Como se sabe, foi promulgada a Lei nº. 12.403/2011, publicada no Diário Oficial da União do dia 05 de maio de 2011, que alterou substancialmente o Título IX do Livro I do Código de Processo Penal que passou a ter a seguinte epígrafe: “Da Prisão, Das Medidas Cautelares e Da Liberdade Provisória”.
Entre as medidas cautelares previstas nos novos arts. 317 e 318 está a Prisão Domiciliar, espécie de medida cautelar consistente no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial. Não se trata de novidade em nosso ordenamento jurídico, tendo em vista o art. 117 da Lei de Execução Penal1.
Havendo prova idônea das exigências legais, esta medida cautelar poderá (também) servir como sucedâneo da prisão preventiva quando, dentre outras circunstâncias, a presença (física, moral ou psicológica) do preso (independentemente do parentesco) for imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de seis anos de idade. Urge perguntar por que não se estabeleceu a idade até doze anos incompletos, também coerentemente com o art. 2º., da Lei nº. 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente.
Entendo que, sendo a substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar, preenchidas as exigências legais, um direito subjetivo público do indiciado ou acusado, é passível de ser garantido por meio de habeas corpus.
Pois bem.
Acabou de ser promulgada a Lei nº. 12.962/2014, alterando a Lei no. 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, para assegurar a convivência da criança e do adolescente com os pais privados de liberdade.2
Segundo o novo § 4º., do art. 19 da referida lei, “será garantida a convivência da criança e do adolescente com a mãe ou o pai privado de liberdade, por meio de visitas periódicas promovidas pelo responsável ou, nas hipóteses de acolhimento institucional, pela entidade responsável, independentemente de autorização judicial.” Ademais, alterou-se dois parágrafos ao art. 23 do Estatuto, in verbis: “Não existindo outro motivo que por si só autorize a decretação da medida, a criança ou o adolescente será mantido em sua família de origem, a qual deverá obrigatoriamente ser incluída em programas oficiais de auxílio.” (...) “A condenação criminal do pai ou da mãe não implicará a destituição do poder familiar, exceto na hipótese de condenação por crime doloso, sujeito à pena de reclusão, contra o próprio filho ou filha.”
Ora, cotejando-se os dois artigos, e levando em consideração o princípio da proporcionalidade (adequação-necessidade) é preciso que se atente para o disposto no art. 282 do Código de Processo Penal (se se tratar de criança menor de seis anos de idade) que estabelece que as medidas cautelares penais deverão ser aplicadas observando-se um dos seguintes requisitos: a necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais (periculum libertatis).
Além destes requisitos (cuja presença não precisa ser cumulativa, mas alternativamente), a lei estabelece critérios que deverão orientar o Juiz no momento da escolha e da intensidade da medida cautelar (adequação), a saber: a gravidade do crime, as circunstâncias do fato e as condições pessoais do indiciado ou acusado (fumus commissi delicti). Evidentemente, merecem críticas tais critérios, pois muito mais condizentes com as circunstâncias judiciais a serem aferidas em momento posterior quando da aplicação da pena, além de se tratar de típica opção pelo odioso Direito Penal do Autor.3
Procura-se, portanto, estabelecer neste Título os requisitos e os critérios justificadores para as medidas cautelares no âmbito processual penal, inclusive no que diz respeito à prisão domiciliar, “pois são regras abrangentes, garantidoras da sistematicidade de todo o ordenamento.”4
Assim, quaisquer das medidas cautelares penais só se justificarão quando presentes o fumus commissi delicti e o periculum libertatis (ou o periculum in mora, conforme o caso) e só deverão ser mantidas enquanto persistir a sua necessidade, ou seja, a medida cautelar, tanto para a sua decretação quanto para a sua mantença, obedecerá à cláusula rebus sic stantibus.
Portanto, tratando-se de uma criança cuja idade não supere os seis anos de idade, e o seu pai ou a sua mãe esteja privada da liberdade em razão de prisão preventiva decretada, a medida a ser aplicada é a prisão domiciliar (se a presença do respectivo ascendente - física, moral ou psicológica - for imprescindível aos cuidados especiais do infante).
Concluindo: não é a criança de até seis anos de idade que vai conviver com o pai ou a mãe no cárcere, mas será a mãe ou o pai que irá residir com o seu filho em casa: ou seja, se a montanha não vem a Maomé, Maomé vai à montanha5
Notas
1 “Art. 117 - Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de: I - condenado maior de 70 (setenta) anos; II - condenado acometido de doença grave; III - condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental; IV - condenada gestante.”
2 Ademais, foram alterados três artigos relativos ao procedimento para a perda ou suspensão do poder familiar: “Art. 158 (...) § 1º A citação será pessoal, salvo se esgotados todos os meios para sua realização. § 2º O requerido privado de liberdade deverá ser citado pessoalmente. Art. 159 (...) Parágrafo único. Na hipótese de requerido privado de liberdade, o oficial de justiça deverá perguntar, no momento da citação pessoal, se deseja que lhe seja nomeado defensor.” (...) “Art. 161 (...) § 5º Se o pai ou a mãe estiverem privados de liberdade, a autoridade judicial requisitará sua apresentação para a oitiva.”
3 Neste mesmo sentido Pierpaolo Cruz Bottini, “Medidas Cautelares – Projeto de Lei 111/2008”, in As Reformas no Processo Penal, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 458.
4 Pierpaolo Bottini, ob. cit., p. 457.
5 Dizem que Maomé foi um profeta e fundador do islamismo e que ensinava aos islâmicos a preferirem o simples ao complicado. Esta frase foi pronunciada quando ele tentava converter um grupo de árabes que o desafiaram a mover o Monte Safa para perto de si. Ele tentou, mas não conseguiu. Teria ido, então, até a montanha e disse ter recebido uma graça de Deus por não ter conseguido o milagre. Ele acreditava que se a montanha viesse aos incrédulos, mataria todos ali reunidos.