Direitos e garantias fundamentais aplicáveis ao investigado durante o inquérito policial no Brasil

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22/03/2014 às 09:51

Resumo:


  • O inquérito policial é um procedimento administrativo instaurado pela autoridade policial para investigar crimes de ação penal pública incondicionada.

  • O inquérito policial é de natureza inquisitiva, não estando sujeito ao contraditório e à ampla defesa, mas não autoriza a prática de diligências ilegais.

  • O inquérito policial é de ofício, ou seja, deve ser iniciado pela autoridade policial sempre que houver notícia de uma infração penal, e sua indisponibilidade impede que a autoridade policial arquive o procedimento sem decisão judicial.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3. O INQUÉRITO POLICIAL A CARGO DA POLÍCIA JUDICIÁRIA

Como conceituado no capítulo anterior, verificou-se que o inquérito policial é um procedimento investigatório instaurado em razão da prática de uma infração penal, composta por umas séries de diligências, que tem por objetivo, colher elementos probantes ao titular da ação penal. Após esta breve conceituação, passa-se à análise da equipe responsável para a formação do inquérito policial.

3.1 A EQUIPE POLICIAL

Para a realização da investigação e confecção do inquérito policial, a Polícia Judiciária trabalha em equipe, formada, como bem descreve Garcia[59] , pela Autoridade Policial, Escrivão, Agentes policiais e Peritos:

  1. Autoridade Policial: que preside as investigações e o Inquérito [...]

  2. Escrivão: que funciona como uma espécie de secretário da Autoridade Policial, registrando as diligências realizadas e organizando o Inquérito, segundo as instruções e determinações recebidas.

  3. Agentes policiais: encarregados das investigações empíricas (não técnicas). Agem a mando da autoridade.

  4. Peritos: encarregados do exame de corpo de delito, parte material da ocorrência.

O Código de Processo Penal, quando se refere ao Delegado de Polícia, usa a expressão “Autoridade Policial” (arts. 6º, 7º e 17) e “Autoridade Judiciária”, está referindo-se ao Juiz de Direito (art. 185).

Discorrida a formação da equipe responsável por desenvolver o inquérito, passa-se ao estudo das características deste procedimento administrativo.

3.2 CARACTERÍSTICAS DO INQUÉRITO POLICIAL

A doutrina não é uníssona no apontamento das características do inquérito policial brasileiro, porém a maior parte dela descreve as seguintes: autoridade, inquisitividade, oficiosidade, indisponibilidade, dispensabilidade, forma escrita e sigilosidade. Assim, passa-se a análise das características deste procedimento administrativo investigatório a cargo da polícia judiciária.

3.2.1 Autoridade

Quanto a característica da autoridade, Fernando Capez descreve que: “Exigência expressa do Texto Constitucional (CF, art. 144, § 4º); o inquérito é presidido por uma autoridade pública, no caso, a autoridade policial (delegado de polícia de carreira).” [60]

Por ser o inquérito policial realizado pela polícia judiciária: “A presidência do inquérito fica a cargo da autoridade policial (delegado de polícia ou da Polícia Federal) que, para a realização das diligências, é auxiliado por investigadores de polícia, escrivães, agentes policiais etc.” [61] .

3.2.2 Inquisitividade

O inquérito policial, como se viu, é procedimento meramente informativo, proposto à investigação de um fato possivelmente criminoso e à identificação de seu autor, com vistas à obtenção de elementos suficientes para a propositura de uma ação penal.

Quanto à natureza inquisitiva do inquérito policial, predomina o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que este procedimento administrativo possui dinâmica diversa da ação penal, dessa maneira não sendo regido pelos princípios do contraditório e da ampla defesa. Neste norte sustenta Bonfim:

[...] não está sujeito ao princípio do contraditório ou da ampla defesa. O suspeito ou o indiciado apresenta-se apenas como objeto da atividade investigatória, resguardados, contudo, seus direitos e garantias individuais.Ademais, o art. 5º, LV da CF, que consagra os princípios do contraditório e da ampla defesa, refere-se aos “ligantes” e aos “acusados em geral”, não se pode aplicá-los ao indiciado, uma vez que não há essa fase investigativa acusação propriamente dita. Caso se estendesse em sentido diverso, isto é, pela possibilidade de aplicar tais princípios ao inquérito policial, uma série de possibilidades se afiguraria possível, tais como o direito de reperguntar às testemunhas arguir suspeição do delegado de polícia etc. Iniciada a ação penal, por intermédio da petição inicial, nasce a figura do acusado, que, cientificado da ação penal submeter-se-á ao devido processo legal, com a consequente observância dos princípios constitucionais informadores do direito processual penal. [62]

Verifica-se que, “o inquérito é um procedimento investigatório em cujo tramitar não vigora o princípio do contraditório que, nos termos do art. 5º, LV, da Constituição Federal”.[63] .

A propósito, o Ministro do STJ, João Otávio de Noronha, sobre o inquérito policial assim apontou: “O inquérito policial é procedimento investigatório e meramente informativo, não se submetendo ao crivo do contraditório, pelo que não é garantido ao indiciado o exercício da ampla defesa, sendo lícito o indeferimento de colheita de provas na forma por ele requerida”[64] .

Assim, não há obrigação da autoridade policial intimar o investigado para o acompanhamento das diligências investigativas. Porém, é certo, este caráter inquisitivo não traz ao inquérito a possibilidade de realização de diligências ilegais, “como escutas telefônicas clandestinas e torturas na obtenção de provas e confissões, sob pena de responsabilização criminal e nulidade da prova obtida de forma ilícita” [65] .

3.2.3 Oficiosidade

Quanto à característica da oficiosidade, confere-se que o artigo 5º, inciso primeiro do Código de Processo Penal determina que “nos crimes de ação penal pública o inquérito será iniciado: de ofício”.[66] Tal dispositivo “estabelece para a autoridade policial a obrigatoriedade da instauração de inquérito policial, independentemente de provocação, sempre que se tratar de crime de ação penal pública incondicionada.” [67]

Conforme descreve Fernando Capez[68] , a atividade da autoridade policial não depende de qualquer espécie de provocação, sendo obrigatória a instauração do inquérito diante da notícia de uma infração penal, ressalvados os casos de ação penal pública condicionada e de iniciativa privada.

3.2.4 Indisponibilidade

Uma vez o inquérito instaurado não pode a autoridade policial dele se desfazer promovendo o seu arquivamento. É o que estabelece o Código de Processo Penal “a autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de inquérito” [69] .

A Lei Processual Penal ainda estabelece que o arquivamento de um inquérito policial somente pode ser ordenado por Juiz de Direito, a requerimento do Ministério Público[70] .

Nesta mesma linha, tem-se que “o arquivamento de um inquérito policial depende de decisão judicial, a ser proferida em face de provocação do Ministério Público,mediante requerimento fundamentado, tendo em vista o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública (art. 28 do CPP)”

Assim, quanto a esta característica, conclui-se, no instante que o Delegado de Polícia abre as investigações no inquérito policial, deverá, obrigatoriamente, mesmo se concluir pela atipicidade delituosa, remetê-lo ao Ministério Público, sendo que o arquivamento deste procedimento apenas se dará por decisão judicial.

3.2.5 Dispensabilidade

Apesar de ser o principal instrumento de investigação criminal existente no Brasil, o inquérito policial poderá ser dispensado pelo titular da ação penal desde que este disponha de elementos que comprovem a autoria e a materialidade do crime, é o que dispõem Fuller, Junqueira e Machado[71] .

O Código de Processo Penal, em seu artigo 4º, parágrafo único, prevê explicitamente que o inquérito policial poderá ser dispensado. Tal ditame legal abre a possibilidade de apuração de infrações penais a serem realizadas por meio de procedimentos investigativos diversos.[72] Cita-se, por exemplo, as Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) que são dotadas de “poderes próprios de autoridades judiciais [...], para a apuração de fato determinada e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores” [73] .

Ainda, quanto à dispensabilidade do inquérito policial o artigo 27 do CPP anuncia que qualquer pessoa do povo poderá dirigir-se ao Ministério Público, nos casos de ação penal pública, para fornecer, por escrito “informações sobre fato e a autoria e indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção.” [74] Outra prova da dispensabilidade do inquérito está prevista na Lei dos Juizados Especiais (Lei. 9.099/95), mais especificamente em seu artigo 77, §1º que descreve a substituição do inquérito policial por termo circunstanciado. [75]

Assim, conclui-se que o inquérito policial é um procedimento dispensável, sempre que o titular da ação prover de elementos suficientes para a comprovação da autoria e da materialidade delitiva.

3.2.6 Forma escrita

O artigo 9º do CPP dispõe a obrigatoriedade de todas as peças do inquérito serem escritas e se datilografadas, rubricadas pela autoridade: “Todas as peças do inquérito policial serão, num só processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade”. [76] Passe-se, agora, ao estudo do sigilo no inquérito policial.

3.2.7Sigilosidade

Apesar de a Constituição Federal assegurar a todo o cidadão a obtenção de informações dos órgãos públicos[77] , tal preceito pode receber limitações em decorrência da soberania do interesse público sobre o particular.

No entanto, Fernando Capez descreve que o sigilo atinente ao inquérito policial não atinge ao representante do Ministério Público, nem à autoridade judiciária. Porém ao advogado, lhe é permitido consulta nos autos do inquérito, sempre que este procedimento não for decretado sigiloso pelo poder judiciário[78] .

Mirabete explica que o inquérito policial é sigiloso “para a completa elucidação do fato sem que lhe oponham, no caminho, empecilhos para impedir ou dificultar a colheita de informações com ocultação ou destruição de provas, influência sobre testemunhas etc”.[79] Para Bonfim é o delegado de polícia quem decidirá discricionariamente acerca da necessidade ou não do sigilo[80] .

Para dirimir quaisquer discussões a respeito da sigilosidade do inquérito policial, o Supremo Tribunal Federal ditou súmula vinculante assegurando ao advogado, no interesse de seu cliente, o acesso de todas as provas documentadas em procedimento realizado por órgão que detiver competência investigatória:

É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.[81]

Após o estudo das características do inquérito policial, passa-se nesta fase do trabalho às formas pelas quais este procedimento administrativo é instaurado pela polícia judiciária, tendo início por uma notitia criminis, as diligências realizadas até seu encaminhamento ao poder judiciário ou o seu arquivamento.

3.3 DA NOTÍCIA DO CRIME ÀS FORMAS DE INSTAURAÇÃO DO IP

A partir do instante que a notícia do cometimento de um crime chega aos ouvidos da autoridade policial, por meio de uma notitia criminis começasse os trabalhos da polícia judiciária, pois como vimos no capítulo anterior, a este órgão estatal não possui a função preventiva do crime, mas sim a elucidação das infrações penais.Surgem com a notícia do crime inúmeras fases de atos que o Delegado de Polícia, seja ele civil ou federal, terá de realizar até a formação de seu relatório, no entanto o Código de Processo Penal prevê modalidade de instauração do IP, que são amplamente estudadas pela doutrina.

3.3.1 Notitia Criminis

Fernando Capez afirma que “dá-se o nome de notitia criminis ao conhecimento espontâneo ou provocado, por parte da autoridade policial, de um fato aparentemente criminoso”.[82] A doutrina majoritária cita a existência de três espécies de notícia crime: direta, indireta e coercitiva:

Diz-se notitia criminis de cognição direta ou imediata, a também chamada de espontânea ou inqualificada. Ocorre quando a autoridade policial toma conhecimento de um crime por meio de atividades de rotina, feitas pela própria polícia judiciária.[83]

Nesta mesma linha de raciocínio, Mirabete ainda prevê que esta espécie de notitia criminis ocorre através de uma comunicação direta com a autoridade policial, por via de um funcionário subalterno ou até mesmo pelos meios de comunicação.

No que tange à notitia criminis de cognição indireta ou mediata esta “ocorre quando a autoridade policial toma conhecimento por meio de algum ato jurídico de comunicação formal do delito”[84] . É o caso do boletim de ocorrência, por exemplo.

Quanto a terceira modalidade de notitia criminis, tem-se a de cognição coercitiva, onde esta ocorre no instante da prisão em flagrante, em que a notícia a instauração do inquérito se dá com a apreensão do suposto autor do crime.[85]

Essas são as três formas de exteriorização da notitia criminis, mais apontadas pela doutrina.

3.3.1.1 A (in) constitucionalidade da notitia criminis anônima

A notitia criminis anônima, popularmente batizada como denúncia anônima, provoca certa imprecisão quanto a sua constitucionalidade como forma de início de da persecutio criminis. Manifesta parte da doutrina que a denúncia anônima é inconstitucional, ao violar o artigo 5º, inciso IV da Constituição Federal: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”[86]

Fernando da Costa Tourinho Filho rejeita veementemente a aceitação da denúncia anônima como forma de prova no processo penal. Além do mais, segundo Aloisi e Mortara, citados por Tourinho Filho, "a denúncia anônima não é uma denúncia no significado jurídico do termo, pelo que não pode ser tomada em consideração na lei processual penal" [87] . Outro argumento traz o aludido autor que qualquer cidadão, a qualquer momento, poderia ser acusado de algum crime, do qual nem sequer tem conhecimento, tendo, desta forma, ao final das investigações policiais, sua imagem e honram maculadas.

O Superior Tribunal de Justiça, em julgamento do HC nº. 95.838/RJ deixou seu posicionamento claro sobre a imprestabilidade de uma denúncia anônima:

PROCEDIMENTO CRIMINAL (ACUSAÇÃO ANÔNIMA). ANONIMATO (VEDAÇÃO). INCOMPATIBILIDADE DE NORMAS (ANTINOMIA). FORO PRIVILEGIADO (PRERROGATIVA DE FUNÇÃO). DENÚNCIA APÓCRIFA (INVESTIGAÇÃO INCONVENIENTE). 1. Requer o ordenamento jurídico brasileiro e é bom que assim requeira – que também o processo preliminar – preparatório da ação penal – inicie-se sem mácula. 2.Se as investigações preliminares foram iniciadas a partir de correspondência eletrônica anônima (e-mail), tiveram início, então, repletas de nódoas, tratando-se, pois, de natimorta notícia. 3. Em nosso conjunto de regras jurídicas, normas existem sobre sigilo, bem como sobre informação; enfim, normas sobre segurança e normas sobre liberdade. 4. Havendo normas de opostas inspirações ideológicas antinomia de princípio, a solução do conflito (aparente) há de privilegiar a liberdade, porque a liberdade anda à frente dos outros bens da vida, salvo à frente da própria vida. 5. Deve-se, todavia, distinguir cada caso, de tal sorte que, em determinadas hipóteses, esteja a autoridade policial, diante de notícia, autorizada a apurar eventual ocorrência de crime. 6. Tratando-se, como se trata, porém, de paciente que detém foro por prerrogativa de função, ao admitir-se investigação calcada em denúncia apócrifa, fragiliza-se não a pessoa, e sim a própria instituição à qual pertence e, em última razão, o Estado democrático de direito. 7. A Turma ratificou a liminar – de caráter unipessoal – e concedeu a ordem a fim de determinar o arquivamento do procedimento criminal. (grifou-se)[88]

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Mirabete destaca que antes de instaurar o inquérito com base em denúncia anônima a autoridade policial deve verificar com cuidado se procede a informação de crime[89]

Por fim, destaca-se, com isso, que a autoridade policial deverá, sempre com a cautela devida, receber as denúncias anônimas, no sentido de apurar a veracidade da informação para então instaurar o inquérito.

3.4 DA INSTAURAÇÃO DO INQUÉRITO POLICIAL

Por falar em instauração do inquérito diz-se que esta poderá ocorrer de maneiras diversas, de acordo com a espécie de ação penal. Desse modo, tem-se:

3.4.1 Ação penal pública incondicionada

Descreve Tourinho Filho[90] que, em se tratando de crime de ação pública incondicionada, isto é, aquela cuja titularidade é exclusiva do Ministério Público, a autoridade policial, ao tomar conhecimento de um crime instaurará o respectivo inquérito policial, basicamente das seguintes formas:

3.4.1.1 Ex officio

Segundo preceitua o Código de Processo Penal, o inquérito policial, nos crimes de ação penal pública, poderá iniciar de ofício, por ato da autoridade policial.[91] O Delegado de Polícia, ao tomar conhecimento de um crime cuja ação penal for de iniciativa pública incondicionada, tem o dever de instaurar, mediante portaria, o inquérito policial. A portaria fará referência de todas as informações conhecidas quanto ao local do fato delituoso, vítima e testemunhas, indicando por fim a tipificação da aludida infração penal [92] .

Fernando Capez finaliza este raciocínio informando que: “que a autoridade policial não poderá instaurar o inquérito se não houver justa causa (p. ex., se o fato não configurar, nem em tese, ilícito penal; quando estiver extinta a punibilidade ou quando não houver sinais de existência do fato)” [93] .

3.4.1.2 Por requisição do Ministério Público ou do Juiz

O CPP descreve como sendo a segunda modalidade de instauração de inquérito policial nos crimes cuja ação penal for pública incondicionada aquela “mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público” [94] .

Quando o órgão do Ministério Público tomar conhecimento de um crime cuja ação penal for o titular e esta não depender de nenhuma outra condição, poderá se não dispuser de um conjunto probatório completo, requisitar ao Delegado de Polícia a instauração do inquérito policial, assim disciplina o artigo 129, VII da Constituição Federal[95] .

Fuller, Junqueira e Machado afirmam que: “Discute-se sobre a possibilidade de a autoridade judicial requisitar a instauração de inquérito policial (iniciativa da investigação criminal), em face do princípio acusatório” [96] . No entanto, é autorizado ao Juiz remeter ao Ministério Público papéis que verificarem indícios de um crime de ação pública “[97] .

3.4.1.3 Por requerimento do ofendido ou de seu representante legal

Esta é a situação[98] em que a vítima noticia a ocorrência do crime e provoca formalmente a instauração do IP. Este requerimento deverá conter a narrativa detalhada do fato,a identificação (mais completa possível) do indiciado e o rol de testemunhas.[99] .

3.4.1.4 Por auto de prisão em flagrante

Fuller, Junqueira e Machado asseguram que “Com a apresentação do preso, a autoridade policial toma conhecimento da prática de uma infração penal, devendo então instaurar o inquérito policial mediante o auto de prisão em flagrante lavrado (art. 304 do CPP).”[100] .

Após a análise das modalidades de instauração do inquérito policial nos crime cuja ação penal é de iniciativa pública incondicionada, no próximo tópico descreve-se quanto ao modo de instauração do IP nos crimes de ação penal pública condicionada à representação do ofendido.

3.4.2 Ação penal pública condicionada à representação do ofendido

Diz o artigo 5°, § 4°, do CPP: "O inquérito, nos crimes em que a ação pública depender de representação, não poderá sem ela ser iniciado".[101] Sobre a representação criminal, Mirabete destaca que esta “(...) é um pedido-autorização em que o interessado manifesta o desejo de que seja proposta a ação penal pública e, portanto, como medida preliminar, o inquérito policia”.[102]

Podem oferecer representação o ofendido[103] “ou quem tiver qualidade para representá-lo, ou seja, representante legal da vítima, e, por força do artigo 39, caput, do segundo Estatuto, o procurador com poderes especiais.” [104]

3.4.3 Ação penal de iniciativa privada

Quando a lei previr expressamente que um determinado crime somente se investigue mediante queixa, determina então que a este incumbe a deflagração de ação penal privada[105] , assim a instauração do inquérito policial dependerá do requerimento do ofendido.[106] O CPP diz ainda que: "Nos crimes de ação privada, a autoridade policial somente poderá proceder a inquérito a requerimento de quem tenha qualidade para intentá-la[107]

Essas são as formas de instauração do IP previstas no CPP. Passamos agora ao estudo das diligências integrantes do inquérito policial.

3.5 BREVES NOTAS SOBRE AS DILIGÊNCIAS DO IP

O inquérito policial, por ser um conjunto de peças informativas, não possui uma forma procedimental a ser seguida com rigor. Assim, como apontam Demercian e Maluly, a autoridade policial utiliza-se da discricionariedade para montar o procedimento cujo objetivo é a apuração de indícios de autoria e prova da existência de uma infração penal.[108]

Dessa forma, como verificamos anteriormente, não existe nulidade durante o inquérito policial, por ser este um procedimento administrativo de cunho informativo.Neste compasso, a partir de agora, abordaremos breves considerações sobre as diligências contidas no inquérito policial.

3.5.1 Preservação do estado das coisas

Em linhas gerais, o artigo 6º do CPP aponta as diligências que a autoridade policial deverá realizar assim que tiver conhecimento de um crime. O inciso um deste artigo destaca a responsabilidade do Delegado em preservar o estado de conservação das coisas até a chegada dos peritos criminais.[109] .

Este dispositivo tem por objetivo evitar que alterações feitas pelos autores do delito ou por populares possam prejudicar a realização da perícia[110] . Fernando Capez, sobre esta diligência comenta:

De início, se possível e conveniente, a autoridade policial deveria dirigir- se ao local, providenciando para que se não alterassem o estado e conservação das coisas, enquanto necessário. Com a nova redação do art.6º, I, dada pela Lei n. 8.862, de 28 de março de 1994, a autoridade policial deverá dirigir-se sempre ao local do crime — e não somente “quando possível”— e preservará o estado e conservação das coisas “até a chegada dos peritos” — e não apenas “enquanto necessário”. A regra tem correspondência no art. 169 do Código de Processo Penal, que prescreve: “Para o efeito de exame do local onde houver sido praticada a infração, a autoridade providenciará imediatamente para que não se altere o estado das coisas até a chegada dos peritos, que poderão instruir seus laudos com fotografias,desenhos ou esquemas elucidativos. Parágrafo único: Os peritos registrarão,no laudo, as alterações do estado das coisas e discutirão, no relatório, as conseqüências dessas alterações na dinâmica dos fatos”.[111] .

Assim, conclui-se que, uma vez que o Delegado de Polícia tiver conhecimento de um crime deverá dirigir-se ao local e fazer com que os indícios deste crime permanecem, evitando contato de terceiros com o local até a chegada dos peritos.

3.5.2 Apreensão de instrumentos e outros objetos

Determina o artigo 6º, inciso II, do CPP que após a realização da perícia no local, a autoridade policial deverá apreender os objetos que tiverem relação com o crime[112] . Demercian e Maluly apontam que: “A busca e apreensão dos objetos relacionados com o crime, quando realizadas no próprio local da infração, não existem maiores formalidades”.[113]

Fernando Capez classifica a busca e apreensão realizada pela autoridade policial em três modalidades: a) no local do crime; b) em domicílio; c) na própria pessoa.[114] No que tange à busca domiciliar, deve-se ater o que determina a Constituição Federal[115] .

Sobre a busca pessoal, o CPP autoriza sua realização independente de mandado, no caso de prisão ou quando houver desconfiar que alguém possa estar portando arma proibida ou objetos que constituem corpo de delito, ou quando a medida for determinada durante a busca domiciliar.[116]

3.5.3 Oitiva da vítima e de testemunhas

O Código de Processo Penal estabelece ainda que a autoridade policial deverá “colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias”[117] . Trata-se de uma autorização genérica, e como bem sabemos, a prova testemunhal é fundamental também nesta fase, pois a oitiva de pessoas na instrução pré-processual faz com que a autoridade policial, além do fundamento científico originado pelas perícias, enriqueça o seu relatório.

Não existe limite para oitiva de testemunhas durante o IP, é o que descrevem Reis e Gonçalves: “Ao contrário do que ocorre após o início da ação penal, na fase do inquérito não existe limite no número de testemunhas quea autoridade pode ouvir”.[118] . No entanto, na lavratura do auto de prisão em flagrante devem ser ouvidas ao menos duas testemunhas[119] .Importante orientação, sobre as testemunhas, faz Fernando Capez:

O ofendido e as testemunhas podem ser conduzidos coercitivamente sempre que deixarem, sem justificativa, de atender a intimações da autoridade policial (CPP, arts. 201 parágrafo único, e 218). Quanto ao ofendido,o ordenamento autoriza, além da condução coercitiva, a sua busca e apreensão (CPP, art. 240, § 1º, g). De acordo com o art. 219 do Código de Processo Penal, aplicável por analogia à primeira fase da persecução, a testemunha faltosa poderá responder, ainda, por crime de desobediência.[120] .

Do exposto, compreende-se que o sujeito passivo do delito, na etapa policial, é tratado como ofendido, já na ação penal ele será chamado de vítima. As declarações do ofendido estabelecem o ponto inicial para os trabalhos da autoridade policial, são destes dados que os primeiros elementos para as investigações surgirão.

Sobre as testemunhas, orienta Da Silva que nem toda a testemunha presta o compromisso de dizer a verdade em seu depoimento, dessa forra surge a seguinte classificação.

  1. Numerativas – são aquelas que, tendo conhecimento do fato delituoso, ou de seus pormenores e circunstâncias essenciais, prometem, sob palavra de honra, dizer a verdade do que souberem ou lhes for perguntado. Figuram entre aquelas arroladas para a instrução do processo;

  2. Informantes – são aquelas em relação às quais não se deferirá o compromisso legal de dizer a verdade, como, por exemplo: o ascendente ou o descendente, o afim em linha reta, o cônjuge, ainda que desquitado, o irmão, o pai, a mãe, ou o filho adotivo do acusado, os doentes e deficientes mentais e os menores de 14 anos;

  3. Referidas – são aquelas mencionadas em depoimento ou declarações anteriores prestados nos autos, e que conhecem algum ponto relevante do fato delituoso, e devem ser ouvidas no interesse da apuração;

  4. Instrumentárias – são aquelas que, embora não tenham conhecimento do fato delituoso, assistem, por exigência da lei, por diligências ou atos processuais, assinando, depois, os autos ou termos correspondentes, como é o caso das testemunhas de leitura de um interrogatório, testemunhas que assistem a uma busca domiciliar e assinam o auto circunstanciado etc. [121] .

Sob esta ênfase de divisão das testemunhas trazidas por Da Silva, podemos apreender a seriedade que há na apreciação das testemunhas na fase policial para o esclarecimento do crime.

No entanto, averigua que nem todos os indivíduos ouvidos no Inquérito Policial estão sujeitos a proferirem a verdade. Realça-se aqui a figura dos informantes que podem ser os parentes do ofendido ou do suspeito/indiciado pela prática criminosa.

3.5.4 Interrogatório

O interrogatório policial é o ato pelo qual o suspeito é convertido em possível autor de delito, ato este concretizado através do indiciamento. Descreve Nucci que: "o indiciado é a pessoa eleita pelo Estado-investigação, dentro da sua convicção, como autora da infração penal"[122] .

Em apertada síntese, a condição apresentada relata a existência de mais que mera suspeita sobre sua participação em determinado ato criminoso, haja vista que passará a ser encarado como provável autor, ou como "quase réu". Por não ser regulamentado pela lei processual, o interrogatório durante o inquérito policial receberá as devidas cautelas previstas nos artigos 186 a 188 do CPP, pois a autoridade deverá ouvir o investigado colhendo informações sobre sua vida pregressa, a conduta e todos os dados necessários para sua identificação.

3.5.5 Dos exames periciais

Dispõe o Código de Processo Penal que, quando o crime deixa vestígios, é imperioso para o esclarecimento do ocorrido à produção de exame de corpo de delito, na modalidade direta ou indireta, não sendo possível suprir tal exame pela confissão do investigado[123] .

Demercian e Maluly diferenciam que: “O corpo de delito é o conjunto de vestígios materiais deixados pela infração penal; consequentemente, o exame de corpo de delito é a absorção técnica desses vestígios”.[124]

Nesta linha, inúmeras são as perícias que a autoridade policial poderá requisitar para a elucidação da materialidade do crime. Dentre os artigos 158 e 184 do CPP encontram-se diversas modalidades de exames periciais: exame de corpo de delito, autópsia, exame cadavérico, exumação, o exame complementar entre outros.

3.5.6 Reconhecimento de pessoas e coisas

Para o esclarecimento dos fatos no inquérito policial, a autoridade poderá também realizar o reconhecimento de pessoas ou coisas, sendo regulada a matéria nos artigos. 226, 221, 228 do Código de Processo Penal.

Capez explica de forma pormenorizada do reconhecimento de pessoas realizado dentro de uma delegacia de polícia:

[...] antes do reconhecimento, a pessoa que tiver de fazê-lo deverá fornecer a descrição física daquela que deva ser reconhecida; a pessoa a ser reconhecida deve ser colocada ao lado de outras com características semelhantes; do reconhecimento lavrar-se-á o auto pormenorizado, subscrito pela autoridade policial, pela pessoa que reconheceu e por duas testemunhas instrumentárias.[125]

Salles Junior destaca que: “Pode a autoridade, ainda, levar a efeito o reconhecimento do objeto relacionado ao fato delituoso. A rigor o reconhecimento de objeto processa-se de modo idêntico ao reconhecimento de pessoa” [126] .

Ao exposto, verifica-se que a autoridade policial, ao proceder ao reconhecimento de pessoas, principalmente, deverá realizar embasada por fortes indícios para que se evitem injustiças. Ressalta-se ainda que todas as formalidades legais devam ser respeitadas, para que uma pessoa não seja apontada como autora de um delito que não cometeu ou que um objeto seja indicado como sendo a arma do crime sem que tenha na verdade sido.

3.5.7 Acareações

No inquérito policial as acareações também contribuem para dirimir eventuais divergências entre informações prestadas por pessoas durante seus depoimentos.

Frisa-se que não é sempre que uma acareação é realizada, ocorrendo apenas quando houver fortes indícios de depoimentos divergentes, é neste sentido que Demercian e Maluly destacam:

As acareações são utilizadas para dirimir controvérsias entre os depoimentos (testemunhas), declarações (vítimas, informantes e demais pessoas que não prestam compromisso, na forma do art. 208 do CPP) e interrogatórios, a teor do art. 229 do CPP. A discordância, vale lembrar, para ensejar a acareação deve cingir-se a pontos relevantes para o deslinde da causa. [127]

As regras da acareação no inquérito seguem as descritas nos artigos 229 e 230 do CPP, in verbis:

Art. 229. A acareação será admitida entre acusados, entre acusado e testemunha, entre testemunhas, entre acusado ou testemunha e a pessoa ofendida, e entre as pessoas ofendidas, sempre que divergirem, em suas declarações, sobre fatos ou circunstâncias relevantes.

Parágrafo único. Os acareados serão reperguntados, para que expliquem os pontos de divergências, reduzindo-se a termo o ato de acareação.

Art. 230. Se ausente alguma testemunha, cujas declarações divirjam das de outra, que esteja presente, a esta se darão a conhecer os pontos da divergência, consignando-se no auto o que explicar ou observar. Se subsistir a discordância, expedir-se-á precatória à autoridade do lugar onde resida a testemunha ausente, transcrevendo-se as declarações desta e as da testemunha presente, nos pontos em que divergirem, bem como o texto do referido auto, a fim de que se complete a diligência, ouvindo-se a testemunha ausente, pela mesma forma estabelecida para a testemunha presente. Esta diligência só se realizará quando não importe demora prejudicial ao processo e o juiz a entenda conveniente.

Neste modo conclui-se que as acareações durante o inquérito policial são admissíveis, porém destaca-se que surgirão apenas em casos excepcionais onde houver divergência entre depoimentos prestados nesta fase. Verifica-se ainda que o direito do acusado de permanecer em silêncio, durante sua inquirição na acareação também deverá ser respeitado.

3.5.8 Relatório

Após as conclusões das investigações, cabe ao Delegado de Polícia fazer um detalhado relatório do que tiver sido apurado no inquérito. O artigo 10 do Código de Processo Penal descreve o relatório policial: “A autoridade fará minucioso relatório do que tiver sido apurado e enviará autos ao juiz competente” [128] “No relatório poderá a autoridade indicar testemunhas que não tiverem sido inquiridas, mencionando o lugar onde possam ser encontradas”[129]

Para Salles Junior[104] o relatório é um rápido histórico sobre a infração penal cometida e também uma breve notícia das diligências realizadas. É nessa peça, que em casos especiais, a autoridade policial poderá representar ao juízo no sentido de ser decretada a prisão preventiva do indiciado pelas razões autorizadoras dos artigos 311 e 313 do CPP.

Mirabete [103]observa que o Delegado de Polícia não caberá na sua exposição emitir qualquer juízo de valor, expender opiniões ou julgamentos, mas apenas prestas todas as informações colhidas durante as investigações.

Desta forma, conclui-se que o relatório policial nada mais é do que a singela notícia do delito acompanhado das diligências realizadas pela Autoridade Policial para apuração deste crime e de sua autoria.Com o relatório, o caderno indiciário é enviado à justiça criminal onde será remetido ao Ministério Público para análise e posterior ação penal, caso seja a mesma pública.

3.6 PRAZOS PARA A CONCLUSÃO DO IP

Fuller, Junqueira e Machado, na interpretação do artigo 10, caput, do CPP, esclarecem que quando o indiciado não estiver em liberdade, a autoridade policial deverá concluir as investigações no prazo de trinta dias e se preso no prazo de dez dias:

  • Se preso: 10 dias, contados do dia da prisão em flagrante ou da execução da ordem de prisão preventiva. Esse prazo é improrrogável e, se for excedido, torna a prisão ilegal, ensejando o seu relaxamento (art. 5.° LXV, da CF/1988);

  • Se solto: 30 dias, contados do dia em que foi instaurado o inquérito policial. Esse prazo pode ser prorrogado pelo juiz, a pedido fundamentadoda autoridade policial (art. 10, § 3.°, do CPP).(grifou-se)[130]

Fernando Capez[131] assinala que na hipótese do indiciado estiver em liberdade, a contagem de trinta dias se iniciará a partir do recebimento da notitia criminis, porém, o juiz poderá permitir a prorrogação deste prazo, desde que o caso seja de difícil elucidação, como discorre o §3º do art. 10 do CPP. Ao término do inquérito o Ministério público poderá solicitar novas diligências que entender imprescindíveis[132] , essa regra é aplicada por analogia, ao ofendido, sempre que se tratar de ação penal privada. Capez ainda destaca que se o indiciado estiver preso, o prazo para a conclusão do inquérito é de dez dias, contados a partir do dia seguinte à data da efetivação da prisão, dada a sua natureza processual.

A regra geral é o artigo 10 do CPP, porém algumas leis especiais, tendo em vista a natureza da infração, fixam prazos especiais para a conclusão do inquérito policial. Fernando Capez cita os seguintes ditames legais:

  1. Lei n. 1.521/51: o prazo, estando o indiciado preso ou não, é de dez dias (art. 10, § 1º). São os casos de crimes contra a economia popular.

  2. Lei n. 11.343/2006: de acordo com o art. 51, caput, da Lei de Drogas:“o inquérito policial será concluído no prazo de 30 (trinta) dias, se o indiciado estiver preso, e de 90 (noventa) dias, quando solto”. Conforme o parágrafo único, “os prazos a que se refere este artigo podem ser duplicados pelo juiz, ouvido o Ministério Público, mediante pedido justificado da autoridade de polícia judiciária”. Ressalve-se que, tratando-se de conduta prevista no art. 28 da nova lei, não se imporá prisão.

  3. Lei n. 5.010/66: o prazo, estando o indiciado preso, é de quinze dias, admitindo-se a prorrogação por mais quinze dias, a pedido, devidamente fundamentado, da autoridade policial e deferido pelo juiz (art. 66). Estando solto, o prazo será de trinta dias.[133]

Sobre a contagem para o fim do inquérito policial citam-se as seguintes ementas jurisprudenciais:

HABEAS CORPUS. EXCESSO DE PRAZO PARA A CONCLUSÃO DO INQUÉRITO POLICIAL. OCORRÊNCIA. PACIENTE PRESO POR MAIS DE 04 (QUATRO) MESES SEM QUE TENHA SIDO CONCLUÍDO O INQUÉRITO POLICIAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. ORDEM CONCEDIDA. - O paciente encontra-se preso cautelarmente por mais de 04 (quatro) meses, sem que tenha sido concluído o Inquérito Policial, em flagrante violação ao art. 10, caput, do Código de Processo Penal. - Existente constrangimento ilegal decorrente de excesso de prazo para a conclusão do Inquérito Policial, é de rigor a concessão da presente ordem de Habeas Corpus, ficando confirmada a medida liminar anteriormente deferida. (grifou-se)[134]

Ainda:

HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA COM INDICAÇÃO PONTUAL DOS REQUISITOS. DESNECESSIDADE DE PROVA CABAL QUANTO À AUTORIA. EXCESSO DE PRAZO PARA CONCLUSÃO DO INQUÉRITO. RÉU SOLTO. ART. 10, CAPUT, DO CPP. CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE. 1. O prazo de que trata o art. 10, caput, do Código de Processo Penal, é impróprio, não prevendo a lei qualquer consequência processual, máxime a preclusão, se a conclusão do inquérito ocorrer após trinta dias de sua instauração, estando solto o réu. 2. O tempo despendido para a conclusão do inquérito assume relevância para o fim de caracterizar constrangimento ilegal, apenas se o Paciente estiver preso no curso das investigações ou se o prazo prescricional tiver sido alcançado nesse interregno e, ainda assim, continuarem as investigações. 3. Para o decreto de prisão preventiva bastam os indícios da autoria, não reclamando prova cabal desse envolvimento. 4. Não é o habeas corpus instrumento processual idôneo para aferir a qualidade da prova ou do indício, porque essa atividade exige o revolvimento de provas. 5. As condições para o decreto de prisão preventiva são aferidas no presente, devendo o magistrado apontar a sua necessidade e a sua conveniência para que se atinja qualquer dos objetivos listados no art. 312 do Código de Processo Penal. 6. Ordem denegada. (grifou-se) [135]

Como visto, a partir do instante da prisão de um suspeito pelo cometimento, em tese, de um crime, cabe à autoridade policial acelerar a conclusão das diligências do inquérito, tendo prazo para isso. Após isto, passa-se agora à análise do arquivamento, desarquivamento e trancamento do inquérito policial.

3.7 ARQUIVAMENTO, DESARQUIVAMENTO E TRANCAMENTO DO IP

O arquivamento do inquérito policial somente caberá ao juiz por requerimento do Ministério Público[136] , que é o exclusivo titular da ação penal pública[137] . Assim tem-se que autoridade policial não poderá arquivar os autos do inquérito[138] .Neste sentido, discorre Fernando Capez[139] que:

A autoridade policial, incumbida apenas de colher os elementos para a formação do convencimento do titular da ação penal, não pode arquivar os autos de inquérito (CPP, art. 17), pois o ato envolve, necessariamente, a valoração do que foi colhido. Faltando a justa causa, a autoridade policial pode (aliás, deve) deixar de instaurar o inquérito, mas, uma vez feito, o arquivamento só se dá mediante decisão judicial, provocada pelo Ministério Público, e de forma fundamentada, em face do princípio da obrigatoriedade da ação penal (art. 28). O juiz jamais poderá determinar o arquivamento do inqué rito, sem prévia manifestação do Ministério Público (CF, art. 129, I); se o fizer, da decisão caberá correição parcial (Dec.-Lei n. 3/69, arts. 93 a 96).

Eugênio Pacelli de Oliveira[140] estabelece que a polícia judiciária não poderá ao final das investigações emitir qualquer juízo de valor, sendo que o relatório do inquérito policial deverá ser meramente opinativo. Então, após a conclusão dos autos do inquérito, a autoridade policial os remeterá ao Ministério Público, que por sua vez poderá adotar as seguintes diligências:

  1. oferecimento, desde logo, da denúncia;

  2. devolução à autoridade policial, para a realização de novas diligências,

  3. requerimento de arquivamento do inquérito seja por entender inexistente o crime, seja por acreditar insuficiente o material probatório disponível, no que se refere à comprovação da autoria e da materialidade.

O STJ firmou entendimento no sentido de que ao juiz não cabe o direito de analisar se existem provas suficientes no inquérito policial para a deflagração da ação penal, tarefa esta que cabe exclusivamente ao Ministério Público. Neste sentido se baseou o voto da Ministra Laurita Vaz:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ARQUIVAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL, EX OFFICIO, PELO MAGISTRADO. IMPOSSIBILIDADE. ART. 129, INCISO I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. MINISTÉRIO PÚBLICO. DOMINUS LITIS. 1. Compete ao Ministério Público, na condição de dominus litis, avaliar se as provas obtidas na fase pré-processual são suficientes para a propositura da ação penal, não cabendo, pois, ao magistrado assumir o papel constitucionalmente assegurado ao órgão de acusação e, de ofício, determinar o arquivamento do inquérito policial. 2. Ordem denegada.[141]

Quanto ao desarquivamento do inquérito policial, importante mencionar o artigo 18 do CPP: “Depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela autoridade judiciária, por falta de base para a denúncia, a autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia”.[142]

Norberto Avena[143] descreve que uma vez promovido o arquivamento do inquérito pelo representante do Parquet [144] e homologado juiz, não poderá a ação penal ser ajuizada contra os mesmo investigados e em relação aos mesmos fatos[145] , sem que surjam provas realmente novas, desconhecidas anteriormente por qualquer das autoridades. Do contrário, o reavivamento do inquérito policial importará em constrangimento ilegal.

Neste sentido existe entendimento sumulado do STF: “Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do Promotor de Justiça, não pode a ação penal ser iniciada, sem novas provas”. [146]

Por falar em constrangimento ilegal, importante relatarmos que o trancamento do inquérito policial consiste na paralisação, por ordem emanada do juiz, das investigações infundada sem face ao investigado.

A utilização do habeas corpus para o trancamento do inquérito policial é tido pela jurisprudência como via excepcional apenas admitida quando robusta for aprova de ausência de justa causa, neste norte destacamos a seguinte ementa, oriunda do voto da Ministra Carmen Lúcia do STF:

HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. JUSTA CAUSA NÃO DEMONSTRADA. NECESSIDADE DE APROFUNDAMENTO DOS TRABALHOS INVESTIGATÓRIOS. AUSÊNCIA DE PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DAS ALEGAÇÕES APRESENTADAS NESTA IMPETRAÇÃO. PRECEDENTES. DENEGAÇÃO DA ORDEM. 1. É firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal no sentido de que, o trancamento de inquérito policial pela via do habeas corpus, constitui medida excepcional só admissível quando evidente a falta de justa causa para o seu prosseguimento, seja pela inexistência de indícios de autoria do delito, seja pela não comprovação de sua materialidade, seja ainda pela atipicidade da conduta do investigado. 2. O exame da alegada imprecisão do nome ou inocência do Paciente diante da hipótese de suposto constrangimento ilegal não se coaduna com a via eleita, sendo tal cotejo reservado para processos de conhecimento, aos quais a dilação probatória é reservada 3. Ordem denegada.[147]

Dessa forma, têm-se que “[...] quando se perceber nítido abuso na instauração de um inquérito (...) ou condução das investigações na direção de determinadas pessoas sem a menor base de prova, é cabível o trancamento da atividade persecutória do Estado”. [148]

Ao final deste capítulo, percebeu-se que a partir do instante que a notícia de um crime chega aos ouvidos da autoridade de polícia judiciária, faz-se necessário uma análise mais eficaz sobre das informações, haja vista que a partir do momento que um indivíduo passa a ser investigado surgem a ele inúmeros direitos constitucionais.

É neste contexto que no próximo capítulo abordar-se-ão os direitos e garantias fundamentais previstas ao investigado durante o inquérito policial, ressalta-se que não teve-se como objetivo principal o apontamento de todos os direitos previstos, mas sim preferiu-se tecer relevantes notas sobre tais premissas garantidoras.

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Sobre o autor
Felipe Hort

Advogado. Formado pelo Centro Universitário de Brusque - UNIFEBE. Especialista em Direito Penal/Processo Penal e Direito Previdenciário (2015) pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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