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Pressupostos da responsabilidade civil: nexo causal

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08/04/2014 às 09:33
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CAUSALIDADE E IMPUTAÇÃO OBJETIVA

O dogma causal, durante muito tempo, prevaleceu no Direito. Contudo, no início do século XX, as insuficiências do naturalismo já restavam evidentes.

Karl Larenz, então, a partir do pensamento de Hegel, desevolveu a imputação objetiva no âmbito do Direito Civil, com o fito de estabelecer limites entre os fatos próprios e os acontecimento acidentais.

Imputar significa atribuir algo a alguém. A teoria da Imputação Objetiva visa responder a seguinte indagação: das diversas consequências de um ato, quais devem ser atribuídas como obra do agente e quais devem ser entendidas como mero acaso? Quer dizer: o que se deve atribuir a um sujeito como ação sua, pelo que pode ser responsabilizado?

Larenz baseava-se na vontade do ser racional que pode reconhecer o efeito de determinadas causas, prevendo as consequências e fixando a direção desejada de acordo com o seu pensamento. Enquanto Hegel reconhecia a imputação somente aos fatos causados dolosamente, Larenz ampliou a aplicação da teoria ao admitir a imputação também no âmbito da culpa strictu sensu. Larenz tentou, assim, corrigir a estreiteza do conceito hegeliano de ação, que desconhecia a responsabilidade fora dos casos de dolo.

Para tanto, manteve a construção de Hegel, especialmente a concepção de que a vontade constitui a essência da ação, pois só se pode imputar a alguém aquilo que esteja compreendido pela sua finalidade. A noção de sujeito individual, homem físico, presente na obra de Hegel, dá lugar na versão de Larenz à idéia normativa de pessoa, ser racional. Com base nessa concepção, também a finalidade, para Larenz, deixa de ser aquilo que o indivíduo, efetivamente, previu e quis, para passar e abranger tudo aquilo que objetivamente a ação tendia a atingir.

Assim, Larenz acaba erigindo a possibilidade de previsão -> previsibilidade como critério de imputação. Esta possibilidade não deve ser analisada subjetiva, mas objetivamente: não é o autor concreto, mas a pessoal o ser racional, que deve estar em condições de prever um determinado acontecimento. As consequências objetivamente previsíveis são, portanto, atribuíveis à pessoa, enquanto ser racional.


O FENÔMENO DA CONCORRÊNCIA DAS CAUSAS

Gisela Sampaio da Cruz (2005. p. 27) afirma que duas questões logo se apresentam: 1 – dificuldade da sua prova; e 2 – fato que constitui a verdadeira causa do dano.

A análise do nexo causal torna-se ainda mais complicada, na medida em que o fato constitutivo da responsabilidade não precisa ser a única causa do dano, pois várias causas podem participar das mais diferentes formas.

Impõem-se desde logo distinguir os seguintes conceitos: (i) causas complementares; (ii) causas cumulativas; e (iii) causas alternativas.

4.1. Causas Complementares (concausas)

Quando duas ou mais causas concorrem para a produção de um resultado que não teria sido alcançado de forma isolada, por nenhuma delas, ou seja, quando o resultado lesivo é decorrência de fatos diversos que, isoladamente, não teriam eficácia suficiente para causar o dano.

As causas complementares são também conhecidas como concausas, causalidade conjunta ou comum.

Sergio Cavalieri Filho (2012. p. 80) afirma que concausa é outra causa que, juntando-se à principal, concorre para o resultado. Ela não inicia nem interrompe o processo causal, apenas o reforça, tal como um rio menor que deságua em outro maior, aumentando-lhe o caudal. Em outras palavras, são circunstâncias que concorrem para o agravamento do dano, mas que não tem a virtude de excluir o nexo causal desencadeado pela conduta principal, nem de, por si só, produzir o dano.

Assim, o agente suporta esses riscos porque, não fosse a sua conduta, a vítima não se encontraria na situação em que o evento danoso a colocou. (CAVALIERI, 2012. p. 80)

Doutrina ainda divide as concausas em: preexistentes, concomitantes e supervenientes (CAVALIERI, 2012. p. 80), senão vejamos:

Preexistentes: Não eliminam a relação causal, considerando-se como tais aquelas que já existiam quando da conduta do agente, que são antecedentes ao próprio desencadear do nexo causal. Assim, as condições pessoais de saúde da vítima, bem como as suas predisposições patológicas, embora agravantes do resultado, em nada diminuem a responsabilidade do agente.

Exemplos: lesão leve resulte a morte por ser a vítima hemofílica; que um atropelamento resultem complicações por ser a vítima diabética; que a agressão física ou moral resulte a morte por ser a vítima cardíaca; que um pequeno golpe resulte fratura de crânio em razão da fragilidade deste. Em todos esses casos, o agente responde pelo resultado mais grave, independentemente de ter ou não conhecimento da conduta antecedente que agravou o dano.

Concomitantes: Circunstância agravante que concorre simultaneamente ao dano.

Exemplos: durante o parto a vítima vem a falecer em decorrência de um aneurisma cerebral. Não há responsabilidade civil do médico, uma vez que a morte não decorreu da conduta do profissional-médico. É uma concausa concomitante absolutamente independente.

Supervenientes: Ocorre depois do desencadeamento do nexo causal e, embora concorra também para o agravamento do resultado, em nada favorece o agente.

Exemplos: Vítima de um atropelamento não é socorrida em tempo, perde muito sangue e vem a falecer

4.2. Causas Cumulativas

Quando duas ou mais causas concorrem para a produção de um resultado que teria sido alcançado de forma isolada. Ex: dois assaltantes, ignorando um o que o outro fazia, atiram sobre o passante: os tiros atingem a vítima, que morreria com qualquer um dos tiros.

Tanto as causas complementares (concausas) com o como as causas cumulativas (concorrentes) podem ocorrer de forma simultânea (causas simultâneas) ou sucessiva (causas sucessivas).

Exemplo: Caio ministra em Tício uma pequena dose de veneno, insuficiente para causar-lhe a morte, mas que, em conjunto com a dose ministrada por Abreu, mata Tício. Neste caso, a conduta de Caio e Abreu são concausas do evento danoso: (i) simultâneas, se as doses forem injetadas ao mesmo tempo; ou (ii) sucessivas, se uma for posterior à outra.

Da mesma forma, cada uma dessas doses de veneno, poderia, por si só, ter a eficácia para causar a morte de Tício. A hipótese seria então, não mais de concausas, mas de causas cumulativas (concorrentes): (i) simultâneas, se as doses forem injetadas ao mesmo tempo; ou (ii) sucessivas, se uma for posterior à outra.

Em regra, quando vários agentes causam o dano de forma simultânea, a ofensa é única, razão pela qual se justifica plenamente a regra da solidariedade, com base no artigo 942 do Código Civil:

Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.

** Contudo, quando as causas são sucessivas, é possível cogitar-se de uma espécie de ‘causalidade parcial’ em que cada uma das causas vai dar origem a uma parcela independente do dano que, justamente por ser formado por partes autônomas, será imputado a diferentes autores sem a regra da solidariedade. Cada agente deverá responder tão-só pelo dano que causou.

*** As causas sucessivas suscitam, ainda, outro problema: se o fato posterior (2º fato) interrompe ou não o nexo de causalidade que ligaria a conduta do 1º fato ao dano. Ex: Médico opera sem observância das regras de assepsia, complicando estado de saúde do paciente. Outro médico seja chamado e o tratamento indicado é contraproducente e o doente vem a falecer.

4.2. Causas Alternativas

Quando não é possível definir, com um grau absoluto de certeza, qual dos vários participantes em certo ato causou o dano (CRUZ, 2005. p. 31). Sabe-se que o participante faz parte de um grupo, mas não se consegue identificar qual foi o membro do grupo que causou o dano.


EXCLUDENTES DO NEXO DE CAUSALIDADE

5.1. Força Maior e Caso Fortuito

Fala-se em força maior e caso fortuito quando se trata de acontecimento que escapa a toda diligência, inteiramente estranho à vontade do devedor da obrigação.

A força maior é um acontecimento externo, estranho à vontade humana, imprevisível e inevitável (pode ainda ser previsível, mas inevitável). O caso fortuito é evento imprevisível e, portanto, inevitável. A imprevisibilidade, portanto, é o elemento indispensável para a caracterização do caso fortuito, enquanto a inevitabilidade o é da força maior.

Gisele Sampaio da Cruz (2005, p. 31) afirma que tanto o caso fortuito quanto a força maior precisam cumular alguns requisitos, para que possa afastar o liame causal entre a conduta do agente e o resultado danoso. Tais requisitos são apontados tanto pela doutrina estrangeira, quanto pela doutrina nacional, qual seja: (i) inevitabilidade: trata-se de um acontecimento que de nenhuma forma poderia ser resistido; (ii) imprevisibilidade: imprevisível para uma pessoa de discernimento comum – este juízo deve ser feito em abstrato; (iii) atualidade: o agente não pode se valer de elementos futuros; (iv) extraordinariedade: o fato deve fugir do comum, do curso natural das coisas. Sem esses requisitos, que devem ser demonstrados pelo agente, o caso fortuito e a força maior não se configurarão e não poderão afastar o liame causal.

Salienta-se que nem sempre o caso fortuito ou a força maior tem o poder de excluir o nexo de causalidade. Em regra o agente não responderá pelo dano causado, quando ocorrer o caso fortuito ou a força maior, salvo se, houver convenção prévia nos termos do art. 393 do Código Civil de 2002, no qual o devedor pode se responsabilizar pelo caso fortuito ou pela força maior; ou nos casos previstos em lei.

Exemplo: nas obrigações de dar coisa incerta, o devedor, antes da escolha, não se exonera da obrigação por simples alegação da incidência de caso fortuito ou de força maior, conforme art. 246 do Código Civil de 2002. Dessa forma, mesmo que ocorra um dilúvio e destrua o objeto da obrigação de dar, o devedor não se eximirá de ter que dar a coisa, pois este pode entregar coisa semelhante e não necessariamente aquela que se perdeu.

5.2. Culpa exclusiva da vítima ou fato de terceiro

A culpa exclusiva da vítima ou de terceiro ocorre quando a vítima ou o terceiro é o próprio causador do prejuízo e não o Estado, não existindo a relação causa e efeito entre o dano e a ação estatal.

Já no fato de terceiro, o agente aparente é identificado, todavia este não incorre em responsabilidade, pois é a ação de um terceiro que provoca o dano, e esta ação tem o condão de excluir o nexo entre a conduta do agente e o dano causado.

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Muito se discute se a conduta do terceiro deva ser culposa para que tenha o poder de eliminar o nexo causal entre a conduta do agente e o resultado danoso. Todavia, a maior parte da doutrina entende que a conduta do terceiro não precisa ser necessariamente culposa para que tenha o condão de excluir a responsabilidade do agente aparente. Portanto, sendo a conduta do terceiro a única causa do dano, a responsabilidade do agente deve ser afastada, sem que seja preciso verificar se o terceiro agiu com culpa ou não.

Outro ponto muito discutido em sede doutrinaria é se o fato de terceiro deve reunir os caracteres de imprevisibilidade e inevitabilidade. Para a maior parte da doutrina a conduta do terceiro deve conter os caracteres de imprevisibilidade e inevitabilidade, haja vista que o fato de terceiro poderia ser uma circunstância anterior ou superveniente de conhecimento do agente e que são imputáveis a este.

5.3. Culpa concorrente da vítima ou de terceiro

Parte da doutrina diz ser irrelevante a culpa concorrente, como forma de atenuação da responsabilidade, haja vista o legislador não a ter contemplado. Não obstante, Gisela Sampaio da Cruz defende que a atuação concorrente deve ser entendida como forma de atenuação da responsabilidade do agente.


CAUSALIDADE E JURISPRUDÊNCIA

No Brasil, a verificação do nexo de causalidade é feita de forma intuitiva e atécnica, ora sob a influência de uma escola, ora de outra. É por isso que, como observa Gustavo Tepedino, se torna indispensável, para se entender como a casualidade é aferida pela jurisprudência, ter em vista não as designações das teorias, tratadas de modo eclético pelas Cortes, senão a motivação que inspira as decisões, permeadas, para Tepedino, predominantemente pela teoria da causalidade necessária.

No Supremo Tribunal Federal:

Prevalece, segundo entendimento consagrado após a Constituição Federal de 1988, a Teoria do Dano Direto e Imediato.

O caso paradigmático mais comentado pelos especialistas, em que ficou clara essa opção é o RE 130.764-1/PR, julgado em 1922. Trata-se de ação movida contra o Estado do Parana, por vítimas de assalto, praticado por quadrilha da qual fazia parte preso que estava foragido há vinte e um meses. A fuga ocorreu do hospital para onde tinha sido provisoriamente transferido o detento, para suposto tratamento de saúde. Comprovou-se nos autos que o bando composto por mais sete marginais, além do evadido, penetrou de forma hostil na residencia de conhecida familia curitibana, dominando-a completamente, até conduzí-la ao estabelecimento comercial de sua propriedade, de onde foi roubada grande quantia de jóias. A tese do recurso, acolhida pelo STF, demonstrava que não existia nexo causal direto e imediato – necessário – entre a fuga e o assalto, praticado pelo foragido com mais outros sete integrantes, muitos meses após a evasão. Em seu voto, o ministro Moreira Alves, relator do caso, manifestou que a a teoria adotada quanto ao nexo de causalidade é a teoria do dano direto e imediato. A 1ª Turma do STF considerou, por unanimidade, que o dano decorrente do assalto praticado pela quadrilha, da qual apenas um dos participantes era foragido, não foi consequencia necessária da omissão da autoridade pública, mas resultou de outras concausas, como formação de quadrilha.

Contudo, em decisões mais antigas, o STF chegou a aplica a Teoria da Causalidade Adequada, como no RE 88407, no qual se examinou a responsabilidade civil do transportador por assalto em ônibus, embora mencionou-se expressões como “causa direta e imediata”. O ministro Soares Munõz afirmou que, “quer se adote essa teoria, a do dano direto e imediato, que a da causalidade adequada, não se pode concluir que o resultado constitua dano direto e imediato do contrato de transporte”.

Em 1975, o Min. Moreira Alves, ao examinar uma ação de reparação de danos, em que os autores pretenderam responsabilizar um estabelecimento bancario pela emissão de cheques sem fundos, confundiu a Teoria da Causa próxima com a Teoria do Dano Direto e Imediato: “(...) no caso, não existe o nexo de causalidade indispensável para a configuração do ato ilícito (...), quer se considere a teoria da causa mais próxima (Adotada pelo Código Civil para os atos ilícitos relativos, ou seja, que derivam do inadimplemento de relação jurídica obrigacional), que se alica a teoria da causalidade adequada (...)”

No Superior Tribunal de Justiça:

No julgamento do RESP 2821/RJ – 1990 a 3ª Turma examinou o caso de uma vítima de acidente automobilístico que intentou ação contra a FORD, pretendendo atribuir-lhe responsabilidade pela utilização de vidro temperado no pára-brisa, que se rompeu com o acidente, ferindo gravemente o motorista, em vez de vidro laminado, utilizado pela mesma empresa na fabricação de carros nos Estados Unidos da América. Alegava o autor da demanda que o vidro laminado lhe teria causado menos danos. Naquela ocasião, a 3ª turma entendeu que a fabricação do carro não era “causa imediata”, senão mediata e distante em relação ao dano. A colisão do veículo pe que teria sido “a causa direta e imediata” do resultado danoso. A ementa do acórdão, entretanto, faz menção à Teoria da Causalidade Adequada”. (STJ, RESP 2821/RJ)

No julgamento do RESP 326971/2002 a 4ª Turma invocou a Teoria da Causalidade Adequada. Nesse caso pleiteava-se indenização por lesões sofridas em virtude de acidente de veículo causado por preposto da ré, além do ressarcimento pelas despesas referentes a duas intervenções cirurgicas. Ocorre que a segunda cirurgia (broncofibroscopia) apenas se tornou necessária em razão de erro médico cometido na realização da primeira cirurgia. Apesar disso, a 4ª Turma entendeu que o erro médico no tratamento das lesões sofridas em acidente de trânsito “está no desdobramento causal do acidente; pelo resultado mais grave responde o causador do dano, ressalvado à ré o direito de pleitear eventual ressarcimento junto a quem concorreu com sua imperícia”.

O Ministro Relator (Ruy Rosado) entendeu que “a responsabilidade do causador do dano se estende a todas as consequencias que são desdobramentos naturais da ação culposa, inclusive às agravantes, que decorrem da eventual falta de atendimento a tempo certo, defeito no tratamento, falta de medicação (...) Se não fosse assim, bastaria a demora da ambulância, ou a inexistência de um hospital nas proximidades para excluir o resultado morta da responsabilidade do agente (...)

O Ministro Monteiro Barros: “a cirurgia não passa de uma consequencia, ainda que secundária, da causa principal, ou seja, da colisão”;

O Ministro Aldir Passarinho, ao contrário, entendeu que quem deveria arcar civilmente com as despesas da segunda cirurgia era o médico que causou o dano, ou o hospital em que a primeira cirurgia se realizou, e não o responsável pelo acidente de transito, in verbis:

“Na hipótese dessa segunda cirurgia ocorrer por um erro da primeira, era todavia, feita ao tempo e modo e por médico e hospital acolhidos pela livre opção da família da vítima ou da própria vítima, creio que é difícil se estender a essa segunda lesão o nexo causal da responsabilidade do causador do acidente automobilístico. Parece-me que ela teria uma causa própria, senão haveria quase que um seguro de vida ad eternum para quem fosse vitimado num acidente em função de circunstâncias supervenientes”

Posteriormente, o Min. Aldir Passarinho Junior reconsiderou seu voto inicial. O erro médico seria para ele suficiente para interromper a cadeia causal se a cirurgia fosse feita ao tempoe modo e por médico e hospital escolhidos por livre opção da família da vítima ou da própria vítima, o que não ocorreu no caso.

No julgamento do RESP 669258 / RJ – Responsabilidade Civil do Estado. Família pleiteia indenização, tendo em vista que o acidente automobilístico foi causado por detento que, ma hora do evento, deveria estar recluso em prisão. 2ª Turma negou provimento ao recurso sob o argumento de que “a possibilidade da configuração de um nexo causal indireto, é importante ter em mente que, mesmo diante da situação fática criada pelo Estado, ou seja, impor-se ao condenado que durmisse fora do local a ele destinado pelo sistema penitenciário, o acidente automobilístico realmente está fora do risco criado, não guardando a lesão sofrida pela vítima, em local distante do "prédio onde sedia a fonte do risco", nexo lógico com o fato do serviço. 6. Inexiste, in casu, nexo causal, porque a causa não é idônea para o dano produzido. Correta, portanto, a tese do acórdão recorrido, que pode ser assim resumida: "Análise essencial do nexo de causalidade. A lei brasileira (antiga e atual) adotou a teoria da causalidade adequada. Assim, somente o fato idôneo ou adequado para produzir o dano é de ser levado em consideração para o estabelecimento de responsabilidade. Inteligência do art. 1.060, hoje do art. 403 do Código Civil."

No julgamento do RESP 1159242-SP - A 3ª Turma condenou um pai a indenizar em 200 mil a filha por abandono afetivo, sendo que a 4ª turma havia rejeitado indenização por dano moral por abandono afetivo. A autora obteve reconhecimento judicial de paternidade e entrou com ação contra o pai por ter sofrido abandono material e afetivo durante a infância e adolescência. O juiz de primeira instância julgou o pedido improcedente e atribuiu o distanciamento do pai a um "comportamento agressivo" da mãe dela em relação ao pai. A Autora apelou à segunda instância e afirmou que o pai era "abastado e próspero". O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reformou a sentença e fixou a indenização em R$ 415 mil. No recurso ao STJ, o requerido/pai alegou que não houve abandono e, mesmo que tivesse feito isso, não haveria ilícito a ser indenizável e a única punição possível pela falta com as obrigações paternas seria a perda do poder familiar.

A ministra ministra Nancy Andrighi, no entando, entendeu que é possível exigir indenização por dano moral decorrente de abandono afetivo pelos pais. "Amar é faculdade, cuidar é dever", afirmou ela na sentença. Para ela, não há motivo para tratar os danos das relações familiares de forma diferente de outros danos civis.

No julgamento do RESP 1198829 – MS, trata de uma demanda em que a parte autora ajuíza ação contra um tabelião do Mato Grosso do Sul e o Estado do Mato Grosso do Sul, haja vista ter firmado contrato com uma determinada pessoa que passou a descumprir o contrato, desta forma a autoria executou uma hipoteca de um imóvel rural dado como garantia do contrato, todavia, este imóvel não existia, mas possuía escritura pública averbada e lavrada no cartório. Portanto, a autoria afirmava que havia sofrido dano em decorrência do tabelião ter lavrado escritura fraudulenta a deixando em prejuízo. A egrégia primeira turma do Superior Tribunal de Justiça ao se pronunciar sobre o mérito do recurso, disseram que pela inteligência do art. 1.060, do código civil brasileiro de 16, a teoria adotada pelo direito pátrio é a teoria dos danos diretos e imediatos, portanto, somente admitindo a relação causal quando o dano é um efeito necessário da causa. O nexo de causalidade é um elemento lógico-normativo da responsabilidade civil – lógico porque consiste em um elo de pertencialidade entre os elementos do fato, e normativo porque tem contornos e limites estabelecidos pelo sistema de direito, onde somente haverá causa quando o dano decorrer direta e imediatamente da conduta. Neste esteio, a primeira turma concluiu que o resultado danoso decorreu da outra parte que não cumpriu os termos do contrato, o fato do imóvel inexistir nada afetaria caso a parte desse continuidade ao contrato, portanto não há como dizer que o dano decorreu diretamente da conduta do tabelião. Assim sendo, o tribunal conheceu do recurso e o negou provimento.

No julgamento do RESP 11133804-RS – 4ª Turma julgou improcedente o pedido de ação reparatória ajuizada por familiares de fumante falecido. Um dos argumentos da indústria do fumo mais validados pela jurisprudência funda-se na idéia do livre-arbítrio. Para a indústria, o ato de fumar representa um mero hábito como tal, advém incondicionalmente de uma opção aberta e desembaraçada do próprio fumante, uma ação absolutamente voluntária de forma que os efeitos deletérios, porventura acarretados àquele que assim decidiu agir, jamais poderiam ser impingidos às fornecedoras de cigarros, mas, sim, e exclusivamente, ao próprio tabagista. Com essa linha de raciocínio, suscita-se a excludente de responsabilidade fundada na culpa exclusiva da vítima.

De outra banda, as famílias ou os próprios fumantes alegam que não agiram livremente, pois ocorreram interferência externa (omissão acerca dos males, técnicas requintadas de marketing. Estatística aponta que 90% dos fumantes habituais iniciam-se no tabagismo antes dos 19 anos (RESEMBERG. 2003. p.28). Rosemberg afirma que isso se deve ao êxito da estratégia de vendas perpetrada pela indústria do fumo.

Importante ainda destacar recente instituto jurídico denominado Causalidade Alternativa. Segundo Cavalieri Filho (2006.p. 246) trata-se de uma técnica de responsabilização pela qual todos os autores possíveis “serão considerados, de forma solidária, responsáveis pelo evento, em face da ofensa perpetrada à vítima por um ou mais deles, ignorado o verdadeiro autor, ou autores." Tal responsabilidade é objetiva, e não admite como excludentes a força maior e o caso fortuito.

TARS – Apelação Cível n. 195.116.827 – Quinta Câmara Cível – Rel. Rui Portanova – j. 23.11.1995: "Causalidade alternativa. Mesmo que não se saiba que foi o autor do dano, se há vários indivíduos que poderiam ser, todos estão obrigados a indenizar solidariamente. Culpa. À vítima, a quem não se pode atribuir qualquer culpa pelo acidente, não se pode exigir que descreva e prove minuciosamente a culpa de cada um dos motoristas. Teoria da causalidade alternativa".


CONCLUSÃO

O nexo de causalidade é elemento indispensável em qualquer espécie de responsabilidade civil, contudo, depois do advento da Constituição Federal de 1988, que eleva o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, impõe que hoje a responsabilidade civil tenha por objetivo não mais castigar comportamentos negligentes, senão proteger a vítima do dano injusto, fenômeno conhecido como “desculpabilização”. O conceito do nexo causal encontra-se no artigo 403 do Código Civil e pode-se inferir que possui duas funções: (i) determinar a quem se deve atribuir um resultado danoso e (ii) verificar a extensão do dano a se indenizar.

Existem e já existiram diversas teorias sobre a relação de causalidade, sendo as mais expressivas a Teoria da Equivalência dos Antecedentes Causais, a Teoria da Causalidade Adequada e a Teoria do Dano Direto e Imediato, adotada pelo Código Civil de 1916, no art. 1060 do CC de 1916 e repetida no art. 403 do CC de 2002. Não obstante não é raro observar a mistura das teorias acima elencadas em diversos julgados.

Concordando com Gisela Sampaio da Cruz, a Teoria do Dano Direto e Imediato mostra-se mais apta a enfrentar o problema da causalidade múltipla do que a maioria das outras teorias que por vezes conduzem o julgador a soluções injustas.

Outra questão relevante é a imputação objetiva, no qual utiliza a possibilidade de previsão (previsibilidade) como critério de imputação, devendo-se, contudo, atentar-se que essa possibilidade não deve ser analisada de forma subjetiva, mas objetivamente: não é o autor concreto, mas a pessoal o ser racional, que deve estar em condições de prever um determinado acontecimento.

De outra banda, a análise do nexo causal torna-se ainda mais complicada, na medida em que o fato constitutivo da responsabilidade não precisa ser a única causa do dano, pois várias causas podem participar das mais diferentes formas, entrando nesse cenário o fenômeno das concausas complementares, cumulativas e altervativas, sem contar ainda, com as excludentes do nexo de causalidade, a saber: força maior e casi fortuito e a culpa exclusiva da vítima ou de terceiros.

Por fim, analisando os julgados trazidos para o presente trabalho conclui-se que a verificação do nexo de causalidade no Brasil ainda é feita de forma intuitiva e atécnica, ora sob a inflência de uma teoria, ora de outra teoria. Por vezes constatou-se que apesar do magistrado citar determinada teoria em sua fundamentação, como por exemplo a Teoria do Dano Direto e Adequado, no expositivo final fundamentou seu voto com base jna teoria da Causalidade Adequadam não obstante, restar claro que o ordemanento brasileiro recepcinou a Teoria da do Dano Direto e Adqueado conforme artigo 403 do Código Civil de 2013


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAVALIERE FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 10. Ed. São Paulo: Atlas, 2012.

CORDEIRO, Antonio Menezes. Da Responsabilidade Civil dos Administradores das Sociedades Comerciais. Lisboa: Associação Acadêmica de Lisboa, 1980.

COSTA, Judith Martins. Os fundamentos da responsabilidade civil. Revista Trimestral de Jurisprudência dos Estados. São Paulo: Jurid Vellenich, v. 93, ano 15, out. 1991, p. 29-52.

CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

DIAS, Aguiar. Responsabilidade Civil em Debate. 1ª Ed. Forense, 1983.

MELO, Nehemias Domingos de. Da Culpa e do Risco: como Paulo: Juarez fundamentos da responsabilidade civil. São de Oliveira, 2005.

SILVA, Wilson de Melo da. O dano moral e sua reparação. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983.

STF [Home Page]. 2013. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 10 de março de 2013.

STJ [Home Page]. 2013. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 10 de março de 2013.

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Sobre a autora
Renata de Souza Maeda

Advogada graduada pelo Centro Universitário de Brasília – UniCEUB. Possui especialização em Direito Constitucional pela Universidade de Brasília – UnB, especialização em Contratos e Responsabilidade Civil pelo Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP e MBA em Direito da Economia e da Empresa pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Atualmente é Mestranda em Direito pelo Centro Universitário de Brasília - UniCEUB. Militante nas áreas do direito empresarial e cível.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAEDA, Renata Souza. Pressupostos da responsabilidade civil: nexo causal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3933, 8 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27530. Acesso em: 25 abr. 2024.

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