Direitos e garantias fundamentais aplicáveis ao investigado durante o inquérito policial no Brasil

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22/03/2014 às 09:51
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4. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS INSERTASNO INQUÉRITO POLICIAL

Quando uma informação de um crime chega à autoridade policial surge o dever de investigação. No entanto, é importante frisar que a Constituição Federal estabeleceu inúmeros direitos e garantias fundamentais à pessoa. Logo a partir do instante que uma pessoa é considerada suspeita da autoria de um crime é indispensável à análise dos preceitos constitucionais.

4.1 LOCALIZAÇÃO

Fácil é entender que a Constituição Federal colocou limites significativos às investigações criminais, assegurando a cada acusado, ou suspeito, o direito a uma prova rigorosa. Pedro Lenza[149] descreve que o texto constitucional, em seu Título II, classifica o gênero direitos e garantias fundamentais em importantes grupos: direitos e deveres individuais e coletivos, direitos sociais, direitos de nacionalidade, direitos políticos, partidos políticos. O doutrinador ainda enfatiza que o STF e a doutrina mais atualizada destaca que os direitos e deveres individuais e coletivos não se restringem aos previstos no art. 5º da Constituição Federal, mas sim podem ser encontrados em todo o texto constituinte, expressos ou decorrentes de princípios e tratados e convenções que o Brasil seja parte.

4.2 DIFERENCIAÇÕES ENTRE DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

Lenza aponta que um dos primeiros doutrinadores a enfrentar esse tema foi Rui Barbosa, que ao analisar a Constituição de 1891, distinguiu “as disposições meramente declaratórias, que são as que imprimem existência legal aos direitos reconhecidos, e as disposições assecuratórias, que são as que, em defesa dos direitos, limitam o poder.” [150]

Geleotti e Linãres Quintana citados por Bonavides[151] lecionam que o termo garantia se explica etimologicamente, “pela derivação de garant, do alemão gewährengewähr-leistung, cujo significado, acrescentam eles, é o de Sicherstellung, ou seja, de uma posição que afirma a segurança e põe cobro à incerteza e à fragilidade”.Sobre os direitos fundamentais e as garantias, frisa Castro[152] :

[...] o sentimento constitucional dos povos cultos desde logo percebeu que a nunciação solene de direitos fundamentais se revelaria insuficiente para a sua implementação caso desacompanhada de correspondentes garantias instrumentais que os tornasse efetivos, sob o selo da coerção estatal, na hipótese de serem eles violados. Assim é que os autores das primeiras Constituições do nouveau régime na França pós revolucionária estabeleceram a distinção entre direitos do homem e suas garantias, a fim de complementar o sistema constitucional de proteção dos direitos da pessoa humana.

No entendimento de Rui Barbosa[153] é notado a diferenciação entre os direitos fundamentais e garantias:

[...] uma coisa são os direitos, outra as garantias, pois devemos separar, “no texto da lei fundamental, as disposições meramente declaratórias, que são as que imprimem existência legal aos direitos reconhecidos, e as disposições assecuratórias, que são as que, em defesa dos direitos, limitam o poder. Aquelas instituímos direitos; estas, as garantias: ocorrendo não raro juntar-se, na mesma disposição constitucional, ou legal, a fixação da garantia, com a declaração do direito”.

Dessa maneira, em virtude das garantias dos direitos fundamentais dos investigados no âmbito processual, houve uma releitura do inquérito policial dentro do processo penal, onde essa nova direção de mudanças teve de se reorganizar aos princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito. Dessa forma, a característica da inquisitividade deste procedimento administrativo foi relativizada para encaixar-se ao modelo proposto pela Constituição Cidadã.

4.3 OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO NORMAS DEFINIDORAS DE DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTIASAPLICADOS AO INVESTIGADO

A ideia de princípio, segundo Luís-DiezPicazo[154] “deriva da linguagem da geometria, ‘onde designa as verdades primeiras”. No sentido jurídico, Antonio Alberto Machado destaca que princípio configura uma espécie de diretriz capaz de condensar normas e valores que dão ao sistema jurídico uma determinada unidade e coerência, bem como um sentido ético [155] . O autor ainda destaca que enquanto as regras definem aquilo que deve ser estritamente observado no caso concreto, limitando a uma única interpretação, os princípios permitem uma interpretação mais extensiva, passível de aplicação a todos os casos, e até mesmo de não serem aplicados numa determinada situação, pela existência de conflitos de princípios de peso maior, ou por uma situação que impede sua aplicação [156] .

4.3.1 O caráter normativo dos princípios

Não há dúvidas que a Constituição Federal adotou em todo o seu texto uma base principiológica para os diversos assuntos que disciplina. No entanto existe certa resistência em reconhecer o caráter normativo destes princípios, pois muitos os apontam como meras normas programáticas.

Felizmente esse antigo raciocínio está sendo abandonado pela doutrina constitucionalista modera, assim preconiza Carmem Lúcia Antunes da Rocha:

A normatividade jurídica dos princípios constitucionais é uma qualidade contemporânea do Direito Constitucional. Se é certo que o constitucionalismo moderno – como todo e qualquer sistema normativo-jurídico- sempre teve princípios magnos fundamentais, é identicamente correto afirmar que a principiologia constitucional nem sempre foi considerada dotada de vigor jurídico definitivamente impositivo, mas muito mais sugestivo ou meramente informativo para efeito de hermenêutica da Constituição. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais foi sendo construída a partir da idéia de ser a Constituição uma lei e, como tal, carregada da coercitividade que domina todas as formas legais. Daí que os princípios fundamentais foram crescendo em importância e eficiência nos últimos séculos, até adquirir foros de ordem definitiva e definidora de todas as regulações jurídica. [157]

No preceito de Silva[158] , “princípios são ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas, são [como observam Gomes Canotilho e Vital Moreira] ‘núcleos de condensações’ nos quais confluem valores e bens constitucionais”. Todavia, como descrevem os mesmos autores, “os princípios, que começam por ser a base de normas jurídicas, podem estar positivamente incorporados, transformando-se em normas-princípios e constituindo preceitos básicos da organização constitucional”.Segundo Bonavides[159] :

A normatividade dos princípios, afirmada categórica e precursoramente, nós vamos encontrá-la já nessa excelente e sólida conceituação formulada em 1952 por Crisafulli: Princípio é, com efeito, toda norma jurídica, enquanto considerada como determinante de uma ou de muitas outras subordinadas, que a pressupõem, desenvolvendo e especificando ulteriormente o preceito em direções mais particulares (menos gerais), das quais determinam, e portanto resumem, potencialmente, o conteúdo: sejam, pois, estas efetivamente postas, sejam, ao contrário, apenas dedutíveis do respectivo princípio geral que as contém.

Sendo a Constituição uma lei, não se pode deixar de concluir que todos os princípios que nela se incluem, expressa ou implicitamente, são igualmente leis. Marino Pazagglini Filho destaca que os princípios são normas de eficácia plena e imediata:

Em resumo, os princípios constitucionais são normas jurídicas primárias ou superiores de eficácia imediata, plena e imperativa, hegemônicas em relação aos demais dispositivos constitucionais e infraconstitucionais do sistema normativo, que, de um lado, expressam os valores transcendentais da sociedade e o conteúdo essencial da Magna Carta, e de outro, direcionam e fundamentam a formação, o conteúdo, a aplicação e a exegese de todas as demais normas componentes do ordenamento jurídico.[160]

Ao exposto, conclui-se que os princípios, além de consagrarem valores sociais e de interesse público, possuem o propósito de orientarem a criação de outras normas, o que evidencia o seu caráter normativo.

4.4 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO FUNDAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL BRASILEIRO.

No âmbito constitucional, como já destacou-se, os princípios têm sido adotados com maior ênfase, pois são considerados normas de eficácia plena. Nessa linha, prudente destacar o princípio-mor de nossa constituição federal: a dignidade da pessoa humana.

A dignidade humana se apresenta como uma orientação para aplicação dos demais princípios insertos na Constituição Federal. A CF/88, em seu artigo primeiro, trouxe como fundamento constituído no Estado Democrático de Direito, o princípio da dignidade da pessoa humana[161] .

Neste sentido que, José Afonso da Silva diz que a dignidade da pessoa humana “é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem” [162] .Alexandre de Moraes manifestaque “a dignidade da pessoa humana concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas” [163] e complementa:

[...] a dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos [164] .

Assim, tem-se a dignidade da pessoa humana como um dos baluartes da República Federativa do Brasil, razão pela qual deve nortear a exegese das normas jurídicas, mormente aquelas relacionadas a direito fundamental.

A parte majoritária da doutrina afirma que este princípio em tela é o mais importante da Constituição. Assim o legislador constituinte submeteu todo o sistema jurídico ao princípio da dignidade da pessoa humana. Igualmente, é coerente afirmar, então, que se o inquérito policial contrariar os direitos fundamentais – conteúdo da dignidade humana – não deverá ser considerado como meio de prova, sendo desentranhado do processo, por ter origem ilícita,como determina a lei processual penal[165] .

A partir daqui, abarcaremos considerações aos princípios constitucionais relativos aos direitos e garantias fundamentais que são adotados aos investigados durante a fase pré-processual.

4.2.2 Princípio da Legalidade

Ao observar o princípio da legalidade, assinala Di Pietro[166] que este “constitui uma das principais garantias de respeito aos direitos individuais. Isto porque a lei, ao mesmo tempo em que os define, estabelece também os limites da atuação do Estado que tenha por objeto a restrição ao exercício de tais direitos em benefício da coletividade”.

Sobre a legalidade Meirelles[167] ensina:

A legalidade, como princípio de administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.

Quando a matéria é direito processual penal, importante tecer-se que o princípio da legalidade se manifesta pela locução prevista no art. 5º, XXXIX da CF/88, que descreve: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.

Capez descreve que a autoridade policial não pode valer-se da discricionariedade para apreciar a investigação de um crime, assim sendo é obrigada a proceder às devidas diligências nos crimes de ação penal pública.[168] O autor assim descreve:

Os órgãos incumbidos da persecução penal não podem possuir poderes discricionários para apreciar a conveniência ou oportunidade da instauração do processo ou do inquérito. No caso de infrações penais insignificantes, não pode ser aplicado o princípio minima non curatpraetor, pois este decorre do princípio da oportunidade, estranho ao processo penal. Assim, a autoridade policial, nos crimes de ação pública, é obrigada a proceder às investigações preliminares, e o órgão do Ministério Público é obrigado a apresentar a respectiva denúncia, desde que se verifique um fato aparentemente delituoso.[169]

A respeito da garantia transcrita pelo princípio da legalidade, têm-se o direito do investigado ser submetido apenas às diligências policiais previstas, sendo que qualquer outro método não descrito na norma, não será admitido. Após análise da legalidade, parte-se para o estudo da garantia constitucional inerente ao investigado trazida pelo princípio da verdade real.

4.2.3 Princípio da Verdade Real

Conforme apontam Demercian e Maluly, enquanto no processo civil vige o princípio da verdade formal, onde o que não está no processo não existe no mundo dos fatos, pois o juiz deve se satisfazer no máximo pelas alegações trazidas pelas partes; no processo penal prevalece o principio da verdade real [170] . Esclarece Norberto Avena[171] que tal razão deve-se porque o juiz possui o dever de apurar os fatos com o intuito de descobrir como estes efetivamente ocorreram. Nesse sentido, a propósito, é a posição do STJ:

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Pode o magistrado ordenar, de ofício, no curso da instrução, ou antes, de proferir a sentença, diligências necessárias a fim de dirimir dúvidas sobre pontos relevantes em relação ao deslinde da causa, nos termos do art. 156 do CPP, em observância ao princípio da verdade real [172] .

Dessa forma é acertado concluir, a exemplo do que ocorre na fase processual, a autoridade policial não deve se portar como mero espectador das provas e notícias de crimes que lhe aparecem. Pelo contrário, deve apurá-las, a fim de investigar a fundo a realidade dos fatos que lhe é apresentada.

4.2.4 Princípio da Vedação das Provas Ilícitas

É uma garantia constitucional prevista ao investigado que serão vedadas quaisquer provas obtidas por meios ilícitos, neste instante descreve-se o princípio constitucional da vedação das provas ilícitas.

Essa garantia traz o direito ao investigado de que as provas obtidas por meios ilícitos, em regra, não poderão ser utilizadas no processo criminal, é o que determina o artigo 157 do CPP: “São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais” [173] . Sobre o aludido tema, Damásio de Jesus comenta que:

No processo penal vigora o princípio da liberdade da prova, o qual não possui, entretanto, caráter absoluto. São inadmissíveis no processo as chamadas provas ilegais, gênero que se subdivide nas espécies: prova ilegítima e prova ilícita. Ilegítima é a prova cuja produção é vedada por norma processual (por exemplo, arts. 155, par. ún., 158, 206, 207 e 479 do CPP). Ilícita é aquela cuja produção ofende a norma de Direito Material (constitucional ou infraconstitucional). Uma confissão obtida mediante tortura, v.g., constitui prova ilícita (art. 1º da Lei n. 9.455/97), da mesma forma que uma prova obtida com violação à intimidade (CF, art. 5º, X). A Constituição Federal consagrou como dogma a inadmissibilidade das provas ilicitamente obtidas (art. 5º, LVI) [174] .

Nessa esteira, Norberto Avena cita exemplos de provas ilícitas decorrentes de afrontamento direto ao texto constitucional[175] :

  • a) interceptação telefônica realizada sem ordem judicial [176] ;

  • b) prova obtida por mediante violação de correspondência [177] ;

  • c) gravação ambiental de sons e imagens no interior de residência privada, mediante de aparelho eletrônico clandestino colocado naquele recinto (grampo) [178] ;

  • d) busca e apreensão domiciliar sem autorização judicial, salvo as hipóteses de flagrante delito, socorro ou consentimento do morador [179] ;

  • e) interrogatório policial do flagrado sob coação[180] .

A seguir, preferimos abrir um tópico específico quanto à vedação constitucional à tortura e ao tratamento desumano ou degradante devido à importância da discussão desse tema quando o assunto é obtenção de provas.

4.2.5 Vedação à tortura e ao tratamento desumano ou degradante

A Constituição Federal Brasileira de 1988 assegurou, como já descrevemos anteriormente, como fundamento do Estado Democrático Brasileiro a dignidade da pessoa humana. Desta garantia, decorre a vedação à tortura, e ao tratamento desumano ou degradante.

O preceito no artigo 5º, III da CF/88 descreve que: "ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano e degradante". Nessa linha de raciocínio, o mesmo diploma legal proíbe que se atribua a quem quer que seja tratamento desumano ou degradante. O que já significa a vedação de se submeter eventual testemunha, investigado ou pessoa acusada a situações de menosprezo.

Semelhante à Constituição Federal, a Declaração dos Direitos Humanos destaca que: “Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante” [181] .

Observada a supremacia que ambos os ditames legais possuem em nosso ordenamento jurídico, facilmente conclui-se que o princípio da vedação à tortura e ao tratamento desumano e degradante deve igualmente a qualquer ato processualser aplicado ao inquérito policial, por se materializarem em direitos fundamentais autoaplicáveis.

4.2.6 Princípio da presunção de inocência ou de não- culpabilidade.

O princípio da presunção de inocência ou de não-culpabilidade está previsto no artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal, que assim descreve a garantia constitucional de que: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”[182] .

Ademais, ressaltar que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, também denominado de Pacto São José da Costa Rica, também tratou da matéria no seu art. 8º, nº 2, assegurando o direito fundamental de que "toda a pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa.” [183] .

Sobre este princípio, Lopes Júnior faz um comentário preciso sobre o princípio da presunção de inocência nos seguintes termos:

Em suma:a presunção de inocência impõe um verdadeiro dever de tratamento (na medida em que exige que o réu seja tratado como inocente), que atua em duas dimensões: interna ao processo e exterior a ele. Na dimensão interna, é um dever de tratamento imposto – primeiramente – ao juiz, determinando que a carga da prova seja inteiramente do acusador (pois, se o réu é inocente, não precisa provar nada) e que a dúvida conduza inexoravelmente à absolvição; ainda na dimensão interna, implica severas restrições ao (abuso das prisões cautelares (como prender alguém que não foi definitivamente condenado?). Externamente ao processo, a presunção de inocência exige uma proteção contra a publicidade abusiva e a estigmatizarão (precoce) do réu. Significa dizer que a presunção de inocência (e também as garantias constitucionais da imagem, dignidade e privacidade) deve ser utilizada como verdadeiros limites democráticos à abusiva exploração midiática em torno do fato criminoso e do próprio processo judicial. O bizarro espetáculo montado pelo julgamento midiático deve ser coibido pela eficácia da presunção de inocência.[184]

Em atenção a este princípio, o STJ, inclusive, firmou entendimento na Súmula 444 que assim dispõe: “É vedada a utilização de inquéritos policiais e de ações penais em curso para agravar a pena-base.” [185] Dessa forma, tem-se que: “A utilização de processos e inquéritos em andamento para a negativação dos antecedentes colide com a orientação firmada na Súmula 444 /STJ”[186]

Assim, remata-se que pelo princípio do estado de inocência deverá sempre integrar às investigações da polícia judiciária, pois ao indiciar um indivíduo como suspeito de um crime, a autoridade policial deverá possuir indícios fortes de que levam à sua autoria ou participação, pois mesmo que o investigado possuir “passagens” extrajudiciais, estas informações não serão consideradas como antecedentes criminais.

4.2.7 Princípio do in dubio pro reo

A garantia fundamental de que o investigado será mantido no “estado de inocência” até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória implica consequências ao seu tratamento, nesta linha surge o princípio do in dubio pro reo. Este princípio refere em que na imprecisão compreende-se em favor do acusado. Assim, não conseguindo o Estado angariar provas suficientes da materialidade e autoria do crime, o juiz deverá absolver o acusado.

Neste talvegue, verifica-se que o processo criminal não se presta às meias conclusões ou deduções, busca a verdade real dos fatos, sendo necessário que reste cabalmente comprovada a conduta delitiva para embasar um decreto condenatório.Tal fundamentação não pode ser aceita, conforme vem decidindo sistematicamente o Tribunal de Justiça Catarinense:

ROUBO - DÚVIDA SOBRE A AUTORIA - PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO. ‘No processo criminal não há incertezas, ou demonstra-se cabalmente a autoria e materialidade do delito ou absolve-se, pois a dúvida é sinônimo de ausência de provas[187]

Assim, no processo penal, se requer a demonstração cabal da autoria e materialidade, pressupostos autorizadores da condenação, e em sendo a prova nebulosa e contraditória quanto à autoria do delito, a absolvição é medida que se impõe.

No caso do inquérito policial, em observância ao princípio do in dubio pro reo, após o recebimento de uma notitia criminise até mesmo após a autuação em flagrante delito, cabe à autoridade de polícia judiciária em primeiro lugar verificar a veracidade dos fatos apresentados, e se encontram pontos de convergência com outros elementos trazidos, para que em seu relatório descreva se a conduta praticada pelo investigado constitui ou não crime.

Passamos agora à análise de outro princípio constitucional inserto no inquérito policial: não autoincriminação.

4.2.8 Princípio da não autoincriminação

É garantido ao investigado, durante a instrução policial, “o direito de permanecer em silêncio e a não incriminação”. O direito ao silêncio defluiu do art. 5°, LXIII, da CF: “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”.

Por esse princípio não só se permite aos investigados, em geral, que permaneçam em silêncio durante toda a investigação, mas sim isto impede que seja ele compelido a produzir ou contribuir com a formação da prova contrária ao seu interesse. Aos moldes do interrogatório realizado na fase judicial, ao acusado é garantido também durante o inquérito policial o direito de permanecer em silêncio, é o que preceitua o artigo 186 e seu parágrafo único do Código de Processo Penal [188] . Na interpretação do aludido artigo, Norberto Avena assim descreve:

Essa garantia, prevista para o interrogatório judicial, tem igual aplicação no interrogatório policial, conforme o artigo 6º do CPP.Tal previsão legislativa decorreu de alteração introduzida pela Lei 10.792/2003, pois anteriormente dispunha o Código, no mesmo artigo, que o silêncio do réu, embora fosse um direito, poderia ser interpretado em prejuízo da defesa, referência esta que, evidentemente, não havia sido recepcionada pela Constituição Federal, da qual infere o privilégio da não autoincriminação, corolário do direito ao silêncio.[189]

No que se refere ao direito do preso de ser informado quanto ao direito ao silêncio, cumpre destacar o seguinte julgados do STF, que reconhecem amplamente esse direito:

INFORMAÇÃO DO DIREITO AO SILÊNCIO (CONST., ART. 5º, LXIII): RELEVÂNCIA, MOMENTO DE EXIGIBILIDADE, CONSEQÜÊNCIAS DA OMISSÃO: ELISÃO, NO CASO, PELO COMPORTAMENTO PROCESSUAL DO ACUSADO. I. O direito à informação da faculdade de manter-se silente ganhou dignidade constitucional, porque instrumento insubstituível da eficácia real da vetusta garantia contra a auto- incriminação que a persistência planetária dos abusos policiais não deixa perder atualidade. II. Em princípio, ao invés de constituir desprezível irregularidade, a omissão do dever de informação ao preso dos seus direitos, no momento adequado, gera efetivamente a nulidade e impõe a desconsideração de todas as informações incriminatórias dele anteriormente obtidas, assim como das provas delas derivadas. III. Mas, em matéria de direito ao silêncio e à informação oportuna dele, a apuração do gravame há de fazer-se a partir do comportamento do réu e da orientação de sua defesa no processo: o direito à informação oportuna da faculdade de permanecer calado visa a assegurar ao acusado a livre opção entre o silêncio - que faz recair sobre a acusação todo o ônus da prova do crime e de sua responsabilidade - e a intervenção ativa, quando oferece versão dos fatos e se propõe a prová-la: a opção pela intervenção ativa implica abdicação do direito a manter-se calado e das consequências da falta de informação oportuna a respeito.[190]

Durante o inquérito policial, mais evidente no auto de prisão em flagrante, por exemplo, deve-se ser ofertado ao acusado tal direito. No entanto, a participação do réu apenas pode ser exigida em casos excepcionais, como é o caso da “reconstituição do crime”, contida no artigo 7ª do CPP[191] .

Sobre a participação do investigado durante a perícia de reconstituição, o Supremo Tribunal Federal firmou posicionamento no sentido de que o investigado não poderá ser forçado a participar da reprodução simulada do fato delituoso, por inteligência ao princípio da não incriminação:

- HABEAS CORPUS - JÚRI - RECONSTITUIÇÃO DO CRIME - CERCEAMENTO DE DEFESA - NÃO-INTIMAÇÃO DO DEFENSOR PARA A RECONSTITUIÇÃO DO DELITO - PACIENTE QUE SE RECUSA A PARTICIPAR DA REPRODUÇÃO SIMULADA DOS FATOS - VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO CONTRADITORIO - INOCORRENCIA - PRISÃO CAUTELAR - INSTITUTO COMPATIVEL COM O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA NÃO-CULPABILIDADE (CF, ART. 5., LVII)- CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISORIA - MERA FACULDADE JUDICIAL - ORDEM DENEGADA. - A RECONSTITUIÇÃO DO CRIME CONFIGURA ATO DE CARÁTER ESSENCIALMENTE PROBATÓRIO, POIS DESTINA-SE - PELA REPRODUÇÃO SIMULADA DOS FATOS - A DEMONSTRAR O MODUS FACIENDI DE PRATICA DELITUOSA (CPP, ART. 7.). O SUPOSTO AUTOR DO ILICITO PENAL NÃO PODE SER COMPELIDO, SOB PENA DE CARACTERIZAÇÃO DE INJUSTO CONSTRANGIMENTO, A PARTICIPAR DA REPRODUÇÃO SIMULADA DO FATO DELITUOSO. O MAGISTERIO DOUTRINARIO, ATENTO AO PRINCÍPIO QUE CONCEDE A QUALQUER INDICIADO OU RÉU O PRIVILEGIO CONTRA A AUTO-INCRIMINAÇÃO, RESSALTA A CIRCUNSTANCIA DE QUE E ESSENCIALMENTE VOLUNTARIA A PARTICIPAÇÃO DO IMPUTADO NO ATO - PROVIDO DE INDISCUTIVEL EFICACIA PROBATORIA - CONCRETIZADOR DA REPRODUÇÃO SIMULADA DO FATO DELITUOSO. - A RECONSTITUIÇÃO DO CRIME, ESPECIALMENTE QUANDO REALIZADA NA FASE JUDICIAL DA PERSECUÇÃO PENAL, DEVE FIDELIDADE AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO CONTRADITORIO, ENSEJANDO AO RÉU, DESSE MODO, A POSSIBILIDADE DE A ELA ESTAR PRESENTE E DE, ASSIM, IMPEDIR EVENTUAIS ABUSOS, DESCARACTERIZADORES DA VERDADE REAL, PRATICADOS PELA AUTORIDADE PÚBLICA OU POR SEUS AGENTES. - NÃO GERA NULIDADE PROCESSUAL [...] NENHUM DIREITO TEM A OBTENÇÃO DA LIBERDADE PROVISORIA. A PRESERVAÇÃO DO STATUS LIBERTATIS DO ACUSADO TRADUZ, NESSE CONTEXTO, MERA FACULDADE RECONHECIDA AO JUIZ.[192]

Ao exposto, verifica-se que no interrogatório do investigado durante o inquérito policial deverá o Delegado de Polícia informar das garantias constitucionais inerentes a ele, entre as quais o direito de permanecer em silêncio. Destaca-se ainda que ao permanecer calado durante as perguntas da autoridade policial não poderá este ato ser considerado como confissão, nem lhe haver prejuízo na fase processual.

4.2.9 Do contraditório e da ampla defesa no inquérito policial

Existe grande polêmica no que tange ao contraditório e à ampla defesa durante o inquérito policial, pois tais princípios são consagrados pela Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LV: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados e, geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ele inerentes” (destaque nosso).

A doutrina e jurisprudência majoritárias entendem que o contraditório e ampla defesa não são aplicáveis ao inquérito policial, as razões para esta posição, inclusive já destacamos no capítulo anterior:

  • (i) o inquérito policial é um procedimento administrativo, prévio ao exercício da ação penal;

  • (ii) nele não há acusação, apenas um sujeito passivo da investigação;

  • (iii) tem como principal característica a inquisitividade;

  • (iv) possui valor relativo no meio judicial;

  • (v) pode ser dispensado para a propositura da ação penal ou queixa.

Desta forma, é conveniente entender a inexistência destes princípios durante o inquérito, haja vista que o Supremo Tribunal Federal também se manifesta nesse sentido:

HABEAS CORPUS. SUCEDÂNEO DO RECURSO ORDINÁRIO. INADMISSIBILIDADE. HOMICÍDIO QUALIFICADO. INQUÉRITO POLICIAL. REINQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DA DEFESA. NULIDADE. INEXISTÊNCIA. NATUREZA INQUISITIVA. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. OBSERVÂNCIA. DESNECESSIDADE. IRREGULARIDADES EVENTUAIS. CONTAMINAÇÃO. AÇÃO PENAL. INEXISTÊNCIA. 1. O habeas corpus não pode ser utilizado como substitutivo do recurso ordinário previsto nos arts. 105, II, a, da Constituição Federal e 30 da Lei n. 8.038/1990. Atual entendimento adotado no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça, que não têm mais admitido o habeas corpus como sucedâneo do meio processual adequado, seja o recurso ou a revisão criminal, salvo em situações excepcionais. 2. O entendimento adotado pela Corte de origem está de acordo com a jurisprudência deste Tribunal Superior, firmada no sentido de que o inquérito policial, em razão de sua natureza administrativa, não está sujeito à observância do contraditório e da ampla defesa. Sendo assim, inexiste nulidade em razão da falta de intimação da defesa da data em que houve a reinquirição de testemunhas pela autoridade policial. 3. Eventuais irregularidades existentes no inquérito policial, em razão de sua natureza inquisitorial, não têm o condão de macular a ação penal, mormente quando não demonstrada a existência de prejuízo para a defesa. 4. Habeas corpus não conhecido. (grifou-se)[193]

No entanto, convém destacar uma corrente da doutrina que admite a existência do contraditório e da ampla defesa no inquérito policial. Para Lopes Junior[194] , integrante dessa linha, a doutrina vem tendo uma interpretação genérica de que não existe direito de defesa e contraditório no inquérito policial.

Destaca o autor que existe a possibilidade do investigado exercer a autodefesa no interrogatório do inquérito de forma positiva, dando sua versão sobre os fatos, ou de forma negativa, usando o seu direito do silêncio. Também poderá estar acompanhado de advogado (defesa técnica), juntar documentos e requisitar diligências[195] , por fim, ainda através de habeas corpus, poderáparalisar as investigações trancando o inquérito. Logo, segundo ele, existe direitos de defesa no inquérito.

No que tange ao contraditório, Lopes Junior, na mesma obra, afirma que a doutrina vem fazendo uma interpretação restritiva da Constituição Federal. Para o estudioso, a expressão “acusados em geral” do art. 5º, LV da CF, inclui-se o investigado. Ademais, o direito a informação[196] , para ele, é característica do contraditório. “Em suma: existe direito de defesa (técnica e pessoal – positiva e negativa) e contraditório (no sentido de acesso aos autos)”[197] .

4.2. 10 Direitos fundamentais do indiciado preso

Como visto no capítulo anterior, uma das formas de dar-se início ao inquérito policial é por meio da prisão em flagrante delito de um indivíduo. Tem-se que durante as diligências para a elucidação dos fatos, nesta fase pré-processual, a autoridade policial deverá garantir aos investigados direitos que a lei determina. Além do delegado de polícia ter de fazer cumprir as garantias constitucionais aos investigados, terá de se ater ao Código de Processo Penal durante o auto de prisão em flagrante.

Assim, o artigo 306 do CPP[198] determina que seja dado ao preso em flagrante, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, uma nota de culpa, que constará a causa da prisão, o nome do condutor e das testemunhas.

Dessa forma, tem-se que: “A entrega da nota de culpa é uma garantia constitucional em que a pessoa privada de sua liberdade tem o direito de conhecer os responsáveis pela prisão e dos motivos que a ensejaram” [199] , este é o entendimento pacificado nos tribunais, como sabiamente descreveu o Desembargador-Relator Joaquim Dias de Santana Filho do Tribunal de Justiça do Piauí.

Lopes Junior, nesta mesma linha de raciocínio, aponta quatro direitos inerentes ao investigado preso durante o auto de prisão em flagrante[200] : (i)comunicação imediata à família ou pessoa indicada; (ii) direito à assistência de advogado; (iii) direito ao silêncio; (iv) direito de conhecer os fatos que motivaram a prisão e a autoridade que a realizou.

No mesmo prisma, esclarece a CF em seu art. 5º, LXIII, que o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer em silêncio, sendo-lhe assegurada assistência da família e de advogado.

Cumpre ressaltar que, nos termos do art. 5º, LXIV, da CF, está previsto que tem o preso o direito a ser informado da identidade dos responsáveis pela prisão e do interrogatório policial.

O art. 3º, da Lei n.º 10.054/2000, prevê os casos em que a identificação criminal coma tomada de impressões digitais e foto poderá ser feita:

Art. 3º Embora apresentado documento de identificação, poderá ocorrer identificação criminal quando:

I – o documento apresentar rasura ou tiver indício de falsificação;

II – o documento apresentado for insuficiente para identificar cabalmente o indiciado;

III – o indiciado portar documentos de identidade distintos, com informações conflitantes entre si;

IV – a identificação criminal for essencial às investigações policiais, segundo despacho da autoridade judiciária competente, que decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial, do Ministério Público ou da defesa;

V – constar de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes qualificações;

VI – o estado de conservação ou a distância temporal ou da localidade da expedição do documento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais.

Parte-se agora para o estudo da incomunicabilidade do investigado durante o inquérito policial.

4.2.10.1 Incomunicabilidade

Fernando Capez[201] descreve que a incomunicabilidade do preso com terceiros poderá ser determinada para que este não venha a prejudicar a apuração dos fatos, podendo ser imposta quando o interesse da sociedade ou conveniência da investigação o exigir.

O art. 21 do Código de Processo Penal prevê que tal medida não excederá de três dias e será decretada por despacho fundamentado do juiz, a requerimento da autoridade policial, ou do órgão do Ministério Público, sendo observadas as prerrogativas do advogado.[202]

Nesse ponto, ressalta Capez: “Para muitos doutrinadores, a incomunicabilidade do preso foi proibida pela nova ordem constitucional, que a vedou durante o estado de defesa (CF, art. 136, § 3º, IV)”[203] .

Porém, para Damásio de Jesus o art. 21 do CPP não foi revogado pelo art. 136, §3º, IV, da CF, pelos seguintes motivos:

Em primeiro lugar, a proibição diz respeito ao período em que ocorrer a decretação do estado de defesa (art. 136, caput, da CF), aplicável à “prisão por crime contra o Estado” (§ 3º, I), infração de natureza política. Em segundo lugar, o legislador constituinte, se quisesse elevar tal proibição à categoria de princípio geral, certamente a teria inserido no art. 5º, ao lado de outros mandamentos que procuram resguardar os direitos do preso. Não o fez, relacionando a medida com os delitos políticos.[204]

Em contrapartida, Capez leciona: “Ora, se não se admite a incomunicabilidade durante um estado de exceção, o que não dizer da imposta em virtude de mero inquérito policial. Também o art. 5º, LXII e LXIII, do mesmo texto teria revogado o dispositivo infraconstitucional, já que a incomunicabilidade tornaria as garantias ali consagradas inócuas”.[205]

Ultrapassada esta discussão, cabe lembrar que a incomunicabilidade não se estende ao advogado do indiciado, conforme disposto no art. 89, III, do Estatuto da Ordem dos Advogados doBrasil.[206]

4.3.12 Direitos do indiciado em liberdade

No que tange aos direitos do indiciado em liberdade, é prudente destacar o artigo 14 do CPP: “O ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade” [207] . Pela interpretação deste artigo, verifica-se que é possível o investigado requerer diligências ao delegado de polícia, porém cabe apenas à autoridade policial decidir quanto ao deferimento dos pedidos.

A Convenção Americana de Direitos Humanos consagra o direito à informação do indiciado durante sua detenção, e assim determina “Toda pessoa detida ou retida deve ser informada das razões da detenção e notificada, sem demora, da acusação ou das acusações formuladas contra ela.”[208] Ao comentar a CADH, Aury Lopes Junior, destaca as garantias judiciais dos indivíduos que se aplicam ao inquérito policial:

  • · Presunção de inocência;

  • · Ser ouvido com as devidas garantias, em um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independentemente e imparcial;

  • · Ser assistido por tradutor ou intérprete, se não compreende o idioma;

  • · Ser comunicado, de forma prévia e pormenorizada, dos fatos que lhe são imputados;

  • · Defender-se pessoalmente ou eleger um defensor para assisti-lo;

  • · Entrevistar-se pessoalmente e de forma reservada com o seu defensor;

  • · Ser defendido por um advogado do Estado (dativo) quanto ao tenha condições de constituir, ou ainda, caso indiqe, deverá ser-lhe nomeado um defensor dativo;

  • · Perguntar às testemunhas e também solicitar a declaração de outras testemunhas ou peritos que possam auxiliar na comprovação do fato;

  • · Não declarar contra si mesmo nem se declarar culpado.[209]

Após a abordar-se alguns dos direitos e garantias fundamentais inerentes aos investigados durante o inquérito policial, passa-se a análise do valor probatório.

4.4 A O VALOR PROBATÓRIO E NULIDADES DURANTE O INQUÉRITO

Como já discorremos sobre os direitos e garantias fundamentais do investigado durante o inquérito policial, entendemos, por bem, trazer como tópico final deste trabalho o valor probatório do inquérito policial.

Como visto anteriormente, o inquérito policial constitui procedimento com conteúdo informativo, tendo por finalidade fornecer elementos de prova para o autor da ação penal (Ministério Público ou ofendido). “No entanto, tem valor probatório, embora relativo, haja vista que os elementos de informação não são colhidos sob a égide do contraditório e da ampla defesa, nem tampouco na presença do juiz de direito”.[210]

Quanto às nulidades durante o inquérito policial, Fuller, Junqueira e Machado entendem que estas inexistem, pois não se fala em um "processo”, mas em um procedimento administrativo informativo, cujos vícios são analisados como meras irregularidades, que não dissimulam a ação penal.[211]

Nesta linha, há muito tempo vem se mantendo o mesmo entendimento no Superior Tribunal de Justiça quanto ao valor probatório e relativo às nulidades nessa fase pré-processual, dessa forma cita-se a seguinte ementa:

PROCESSUAL PENAL. INQUÉRITO POLICIAL (PROCEDIMENTO PREPARATÓRIO). PROVAS (VALIDADE E EFICÁCIA). SENTENÇA CONDENATÓRIA. FUNDAMENTO EXCLUSIVO: PROVAS PRODUZIDAS NO INQUÉRITO (NULIDADE). VIOLAÇÃO DO CONTRADITÓRIO (OCORRÊNCIA). 1. O inquérito policial é procedimento preparatório que apresenta conteúdo meramente informativo com o fim de fornecer elementos tendentes à abertura da ação penal. 2. A prova, para que tenha valor, deve ser feita perante juiz competente, com as garantias de direito conferidas aos indiciados e de acordo com as prescrições estabelecidas na lei. 3. As provas produzidas ao longo da fase inquisitiva têm validade e eficácia na formação da convicção do juiz tão-somente se confirmadas por outros elementos colhidos durante a fase instrutória judicial. Do contrário, não se prestam a fundamentar o juízo condenatório, sob pena de violação do contraditório. 4. É trabalho da acusação transformar os elementos do inquérito em elementos de convicção do juiz. 5. Habeas corpus concedido para restabelecer a sentença absolutória.[212]

Assim, verifica-se que o valor probatório durante o inquérito policial, bem como suas nulidades são relativas na fase processual, não inviabilizando todo o processo.

A seguir apresenta-se a conclusão do presente trabalho, onde serão verificados se as hipóteses para os problemas levantados na introdução foram ou não confirmadas.

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Sobre o autor
Felipe Hort

Advogado. Formado pelo Centro Universitário de Brusque - UNIFEBE. Especialista em Direito Penal/Processo Penal e Direito Previdenciário (2015) pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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