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Tutela antecipada na sentença:

possibilidade, natureza e nuances recursais

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4 TUTELA ANTECIPADA NA SENTENÇA

4.1. Compatibilidade dos Institutos “Tutela Antecipada” e “Sentença”. Possibilidade de Concessão no Bojo da Sentença

Em regra, como é cediço, a sentença prolatada em um dado processo não produzirá efeitos imediatos, porquanto estará sujeita a impugnação por apelação com efeito suspensivo.

Quando o cidadão busca a tutela jurisdicional do Estado-Juiz não quer apenas um “pedaço de papel” que lhe atribua o direito material postulado na sua petição inicial. Quer que a decisão proferida pelo magistrado externe seus efeitos no mundo dos fatos, o que somente ocorrerá com a definitiva prestação da tutela jurisdicional.

E, como é óbvio, a sentença não é a tutela jurisdicional em si. Vale dizer, a sentença integra-lhe o conceito e conteúdo, mas não são expressões sinônimas. Isso porque a definitiva “tutela jurisdicional” corresponde não só ao reconhecimento jurídico do direito alegado pelas partes, mas, de igual maneira, à produção de efeitos fora do processo. Tutela jurisdicional, então, é o reconhecimento jurídico de um direito – veiculado pela sentença – e mais a geração de efeitos no mundo fático.

Nesse sentido, magnífica a lição de Cassio Scarpinella Bueno que, com perspicácia, afirma:

Sentença não equivale à tutela jurisdicional. Sentença pode equivaler ao reconhecimento jurisdicional de que alguém tem o direito que afirmava ter no plano material. Ter tal direito reconhecido, contudo, não é suficiente para tê-lo concreta e efetivamente protegido. Tutela jurisdicional, por isso mesmo, é mais do que reconhecimento de direitos, é também efeito concreto, real, palpável, sensível daquilo que se foi buscar perante o Estado-juiz e que é apenas reconhecido na sentença.[137]

Importa rememorar que o objeto da tutela antecipada, como já explanado alhures – capítulo 1, item 1.7 – não é a tutela jurisdicional em si, isto é, o que se antecipa são os efeitos práticos – executivos – da eventual tutela definitiva de procedência.

Como a sentença, em regra, não produz efeitos imediatos, não conduzindo à prestação da “tutela jurisdicional” como um todo, evidente, então, a compatibilidade entre ela e a medida antecipatória, porquanto esta – a tutela antecipada – irá emprestar àquela – sentença – efeitos imediatos e concretos[138], em perfeita consonância com a efetividade que se espera ao buscar a “tutela jurisdicional” do Estado.

Esclareça-se, ademais, que não merece prosperar a tese doutrinária que defende a incompatibilidade entre os dois institutos em análise sob o fundamento de que, enquanto a tutela antecipada é medida concedida mediante cognição sumária e juízo de probabilidade, a sentença baseia-se em cognição exauriente e juízo de certeza.

Isso porque a tutela antecipatória não é um fim em si mesma. É vetor de efetividade do processo. Ora, se antes da sentença, com base em cognição sumária e juízo de probabilidade, pode-se antecipar os efeitos executivos da futura tutela definitiva, com a consequente mudança no plano fático, com muito maior razão e plausibilidade jurídica, pode-se concedê-la após a cognição exauriente na qual, mediante regular dilação probatória, o magistrado chegou a um juízo de certeza acerca da existência do direito material alegado pela parte, permitindo, assim, a sentença produzir efeitos imediatos, se atendidos os pressupostos da medida antecipatória.

Em tom de arremate, proclamou, nesse sentido, Cândido Rangel Dinamarco:

Sistematicamente, é até mais seguro conceder a tutela antecipada nesse momento, quando, superadas pela instrução exauriente as dúvidas do julgador sobre os fatos e as teses jurídicas pertinentes, ele terá chegado ao convencimento de que o autor tem razão: se houver a urgência que a legitime, a antecipação deve ser concedida ainda nesse momento final do procedimento em primeiro grau de jurisdição.[139]

De igual forma, leciona Cassio Scarpinella Bueno:

Se, pelo menos em tese, o sistema admite que uma interlocutória baseada em cognição sumária e, por isso mesmo, razoavelmente instável (art. 273, §4°) surta efeitos imediatos, com muito mais razão se deverá admitir que a sentença, baseada em cognição exauriente, produza efeitos imediatos quando presentes as circunstâncias do art. 273.[140]

Entretanto, frise-se que, quanto à concessão no bojo da própria sentença, ainda hoje persiste a cisão doutrinária a respeito da possibilidade de antecipação da tutela nesse exato ato judicial decisório:

De um lado, alguns, apesar de admitirem que, preenchidos os requisitos autorizadores, possa a tutela antecipada ser deferida no final da fase cognitiva, defendem que a mesma não deve ser efetivada no bojo da sentença, mas sim em decisão apartada.

Nesse sentido, Marcus Vinícius Rios Gonçalves assevera, que “uma cautela, porém, deve orientar o juiz que a queira conceder nesse momento: ao fazê-lo, não deve apreciar o pedido de antecipação no bojo da própria sentença, mas por meio de decisão em separado”.[141]

Igualmente nesse sentido, Marinoni e Mitidiero alertam para a problemática surgida quando o magistrado decide conceder a antecipação da tutela e ao mesmo tempo está pronto para sentenciar, enfatizando, como subterfúgio prático para evitar as nuances recursais que adviriam caso fosse deferida no bojo da sentença, que “(...) nada impede que na mesma folha de papel o juiz profira a decisão interlocutória e logo após a sentença, a primeira abrindo ensejo ao recurso de agravo e a segunda para o recurso de apelação (...)”.[142]

Por outro lado, sob o influxo dos princípios da economia e da concentração processual, norteadores da atividade processual, a doutrina majoritária defende, em perfeita consonância com “modelo constitucional de processo civil”, a possibilidade, caso presente os pressupostos, da concessão da tutela antecipada na própria sentença.

A esse propósito, Nelson Nery Jr. e Rosa Nery prelecionam, com a habitual maestria, que “é possível a concessão da tutela antecipada na própria sentença, desde que presentes os pressupostos legais”.[143]

Também nesse diapasão, Daniel Amorim Assumpção Neves ensina que, se o eventual recurso contra o decisum for dotado de efeito suspensivo, a utilidade da concessão da antecipação de tutela na sentença mostra-se evidente, porquanto permitirá ao autor usufruir dos efeitos práticos decorrentes da tutela definitiva ora obtida, advertindo, ainda, o referido autor, que os problemas relacionados ao correto recurso a ser manejado para impugnar a tutela antecipada “jamais poderão servir de desculpa ou impedimento para que o juiz não conceda a tutela antecipada na sentença (...)”.[144]

Outrossim, não tendo a Lei Adjetiva Civil estabelecido um momento processual específico para a concessão da medida antecipatória, Elpídio Donizetti ensina, corroborando o exposto supra, que “pode ela ser concedida a qualquer tempo, inclusive na sentença final, bastando que se tenha tornado necessária, o que pode vir a ocorrer no curso do processo ou mesmo depois de produzida determinada prova”.[145]

Desta feita, rebatidos os principais argumentos contrários à possibilidade de concessão nesse momento processual e consideradas as premissas estabelecidas, conclui-se pela compatibilidade entre a “tutela antecipada” e “sentença”. Sendo compatíveis, sua concessão nesse momento processual far-se-á necessária sempre que a sentença não puder produzir efeitos imediatamente: assim, se, num caso concreto, da sentença a ser proferida couber impugnação com recurso dotado de efeito suspensivo e se estiverem preenchidos os pressupostos da tutela antecipada, o magistrado pode – deve[146], na verdade – conceder a medida na própria sentença. Por outro lado, sendo impugnável por apelação com efeito meramente devolutivo, não haverá necessidade de tutela antecipada, porquanto a sentença já produzirá efeitos.

4.2. Natureza Jurídica da Tutela Antecipada na Sentença e Nuances Recursais

Então, uma vez concedida na própria sentença, é imperiosa a análise da natureza jurídica dessa antecipação de tutela concedida e qual recurso adequado a impugná-la.

 Isso porque quando é concedida em outra oportunidade, que não seja no decisum principal, classifica-se como decisão interlocutória e desafiaria Agravo de Instrumento sem qualquer controvérsia doutrinária e jurisprudencial.

Claros os ensinamentos de Elpídio Donizetti: “Ressalvada a hipótese de concessão na própria sentença, caracterizam-se como decisões interlocutórias aquelas que concedem, modificam ou revogam a tutela antecipada”.[147]

Ocorre que ao ser prestada no decisório, surge, mais uma vez, controvérsia doutrinária a respeito de sua natureza e, consequentemente, qual recurso apto a hostilizar tal medida assegurada pelo magistrado naquela oportunidade.

Com efeito, a primeira corrente, mais uma vez equivocada, não obstante o respeito que se deva aos seus ilustres defensores, sustenta que, embora formalmente exista apenas uma decisão, materialmente são duas, uma de natureza interlocutória e outra de natureza sentencial.[148] Ou seja, sendo duas decisões diferentes, dois serão os recursos aptos a serem manejados: agravo de instrumento e apelação.[149]

Entretanto, para a corrente majoritária, se uma determinada decisão judicial dirimiu inúmeras questões, processuais e de mérito, concomitantemente, sua natureza será determinada pelo seu conteúdo mais abrangente.

Nesse sentido, esclarecedora é a lição Nelson Nery Jr. e Rosa Nery: “Ainda que nela o juiz resolva várias questões, recebe classificação única. Se o ato do juiz resolve questões preliminares, concede tutela antecipada e extingue o processo, é classificado pelo seu conteúdo mais abrangente, isto é, como sentença”. [150]

Nesse diapasão, Daniel Amorim Assumpção Neves ratifica o entendimento defendido pela segunda corrente ao prelecionar que:

Apesar da nítida diferença de natureza entre os dois capítulos decisórios, tomando-se a decisão como una e indivisível e adotando-se o caráter finalístico de conceituação dos pronunciamentos judiciais, não há como deixar de classificar a decisão como uma sentença, recorrível tão somente por apelação. O mesmo raciocínio se aplica à hipótese de antecipação de tutela em sentença.[151]

 “Em casos assim”, proclama o professor Cândido Rangel Dinamarco, “não se trata de uma sentença de mérito e de uma decisão interlocutória acoplada a ela, como já se chegou a pensar. O ato proferido pelo juiz é um só, é a sentença”[152].

Assim, se esse decisum complexo é considerado uma sentença, pode-se afirmar que o único recurso adequado para impugná-lo é a apelação, pois vigora no sistema recursal o princípio da Singularidade (ou Unirrecorribilidade), o qual estabelece que cada decisão comporta uma única espécie de recurso.[153]

Discorrendo sobre a antecipação de tutela na sentença e qual o recurso adequado para impugná-la, Nelson Nery Jr. e Rosa Nery, com a costumeira erudição, ensinam:

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Se o ato é sentença, não pode ser impugnado, simultaneamente, por apelação, quanto ao mérito, e por agravo quanto à tutela antecipada nela concedida, pois isto contraria o princípio da singularidade dos recursos. A solução correta, de acordo com o sistema do CPC, é a impugnabilidade dessa sentença apenas pelo recurso de apelação.[154]

Nesse diapasão, contestando a corrente minoritária, Daniel Amorim Assumpção Neves afirma que nem adoção da teoria dos capítulos da sentença – imaginando-se recorrível por agravo o capítulo da tutela antecipada e por apelação o capítulo que julgou o mérito – sustentaria suas conclusões, pois “o princípio da singularidade impede a divisão da decisão em capítulo para fins de recorribilidade, de forma que da sentença, independentemente de conter capítulos que resolvam questões incidentais, caberá a apelação”.[155]

Analisando todos os detalhes que a questão envolve, completa é a observação de Tiago Asfor Rocha Lima:

O julgador, ao cabo do decreto sentencial, pode outorgar ao jurisdicionado a carga de eficácia imediata à tutela judicial, bastando para tanto que julgue procedente o pedido formulado e, no mesmo ato, antecipe os efeitos da tutela, o que não desnaturaria a formalidade do ato judicial, que continuaria a ser uma sentença, não havendo ao seu lado uma decisão interlocutória, mesmo porque o CPC não prevê que um mesmo ato possa ser desmembrado, inclusive para fins recursais. Logo, por se tratar de sentença, somente pode ser desafiada mediante recurso de apelação.[156]

Corroborando o exposto, arrematadora é a lição de Cândido Rangel Dinamarco:

[...] não é sistematicamente correto desdobrar o ato judicial com que o juiz decide a causa e ao mesmo tempo concede uma antecipação de tutela, como se ali houvesse dois atos, uma sentença e uma decisão interlocutória. Essa importante premissa conceitual repercute na determinação do recurso cabível contra a concessão de tutela antecipada no mesmo ato que julga a causa, o qual será apenas e exclusivamente a apelação, jamais o agravo.[157]

Por fim, mister salientar que o Colendo Superior Tribunal de Justiça, no exercício de sua função de uniformizar a interpretação da legislação federal, pacificou entendimento de que nesses casos caberá apenas apelação, conforme ementa que se transcreve, in verbis:

PROCESSO CIVIL. SENTENÇA QUE JULGA O MÉRITO E CONCEDE A TUTELA ANTECIPADA.  CABIMENTO DE APELAÇÃO. UNIRRECORRIBILIDADE.

Não cabe agravo de  instrumento  contra  a  sentença  que  julga  pedido  de antecipação de tutela. O único recurso oportuno é a apelação.[158]

E quanto aos efeitos em que ela será recebida, a melhor doutrina determina a aplicação analógica do comando normativo agasalhado no art. 520, VII, do CPC – que retira o efeito suspensivo da apelação –, pois a finalidade da concessão da medida no final da fase cognitiva é justamente emprestar à sentença algo que ela não teria naturalmente naquele momento: efeitos imediatos, razão pela qual a apelação deve ser recebida apenas no efeito devolutivo.

Nesse sentido, manifestou-se Cassio Scarpinella Bueno:

Não obstante a dificuldade de defender a aplicação do art. 520, VII, para reger a espécie, deve ser prestigiado o entendimento de que, neste caso, o recurso de apelação dirigido dessa sentença deve, sistematicamente, ser recebido sem efeito suspensivo, para manter a coerência de eficácias do sistema processual civil[...].

Portanto, esse ato judicial que decide o mérito e concede a medida antecipatória é sentença, estruturando-se em capítulos, um deles destinado à disciplinar a tutela antecipada, sendo impugnáveis exclusivamente por apelação, a qual que será recebida somente no efeito devolutivo, de forma a permitir o jurisdicionado fruir, desde logo, dos efeitos da tutela ora concedida.

4.3. Medidas de Impugnação aos Efeitos da Tutela Antecipada na Sentença

Considerando que a Apelação seria recebida apenas no efeito devolutivo, nos termos do art. 520, inciso VII, da Lei Adjetiva Civil, para se obter a suspensão da eficácia da tutela ora antecipada, o réu poderá se valer de três medidas: I) ação cautelar inominada, com pedido de liminar; II) petição atípica, solicitando a atribuição de efeito suspensivo ao relator da apelação; III) agravo de instrumento, para impugnar os efeitos em que a apelação fora recebida.[159]

Com efeito, poderá a parte sucumbente, nos termos do art. 800, parágrafo único, do Diploma Processual Civil, ajuizar incidentalmente uma Ação Cautelar Inominada no tribunal competente para a apreciação da apelação, pedindo a concessão de liminar para que seja suspensa a eficácia da tutela antecipada concedida no bojo da sentença – inviabilizando a execução provisória[160] –, para evitar um dano irreparável ou de difícil reparação, assegurando-se, assim, o resultado útil do processo principal.

Ou, à luz do sincretismo processual inerente ao hodierno processo civil, o réu poderá impugnar essa medida antecipatória por meio de uma Petição Atípica, na qual se pleiteará junto ao relator a atribuição de efeito suspensivo à apelação até o pronunciamento definitivo da turma ou câmara, conforme a regra insculpida no parágrafo único do art. 558 do CPC, devendo demonstrar a relevância de seus fundamentos e o risco de lesão grave e de difícil reparação.

Outrossim, há, ainda, a possibilidade de a parte manejar Agravo de Instrumento – não contra a tutela antecipada em si – mas para impugnar os efeitos em que foi recebida a apelação – no caso, somente o devolutivo –, com fulcro no art. 522, caput, da Lei Adjetiva Civil.

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Sobre o autor
Albefredo Melo de Souza Júnior

Professor da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e do Curso Preparatório do Amazonas (CPA). Advogado. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera-Uniderp.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JÚNIOR, Albefredo Melo Souza. Tutela antecipada na sentença:: possibilidade, natureza e nuances recursais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3929, 4 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27410. Acesso em: 28 mar. 2024.

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Orientador: Prof. MSc. Frederico Thales de Araújo Martos

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