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Tutela antecipada na sentença:

possibilidade, natureza e nuances recursais

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2 PRESSUPOSTOS E ESPÉCIES

As exigências para a concessão da tutela antecipada foram criadas para atenderem ao “modelo constitucional de processo civil”, notadamente aos postulados da segurança jurídica e fiel exercício do contraditório. Isso porque, não obstante a sua função de garantir a efetividade da prestação jurisdicional, a eventual antecipação dos efeitos da tutela pretendida coloca em segundo plano essas premissas constitucionais, tendo em vista que o contraditório, em regra, será exercido de maneira diferida – em momento posterior ao habitual –, e a efetivação da medida poderá acarretar sérios prejuízos à parte sucumbente da medida – até irreversíveis, do ponto de vista fático.

Assim, imperiosa a detida análise do caso concreto e a verificação do preenchimento dos pressupostos criados pela Lei Adjetiva Civil.

2.1. Pressupostos Essenciais:

2.1.1. Prova Inequívoca e Verossimilhança das Alegações

Buscando atender aos primados da adequação da norma jurídica à contemporaneidade fática, o legislador, ao instituir os pressupostos da tutela antecipada, valeu-se de expressões de conceito aberto.[61]

Ocorre que, ao tentar permitir essa constante adaptação da norma à realidade social vigente, o legislador utilizou-se de expressões com conceito indeterminados e até mesmo contraditórios, alvo de dissenso doutrinário, dada a subjetividade conferida ao intérprete.[62]

Com efeito, dispõe comando normativo agasalhado no caput do art. 273 que o juiz antecipará os efeitos da tutela pretendida desde que exista prova inequívoca que lhe convença da verossimilhança das alegações.

Denota-se claramente, a partir de uma interpretação literal do dispositivo, que haveria um paradoxo entre as expressões “prova inequívoca” – que traduz ideia de certeza, de definitividade – e “verossimilhança” das alegações – sinônimo de aparência de verdade.[63]

A doutrina majoritária, sob o influxo da razoabilidade e proporcionalidade, repele a ideia de que “prova inequívoca” seria a que comportasse apenas um sentido único, defendendo a necessidade de interpretar o dispositivo em consonância com a própria finalidade do instituto sob análise.

De fato, não se deve emprestar à expressão “prova inequívoca” o sentido de ser obrigatória para a tutela antecipada a existência de uma prova robusta o suficiente para – desde logo – julgar definitivamente a demanda, porquanto a finalidade da presença dessa prova – nesse momento – é corroborar a “verossimilhança” das alegações, em total consonância com o juízo de probabilidade característico da própria medida a ser concedida.

Magnífica a lição de Athos Gusmão Carneiro apud Tiago Asfor Rocha Lima, ao dissertar sobre a prova inequívoca:

A rigor, em si mesma, prova alguma será inequívoca, no sentido de absolutamente incontestável. [...]A nós parece que a ‘inequivocidade’ da prova representa inclusive sua plena aptidão para produzir no espírito do magistrado o ‘juízo de verossimilhança’, capaz de autorizar a antecipação de tutela.[64]

Nesse sentido, também é a doutrina de Marcus Vinícius Rios Gonçalves:

A expressão prova inequívoca não pode ser traduzida como prova definitiva, cabal, conclusiva, porque o provimento antecipado é provisório, dado em cognição superficial, já que a definitiva é exigida apenas para o julgamento do processo. A expressão deve ser interpretada como prova consistente que, em exame ainda superficial, sem as oportunidades de prova, seja suficiente para convencer o juiz da verossimilhança das alegações. O juízo emitido será provisório, bastando que o juiz se convença da plausibilidade das alegações.[65]

Igualmente nesse sentido, Elpídio Donizetti, ao sustentar ser a prova inequívoca aquela suficiente para levar o juiz a acreditar que a parte é titular do direito material disputado, ensina que “para a concessão da tutela antecipada, não se exige que da prova surja a certeza das alegações, contendando-se com a verossimilhança delas, isto é, a aparência de verdade”.[66]

Isso não impede, todavia, como bem alerta Daniel Amorim Assumpção Neves, que a prova já acostada aos autos para fins de antecipação de tutela sejam “tão robustas acerca da alegação de fato que, ainda que existam outras provas produzidas, ela por si só já seria suficiente para a decisão favorável definitiva”.[67]

Pelo exposto, considera-se atendido o referido pressuposto quando houver uma alegação fática aparentemente verdadeira – verossimilhança das alegações –, o que será deduzido pelas máximas da experiência, e uma prova forte o suficiente – prova inequívoca – corroborando essa aparência de verdade das alegações narradas, ainda que em cognição sumária, consubstanciando um verdadeiro juízo de probabilidade.[68]

2.1.1.1.Verossimilhança (tutela antecipada) x  fumus boni iuris (cautelar): é necessária a distinção?

Como se sabe, no início do processo o magistrado é um completo ignorante acerca dos fatos. Na medida em que sua cognição se aprofunda, seu convencimento sobre eles se desenvolve. É possível afirmar, então, que existem gradações do convencimento do julgador.

A partir dessa premissa, a doutrina discute se o grau de convencimento exigido para a concessão da cautelar difere da tutela antecipada.

Isso porque tanto a tutela antecipada, quanto a cautelar, enquanto modalidades de tutela de urgência, comungam de um pressuposto, dentre outros, referente à probabilidade da existência do direito alegado.

Assim é que, à luz da teoria da gradação do convencimento do juiz, diverge a doutrina se existem distinções entre as exigências de fumus boni iuris (cautelar) e prova inequívoca que convença o magistrado da verossimilhança das alegações (antecipatória).

Com efeito, alguns doutrinadores, sob o subterfúgio de que a distinção não possui aplicabilidade prática, defendem a inexistência de dessemelhança substancial entre os requisitos das tutelas cautelares e antecipatórias no que se refere à probabilidade do direito.

Dissertando a respeito das semelhanças entre as tutelas de urgência – cautelar e antecipatória –, Cândido Rangel Dinamarco ensina que elas se irmanam não só no que diz respeito à finalidade de combater os males do tempo-inimigo, mas também quanto à exigência do pretenso beneficiário demonstrar, a partir de uma cognição sumária, a existência de uma probabilidade do direito – fumus boni iuris e verossimilhança das alegações – como requisito para a respectiva concessão, ressaltando, contudo, que a bizantina tentativa de diferenciar esses referidos pressupostos não conduz a qualquer resultado útil, pois “eventuais diferenças de graus de probabilidade suficiente não infirmam o que é essencial, a saber, a suficiência da probabilidade e a dispensa da certeza em relação a todas as medidas urgentes”.[69]

Igualmente nesse sentido, colocando em patamares de igualdade a cautelar e a antecipatória quanto à probabilidade do direito a ser demonstrada, Alexandre Freitas Câmara preleciona que esse pressuposto “nada mais é, registre-se, do que o fumus boni iuris, o qual se afigura como requisito de todas as modalidades de tutela sumária, e não apenas da tutela cautelar”.[70]

Diferentemente, no entanto, Daniel Amorim Assumpção Neves reconhece existir distinção entre os requisitos ora analisados, sustentando que a dificuldade prática de se aferir esse grau de convencimento do magistrado não é motivo para igualá-los, ensinando que para a cautelar basta que o fato alegado pelo requerente pareça ser verdadeiro, enquanto na tutela antecipada, além da alegação fática aparentemente verdadeira, exige-se um lastro probatório a corroborar essa aparência de verdade.[71]

Nesse diapasão é a doutrina de Tiago Asfor Rocha Lima que, com propriedade, leciona:

O grau de segurança da decisão, por óbvio, não deve ser o mesmo daquelas de caráter definitivo, mas se deve buscar algo bem próximo dessa instância, que deve ser superior à simples fumaça do bom direito (fumus boni iuris) [...] Não foi à toa que o legislador nominou diversamente os pressupostos de deferimento das cautelares dos da antecipação de tutela. Há importantes diferenças entre ambos. Os fatos e suas provas, além do revestimento jurídico da hipótese examinada, devem ser mais contundentes no juízo de verossimilhança, daí porque o magistrado se convence mais facilmente na apreciação do fumus.[72]

Nesse rumo, confirmando a distinção, manifesta-se Marcus Vinicius Rios Gonçalves:

A verossimilhança exigida para a concessão da tutela antecipada seria maior do que para a tutela cautelar. Ao utilizar a expressão “prova inequívoca da verossimilhança das alegações”, a lei quis marcar esse rigor maior que se exige para a primeira.[73]

Com sua maestria na arte de ensinar, Cassio Scarpinella Bueno, confrontando os requisitos da probabilidade do direito exigidos para as tutelas cautelares, antecipatórias e para  concessão de liminar em mandado de segurança, arremata:

Dados esses confrontos, seria possível tecer um gráfico de intensidade de convencimento do magistrado. O fumus boni iuris representa um grau menos intenso de convencimento do que a “prova inequívoca da verossimilhança da alegação”, que, por sua vez, é menos intensa do que o “fundamento relevante” da liminar do mandado de segurança.[74]

Conclui-se, portanto, que no plano teórico há, sim, distinção entre os referidos pressupostos. Na prática, porém, não é possível constatar o grau de convencimento a que chegou o magistrado a partir dos elementos já acostados aos autos em cada caso concreto, seja de cautelar, seja de antecipatória, razão pela qual, Cassio Scarpinella Bueno aduz ser “preferível entender que o magistrado deve-se convencer suficientemente de que o requerente tem algum direito já demonstrado (nem que seja retoricamente), para deferir a providência jurisdicional que lhe é pedida(...)”.[75]

2.1.2. Inexistência do Perigo de Irreversibilidade

Dispõe o comando normativo insculpido no §2° do art. 273 do CPC que “não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado”.

Contudo, para a real compreensão do referido pressuposto, à luz de uma interpretação sistemática e teleológica, é necessário rememorar, conforme restara consignado no capítulo 1, item 1.7, –  ao dispor sobre antecipação de tutela nas ações declaratórias –, que o objeto da antecipação de tutela não é a “tutela jurisdicional” em si, mas sim os efeitos práticos (executivos) que decorreriam da eventual e futura tutela definitiva de procedência.

Parte-se dessa premissa para esclarecer que o requisito da inexistência de perigo de irreversibilidade está relacionado à situação fática a ser constituída, isto é, irreversibilidade fática, porquanto a medida antecipatória, em si, pode ser revogada ou modificada – revertida, portanto – a qualquer tempo em decisão fundamentada, consoante já exposto no capítulo 1.6.

Então, na verdade, referida regra impõe ao magistrado a obrigação de analisar se os efeitos a serem produzidos pela medida antecipatória na realidade fática são reversíveis – podem ser desfeitos – caso ela, a medida, venha a ser revogada ou modificada posteriormente, o que se denominou na seara do processo civil de retorno ao status quo ante.

Discorrendo sobre o pressuposto em tela, Daniel Amorim Assumpção Neves aduz, com propriedade:

A interpretação literal do dispositivo legal deve ser evitada, até porque a doutrina majoritária entende que a irreversibilidade não diz respeito ao provimento que antecipa a tutela, e sim aos efeitos práticos gerados por ele. O pronunciamento é sempre reversível, mediante a interposição do recurso cabível ou a prolação de outra decisão que virá substituí-lo. Daí a afirmação de que a irreversibilidade não é a jurídica, sempre existente, mas a fática, que é analisada pela capacidade de retorno ao status quo ante na eventualidade de revogação da tutela antecipada.[76]

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Clarividente é doutrina de Marcus Vinícius Rios Gonçalves a esse respeito, aduzindo que “a irreversibilidade não é do provimento, já que este, em princípio, sempre poderá ser revertido, mas dos efeitos que ele produz”.[77]

Atentando para o fato de que a medida antecipatória é concedida em cognição sumária e, portanto, será substituída por outra de caráter definitivo, que poderá, inclusive, ser favorável à parte adversa, Tiago Asfor Rocha Lima adverte para a necessidade de a nova decisão ser apta a provocar mudança nos mundos fatos, razão pela qual preleciona ser:

 (...) válido atentar para o fato de que a irreversibilidade a que alude o §2°, do art. 273, CPC, não é do provimento, já que este pode ser revogado a qualquer tempo (ex vi do §4°, do art. 273), mas sim dos efeitos práticos da decisão de cunho provisório, que devem ser possíveis de retorno ao status quo ante.[78]

Entretanto, como nos ensina Elpídio Donizetti, ao discorrer sobre o perigo da irreversibilidade, este “não pode ser visto em termos absolutos. O objeto da medida antecipatória é evitar danos ao direito subjetivo das partes. Assim, indispensável que o juiz sopese os valores dos bens em conflito, decidindo com bom-senso”.[79]

Comunga desse entendimento Tiago Asfor Rocha Lima:

Não se deve tornar absoluta a norma de que a tutela antecipada não será concedida quando o provimento for irreversível, visto que em determinadas circunstâncias o bem jurídico a ser protegido através da prestação jurisdicional tem uma relevância tal que merece a antecipação dos efeitos da tutela, conquanto irreversível.[80]

Isso se justifica porquanto em determinados casos concretos ocorre o que Athos Gusmão Carneiro denominou de “irreversibilidade recíproca”: concedida a tutela, consolida-se uma situação fática irreversível em desfavor do réu. Denegada, será irreversível em desfavor do autor.[81]

Invoca-se, então, como solução para a quaestio, na vereda da melhor hermenêutica jurídica, o mecanismo da ponderação concreta de interesses, isto é, o juiz, sob o influxo dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, irá sopesar os bens jurídicos em conflitos, optando por salvaguardar aquele que mereça maior proteção frente ao outro, deferindo ou indeferimento a tutela antecipada pleiteada, conforme a conclusão a que chegara.

Dissertando sobre a recíproca irreversibilidade, Daniel Amorim Assumpção Neves diz tratar-se de uma situação-limite, “na qual caberá ao juiz a ponderação do direito mais provável no momento de análise do pedido da tutela antecipada, aplicando-se o princípio da razoabilidade”.[82]

Nesse diapasão é a doutrina de Teori Albino Zavascki:

Caberá ao juiz, com redobrada prudência, ponderar adequadamente os bens e valores colidentes e tomar a decisão em favor dos que, em cada caso, puderem ser considerados prevalentes à luz do direito. A decisão que tomar, em tais circunstâncias, representará, no plano dos fatos, mais que antecipação provisória: será concessão ou denegação da tutela em caráter definitivo.[83]

Ao defender a utilidade do princípio da proporcionalidade como vetor do instrumento da ponderação concreta de interesses, Cassio Scarpinella Bueno aduz, com propriedade:

Pelo referido princípio, é dado ao magistrado ponderar as situações de cada um dos litigantes para verificar qual, diante de determinados pressupostos, deve proteger (antecipadamente, como interesse para cá), mesmo que isso signifique colocar em situação de irreversibilidade a outra. É por intermédio desse princípio que o magistrado consegue medir os valores diversos dos bens jurídicos postos em conflito e decidir, concretamente, qual deve proteger em detrimento do outro.[84]

Típico exemplo de tutela antecipada com perigo de irreversibilidade recíproca é aquela em o autor busca um tratamento médico de urgência diante da negativa de cobertura pelo seu plano de saúde: tem-se, aqui, um conflito entre o direito à saúde – ou até mesmo à vida – versus direito à contraprestação pecuniária – dinheiro – em razão dos serviços médicos a serem realizados.

Frise-se, por oportuno, que, diante da permissão de aplicabilidade das regras da execução provisória à efetivação da tutela antecipada, nos termos do §3° do art. 273, aconselha-se ao juiz a exigência de caução real ou fidejussória, desde que não se comprometa, com isso, à própria efetividade da medida.[85]

Nesse diapasão é a lição de Teori Albino Zavascki:

Privilegia-se, em tal situação, o direito provável em prejuízo do improvável. Entretanto, impõe-se ao juiz, nessas circunstâncias, prover meios adequados a assegurar em maior grau possível à viabilidade de reversão, como, por exemplo, exigindo garantias reais ou fidejussórias, pelo menos para garantir a reparação de eventuais indenizações.[86]

Denota-se, portanto, que o pressuposto sub examine se trata de um imperativo à correta observância do “modelo constitucional de processo civil”, notadamente das premissas da ampla defesa, do contraditório, do devido processo legal e da segurança jurídica,[87] mas que deve ser interpretado à luz da efetividade processual.[88]

2.2. Espécies de Tutela Antecipada:

No tópico acima, verificara-se os pressupostos essenciais para a concessão da medida antecipatória, quais sejam, a presença da prova inequívoca que convença o magistrado da verossimilhança das alegações e a inexistência do perigo de irreversibilidade.

Os demais requisitos estabelecidos em lei são os que caracterizam a modalidade de tutela antecipada pretendida pelo demandante ou as hipóteses legais de cabimento, razão pela qual se optou, neste trabalho, por analisá-los denominando-os de acordo com a espécie de tutela que condizem.

São três modalidades distintas de tutela antecipada:

2.2.1. Tutela Antecipada de Urgência

Dispõe a Lei Adjetiva Civil, no inciso I do seu art. 273 que, preenchidas as demais exigências legais, será concedida a medida antecipatória quando houver fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

Trata-se da tutela antecipada de urgência – certamente a principal modalidade e a mais utilizada pelos jurisdicionados – na qual se pleiteia a antecipação dos efeitos práticos da futura tutela definitiva visando combater os males que tempo-inimigo poderia causar no direito a ser protegido pela atividade jurisdicional do Estado.

Nesse sentido é a lição de Cassio Scarpinella Bueno:

Trata-se, inequivocamente, de uma situação em que a tutela jurisdicional é antecipada como forma de debelar a urgência, sendo insuficiente a prática de atos que busquem meramente assegurar o resultado útil o processo, isto é, a futura prestação da tutela jurisdicional. É essa a razão pela qual a figura do inciso I do art. 273 pode muito bem ser chamada – como, de resto, é por vezes identificada – como “tutela antecipada de urgência”.[89]

Denominada na doutrina de Teori Albino Zavascki de “antecipação assecuratória”, o magistrado anteciparia por segurança, isto é,

“adianta-se provisoriamente a tutela pretendida pelo autor como meio de evitar que, no curso do processo, ocorra o perecimento ou a danificação do direito afirmado. Em outras palavras, antecipa-se em caráter provisório para preservar a possibilidade de concessão definitiva, se for o caso”.[90]

Sendo uma tutela provisória, prestada sob a égide de uma cognição sumária, consubstanciando um verdadeiro juízo de probabilidade, essa espécie de tutela antecipada se justifica quando, no caso concreto, exista o periculum in mora como potencial causa de inefetividade da prestação da tutela jurisdicional por conta do risco de perecimento do direito.

Para Daniel Amorim Assumpção Neves, esse requisito é “o tradicional periculum in mora exigido para a concessão da tutela cautelar. Aplica-se a esse requisito a máxima do tempo como inimigo, ou seja, o tempo necessário para a concessão da tutela definitiva coloca em manifesto perigo a efetividade do resultado final do processo”.[91]

Tiago Asfor Rocha Lima ensina que “o magistrado encontra-se diante de uma situação que não pode aguardar o regular andamento do feito, sob pena de se causar à parte um dano de caráter irreversível ou mesmo de duvidosa reparabilidade”.[92]

Todavia, esse risco de dano exigido pelo Diploma Processual Civil é qualificado, isto, é precisa existir um risco que seja, ao mesmo tempo, concreto, iminente e grave, conforme esclarece Teori Albino Zavascki:

O risco de dano irreparável ou de difícil reparação e que enseja a antecipação assecuratória é o risco concreto (e não o hipotético ou eventual), atual (= o que se apresenta iminente no curso do processo) e grave (= o potencialmente apto a fazer perecer ou a prejudicar o direito afirmado pela parte). Se o risco, mesmo grave, não é iminente, não se justifica a antecipação de tutela. É consequência lógica do princípio da necessidade (...).[93]

O dano em si, que se busca evitar, é aquele irreparável – cujos efeitos decorrentes são irreversíveis, como os relacionados à vida e à saúde, nos quais ou se antecipa os efeitos da tutela definitiva, ou a mesma, quando vier, será ineficaz – ou de difícil reparação – nos quais a eventual tutela reparatória seria, em tese, eficaz, mas, no caso concreto, mostra-se improvável, como nos casos da situação econômica da parte contrária.[94]

É na busca de combater a força corrosiva do tempo-inimigo que, tanto a tutela antecipada, quanto a cautelar, inseridas nesse contexto, caracterizam-se como tutelas de urgência, comungando desse elemento comum: o periculum in mora.[95]

Considerando que ao antecipar os efeitos da tutela definitiva busca-se evitar um dano ao autor, mas, ao mesmo tempo, pode-se causar outro dano ao réu, mister se faz que o magistrado empreenda acurada análise das questões postas, na esteira de verificar se o caso concreto atende ao pressuposto da inexistência do perigo de irreversibilidade.

Em verdade, a antecipação dos efeitos da tutela como instrumento de combatividade do tempo-inimigo guarda adequada correlação com a própria utilidade do pronunciamento judicial, evitando que os efeitos da tutela definitiva só venham a ocorrer quando já se tornarem inoportunos a proteger o direito a ser tutelado.[96]

Frise-se que análise da possibilidade da tutela ser antecipada liminarmente, ou seja, inaudita altera pars, será feita no capítulo 3, item 3.3.1, que trata do momento da concessão.

2.2.2. Tutela Antecipada Sancionatória:

Como é cediço, tradicionalmente e historicamente o ônus da demora do processo sempre fora suportado pelo autor, quer tenham sido causados pela tardia prestação da tutela jurisdicional do Estado, quer por atos de protelamento do réu travestidos do suposto exercício de contraditório e ampla defesa.

Atento a esses costumeiros comportamentos adotados pelos réus, o legislador reformista, sob o influxo de assegurar a máxima efetividade da prestação jurisdicional, instituiu a medida antecipatória sancionatória, como mecanismo de melhor redistribuição do ônus da demora, transferindo-o do autor para o réu, isto é, passou a ser da parte passiva da relação processual o interesse pela rápida prestação da atividade jurisdicional definitiva.

Dissertando sobre a finalidade da tutela antecipada sancionadora, Marcus Vinicius Rios Gonçalves leciona:

Visa sancionar a atitude abusiva, de má-fé, de abuso por parte do réu. Se o juiz constata que ele se aproveita para fazer recair o ônus da demora do processo exclusivamente sobre o autor, concede a tutela como forma de redistribuir esse ônus. Afinal, concedida a medida, passará a ser do interesse do réu que o processo tenha rápida solução.[97]

No magistério de Daniel Amorim Assumpção Neves, essa segunda espécie “é a tutela antecipada sancionatória, que funciona como forma de apenar a parte que, na forma prevista em lei, viola os princípios da boa-fé e lealdade processual”.[98]

Urge salientar que essa espécie de tutela antecipada não guarda qualquer conexão com a “urgência” na prestação da tutela definitiva, ou seja, o periculum in mora não é pressuposto legal dessa espécie de antecipatória, como ensina o autor supracitado:

A total desvinculação dessa espécie de tutela antecipada do âmbito da tutela de urgência exime o pretendente da demonstração de qualquer perigo sobre o direito que o tempo de duração do processo em tese pudesse gerar. Significa dizer que o direito não precisa correr qualquer risco de perecimento, sendo possível à parte aguardar tranquilamente o encerramento do processo para a obtenção efetiva de sua pretensão.[99]

Na visão do professor Tiago Asfor Rocha Lima, trata-se de hipótese em que “o julgador está diante de uma conduta maliciosa da parte ré, que justificará, por previsão legal, o deferimento antecipado do provimento, independentemente da presença do ‘receio de dano irreparável ou de difícil reparação’”.[100]

O Codex processual civil previu no inciso II do seu art. 273 a possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela pretendida quando, atendidos os demais requisitos, restasse configurado abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu. Se, consoante a melhor hermenêutica jurídica, a lei não contém palavras inúteis, mister diferenciar as hipóteses de “abuso de direito de defesa” das realizadas mediante “manifesto propósito protelatório”.

Com efeito, segundo a doutrina majoritária, o abuso do direito de defesa consistiria em atos praticados pelo réu dentro do processo, enquanto que o manifesto propósito protelatório seriam atos praticados fora do processo, mas cujos efeitos recairiam nele.

Buscando critérios para distingui-las, Teori Albino Zavascki, com sua habitual maestria, assim lecionou:

Ora, a referência a abuso do direito de defesa demonstra que o legislador está se referindo a atos praticados para defender-se, ou seja, a atos processuais. Por isso, por abuso do direito de defesa hão de ser entendidos os atos protelatórios praticados no processo(v.g., os do art. 14, III e IV, do CPC). Já o manifesto propósito protelatório há de ser assim considerado o que resulta do comportamento do réu – atos e omissões – fora do processo, embora, obviamente, com eles relacionados. Por exemplo: ocultação de prova, não atendimento de diligência, simulação de doença.[101]

Corroborando essa referida distinção, Daniel Amorim Assumpção Neves aduz:

A forma mais adequada de interpretar o dispositivo legal é considerar que o abuso de direito de defesa representa atos protelatórios praticados no processo, enquanto no manifesto propósito protelatório do réu há um determinado comportamento – atos ou omissões – fora do processo, com ele relacionados.[102]

Conforme se afirmou no introito da explicação dessa espécie de tutela antecipada, não raro o réu, sob o subterfúgio prático do exercício da ampla defesa, vale-se de diversos incidentes processuais sem qualquer plausibilidade jurídica, ocasionando verdadeiros obstáculos ao regular transcurso da atividade jurisdicional.

Ocorre que, conforme ressalta Tiago Asfor Rocha Lima, no conteúdo do princípio da ampla defesa “não se inclui a possibilidade de as partes extrapolarem os seus meios de defesa, socorrendo-se de atitudes escusas, impedindo a realização da própria justiça”[103], sob pena de subverterem os primados da celeridade e efetividade da atividade jurisdicional assegurados no “modelo constitucional de processo civil” vigente.

Além do mais, ainda que essa não seja a finalidade precípua dessa modalidade de tutela antecipatória, a sua concessão acaba por atenuar o “dano marginal”[104] – aquele gerado pela demora natural do processo –, tendo em vista a fruição antecipada dos efeitos da tutela pretendida, ou seja, o afastamento desse dano é uma mera consequência prática de sua concessão.

Logo, diante da geração injustificada de óbices que retardem ou impeçam a regular marcha processual destinada à entrega da tutela jurisdicional definitiva, o juiz, uma vez preenchidos os demais requisitos autorizadores, deve antecipar os efeitos da tutela pretendida como forma de sancionar o réu desleal, salvaguardando os valores constitucionais de processo civil.

2.2.3. Tutela Antecipada e Pedido (s) Incontroverso (s):

Terceira espécie de tutela antecipada, a tutela de incontrovérsia do pedido dispensa os requisitos tradicionais como prova inequívoca que convença o magistrado da verossimilhança das alegações e da inexistência do perigo de irreversibilidade e não se confunde com as tutelas de urgência e sancionatória, despertando dissenso doutrinário quanto à sua natureza.

De um lado, parcela minoritária da doutrina sustenta que a hipótese é de julgamento antecipado parcial da lide, pois a cognição do juiz é exauriente, e não provisória, fundada, portanto, em um juízo de certeza. Haveria, então, resolução parcial de mérito, estando a decisão apta a produzir coisa julgada material e, consequentemente, não se sujeitaria à possibilidade de modificação ou revogação inerente às tutelas antecipadas (§4° do art. 273, CPC).

Integrante dessa parcela minoritária, Cassio Scarpinella Bueno defende tratar-se de caso em que a tutela é antecipada e também é definitiva e não provisória (inaplicável o §4° do art. 273 do CPC), ocupando-se de uma técnica de desmembramento de pedidos, viabilizando o seu julgamento parcial:

O que já é passível de julgamento deve ser julgado de imediato e, nesse sentido, a tutela jurisdicional deve ser prestada; o que ainda não é, impõe o prosseguimento do processo para aquele fim com a realização da fase instrutória. A antecipação dá-se justamente na possibilidade de separação entre pedidos cumulados ou de um só pedido que, de outro modo, seriam todos enfrentados de uma só vez e em uma única oportunidade pelo magistrado.[105]

E conclui o referido autor: não se trata de um julgamento antecipado da lide nos moldes do art. 330 do CPC – onde a função primordial é a supressão da fase instrutória e os efeitos da decisão jurisdicional não podem ser sentidos imediatamente. Aqui seria um julgamento antecipado parcial da lide com reconhecimento de efeitos imediatos ao que já foi julgado.[106]

Contudo, com todas as vênias de estilo, esse entendimento não encontra perfeita consonância com o atual sistema processual civil, notadamente no que se refere aos meios de impugnação das decisões judiciais: não haveria como apelar parcialmente do mérito e depois apelar, novamente, das parcelas controversas sobre as quais o processo continuou; nem seria possível agravar de instrumento tendo como objeto uma decisão de mérito, e não decisão interlocutória. Isto é, exigiria toda uma modificação na seara recursal, o que, com certeza, não foi a intenção do legislador reformista com a inserção do §6° ao art. 273.

Aliás, mesmo que houvesse cognição exauriente, a hipótese não faria coisa julgada material, podendo ser modificada ou revogada se o próprio processo fosse extinto sem resolução de mérito, como ensina Daniel Amorim Assumpção Neves:

Ainda que se considere a cognição exauriente nessa espécie de tutela antecipada, o conhecimento superveniente de matérias de ordem pública, que podem inclusive ser levadas ao processo ex officio pelo juiz, são aptas a extinguir o processo sem resolução do mérito, acarretando a imediata revogação da tutela antecipada anteriormente concedida. Essa possibilidade de revogação demonstra que a decisão concessiva de tutela antecipada não era definitiva, não sendo apta a gerar coisa julgada material.[107]

Melhor, então, acolher o posicionamento majoritário que entende tratar-se de espécie peculiar de tutela antecipada que, conquanto baseada em um juízo de probabilidade mais robusto, é concedida por cognição sumária, não estando apta, nesse momento, a produzir coisa julgada material. Portanto, com o aprofundamento da cognição, o magistrado pode reformular seu entendimento, sujeitando-se, normalmente, à possibilidade de modificação ou revogação intrínsecas das tutelas antecipadas.[108]

Nesse diapasão é a doutrina de Teori Albino Zavascki que, confirmando tratar-se de “tutela antecipada”,  afirma a sujeição dessa espécie à dinâmica das demais:

À tutela antecipada em face de pedido incontroverso se aplica, em princípio, o regime geral das demais hipóteses de antecipação previstas no art. 273 do Código de Processo Civil: depende de requerimento; a decisão do juiz deve ser fundamentada e poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, mantendo caráter provisório até a sobrevinda da sentença final.[109]

Mas, urge ressaltar que, apesar de se submeterem ao regime geral das demais hipóteses, esta espécie de tutela antecipada, diferentemente, possui um único e exclusivo requisito: a incontrovérsia.

Nesse rumo, é a lição de Elpídio Donizetti:

A incontrovérsia foi erigida à categoria de requisito exclusivo para a concessão da medida. A ausência de impugnação quanto a um ponto da demanda autoriza a antecipação da tutela independentemente de prova inequívoca, de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ou de abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu.[110]

Igualmente nesse sentido é a doutrina de Daniel Amorim Assumpção Neves:

Para sua concessão estão dispensados o requisito tradicional da prova inequívoca da verossimilhança, bem como o perigo de dano ou o ato desleal. Seu único requisito está previsto no art. 273, §6°, do CPC: um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso.[111]

Quanto à dispensa da obrigatoriedade do preenchimento do requisito da inexistência do perigo de irreversibilidade, Elpídio Donizetti explica que isso ocorre “porque a presunção de veracidade dos fatos alegados reduz consideravelmente a possibilidade de revogação da medida”.[112]

Dispõe o §6° do art. 273 do Diploma Processual Civil que haverá a antecipação da tutela “quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso”. A literalidade do dispositivo leva à conclusão equivocada de que essa espécie de antecipatória só poderia ocorrer em caso de cumulação de pedidos.

No entanto, na vereda de uma interpretação teleológica a fim de conferir a real amplitude que a espécie merece, impende esclarecer que caberá não apenas na hipótese de cumulação de pedidos, mas em pedido único também, desde que o mesmo possa ser divisível.

Nesse sentido, conclusiva a opinião de Teori Albino Zavascki:

Na verdade, se é possível, em face de pedidos cumulados, adiantar a tutela de parte de um deles apenas, não há porque impedir que o mesmo ocorra quando o pedido for único. Não se pode negar o menos se a lei permite o mais. Tal conclusão tem em seu favor o argumento teleológico: o desiderato do legislador foi o de criar um mecanismo para atender, sem delongas, a porção do pedido a cujo respeito não pairar contestação, e esse objetivo pode ser alcançado mesmo quando o pedido for único, bastando que seja, jurídica e materialmente, suscetível de divisão.[113]

A incontrovérsia, para os efeitos dessa espécie de tutela, restará configurada quando a parte adversa não houver controvertido o(s) pedido(s) ou parcela do(s) pedido(s), exigindo-se, ainda, que a causa de pedir relacionada a estes pedidos seja verossímil e o réu não tenha suscitado nenhuma questão processual que impeça o próprio exame do mérito.

Nessa esteira de entendimento, referido autor considera “incontroverso para fins de antecipação, o pedido (ou parcela dele) indiscutível, ou seja, não controvertido seriamente pelas partes, verossímil na visão do juiz e cujo atendimento não está subordinado a qualquer questão prejudicial”.[114]

Por fim, frise-se que esta espécie é, também, uma medida de razoabilidade, pois, diante da incontrovérsia do pedido, permite-se, desde logo, ao autor fruir dos efeitos da tutela pretendida quanto a esta porção incontroversa, evitando o retardo da prestação jurisdicional de um direito manifestamente evidente.

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Sobre o autor
Albefredo Melo de Souza Júnior

Professor da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e do Curso Preparatório do Amazonas (CPA). Advogado. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera-Uniderp.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JÚNIOR, Albefredo Melo Souza. Tutela antecipada na sentença:: possibilidade, natureza e nuances recursais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3929, 4 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27410. Acesso em: 25 nov. 2024.

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Orientador: Prof. MSc. Frederico Thales de Araújo Martos

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