ARTIGO
A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica Face à Teoria Finalista da Ação
Elquisson Sidney Gomes Rocha
Resumo:
Assim como acontece por ocasião dos crimes ambientais, tema este de atuais discussões, grande parte dos estudiosos e aplicadores do direito entendem que a autorização constitucional tornou possível também à responsabilização penal da pessoa jurídica nos crimes contra a ordem econômico-financeira.
A Teoria do Delito e a Teoria da Pena foram criadas e têm suas bases voltadas à punição do ser humano individualmente considerado, sendo que todas as normas de proteção e garantias visam à aplicação adequada desse campo normativo.
Portanto, vê-se a necessidade de análise sobre a compatibilidade da responsabilidade penal da pessoa jurídica em relação ao Direito Penal como atualmente concebido e sob a ótica da Teoria Finalista da Ação.
Palavras-chave:
Pessoa jurídica, responsabilidade penal, teoria finalista da ação, meio ambiente e ordem econômica- financeira.
1. Introdução
A Carta Republicana do Brasil de 1988, além de promover uma nova ordem constitucional no Estado brasileiro, introduziu no ordenamento brasileiro o garantismo jurídico, em especial no campo penal, representado por um rol (apenas exemplificativo) de direitos e garantias individuais contra o arbítrio do poder punitivo estatal. Desse modo, o Estado se viu limitado e obrigado à obediência de um rol de garantias mínimas para realização do seu direito de punir.
Nesse contexto de direitos e garantias, a Constituição da República de 1988 ainda introduziu duas normas peculiares na ordem jurídica. O art. 225, § 3.º, que estabelece que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados” e o art. 173, § 5.º, dispondo que “a lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular”.
Partindo dessas premissas, almeja-se no presente trabalho, verificar a compatibilidade da responsabilidade penal da pessoa jurídica com o sistema jurídico-penal brasileiro sob o prisma dos princípios constitucionais garantistas e da Teoria Finalista da Ação, onde se verifica que apenas o agir humano pode ser direcionado a determinação/ finalidade de algum resultado, tornando-se paciente os institutos do dolo e da culpa para então uma eventual responsabilização individual.
2. Aspectos relacionados à conceituação dos delitos na Teoria Finalista da Ação
Welzel elaborou o conceito finalista em oposição ao conceito causal de ação, e principalmente à insustentável separação entre a vontade e seu conteúdo. Para Welzel, "ação humana é exercício de atividade final”[1]. A ação é, portanto, um acontecer final e não puramente causal.
A finalidade ou o caráter final da ação baseia-se em que o homem, graças a seu saber causal, pode prever, dentro de certos limites, as consequências possíveis de sua conduta. Portanto, em face de seu saber causal prévio pode dirigir os diferentes atos de sua atividade de tal forma que oriente o acontecer causal exterior a um fim e assim o determine finalmente.
Logo, a vontade seria o ponto nodal da ação final, considerando dessa forma que a finalidade baseia-se na capacidade de vontade de prever, dentro de certos limites, as consequências de sua intervenção no curso causal e dirigi-lo, por conseguinte, conforme a um plano, à consecução de um fim.
Ressalta-se que a direção final de uma ação realiza-se em duas fases:
1ª) Elementar subjetiva (ocorre na esfera intelectual), podendo ser resumidamente elencada nos seguintes acontecimentos: a) antecipação do fim que o agente quer realizar (objetivo almejado); b) seleção dos meios adequados para a consecução do fim (meios executórios); c) consideração dos efeitos concomitantes relacionados à utilização dos meios e o propósito a ser alcançado;
2ª) Elementar objetiva (ocorre no mundo real), sendo assim a própria execução da ação real, material, efetiva, dominada pela determinação do fim e dos meios na esfera do pensamento. Em outras palavras, pode-se entender pelo fato do agente por em movimento, segundo um plano, o processo causal, dominado pela finalidade, procurando alcançar o objetivo proposto. Logo, se por qualquer razão, não consegue o resultado almejado, a ação será na modalidade tentada.
2.1 A responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes ambientais e nos crimes contra a ordem econômico-financeira
É importante destacar que tanto na seara dos crimes ambientais como na dos crimes contra a ordem econômico-financeira, tem-se vislumbrado algumas divergências doutrinárias no que tange a responsabilização jurídico-penal da pessoa jurídica / ente moral.
Preliminarmente anota-se que sobre a possibilidade da responsabilização jurídico-penal de pessoas jurídicas em crimes ambientais, O art. 225, § 3º, CF/88 prevê o seguinte:
Art. 225 (...) § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
Além do supramencionado diploma constitucional, vislumbra-se ainda a lei nº: 9.605/98 (Dispõe sobre os Crimes Ambientais), que em seu art.3º, estabelece: “As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade”.
Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.
No tocante ao cometimento de crimes contra a ordem econômico-financeira praticados em tese por pessoas jurídicas, o art. 173, § 5º da Carta Republicana esclarece que: “a lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular”. O art. 173, § 5,CF permitiu a responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes contra a ordem econômica e financeira, o que autorizaria a atuação do Direito Penal contra os entes coletivos nos crimes previstos, por exemplo, nas Leis 8.137/90 ( crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo) e 8.176/90 ( crimes contra a ordem econômica e cria o Sistema de Estoques de Combustíveis) de imediato e sem regulamentação específica.
3. Conclusão
Mesmo com as devidas previsões expressas no texto constitucional e nas mencionadas legislações especiais, existem posicionamentos divergentes perante a doutrina que leciona a possibilidade ou não quanto à aplicação da reprimenda penal às pessoas jurídicas nos crimes ambientais e contra a ordem econômico-financeira.
A posição majoritária da doutrina, afirma em dizer que a ideia de responsabilidade da pessoa jurídica é incompatível com a teoria do crime adotada no Brasil. Pois as pessoas jurídicas são abstrações, desprovidas de consciência e vontade (societas delinquere non potest). As pessoas jurídicas não podem ser responsabilizadas criminalmente porque não têm capacidade de conduta (não têm dolo ou culpa) nem agem com culpabilidade (não têm imputabilidade nem potencial consciência da ilicitude).
Em contrapartida à doutrina majoritária, existem duas correntes que admitem a responsabilização jurídico-penal das pessoas jurídicas nos crimes ambientais. A primeira delas (jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça) possui o entendimento de que é possível a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais, desde que haja a imputação simultânea do ente moral e da pessoa natural que atua em seu nome ou em seu benefício. Nesse sentido: EDcl REsp 865.864/PR, Rel. Min. Adilson Vieira Macabu (Desembargador Convocado do TJ/RJ), Quinta Turma, julgado em 20/10/2011). Assim, para o STJ, o Ministério Público não poderá formular a denúncia apenas contra a pessoa jurídica, devendo, obrigatoriamente, identificar e apontar as pessoas físicas que, atuando em nome e proveito da pessoa jurídica, participaram do evento delituoso, sob pena da exordial não ser recebida (REsp 610.114/RN).
O segundo entendimento jurisprudencial trata-se da Suprema Corte da República. O STF entendeu que é admissível a condenação de pessoa jurídica pela prática de crime ambiental, ainda que absolvidas as pessoas físicas ocupantes de cargo de presidência ou de direção do órgão responsável pela prática criminosa. Neste sentido: 1ª Turma. RE 548181/PR, rel. Min. Rosa Weber, julgado em 6/8/2013 (Info 714).
4. Referências Bibliográficas
Welzel, Hans. El nuevo sistema del derecho penal; una introducción a la doctrina de la acción finalista; Madrid;. tradução em espanhol de José Cerezo Mir; Ed. 1964.
Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil, 5 de outubro de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, 5 de outubro, 1988, n. 191ª.
(STJ - EDcl REsp 865.864/PR, Rel. Min. Adilson Vieira Macabu (ADILSON VIEIRA MACABU (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RJ), Data de Julgamento: 20/10/2011, T5 - QUINTA TURMA)
(STF - RE: 548181 PR, Relator: Min. ROSA WEBER, Data de Julgamento: 14/05/2013, Primeira Turma, Data de Publicação: ACORDAO ELETRONICO DJe-117 DIVULG 18-06-2013 PUBLIC 19-06-2013)
ZAFFARONI, E.R., Derecho Penal: Parte General, 2ª edição, Buenos Aires: Ediar, 2002, p. 128.
TAVARES, Juarez, Teoria do Injusto Penal, 3ª edição, Belo Horizonte: Delrey, 2003, p. 180
[1] Welzel, El nuevo sistema, cit.,p.25.