias mais legítimas e democráticas para conferir proteção e efetividade aos direitos e interesses primaciais da sociedade”[8].
Deve haver, principalmente nas pequenas cidades do interior do País, uma aproximação do Promotor de Justiça com a comunidade, que, muitas vezes, neste deposita as últimas esperanças na busca de seu legítimo direito. É incabível pensar que possa haver um afastamento entre a figura do Promotor e os representantes de associações civis, diretores de colégios, entidades sindicais, presidentes de conselhos comunitários e autoridades públicas.
Esse contato direto entre o membro da Instituição e a comunidade possibilita a realização de um trabalho preventivo, evitando-se, na origem, a ocorrência do dano e a sua repetição. O Ministério Público precisa afastar de seu modelo de trabalho essa atuação predominantemente repressiva, o que se verifica mais claramente no âmbito criminal.
A respeito desse novo perfil constitucional do Ministério Público, escreve Gustavo Tepedino:
“[...] o Ministério Público deixa de atuar simplesmente nos momentos patológicos, em que ocorre lesão a interesse público, sendo convocado a intervir de modo permanente, promovendo o projeto constitucional e a efetividade dos valores consagrados pelo ordenamento”[9].
Como corolário lógico dessa realidade, o Promotor de Justiça deve buscar uma formação humanística e interdisciplinar, valendo-se da Psicologia, da Sociologia, da História, da Pedagogia e da Comunicação Social para melhor interagir com os diversos segmentos da sociedade.
Somente assim haverá a possibilidade de se cumprir a contento as finalidades funcionais necessárias a uma interferência positiva na realidade social, acarretando na tutela dos interesses transindividuais e na realização de justiça social.
3. CONCLUSÃO
Conclui-se que, para cumprir sua missão constitucional, a atuação do Ministério Público deve estar necessariamente vinculada ao interesse público, ou seja, à proteção dos direitos coletivos e individuais indisponíveis (art. 127 da Constituição Federal).
A racionalização torna a atividade do Promotor de Justiça mais específica, voltada para assuntos de real interesse coletivo, afastando de suas atribuições meros “despachos” processuais que servirão de fundamento para a decisão do Juiz.
Nesse ponto, importante destacar as palavras dos Promotores de Justiça Márcio Soares Berclaz e Millen Castro Medeiros de Moura:
“ao contrário do que propagam os opositores da racionalização, esta não consiste em subterfúgio para negligenciar atribuições ministeriais relevantes, e sim se traduz em estratégico método para, através da crítica permanente, conformar a atuação finalística da Instituição ao paradigma previsto no artigo 127 da Constituição da República, depurando a atividade ministerial de intervenções desgarradas da vontade constituinte e do real anseio da sociedade. A racionalização não objetiva alimentar o ócio, mas sinalizar que a inércia não-fundamentada no exercício da tutela extrajudicial dos interesses coletivos não mais pode ser tolerada pelos órgãos correcionais dos quais, em vez de absurda visão clássica de priorizar atuação processual individual em detrimentos dos sérios problemas coletivos, espera-se mudança de perspectiva na fiscalização e orientação compromissada com a identidade constitucional. [...] Além disso, há pessoas externas à instituição que, ao criticarem abertamente as premissas de racionalização, escondem interesses egoísticos, quando não desejos verdadeiramente escusos de continuar a ver, na rotina do membro do Ministério Público, inofensivo e qualificado ‘parecerista de luxo”’[10].
A racionalização permitirá que os membros da Instituição priorizem assuntos que tenham relevante interesse social, focando na defesa coletiva dos interesses da sociedade, possibilitando que o Promotor de Justiça com atribuição na tutela coletiva saia de seu gabinete e mantenha um diálogo aberto com a comunidade.
A sociedade clama por uma eficiente e integral defesa de seus direitos, tornando necessário que o Ministério Público priorize a atuação de seus membros na defesa do hipossuficiente (criança, idoso, consumidor), na proteção do patrimônio público e social, na qualidade dos serviços públicos prestados à população, no combate à improbidade administrativa, na proteção das pessoas portadoras de deficiência, na defesa do meio ambiente e de outros interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.
Essa atuação poderá ser realizada por meio da priorização da atuação preventiva do Promotor de Justiça, saindo de seu gabinete e aproximando-se da comunidade a fim de conhecer os problemas e antever soluções. A atuação ministerial precisa caminhar junto com a sociedade e não somente após a ocorrência do dano.
A ação do Promotor de Justiça é dinâmica, exercendo ele importante função social. Por isso, a realização periódica de audiências públicas pode ser utilizada como método de legitimação da atuação da Instituição, por permitir que as decisões tomadas passem pelo crivo da população, que é quem se beneficia com os seus efeitos.
Sustenta Geisa de Assis Rodrigues que “a audiência pública é um importante instrumento do Estado democrático de Direito construído a partir da extensão do princípio da audiência individual [...]”[11].
A Procuradora da República ainda complementa que:
“(...) a audiência pública tem as seguintes funções: a) permite ao administrado verificar objetivamente a razoabilidade da medida administrativa; b) é um mecanismo idôneo de formação de consenso da opinião pública a respeito da juridicidade e conveniência de uma atuação do Estado; c) garante a transparência dos procedimentos decisórios do Estado; d) é um elemento de democratização do exercício do poder; e) é um modo de participação cidadã na gestão da Coisa pública, concretizando os princípios políticos e constitucionais de democracia participativa; f) tem uma importante função preventiva, pois pode evitar os prejuízos causados por uma intervenção administrativa inadequada” [12].
A ampliação e valorização do modelo de Ministério Público resolutivo deve prevalecer, investindo-se na atuação extrajudicial dos conflitos sociais, atuando o membro do “Parquet” preventivamente e utilizando-se dos mecanismos de atuação que dispõe para exercer sua função constitucional, por exemplo, o inquérito civil, o procedimento administrativo e as recomendações.
É notório que o Poder Judiciário ainda se mostra refratário à tutela jurisdicional coletiva e à nova posição que a sociedade espera dele num mundo massificado e com crescentes demandas sociais amparadas em lei, longe, porém, de serem implementadas.
Se não bastasse esse aspecto, a sociedade ainda tem de suportar a delonga exagerada na resolução dos litígios que são submetidos à apreciação do Poder Judiciário, agravando-se e comprometendo-se, não raras vezes, a pacificação dos conflitos sociais, razão pela qual se torna imprescindível que o membro da Instituição Ministerial selecione as demandas que serão levadas a juízo.
Certo é que:
“a atuação extrajudicial por intermédio das recomendações, dos inquéritos civis, das audiências públicas, dos termos de ajustamento de conduta, é uma via necessária e muito eficaz para o Ministério Público cumprir os seus compromissos constitucionais perante a sociedade e ter ampliada a sua legitimidade social”[13].
Por fim, não há dúvida de que a atuação do Ministério Público é essencial para o atual regime democrático de direito, devendo ser visto como o guardião da cidadania, o defensor dos interesses sociais e individuais indisponíveis, atuando na tutela do meio ambiente, na implementação de políticas sociais e no combate diário à improbidade administrativa e aos atos de corrupção.
Agindo com esse anseio, o Promotor de Justiça poderá caracterizar-se como um efetivo agente político de transformação social, utilizando-se de instrumentos eficazes para desempenhar essa transformação, a qual será tanto melhor atendida quanto for a capacidade resolutiva que o Ministério Público demonstrar em sua atuação.