No Direito Penal, a punibilidade não constitui requisito do crime, mas sua consequência jurídica. Os requisitos do crime, sob o aspecto formal, são o fato típico e a antijuridicidade. A culpabilidade constitui o pressuposto da pena. Assim, a prática de um fato típico e ilícito, sendo culpável o sujeito, faz surgir a punibilidade.
Conforme leciona Damásio de Jesus, “quando o sujeito pratica um crime, surge a relação jurídico-punitiva: de um lado, aparece o Estado com o jus puniendi; de outro, o réu, com a obrigação de não obstaculizar o direito de o Estado impor a sanção penal. Com a prática do crime, o direito de punir do Estado, que era abstrato, torna-se concreto, surgindo a punibilidade, que é a possibilidade jurídica de o Estado impor a sanção” 1.
Nessa perspectiva, a sanção criminal corresponde à medida com que o Estado reage em face da violação da norma punitiva. É a resposta dada pelo Estado ao infrator da norma incriminadora. Conforme Flávio Augusto Monteiro Monteiro de Barros, pena é “uma sanção consistente na privação de determinados bens jurídicos, que o Estado impõe contra a prática de um fato definido na lei como crime”2.
Relativamente às “condições objetivas de punibilidade”, sua existência foi pioneiramente assinalada por Binding, que as disciplinou com fundamento em sua teoria das normas. Segundo ele, há nas leis penais momentos objetivos – estranhos ao delito – que constituem, em verdade, pressupostos da punibilidade. São condições ulteriores da punição, alheias ao ato delituoso e que, em razão disso, devem ser analisadas em separado. Posteriormente, ao sistematizar as características do delito, Ernst von Beling afirmou que as circunstâncias constitutivas de uma condição de punibilidade – objetivas e extrínsecas – não pertencem ao tipo de delito, distinguindo-se de seus elementos constitutivos por não serem necessariamente abarcadas pelo dolo do agente, como explica Luiz Régis Prado3 em sua obra.
Em que pese a ampla aceitação alcançada pelas condições objetivas de punibilidade, certos autores negam peremptoriamente sua existência, sob fundamentos diversos. Alegam, por exemplo, que tais condições afrontariam o princípio da culpabilidade e que parte delas não passaria de autênticos elementos do tipo ou de pressupostos processuais.
Conforme Luiz Régis Prado, a exata definição das condições objetivas de punibilidade é questão tormentosa. Por um lado, parte da doutrina considera-as como acontecimentos futuros e incertos, cuja realização é indispensável para a integração jurídica do delito. Admitindo-se a punibilidade como elemento do conceito de crime, argumenta-se estar fora de dúvida não haver delito enquanto não se verifique a ocorrência da condição. Faltaria, aqui, um elemento que, no caso específico, é pressuposto para a existência de um requisito essencial do delito.
De outra parte, defende-se que as condições objetivas de punibilidade integram a noção de tipo penal em sentido amplo, isto é, aquele que engloba não apenas os elementos que fundamentam positivamente o injusto, mas também os que condicionam sua punibilidade. As condições objetivas de punibilidade pertenceriam, pois, ao tipo penal porque condicionariam sua objetiva relevância penal.
Além disso, uma terceira posição, diversa das anteriores, entende que as condições objetivas de punibilidade pressupõem um delito completo em todos os seus elementos constitutivos, funcionando, portanto, como condicionantes da aplicação concreta da pena. Segundo essa corrente de pensamento, tais condições não constituem requisitos do delito – como postulam aqueles para os quais a punibilidade é elemento do crime –, mas dizem respeito à imposição da sanção penal, visto que o crime já estaria perfeito em todos os seus elementos estruturais. Logo, a função dessas condições não seria certamente a de permitir a punibilidade de um delito pelo seu concurso ao aperfeiçoamento do mesmo, mas sim a de, excepcionalmente, suspender a punibilidade, submetendo-a à ocorrência de um evento ulterior e extrínseco de um delito já perfeito.
Nesse contexto, tem-se que as condições objetivas de punibilidade são alheias à noção de delito – ação ou omissão típica, ilícita ou antijurídica e culpável – e, de conseguinte, ao nexo causal. Ademais, atuam objetivamente, ou seja, não se encontram abarcadas pelo dolo ou pela culpa. São condições exteriores à ação e delas depende a punibilidade do delito, por razões de política criminal.
Cumpre reconhecer que a esfera das condições de punibilidade é pouco estável e que o número de condições unanimemente reconhecidas como tais é muito inferior ao daquelas que têm a sua natureza discutida. Um exemplo ilustrativo é o resultado de morte ou lesão grave previsto no crime do artigo 122 do Código Penal. Nessa hipótese legal, embora consumado o delito com o simples induzimento, instigação ou auxílio, a punibilidade encontra-se condicionada à consumação ou tentativa de suicídio, quando esta resulta em lesão corporal de natureza grave.
Ressalta-se que a presença ou não das condições de punibilidade é indiferente para a consumação do crime, que se dá independentemente do advento da condição. Entretanto, não se verificando a condição objetiva de punibilidade, o delito não será punível sequer como tentativa. Como decorrência lógica, tampouco a participação poderá ser punida, em razão do não-cumprimento da condição de punibilidade exigível pelo delito. O termo inicial da prescrição nos delitos de punibilidade condicionada, porém, não começa a correr a partir do dia em que o crime se consumou (art. 111, inciso I, do Código Penal), mas sim com o implemento da condição objetiva. E isso porque, sendo a prescrição causa extintiva de punibilidade, uma vez não configurada esta, não há de se falar em extinção4.
Em suma, praticado o delito, pode a lei exigir a presença de uma condição objetiva para considerar punível o fato praticado. Como esclarece Mirabete, “há casos (...) em que a punibilidade, por razões de política criminal, está na dependência do aperfeiçoamento de elementos ou circunstâncias não encontradas na descrição típica do crime e exteriores à conduta. São chamadas de condições objetivas porque independem para serem consideradas como condições para a punibilidade, de estarem cobertas pelo dolo do agente”5. Não registra a lei penal brasileira, contudo, disposição geral expressa a respeito das chamadas “condições objetivas de punibilidade”.
Damásio de Jesus exemplifica um caso de condição objetiva de punibilidade:
“Art. 7º, § 2º, b e c, do CP. Na extraterritorialidade condicionada da lei penal brasileira, as circunstâncias de ‘ser o fato punível também no país em que foi praticado’ e ‘estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição’ constituem condições objetivas de punibilidade. Elas se encontram fora do crime praticado pelo agente e a sua ocorrência não depende do dolo do agente, pois este faz parte do tipo. A separação, porém, tem em vista tornar mais clara a compreensão. Se a punibilidade não é requisito do crime, a circunstância que a condiciona não pode encontrar-se no crime, mas fora dele. Assim, a circunstância de o fato “ser punível também no país em que for praticado” não se acha no delito cometido pelo agente, mas fora dele. Além disso, essa circunstância não depende da vontade do sujeito. No que tange à extradição, a circunstância não faz parte do fato cometido pelo sujeito e não depende de sua vontade.”6
Uma vez definida a punibilidade enquanto possibilidade jurídica de impor pena ao violador da lei penal, parte-se para o estudo das causas de extinção do poder de punir do Estado. Nesse passo, observa-se que podem surgir fatos ou atos jurídicos que extingam a punibilidade – as denominadas “causas de extinção da punibilidade” –, que se configuram enquanto garantias individuais frente ao poder estatal punitivo. Por isso, diz-se que as causas de extinção da punibilidade são aqueles fatos ou atos jurídicos que impedem o Estado de exercer seu direito de punir os infratores da lei penal7.
A doutrina classifica as causas extintivas em gerais (aplicadas a quaisquer infrações penais) e especiais (destinadas somente a determinados crimes); comunicáveis (comunicam-se aos co-autores e partícipes) e incomunicáveis; temporárias (aplicáveis somente em determinado período de tempo) e perenes.
Os efeitos gerados pela extinção da punibilidade estão vinculados ao momento em que as causas ocorrem: se antes do trânsito em julgado da sentença, acarretam a extinção da pretensão punitiva, impedindo os efeitos do processo ou da sentença condenatória; se depois da sentença transitada em julgado, geram a extinção da pretensão executória ou apenas alguns de seus efeitos, como a pena. Nesses casos, havendo sentença condenatória, não cessam os efeitos na esfera cível. Contudo, há situações, como na anistia e na abolição do crime, em que sempre é atingida a pretensão punitiva, mesmo que a causa ocorra após o trânsito em julgado da sentença.
Cumpre sublinhar que o Código Penal, em seu artigo 108, estabelece como norma que a extinção da punibilidade de crime que é pressuposto, elemento constitutivo ou circunstância agravante de outro não se estende a este. A par disso, prescreve ainda o citado dispositivo legal que, nos crimes conexos, a extinção de punibilidade de um deles não impede, quanto aos outros, a agravação da pena resultante da conexão.
Assim, como exemplos de casos em que um crime é pressuposto do outro, a extinção da punibilidade no furto não exclui a punibilidade da receptação, assim como a extinção da punibilidade do descaminho (art. 334) não exclui a punibilidade dos crimes de venda ou aquisição das mercadorias introduzidas no país através do contrabando (art. 334, § 1º, alíneas ‘c’ e ‘d’).
Quando um crime é elemento constitutivo ou circunstância agravante de outro, há um concurso aparente de normas, e, em nome do princípio da especialidade, um tipo passa a ser elemento que constitui o outro, não caracterizando crimes distintos. Logo, como não há tipicidade independente, não pode haver extinção autônoma da punibilidade. Esse é o caso do furto qualificado pela destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa (art. 155, § 4º, inciso I), em que a tipicidade do crime de dano (art. 163) é afastada em razão da especialidade e, portanto, é inadmissível a extinção da punibilidade deste de forma independente.
A título de exemplificação de casos de crimes conexos, em que a extinção da punibilidade de um não exclui a agravante resultante da conexão, vale citar o homicídio qualificado por ter sido cometido para ocultar a prática de outro crime, em que a prescrição deste não impede a punibilidade daquele. O mesmo vale para o caso da agravante do art. 61, inciso II, alínea ‘b’, do Código Penal, que não deixa de ser aplicada se há extinção da punibilidade do delito cuja impunidade ou vantagem era visada.
Por último, ainda em matéria de extinção da punibilidade, cabe ressaltar que o rol de causas extintivas constante no art. 107 do Código Penal não é taxativo. Outras causas estão distribuídas no Código Penal e na legislação extravagante.
Bibliografia:
BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2001, vol. 1.
DELMANTO, Celso; et al. Código Penal Comentado. 6ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1990, vol. 1.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. São Paulo: Atlas, 1986.
PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, vol. 1.
Notas
1 JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1990, vol. 1, p. 589.
2 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2001, vol. 1, p. 359.
3 PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, vol. 1, p. 620.
4 Prado ainda afirma que não se pode confundir as condições objetivas de punibilidade e as condições de procedibilidade, de natureza processual. Estas não influem na punibilidade do crime, mas representam tão somente obstáculo ao início ou prosseguimento da ação penal.
5 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. São Paulo: Atlas, 1986, p. 368.
6 JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1990, vol. 1, p. 590.
7 DELMANTO, Celso; et al. Código Penal Comentado. 6ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 202.