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Análise e crítica do uso das tutelas de urgência no processo eleitoral stricto sensu

25/03/2014 às 15:11
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Os ritos previstos na legislação eleitoral são suficientemente céleres para garantir a efetividade do provimento final de mérito. Critica-se o uso das tutelas de urgência, mormente a tutela inibitória com base no poder de polícia.

RESUMO

O processo eleitoral em sentido lato compreende a fase que vai do alistamento à diplomação dos eleitos. O processo eleitoral em sentido estrito compreende o conjunto de normas que regulam o trâmite das várias espécies de ações judiciais e representações de competência. Neste trabalho traz-se a lume esclarecimentos sobre o uso das tutelas de urgência nos processos eleitorais stricto sensu. Estuda as tutelas de urgência, sua evolução histórica, características e espécies, bem como as razões de sua existência no ordenamento jurídico. Analisa-se o uso subsidiário do CPC nos ritos dos processos eleitorais em espécie. Constata-se que a os ritos previstos na legislação eleitoral são suficientemente céleres para garantir a efetividade do provimento final de mérito. Critica-se o uso das tutelas de urgência, mormente a tutela inibitória com base no poder de polícia, trazendo-se exemplos de decisões de primeira instância no âmbito do Rio Grande do Norte. Finaliza-se com a afirmação de que o ativismo judicial durante um processo eleitoral é instrumento perigoso à democracia pois o magistrado, por mais imparcial que seja, possui sim valores e convicções políticas inerentes ao seu agir, o que pode acabar maculando o processo em favor de algum candidato. A eleição é um período em que se festeja a democracia. O ativismo do judiciário e a atuação dos representantes do Parquet não deve ser tal que a torne um período de exceção.

1 INTRODUÇÃO

O processo eleitoral em sentido lato compreende a fase que vai do alistamento ou inscrição eleitoral, passando pelo período das convenções partidárias e escolha dos candidatos. Em seguida acontece a fase dos requerimentos de registros de candidaturas dos escolhidos nas convenções que, quando deferidos pela Justiça Eleitoral, permitem aos candidatos o início do período de propaganda eleitoral.

Por fim, no primeiro domingo de outubro, ocorre o dia da votação, para posterior apuração, proclamação dos eleitos e, como último ato da Justiça Eleitoral, a diplomação dos eleitos.

Neste trabalho utilizar-se-á a expressão “processo eleitoral”, como regra, no sentido estrito, ou seja, no sentido adjetivo que compreende o conjunto de normas que regulam o trâmite das várias espécies de ações judiciais e representações que são colocados à apreciação do juízo eleitoral durante um processo eleitoral lato sensu.

O objetivo principal do trabalho é trazer à lume esclarecimentos sobre os requisitos para o uso das tutelas de urgência no âmbito dos processos eleitorais stricto sensu.

Além disso, traz-se um estudo sobre em quais das principais espécies de processos eleitorais stricto sensu,  a tutela antecipada é cabível e em quais é temerário a sua utilização, mormente quando a partir de sua utilização, por meio da tutela inibitória, o judiciário deixa ser um garantidor da igualdade entre os candidatos e gestor de um processo eleitoral lato sensu que deve ser tranquilo, para agir como um inibidor/censurador do legítimo direito de propaganda eleitoral, manifestação e difusão de ideias e qualidades de algum pretenso candidato, fazendo do período eleitoral algo mais parecido com um período de exceção do que com um período de festa da democracia.

2 TUTELAS DE URGÊNCIA

2.1 – EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS TUTELAS DE URGÊNCIA

A concepção pós Revolução Francesa de Estado, em que os principais valores impregnados no ordenamento jurídico eram a liberdade do cidadão e a proteção das garantias do indivíduo em face do Estado, como decorrência da passagem do Estado Absolutista para o Estado Liberal Burguês, era absolutamente incompatível com a possibilidade de uma tutela jurisdicional que pudesse atuar sobre a vontade de alguém que sequer havia violado um direito.

Ou seja, havia prevalência da liberdade individual em relação aos poderes de intervenção estatal na esfera privada, não se admitindo uma tutela preventiva que limitasse a liberdade do demandado.

Existia há época, uma verdadeira desconfiança do indivíduo em relação ao Estado-Juiz, o que impedia a realização, na prática, de decisões com base em juízo de verossimilhança ou, ainda, que se diferisse o contraditório e a ampla defesa no caso de uma decisão que pudesse gerar prejuízo imediato a uma das partes. Tal conjectura, aliada ao rito procedimental rígido, complexo e moroso, por vezes passou a gerar inefetividade do processo.

Esta situação perdurou durante muito tempo, e somente a partir a evolução da sociedade, sua crescente complexidade e a transformação da concepção de Estado de Liberal para o Estado Constitucional de Direito, decorrência do surgimento do neoconstitucionalismo, é que a preocupação com a efetividade da tutela jurisdicional para garantir os direitos previstos nas Constituições passou a ser o centro das atenções dos processualistas.

Ou seja, a concepção neoconstitucionalista do Estado, o nascimento dos chamados novos direitos e a crescente necessidade de sua proteção impuseram a transformação do processo civil clássico (liberal), resultando na criação de tutelas jurisdicionais preventivas, com estrutura procedimental específica e autônoma, atuantes na prevenção do ilícito, na proteção do direito contra o risco de perecimento, na garantia da utilidade do provimento jurisdicional.

Surgia, destarte, uma nova concepção do direito fundamental de acesso à justiça, o qual para se realizar no mundo prático, exigia uma tutela jurisdicional que efetivamente impedisse a prática do ilícito.

Deixava de ser suficiente que a tutela jurisdicional apenas reconhecesse o direito e garantisse a reposição do prejuízo derivado do ato ilícito.

Pelo contrário, esta nova concepção de “acesso à justiça” não podia continuar significando que o indivíduo que tivesse seu direito lesado ou ameaçado de lesão, ao bater as portas do judiciário, obtivesse como resultado depois de um longo caminho percorrido pelo processo, um provimento judicial (sentença) que reconhecesse o seu direito, mas não o entregasse, especificadamente, como requerido pela parte.

A máxima de que, no processo civil brasileiro, é comum que o titular do direito “ganhe, mas não leve”, não se coaduna com esta nova concepção do acesso à justiça, no sentido substancial.

Ademais, nessa nova perspectiva, o processo não deve ter um fim em si mesmo, mas sim ser uma ferramenta para que o titular tenha o seu direito material tutelado especificadamente.

Foi como conseqüência dessa conscientização da função instrumental do processo que o direito de acesso à justiça ganhou os contornos acima descritos.

Apesar de os estudos visando tornar a justiça mais acessível terem se iniciado no século passado, somente após a 2ª Grande Guerra é que se consolidou a tendência na busca pela efetividade dos direitos constitucionais.

Isto porque com o passar dos anos, verificou-se que as ferramentas processuais existentes não eram suficientes para dar uma resposta, num tempo razoável, aos direitos previstos na Carta Maior. 

Enfim, percebeu-se que pouco adiantava que houvesse a previsão de diversos direitos, se os mecanismos processuais básicos para sua garantia, quando aplicados, não conseguiam lhes dar concretude, efetividade.

Dessa maneira, a parti da necessidade de tornar o processo uma forma de, verdadeiramente, tutelar direitos perseguidos no processo, nasceram vários institutos que visavam garantir a efetividade do processo, dentre eles, as tutelas de urgência.

 2.2 CONCEITO

Como já tratado na subseção 2.1, percebeu-se que os instrumentos processuais existentes no processo do início do século XX não atendiam mais ao direito de acesso à justiça de forma adequada, o que levou à busca por novas formas de tutelar direitos, nascendo as chamadas tutelas de urgência.

Para SAMPAIO JÚNIOR , as tutelas de urgência são:

... todas aquelas medidas que são concedidas no decorrer do processo, em especial no seu início, ..., tendo como premissa a questão do perigo da ineficácia da tutela em razão de uma emergência, a qual tanto pode assumir um feitio cautelar quanto satisfativo...

Ou seja, as tutelas de urgência são ferramentas à disposição das partes que podem ser evocadas quando se está diante de um risco plausível de que a tutela jurisdicional ordinária, buscada ao fim do processo com a decisão de mérito, possa não se efetivar.

Nessa situações, o legislador, visando garantir a efetividade da tutela jurisdicional, previu institutos que permitem a obtenção imediata do direito pleiteado, mesmo antes do provimento final, seja para salvaguardar o resultado prático do processo (tutela cautelar) seja para antecipar os efeitos da decisão final (tutela antecipatória), sob pena da impossibilidade de obtenção futura do direito almejado ao final da lide.

Com se pode imaginar, são muitas as situações que exigem uma resposta célere do judiciário para garantir que a tutela seja realmente útil no futuro. Podem-se citar, dentre elas, a dilapidação do bem promovida pelo réu, a urgência na provisão de meios de subsistência, a necessidade de obstar que o réu se desfaça de seus bens para eximir-se da execução futura.

Ou seja, o comprometimento da prestação jurisdicional, pelo risco ou perigo de dano, demanda uma espécie de tutela apropriada e imediata, conhecida como tutela de urgência.

Destarte, as tutelas de urgência apareceram para evitar a perda ou deterioração do direito do demandante, seja pelo decurso do tempo, seja por outro meio lesivo, já que a lentidão do iter procedimental comum pode ser causa danos permanentes ao direito do autor.Excelente a descrição do Ministro Teori Albino  justificando o fundamento constitucional para a existência das tutelas de urgência:

... a tutela de urgência justifica-se constitucionalmente como mecanismo de concretização e de harmonização de direitos fundamentais em conflito. Sua origem, sua importância e sua legitimidade decorrem não de um ou outros dispositivos específicos, e sim do próprio sistema constitucional organicamente considerado

2.3 – ESPÉCIES

2.3.1 TUTELA CAUTELAR

É verdade que no Código de Processo Civil de 1939, já existia o instituto da tutela cautelar inominada. Todavia, foi a partir da promulgação do Código de Processo Civil de 1973 que o instituto da tutela cautelar passou a ser utilizado com mais frequência, provocando, de início, um movimento de constante expansão de sua aplicabilidade prática.

O Código de Processo Civil de 1973 que, com sua sistematização em livros para os vários tipos de tutelas possíveis, dedicou um livro próprio ao Processo Cautelar, contribuiu decisivamente para crescimento e expansão da tutela de urgência, na modalidade cautelar.

A tutela cautelar é um tipo de tutela de urgência, que visa garantir a eficácia e a utilidade de um provimento final perseguido nos processos de conhecimento ou de execução, protegendo a pretensão contra os riscos da morosidade do processo principal.

Diferentemente do processo de conhecimento que visa o reconhecimento de um direito material, bem como do processo executivo que objetiva a realização prática de um direito já reconhecido num título, a tutela cautelar tem como finalidade garantir a proteção e o resguardo de uma pretensão, que é ou será objeto de processo de conhecimento ou de execução futuros.

O processo - conjunto de atos encadeados para a obtenção de um provimento jurisdicional - é usualmente lento. Os princípios da ampla defesa e do contraditório impõe que se dê ao autor e ao réu ampla possibilidade de alegações endo processuais no que concerne aos seus direitos e, ainda, que se possibilite a produção de provas de suas alegações.

Contudo, esse lapso temporal necessário ao processo, ainda que seja o mínimo suficiente para garantir o contraditório e a ampla defesa, pode trazer como resultado o risco de perecimento do direito discutido em juízo ou a inutilidade do provimento final, causando prejuízos às partes e, principalmente, à própria função jurisdicional.

É nesse contexto que se compreende a tutela cautelar, cuja função é neutralizar o risco de que a demora na solução do processo (seja de conhecimento ou de execução) possa trazer como conseqüência o perecimento do direito da parte, tornando o futuro provimento jurisdicional buscado no processo uma providência absolutamente inútil.

Segundo leciona de Ovídio Baptista :

A tutela cautelar é uma forma particular de proteção jurisdicional predisposta a assegurar, preventivamente, a efetiva realização dos direitos subjetivos ou de outras formas de interesse reconhecidos pela ordem jurídica como legítimos, sempre que eles estejam sob ameaça de sofrer algum dano iminente e de difícil reparação, desde que tal estado de perigo não possa ser evitado através das formas normais de tutela jurisdicional.Desse pressuposto fundamental decorrem duas conseqüências: uma de caráter objetivo, que é a urgência que sempre há de estar presente, de modo a legitimar a outorga da proteção cautelar; a outra de natureza subjetiva, referente ao modo pelo qual o órgão judicial deve examinar e decidir a demanda cautelar. (grifos nossos)

Por sua vez, Cintra, Grinover e Dinamarco , afirmam que: 

A atividade cautelar foi preordenada a evitar que o dano oriundo da inobservância do direito fosse agravado pelo inevitável retardamento do remédio jurisdicional (periculum in mora). O provimento cautelar funda-se antecipadamente na hipótese de um futuro provimento jurisdicional favorável ao autor (fumus boni iuris): verificando-se os pressupostos do fumus boni iuris e do periculum in mora, o provimento cautelar opera imediatamente, como instrumento provisório e antecipado do futuro provimento definitivo, para que este não seja frustrado em seus efeitos.

Finalizando esta espécie de tutela de urgência, insta ressaltar que o Código de Processo Civil prevê processos cautelares típicos, que são relações jurídicas processuais que se exteriorizam através dos procedimentos previamente, visando medidas cautelares.

Estas medidas cautelares são as providências efetivamente tomadas para proteção de um bem envolvido no processo cautelar.

Apesar de normalmente a medida cautelar ser resultado de um processo cautelar, admite-se o deferimento de medidas cautelares fora do processo cautelar, no bojo do próprio processo de conhecimento ou de execução. É possível, desta sorte, que o juiz defira medida cautelar no processo de conhecimento quando a parte solicita tutela antecipada de natureza cautelar, nos exatos termos do art. 273, §7º CPC (fungibilidade).

2.3.2 TUTELA ANTECIPADA

A segunda espécie de tutela de urgência, incluída no Código de Processo Civil (Título VII – Do Processo e do Procedimento, do Livro I – Do Processo de Conhecimento) pela lei n.º 8.952/94, é a denominada tutela antecipada.

A tutela antecipada também denominada, por doutrinadores de nomeada reputação, de antecipação dos efeitos da tutela, representou uma importante novidade em nosso sistema processual.

Tal instituto permite que o autor tenha seu pedido atendido de forma parcial ou integral antes do julgamento definitivo da lide, proporcionando ao autor a fruição total ou parcial do direito.

Apesar de sua introdução no CPC, com essa denominação, ter se dado em 1994, a antecipação dos efeitos da tutela já era utilizada na praxis forense, mesmo antes da Lei n.º 8.952/94. Isto porque já existia previsão legal de liminares com natureza de tutela antecipada antes de 1994, conforme se depreende de normas reguladoras das ações possessórias e de alimentos.

Na verdade, a inovação do artigo 273 do Código de Processo Civil, com suas ulteriores modificações operadas pela Lei n. 10.444/02, dizem respeito à possibilidade de concessão de tutela antecipada em qualquer modalidade de ação de conhecimento, ou seja, dentro do próprio procedimento ordinário.

Para MISAEL MONTENEGRO :

A tutela antecipada não se qualifica como ação judicial, mas como pedido formulado pelo autor (e somente pelo autor) na petição inicial ou por meio de peça avulsa, no curso do processo e após a apresentação da inicial, com a pretensão de que o promovente conviva com os efeitos da sentença, antes desta ser proferida pela autoridade judicial, com evidente índole satisfativa.

Resumindo, tutela antecipada (ou antecipação dos efeitos da tutela) é uma modalidade de tutela de urgência que pode ser definida como o deferimento provisório do pedido do autor, no todo ou em parte, antes da sentença final de mérito.

2.3.3 TUTELA INIBITÓRIA

A Constituição da República de 1988, assim prescreve no seu art. 5º, inciso XXXV:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiro e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguinte:
...
XXXV- a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de lesão a direito. (grifo nosso)

Esta garantia constitucional é conhecida como princípio da inafastabilidade de apreciação do poder judiciário ou princípio do acesso à justiça.

Atente-se que na parte final do dispositivo há referência à ameaça de lesão a direito, o que para os processualistas defensores do processo numa ótica constitucional, é o fundamento e legitimador da chamada tutela preventiva ou inibitória.

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Para MARINONE :

A tutela inibitória é prestada por meio de ação de conhecimento, e assim não se liga instrumentalmente a nenhuma ação que possa ser dita “principal”.     Trata-se de “ação de conhecimento” de natureza preventiva, destinada a impedir a prática, a repetição ou a continuação do ilícito.A sua importância deriva do fato de que constitui ação de conhecimento que efetivamente pode inibir o ilícito.

Como já abordado na seção 2.1, a preocupação com a efetividade dos direitos constitucionais bem como a existência de ferramentas processuais que garantam sua proteção, consequência do novo perfil de Estado Constitucional de Direito, fez surgir a ação inibitória ou preventiva, inserida no contexto das tutelas inibitórias.

As ameaças de lesão a direitos a serem protegidas pela tutela inibitória correspondem àquelas de conteúdo não patrimonial, cujo ressarcimento por meio de indenização não é suficiente para restaurar a situação ao status quo ante.

São os direitos mais importantes, mais caros aos indivíduos (invioláveis, imprescritíveis e indisponíveis) que merecem a tutela inibitória ou preventiva, já que pela sua importância e pela impossibilidade de retornarem à situação anterior à lesão, tornariam a tutela posterior ineficaz.

Assim, o fundamento da tutela inibitória é o próprio direito material declarado e protegido constitucionalmente.

Deste modo, mais uma vez de acordo com MARINONI :

Ora, se a própria Constituição afirma a inviolabilidade de determinados direitos e, ao mesmo tempo, diz que nenhuma lei poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário “ameaça a direito”, não pode restar qualquer dúvida de que o direito de acesso à justiça (art. 5.º, XXXV, CF) tem como corolário o direito à tutela efetivamente capaz de impedir a violação do direito.

Na verdade, há direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional e, assim, direito fundamental à tutela preventiva, o qual incide sobre o legislador - obrigando-o a instituir as técnicas processuais capazes de permitir a tutela preventiva – e sobre o juiz - obrigando-o a interpretar as normas processuais de modo a delas retirar instrumentos processuais que realmente viabilizem a concessão de tutela de prevenção.

Conceituada e expresso os fundamentos constitucionais da tutela inibitória, passa-se a análise de seus pressupostos.

A ação inibitória se volta contra a possibilidade do ilícito, mirando para o futuro, não tendo relação alguma com o ressarcimento do dano e, via de consequência, com os elementos para a imputação ressarcitória, quais sejam, elementos subjetivos, culpa ou dolo.

Igualmente, a tutela inibitória não necessita sequer da probabilidade do dano, bastando a simples probabilidade de ilícito (ato contrário ao direito). Ou seja, a proteção via tutela inibitória se destina a prevenir o pressuposto do dano, aquilo que ocorre antes dele; o ato ilícito.

Desta sorte, se há um direito que exclui um fazer ou uma norma prescrevendo que determinada conduta não pode ser realizada, a mera probabilidade de ato contrário ao direito – e não de dano - é suficiente e necessária para a utilização da tutela jurisdicional inibitória.

Assim, verificando-se que a tutela inibitória visa à prevenção do ilícito, não há necessidade da alegação de dano, estando, pois, o réu impedido de discuti-lo e o juiz dispensado de determinar a produção de provas em relação a ele.

É verdade, todavia, que há casos em que há uma simultaneidade entre ato ilícito e dano, podendo ambos ocorrer ao mesmo tempo. 

Nessas situações a probabilidade do dano deve ser objeto de apreciação pelo magistrado, devendo o autor aludir a ele e o réu obviamente discuti-lo, não podendo a prova ignorá-lo.

Fora dessa circunstâncias, vige a restrição da cognição sobre a realização do ato contrário ao direito não só porque essa é a única forma de concretizar o desejo da norma que estabelece uma proibição exatamente para evitar o dano, mas também porque, em determinados casos, são proibidas ações contrárias ao direito, mesmo que não possam provocar dano.

Finalizando esta subseção, atenta-se para as modalidades de tutela inibitória: a) para impedir a prática de ilícito, ainda que nenhum ilícito anterior tenha sido produzido pelo réu; b) para impedir a continuação do ilícito e c) para impedir que se repita o ilícito anterior.

A primeira espécie de ação inibitória é a mais perigosa para o uso no processo eleitoral lato sensu, pois se utilizada sem razoabilidade poderá transformar o período eleitoral em algo mais próximo de uma período de exceção do que de um período de festa da democracia.

3 PROCESSOS ELEITORAIS EM ESPÉCIE

A legislação ou ordenamento regulador do processo eleitoral lato sensu, como é cediço, mais parece uma colcha de retalhos do que algo elaborado cientificamente pela dogmática jurídica.

A necessidade de uma reforma política é conhecida e aceita quase à unanimidade, mas o Congresso Nacional, independente do governo, há tempos não tem conseguido dar andamento a ela de forma a atender os vários interesses políticos envolvidos.

Enquanto isso não acontece, a legislação eleitoral reguladora do processo eleitoral lato sensu é composta pelas seguintes normas: Constituição Federal, Código Eleitoral, Lei das Eleições, Lei dos Partidos Políticos, Lei das Inelegibilidades e Resoluções do TSE para cada pleito, e subsidiariamente pelos Código Penal, Processual Penal, Código Civil, Processual Civil.

Considerando foco deste trabalho, qual seja, a análise e crítica do uso das tutelas de urgência nos processos eleitorais stricto sensu, descrever-se-á a seguir as principais representações e ações eleitorais, de natureza não criminal, para em seguida verificar-se se há ou não a possibilidade de uso das tutelas de urgência e quais tipos de tutelas de urgência podem ser utilizadas no bojo dos referidos processos eleitorais.

 3.1 AÇÕES E REPRESENTAÇÕES ELEITORAIS

No ordenamento jurídico eleitoral, compreendido este como a colcha de retalhos acima descrita, mormente nas normas que regulam Direito Processual Eleitoral, existem vários tipos de ações, impugnações e representações que tramitam especificamente na justiça eleitoral.

Muitas delas são processos com natureza administrativa como é o caso a Impugnação de Inscrição Eleitoral por falta de domicílio eleitoral ou falta de requisitos de transferência eleitoral, previstos no art. 42 e 55 da Lei n.º 4.737/1966 - Código Eleitoral, bem como a Reclamação Contra a Nomeação de Mesários prevista no art. 63 da Lei n.º 9.504/1997 – Lei das Eleições, dentre várias outras.

Estes tipos de impugnações/representações de natureza administrativa não serão objeto de estudo neste trabalho.

Focar-se-á nas ações/representações de natureza jurisdicional, as quais, após estudo da legislação eleitoral e doutrina  e  , verificou-se totalizarem em número de 07 processos  stricto sensu:

01 – Ação de Impugnação ao Pedido de Registro de Candidatura – AIRC normatizada e processada nos termos dos arts. 3º a 8º da Lei Complementar n.º 64/1990 - Lei das Inelegibilidades;

02 - Ação de Investigação Judicial Eleitoral por Abuso de Poder Econômico e/ou Político - AIJE regulada e processada sob o rito do art. 22 da Lei das Inelegibilidades;

03 – Representação para abertura de Investigação Judicial - RIJEAR para apurar condutas relativas à arrecadação e gastos de recursos de campanha previstas no art. 30-A da Lei n.º 9.504/1997 - Lei das Eleições, processada sob o rito do art. 22 da Lei das Inelegibilidades;

04 – Ação de Captação Ilícita de Sufrágio - ACIS previstas nos Art. 41 e 41-A da Lei n.º 9.504/1997 - Lei das Eleições processada sob o rito do art. 22 da Lei das Inelegibilidades;

05 – Representação por Propaganda Eleitoral Irregular - RPEI em desobediência aos artigos 36, 36-A, 37, 38, 39-A, 40, processadas sob o rito do art. 96, 96-A e 97-A da Lei das Eleições;

06 – Representação pela realização de conduta vedada - RECV, prevista no art. 73 da Lei das Eleições, processada sob o rito do art. 22 da Lei das Inelegibilidades;

07 -  Ação de Impugnação de Mandato Eletivo - AIME positivada no art. 14, § 10  e § 11 da Constituição Federal, cujo rito segundo jurisprudência pacífica do TSE e elogios da doutrina , é o previsto no art. 3º a 8º da Lei Complementar n.º 64/1990.

No que se refere a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo – AIME, que possui a peculiaridade de ser uma ação constitucional, RAMAYANA(2005, p.313-315) afirma que o TSE já entendeu que deveria aplicar-se o rito ordinário do Código de Processo Civil.

Entretanto, o TSE evoluiu a sua jurisprudência para concluir que deve-se processar a AIME pelo rito do art. 3º a 8º da Lei Complementar n.º 64/1990, senão veja-se os dois julgados a seguir:

Julgado 01 -

a espécie, descabe falar em omissão do v. acórdão no tocante à aplicação do procedimento previsto na Lei Complementar n.º 64/90. Tanto a captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei das Eleições), afastada pela e. Corte Regional, quanto o abuso de poder econômico, em sede de AIME (art. 14, § 10, da CR), ensejador, in casu, da cassação do mandato, obedecem ao rito aplicado pelo juízo eleitoral e previsto na Lei Complementar n.º 64/90. 2. No caso de abuso de poder, em sede de Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME), prevista no art. 14, § 10, da CR, a utilização do procedimento da Lei Complementar n.º 64/90 impõe-se por construção jurisprudencial [...]” (Ac. de 5.6.2008 no EDclREspe n.º 28.391, rel. Min. Felix Fischer.)

Julgado 2-
Ação de impugnação de mandato eletivo. Rito da Lei n.º 64, de 1990. Alegações finais: termo inicial do prazo. O rito sumário disciplinado na Lei Complementar n.º 64, de 1990, prevê alegações finais pelas partes e pelo Ministério Público, no prazo comum de cinco dias, depois de ‘encerrado o prazo para a dilação probatória’ (art. 6º). A iniciativa para esse efeito é das partes e do Ministério Público, fluindo o prazo independentemente de intimação ou vista. O respectivo termo inicial está vinculado ou ao término da dilação probatória ou a uma decisão do juiz indeferindo-a por não ser relevante ‘a prova protestada’  ou requerida (art. 5º). Surpreende o réu, suprimindo-lhe a oportunidade para o oferecimento de alegações finais, a sentença de procedência do pedido de cassação de mandato eletivo sem que o juiz decida a respeito da realização da dilação probatória, ainda que só o autor tenha arrolado testemunhas. Cerceamento de defesa caracterizado. Anulação do processo.” (Ac. de 21.08.2007 no REspe n.º 26.100, rel. Min. Ari Pargendler.)

Esse entendimento também está presente na obra de LUCON e VIGLIAR  .

Atente-se que das 07 ações/representações eleitorais por este trabalho tratadas, quatro são processadas pelo rito do art. 22, duas processadas nos termos dos arts. 3º a 8º, ambos da Lei Complementar n.º 64/1990, e apenas uma sob o rito descrito nos artigos 96, 96-A e 97-A da Lei n.º 9504/1997, qual seja, a Representação por Propaganda Eleitoral Irregular em desobediência aos artigos 36, 36-A, 37, 38, 39-A, 40.

3.2 ANÁLISE DOS RITOS E DO USO DO CPC NOS PROCESSOS ELEITORAIS STRICTO SENSU

Analisando-se os três ritos que regulam o trâmite dos principais processo eleitorais, constata-se quão céleres eles devem ser. Por exemplo, o rito dos artigos 3º a 8º da Lei Complementar n.º 64/1990, no pior caso, levará no máximo 24 dias na primeira instância se forem cumpridos os prazos.

Por sua vez, as ações/representações reguladas pelo rito art. 22 da Lei Complementar n.º 064/1990, levarão no pior caso, se forem cumpridos todos os prazos, no máximo 18 dias.

Por último, as representações reguladas pelo rito do art. 96, 96-A e 97-A da Lei n.º 9504/1997 terão 96 horas de trâmite na primeira instância se os prazos forem observados.

Ou seja, a tramitação dos feitos eleitorais já possui uma tramitação célere o suficiente para garantir a efetividade dos provimentos judiciais, respeitando a paridade que deve haver no processo e os princípios da ampla defesa e do contraditório, básicos de um estado direito, mormente quando se está tratando de disputas ao poder político.

Urge ressaltar que dentre os órgãos do Poder Judiciário da União, sem sombra de dúvidas, a Justiça Eleitoral é a que mais precisa ser imparcial e equidistante das partes envolvidas nos litígios!

Afirma-se isso, porque na Justiça Eleitoral, o ativismo judicial exacerbado  desequilibra o pleito e pode viciar o resultado das eleições.

Diferentemente do que ocorre no âmbito da Justiça do Trabalho bem como na Justiça Comum, nas demandas trabalhistas e consumeristas respectivamente, em que os magistrados devem atuar para proteger o hipossuficiente, ou mesmo nos litígios relativos ao meio ambiente, tendo em vista a impregnação deste ramo do direito pelo princípio da precaução, na Justiça Eleitoral a atuação deve ser mais passiva, não devendo o magistrado, com base no poder de polícia, sob o pretexto velado de ignorância, alienação cultural e subserviência econômica do eleitorado, atuar positivamente, atribuindo-se um poder que não tem, exceto nos casos de regras expressamente previstas pelo ordenamento jurídico.

Quem deve ser ativo são os candidatos em disputa e os partidos políticos, todos se fiscalizando mutuamente, e tendo o Ministério Público como custus legis e defensor do regime democrático e da ordem jurídica, para que ao final, o povo escolha! Até porque é o povo que vai sofrer as consequências da boa ou má administração dos eleitos.

O poder de polícia que autoriza a atuação ex officio da Justiça Eleitoral deve ser utilizado com ponderação, excepcionalmente, quando acontecerem os abusos, na estrita obediência à lei eleitoral, não podendo o juiz limitar o que a lei não o fez. As exceções devem ser interpretadas restritivamente, e não terem ampliada sua significação e alcance através de uma hermenêutica que toma por base princípios gerais e cláusulas abertas cujo o resultado varia de julgador para julgador.

Isto posto, faz-se os seguintes questionamentos: 

a) Sendo os processos eleitorais stricto sensu caracterizados pela celeridade de rito e exiguidade dos prazos previstos na legislação de regência, há necessidade do uso das normas do Código de Processo Civil subsidiariamente nos processos eleitorais? 

b) Onde há, no ordenamento eleitoral, essa autorização? 

c) E as tutelas de urgência são efetivamente necessárias?

Referente à pergunta da letra “a”, responde-se positivamente. 

As normas adjetivas eleitorais não definem todas as formalidades necessárias aos atos dos processos eleitorais stricto sensu. Destarte, formalidades quanto ao modo e ordem de inquirição de testemunhas, regras a serem observadas nas audiências de instrução, modos de obtenção e produção de provas válidas, atos de intimação das partes, atividades dos auxiliares da justiça eleitoral, requisitos gerais das petições, e.t.c., não são pormenorizadas pelas regras processuais eleitorais.

Daí a necessidade de utilização subsidiária do Código de Processo Civil no processo eleitoral. E onde estão as regras que permitem a utilização do Codex Processual? 

Consultando a legislação eleitoral verifica-se que a Lei n.º4.737 de 15 de julho 07 de 1965 – Código Eleitoral não autorizou expressamente a utilização do Código de Processo Civil nos processos eleitorais. 

Todavia, em seu art. 364, o Código Eleitoral autoriza o uso subsidiário do Código de Processo Penal no processamento e julgamento dos crimes eleitorais e dos comuns que lhes forem conexos, assim como nos recursos e na execução, que lhes digam respeito.

Na Lei Complementar n.º 64/1990 e na Lei n.º 9.504/1997, também NÃO HÁ referências à utilização do Código de Processo Civil subsidiariamente no processos eleitorais stricto sensu.

Contudo, fazendo uso dos conceitos da Teoria Geral do Processo , mormente a divisão didática entre Processo Penal e Processo Civil, englobando este último todos os processos que não tem por finalidade o julgamento de crimes (fato típico, ilícito e culpável), em que se inserem as ações/representações eleitorais, bem como o artigo 271 do Código de Processo Civil, que prescreve “Aplica-se a todas as causas o procedimento comum, salvo disposição em contrário deste Código ou de lei especial”, compreende-se que é possível o uso subsidiário do CPC aos processo eleitorais.

Tal permissão de uso é decorrente não só da expressa disposição do art. 271, mas também de uma interpretação sistemática do ordenamento e da analogia da autorização do art. 364 do Código Eleitoral para o Processo Penal com o Processo Civil. 

Deveras, o uso do Código de Processo Civil aplica-se, inclusive, ao próprio Processo Penal, como se conclui de seus artigos 362 e 790, dentre outros.

Desta sorte, no que toca ao questionamento da letra ‘b’, por tudo que foi trazido, fica evidenciado que a utilização do Código de Processo Civil não só é autorizada, mas determinada (art. 271 do CPC) para reger as ações/representações eleitorais quando a legislação especial não dispor de forma contrária.

Já em relação à questão levantada na letra “c”, por ser o principal assunto deste trabalho e necessitar de uma reflexão mais profunda, responder-se-á na próxima seção. 

4 CRÍTICA AO USO DAS TUTELAS DE URGÊNCIA NOS PROCESSOS JUDICIAIS ELEITORAIS

Como visto nas seções 2.2 e 2.3 do presente trabalho, as tutelas de urgência foram ferramentas processuais criadas pelo legislador visando a proteger aquelas situações em que se está diante de um risco plausível de que a tutela jurisdicional ordinária, buscada ao fim do processo com a decisão de mérito, possa não se efetivar. Ou seja, faz-se uso de tais instrumentos naqueles casos em que resposta jurisdicional deve ser célere, sob pena de torna-se inútil e o direito material a que deveria servir  perecer.

Já nas seções 3.1 e 3.2 verificou-se que as principais ações/representações judiciais eleitorais já possuem no ordenamento especializado normas que garantem a celeridade e necessária efetividade buscada pelo provimento final. Atentou-se ainda que o Código de Processo Civil deve ser utilizado subsidiariamente para reger as situações não previstas pelas legislações especiais. É nele em que estão previstas as tutelas de urgência.

Almejando responder ao questionamento feito na letra ‘c’ da seção 3.2, qual seja, se há necessidade de tutelas de urgência nas ações e representações eleitorais, retoma-se a constatação feita no seção 3.2 em que se verificou que os prazos previstos nos ritos descritos nos fluxogramas acima são: 24 dias no rito do 3º a 8º da LC n.º 64/19, 18 dias no rito do art. 22 da LC n.º 064/19900 e 96 horas no rito do art. 96, 96-A e 97-A da Lei n.º 9504/1997. 

Relembre-se que as tutelas de urgência são instrumentos que visam dar efetividade do processo. Assim, se os ritos dos processos eleitorais stricto sensu já possuem a celeridade suficiente para garantir tal intento, entende-se que as tutelas de urgência não precisariam, via de regra, ser utilizadas. Elas podem ser utilizadas, mas não devem sê-lo indiscriminadamente.

Seu uso deve ser excepcionalíssimo sob pena de através de tais instrumentos o magistrado interferir indevidamente no pleito, desfavorecendo os candidatos que sejam sujeitos passivos de tais ações/representações, as quais muitas vezes são intentadas pelos adversários de forma temerária, com um único objetivo de  tumultuar a campanha.

Ainda mais porque, a concessão das tutelas de urgência se dá com base em juízos perfunctórios, de verossimilhança tendo como premissa a questão do perigo da ineficácia da tutela em razão de uma emergência, normalmente, inaudita altera pars.

 A legislação eleitoral já prevê um rito célere justamente para que não ocorram condutas durante o pleito capazes de gerar dano irreparável ou de difícil reparação no processo eleitoral.

Mais perigosa ainda é a utilização da tutela de urgência na modalidade tutela inibitória no que toca a realização de propagandas eleitorais. 

Estudando-se o histórico das eleições de 2012, nas cidades do interior do Rio Grande do Norte, encontram-se ações do Parquet Eleitoral deferidas pelos magistrados proibindo coisas inimagináveis, como por exemplo: a) que um pai de candidato que teve seus direitos políticos suspensos por improbidade administrativa e portanto não era candidato,  comemorasse seu aniversário, pública ou privadamente, bem como manifestasse apoio ao seu filho, candidato na cidade  e b) realização de shows em clubes privados durante o período de festas de padroeira de uma cidade do interior devido “à suspeita” de que no lugar realizar-se-ia propaganda eleitoral irregular  porque não havia sido feita comunicação prévia à Promotoria, o clube onde se realizaria a festa passava por dificuldades financeiras, um dos candidatos possuía relações pessoais com o patrocinador da banda que iria se apresentar e com a diretora do clube privado.

Nenhum desse argumentos justificam a intervenção do Ministério Público e da justiça eleitoral na esfera privada dos cidadãos e mesmo na propaganda eleitoral. Não há na legislação eleitoral proibição e/ou vedações que se enquadrem nas situações que serviram de fundamento para as decisões. Não existe necessidade de autorização do Ministério Público Eleitoral ou da Justiça Eleitoral para realização de festas em clubes particulares ou mesmo proibição de que candidatos tenham relacionamento pessoal com autoridades e celebridades em sua vida privada. Nem tão pouco a suspensão de direitos políticos pode impedir alguém, que nem é candidato, de comemorar seu aniversário ou de expor a vontade de que seu filho saia vitorioso de um pleito.

No Brasil, o cerceamento das liberdades, seja de expressão (letra a) seja de atividade econômica ou propaganda eleitoral (letra b) não pode ser feito senão quando expressamente previstas em lei, conforme prevê a garantia fundamental prevista no art. 5º, inciso II da Carta Magna.

Nos casos em tela, as circunstâncias relatadas como fundamento para decisões deveriam ser investigadas no âmbito de ações de investigação judicial eleitoral que já possuem rito próprio e célere o suficiente, com as garantias do contraditório e ampla defesa asseguradas, e com as sanções devidamente previstas.

Ademais, a concessão de tutelas de urgência, na espécie tutela inibitória, nos casos analisados, exigiam prova inequívoca do direito alegado, verossimilhança das alegações e perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, conforme se infere da interpretação conjunta do art. 461, do CPC, do art. 84 da Lei n.º 8.078/90 e do art. 273 do CPC.

Em nenhum dos casos houve prova inequívoca do direito alegado, simplesmente porque não há “lei” ou “resolução do TSE” prevendo a proibição de “comemoração de festa de aniversário de pessoa não candidata” nem a existência de “amizade pessoal entre candidatos e cantores famosos”.

Nem tão pouco há que se falar em dano irreparável ou de difícil reparação já que se os eventos tivessem acontecido e a propaganda irregular efetivado-se, o legislador, a quem cabe valorar condutas reprováveis no processo eleitoral, já previu as sanções nos artigos 37, § 1º e 39, § 8º da Lei n.º 9504/1997, quais sejam, multas.

Outrossim, no que toca à fiscalização da propaganda irregular, a regulamentação dada pela Lei n.º 9.504/1997 e posteriores alterações não prevê uma atuação prévia pelo judiciário. 

Ao contrário, todas as disposições reguladoras da propaganda eleitoral prevêem uma atuação posterior à constatação da irregularidade da propaganda, após notificação do candidato, com as respectivas punições pecuniárias, conforme se vê nos dispositivos a título de exemplo:

Art. 37. Nos bens cujo uso dependa de cessão ou permissão do Poder Público, ou que a ele pertençam, e nos de uso comum, inclusive postes de iluminação pública e sinalização de tráfego, viadutos, passarelas, pontes, paradas de ônibus e outros equipamentos urbanos, é vedada a veiculação de propaganda de qualquer natureza, inclusive pichação, inscrição a tinta, fixação de placas, estandartes, faixas e assemelhados.(Redação dada pela Lei n.º 11.300, de 2006)

§ 1o A veiculação de propaganda em desacordo com o disposto no caput deste artigo sujeita o responsável, após a notificação e comprovação, à restauração do bem e, caso não cumprida no prazo, a multa no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$ 8.000,00 (oito mil reais). (grifo nosso)

§ 2o Em bens particulares, independe de obtenção de licença municipal e de autorização da Justiça Eleitoral a veiculação de propaganda eleitoral por meio da fixação de faixas, placas, cartazes, pinturas ou inscrições, desde que não excedam a 4m² (quatro metros quadrados) e que não contrariem a legislação eleitoral, sujeitando-se o infrator às penalidades previstas no § 1o. (Redação dada pela Lei n.º 12.034, de 2009) (grifo nosso)

...

§ 5o Nas árvores e nos jardins localizados em áreas públicas, bem como em muros, cercas e tapumes divisórios, não é permitida a colocação de propaganda eleitoral de qualquer natureza, mesmo que não lhes cause dano. (Incluído pela Lei n.º 12.034, de 2009)

...

§ 6o É permitida a colocação de cavaletes, bonecos, cartazes, mesas para distribuição de material de campanha e bandeiras ao longo das vias públicas, desde que móveis e que não dificultem o bom andamento do trânsito de pessoas e veículos. (Incluído pela Lei n.º 12.034, de 2009)

§ 8o A veiculação de propaganda eleitoral em bens particulares deve ser espontânea e gratuita, sendo vedado qualquer tipo de pagamento em troca de espaço para esta finalidade. (Incluído pela Lei n.º 12.034, de 2009)

Art. 38. Independe da obtenção de licença municipal e de autorização da Justiça Eleitoral a veiculação de propaganda eleitoral pela distribuição de folhetos, volantes e outros impressos, os quais devem ser editados sob a responsabilidade do partido, coligação ou candidato. (grifo nosso)

Art. 39. A realização de qualquer ato de propaganda partidária ou eleitoral, em recinto aberto ou fechado, não depende de licença da polícia.(grifos nossos)

§ 1º O candidato, partido ou coligação promotora do ato fará a devida comunicação à autoridade policial em, no mínimo, vinte e quatro horas antes de sua realização, a fim de que esta lhe garanta, segundo a prioridade do aviso, o direito contra quem tencione usar o local no mesmo dia e horário.

§ 2º A autoridade policial tomará as providências necessárias à garantia da realização do ato e ao funcionamento do tráfego e dos serviços públicos que o evento possa afetar.(grifos nossos)

...

§ 4o A realização de comícios e a utilização de aparelhagem de sonorização fixa são permitidas no horário compreendido entre as 8 (oito) e as 24 (vinte e quatro) horas. (Redação dada pela Lei n.º 11.300, de 2006).(grifos nossos)

...

§ 6o É vedada na campanha eleitoral a confecção, utilização, distribuição por comitê, candidato, ou com a sua autorização, de camisetas, chaveiros, bonés, canetas, brindes, cestas básicas ou quaisquer outros bens ou materiais que possam proporcionar vantagem ao eleitor. (Incluído pela Lei n.º 11.300, de 2006) (grifos nossos)

§ 7o É proibida a realização de showmício e de evento assemelhado para promoção de candidatos, bem como a apresentação, remunerada ou não, de artistas com a finalidade de animar comício e reunião eleitoral. (Incluído pela Lei n.º 11.300, de 2006) (grifos nossos)

§ 8o É vedada a propaganda eleitoral mediante outdoors, sujeitando-se a empresa responsável, os partidos, coligações e candidatos à imediata retirada da propaganda irregular e ao pagamento de multa no valor de 5.000 (cinco mil) a 15.000 (quinze mil) UFIRs. (Incluído pela Lei n.º 11.300, de 2006) (grifos nossos)

§ 9o Até as vinte e duas horas do dia que antecede a eleição, serão permitidos distribuição de material gráfico, caminhada, carreata, passeata ou carro de som que transite pela cidade divulgando jingles ou mensagens de candidatos. (Incluído pela Lei n.º 12.034, de 2009)

§ 10. Fica vedada a utilização de trios elétricos em campanhas eleitorais, exceto para a sonorização de comícios. (Incluído pela Lei n.º 12.034, de 2009)

Art. 39-A. É permitida, no dia das eleições, a manifestação individual e silenciosa da preferência do eleitor por partido político, coligação ou candidato, revelada exclusivamente pelo uso de bandeiras, broches, dísticos e adesivos. (Incluído pela Lei n.º 12.034, de 2009)

§ 1o É vedada, no dia do pleito, até o término do horário de votação, a aglomeração de pessoas portando vestuário padronizado, bem como os instrumentos de propaganda referidos no caput, de modo a caracterizar manifestação coletiva, com ou sem utilização de veículos. (Incluído pela Lei n.º 12.034, de 2009) (grifos nossos)

§ 2o No recinto das seções eleitorais e juntas apuradoras, é proibido aos servidores da Justiça Eleitoral, aos mesários e aos escrutinadores o uso de vestuário ou objeto que contenha qualquer propaganda de partido político, de coligação ou de candidato. (Incluído pela Lei n.º 12.034, de 2009) (grifos nossos)

§ 3o Aos fiscais partidários, nos trabalhos de votação, só é permitido que, em seus crachás, constem o nome e a sigla do partido político ou coligação a que sirvam, vedada a padronização do vestuário. (Incluído pela Lei n.º 12.034, de 2009) (grifos nossos)

...

Art. 40-B. A representação relativa à propaganda irregular deve ser instruída com prova da autoria ou do prévio conhecimento do beneficiário, caso este não seja por ela responsável. (Incluído pela Lei n.º 12.034, de 2009)

Parágrafo único. A responsabilidade do candidato estará demonstrada se este, intimado da existência da propaganda irregular, não providenciar, no prazo de quarenta e oito horas, sua retirada ou regularização e, ainda, se as circunstâncias e as peculiaridades do caso específico revelarem a impossibilidade de o beneficiário não ter tido conhecimento da propaganda. (Incluído pela Lei n.º 12.034, de 2009) (grifos nossos)

Ou seja, a liberdade de realizar propaganda eleitoral é a regra, sendo exceções suas limitações. Pelo contrário, a própria Lei n.º 9.504/97 prevê a punição pelo cerceamento de propaganda eleitoral permitida pela legislação eleitoral, conforme se depreende do artigo a seguir: 

Art. 41. A propaganda exercida nos termos da legislação eleitoral não poderá ser objeto de multa nem cerceada sob alegação do exercício do poder de polícia ou de violação de postura municipal, casos em que se deve proceder na forma prevista no art. 40. (Redação dada pela Lei n.º 12.034, de 2009)

§ 1o O poder de polícia sobre a propaganda eleitoral será exercido pelos juízes eleitorais e pelos juízes designados pelos Tribunais Regionais Eleitorais. (Incluído pela Lei n.º 12.034, de 2009)

§ 2o O poder de polícia se restringe às providências necessárias para inibir práticas ilegais, vedada a censura prévia sobre o teor dos programas a serem exibidos na televisão, no rádio ou na internet. (Incluído pela Lei n.º 12.034, de 2009).

Em síntese, para fortalecimento da democracia no Brasil, cada instituição deve atuar dentro dos limites de seu poder, respeitando a legalidade, suas competências e, mais importante, as liberdades previstas na constituição. A Justiça Eleitoral principalmente!

Ao legislador coube fixar as regras a serem observadas no processo eleitoral no que toca a atuação dos candidatos, valorando as punições pelas condutas irregulares. O magistrado, portanto, no exercício do poder de polícia só pode intervir nos casos expressos na lei, devendo atuar com cuidado para não se deixar contaminar, seja pelo “calor da campanha” sob sua presidência, seja por suas posições pessoais.

A eleição é um período em que se festeja a democracia. O ativismo do judiciário e a atuação dos representantes do Parquet não deve ser tal que a torne um período de exceção.

 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta trabalho monográfico procurou-se fazer uma análise sobre a possibilidade de utilização das tutelas de urgência no âmbito dos processos judiciais eleitorais em espécie.

Inicialmente fez-se um estudo sobre as tutelas de urgência partindo-se da evolução histórica destas ferramentas processuais bem como dos motivos que levaram ao seu surgimento. Em seguida passou-se aos conceitos e características das espécies previstas no ordenamento pátrio: tutela cautelar, tutela antecipada e tutela inibitória.

Num terceiro momento desenvolve-se a análise dos principais processos judiciais eleitorais, o que foi chamado de processo eleitorais em espécie. Neste ponto apresentam-se as principais ações e representações judiciais eleitorais e as normas que regulam seus respectivos ritos, demonstrando-se que os ritos de tais ações já possuem a celeridade necessária para efetiva proteção do processo eleitoral em sentido amplo.

Outrossim, cotejando-se as normas do Código de Processo Civil(CPC) com as prescritas na legislação eleitoral conclui-se que o CPC pode ser utilizado subsidiariamente ao processo eleitoral conquanto não haja autorização expressa na legislação eleitoral. Daí resultaria a possibilidade de uso das tutelas de urgência no âmbito dos processos eleitorais stricto sensu.

Contudo, tendo em vista a utilização apenas subsidiária do CPC nas ações e processos judiciais, considerando que os ritos das referidas ações são céleres o suficiente para garantir a efetividade do provimento final e evitar a ocorrência de dano irreparável ou de difícil reparação bem como que a legislação eleitoral, no tocante a propaganda irregular, só prevê atuação pelo judiciário posterior a ocorrência do ilícito, conclui-se que o uso das tutelas de urgência, mormente a inibitória, deve ser limitado a casos excepcionais.

Ou seja, o ativismo judicial durante um processo eleitoral é instrumento perigoso à democracia pois o magistrado, por mais imparcial que seja, traz sim nos seus provimentos judiciais valores e convicções políticas pessoais, o que pode acabar maculando o processo em favor de algum candidato.

REFERÊNCIAS

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ZAVASKI, Teori Albino. Antecipação de Tutela. São Paulo: Saraiva, 1997.

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Sobre o autor
Arlley Andrade de Sousa

Mestre em Direito Constitucional - UFRN. Especialista Direito e Processo Eleitoral – UNP. Especialista em Direito Processual Civil – UNP. Bacharel em Direito – UFRN. Analista Judiciário – TRE/RN. Chefe de Cartório da 1ªZ.E - Natal/RN. E-mail: [email protected]

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUSA, Arlley Andrade. Análise e crítica do uso das tutelas de urgência no processo eleitoral stricto sensu. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3919, 25 mar. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27091. Acesso em: 26 dez. 2024.

Mais informações

Artigo Jurídico elaborado com base na Monografia “ANÁLISE E CRÍTICA DO USO DAS TUTELAS DE URGÊNCIA NO PROCESSO ELEITORAL” do mesmo autor, apresentada, em 27 de outubro de 2013, à Universidade Potiguar – UnP, como requisito para obtenção do título de Especialista em Direito Processual Civil. Orientador: Prof. M.Sc. Alexandre Alberto da Câmara Silva.

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