6. Alienação parental e proteção do vínculo na prática forense
A Síndrome da Alienação Parental é consequência do abuso psicológico e da campanha de afastamento do filho em relação ao outro genitor. Na ânsia de prejudicar e afetar o alienado, o alienante acaba utilizando o filho como instrumento, gerando-lhe sequelas psicológicas graves, tornando a criança a maior vítima de tal situação. Há um domínio do alienador sobre o filho, em que aquele “faz e decide tudo”, segundo Denise da Silva, provocando a total dependência deste, deixando-o sem autonomia. Esse é um dos motivos pelos quais a criança assume o discurso do alienador48.
Em seu artigo, Denise entrevista o Juiz da Vara de Família do TJ-MS, David de Oliveira Gomes Filho. O mesmo destaca que as crianças vítimas da Síndrome da Alienação Parental herdam os sentimentos negativos do genitor alienador, como se as próprias tivessem sido abandonadas ou traídas pelo alienado. Assim, com o tempo, passam a acreditar que o genitor afastado é o “vilão que o guardião pintou”49.
Leciona a ilustre Maria Berenice Dias que “a criança fragilizada pela separação dos pais tende a confiar e a acreditar naquele com quem convive. O medo de desagradá-lo faz com que repudie o outro. Ainda que o ame, tem medo de trair quem o cuida. Para contornar este verdadeiro dilema, melhor mesmo é dizer que não gosta, que não quer ver, não quer conviver. O rompimento é o jeito de reprimir a dor da perda. Mas a crise de lealdade o acompanhará ao longo de sua vida.”
Ainda seria a guarda compartilhada um instrumento eficaz sobre um fenômeno social atualmente divulgado, segundo Maria Berenice Dias50, surgindo para superar as limitações e reflexos negativos da guarda unilateral, como a síndrome da alienação parental ou a implementação de falsas memórias, onde o guardião induz a criança a afastar-se e a odiar o outro genitor, por meio de uma prática de desmoralização e manipulações de fatos com o único intuito de usar a criança como arma ou objeto de dor ao outro.
Afirma Maria Berenice Dias51 que a disparidade entre pai e mãe não mais pode prevalecer, pois não atende à realidade dos dias de hoje. Primeiro, porque se está vivendo a era da paternidade responsável, e é preciso assegurar direitos iguais a pais e mães.
No preciso entendimento do Doutor em Direito e Promotor de Justiça do Rio Grande do Sul Belmiro Pedro Marx Welter52:
“a guarda unilateral não garante o desenvolvimento da criança e não confere aos pais o direito da igualdade no âmbito pessoal, familiar e social, pois quem não detém a guarda, recebe um tratamento meramente coadjuvante no processo de desenvolvimento dos filhos.”
Em seu artigo Teoria Tridimensional do Direito de Família, merece destaque as palavras de Belmiro Pedro Marx Welter53, ao afirmar que “a ausência do mundo pessoal (ontológico) causa a dissolução do mundo afetivo do ser humano, porque ele estará se relacionando unicamente no mundo genético, em que se encontram os seres vivos em geral, que não possuem linguagem.”
Continua Welter em sua análise a afirmar que, com o perdão, abrem-se as comportas da reconciliação, a qual, segundo Gadamer54, é “algo da verdadeira historicidade interna do homem; portanto, da possibilidade do seu crescimento interior”. Aduz, ainda, a seguinte passagem de afetividade e de solidariedade humana, principalmente no ventre da conjugalidade, da convivencialidade, da parentalidade e do modo de ser-no-mundo tridimensional: “É esse, de facto, o segredo da reconciliação: onde quer que exista a desunião, a desavença e a cisão, onde entre nós estivermos divididos, onde a nossa convivência se desfez, quer se trate de um Eu ou Tu, ou de uma pessoa e a sociedade, ou eventualmente do pecador e a Igreja — em toda a parte experimentamos que, com a reconciliação, um mais entra no mundo. Só através da reconciliação se pode superar a alteridade, a ineliminável alteridade, que separa o homem do homem e se eleva, sim, à admirável realidade de uma vida e de um pensamento comuns e solidários”.
Significa que ninguém melhor do que Gadamer soube decifrar e compreender a família, motivo pelo qual seu pensamento tem aplicação na tese da condição humana tridimensional, pelo seguinte: a genética está incorporada nas células humanas; a afetividade se dá por meio do incansável esforço de união, consenso, diálogo e reconciliação entre os humanos, na família e na sociedade; a ontologia, por meio da defesa ao respeito do mundo particular, pessoal de cada ser humano.
A resistência em aceitar a ideia de um ser humano genético, afetivo e ontológico contribuiu para a lenta evolução do direito de família. Nesse sentido, Streck55 registra que a cultura jurídica está acorrentada na reprodução liberal-individualista do Direito, quando, na realidade, o Estado Republicano e Democrático de Direito reclama a produção do Direito com vinculação social, já que a relação é transmoderna, em que os conflitos predominantes são de cunho transindividual. O direito de família, continua o autor, é (des)cuidado nessa mesma angularização entre Estado e parte, surgindo, com isso, um contraponto, já que o Estado Constitucional passa, necessariamente, “por este deslocamento do centro das decisões dos Poderes legislativo e executivo para o âmbito do judiciário”.
Na compreensão dos mundos genético, afetivo e ontológico, não há espaço à subjetividade, ao solipsismo, ao sentido unívoco na compreensão da lei, porque a lei, o fato, o Direito, a existência, devem ser compreendidos no sentido plurívoco, com várias significações, de forma intersubjetiva, de acordo com a realidade tridimensional da vida de cada ser humano, sempre considerando as evoluções da sociedade, o momento da existência em que ocorre a compreensão do ser humano, do texto do direito de família, visto que o Estado Democrático de Direito deve ser um episódio temporal destinado à transformação social.
Nas fartas lições de LEONARDO BARRETO MOREIRA ALVES, “não obstante, há de se ressaltar que, no âmbito da guarda unilateral e do direito de visita, há muito mais espaço para que um dos genitores, geralmente a mãe, utilize-se dos seus próprios filhos como ‘arma’, instrumento de vingança e chantagem contra o seu antigo consorte, atitude passional decorrente das inúmeras frustrações advindas do fim do relacionamento amoroso, o que é altamente prejudicial à situação dos menores, que acabam se distanciando deste segundo genitor, em virtude de uma concepção distorcida acerca dele, a qual é fomentada, de inúmeras formas, pelo primeiro, proporcionando graves abalos na formação psíquica de pessoas de tão tenra idade, fenômeno que já foi alcunhado como Fenômeno da Alienação Parental, responsável pela Síndrome da Alienação Parental (SAP ou PAS)56.”
Continua Leonardo Barreto Moreira Alves57:
“O instituto da guarda compartilhada, até bem pouco tempo, não era previsto expressamente no ordenamento jurídico nacional, o que não impossibilitava a sua aplicação na prática, a uma com base nas experiências do Direito Comparado (principalmente na França - Código Civil francês, art. 373-2, Espanha Código Civil espanhol, arts. 156, 159 e 160, em Portugal - Código Civil português, art. 1905°, Cuba - Código de Família de Cuba, arts. 57. e 58 e Uruguai - Código Civil uruguaio, arts. 252. e 257) e, a duas, com fulcro em dispositivos já existentes no ordenamento jurídico, especialmente o art. 229. da Constituição Federal (“Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os !lhos menores [...]”) e os artigos 1.579 (“O divórcio não modi!cará os direitos e deveres dos pais em relação aos !lhos”), 1.632 (“A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos”) e 1.690, parágrafo único (“Os pais devem decidir em comum as questões relativas aos filhos e a seus bens; havendo divergência, poderá qualquer deles recorrer ao juiz para a solução necessária”) do Código Civil brasileiro.”
7. Modelos de guarda, residência e tomada de decisões na vida dos filhos
Felizes são os dizeres de Silvana Maria Carbonera sobre a temática: “Seu conteúdo transcende a questão da localização espacial do filho, pois onde ele irá ficar é somente um dos aspectos. A guarda compartilhada implica em outros igualmente relevantes. São os cuidados diretos com os filhos, o acompanhamento escolar, o crescimento, a formação da personalidade, bem como a responsabilidade conjunta58.”
No sentido da guarda compartilhada, brilhante o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:
“Divergências entre o casal e distância da residência que, embora, possam dificultar o exercício da guarda compartilhada não se prestam ao fim de obstá-la, principalmente, in casu, quando demonstrada à sociedade a harmoniosa convivência do menor com os pais. Imprescindibilidade do contato com os genitores para a formação da personalidade do menor. Comando judicial impugnado que estabelece os termos como a guarda compartilhada irá se efetivar e viabilizar a convivência frequente entre pai e filho, como forma de tornar mais efetiva a participação deste na criação e educação do menor59.”
Não há dúvidas de que, como bem destacou Fabíola Albuquerque60, “a guarda conjunta é uma via de concretização dos princípios do melhor interesse da criança, da realização pessoal dos cônjuges e da efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana.”
Quando há a adoção da guarda compartilhada, a criança se vê completa no seu direito de convivência com os pais, em cumprimento ao princípio da dignidade da pessoa humana, protegido constitucionalmente, assim que a criança e o adolescente tenham o direito de convivência com ambos os pais, indistintamente61.
Ana Maria Milano Silva62 afirma que são dois os deveres dos pais para com os filhos: a assistência e a vigilância. Assistência enquanto prestação material e moral, incluindo a educação; e vigilância, como complemento da educação que varia de acordo com a prestação moral dada ao filho.
Como na guarda compartilhada a autoridade legal dos pais para com os filhos sequer sofre alteração, fortalecendo os laços parentais não excluídos pela dissolução do vínculo conjugal, as decisões sobre a vida do menor são relevantes para se propor futuramente as consequências da criação e educação conjunta, devendo, pois, os mesmos responderem pela reparação de danos causados pelos filhos a terceiros.
A perpetuação do exercício da autoridade parental e das atribuições advindas do poder familiar após a ruptura do laço conjugal entre pai e mãe está relacionada à consciência de que ambos devem ter um relacionamento pacífico, a fim de que transmitam a educação e cuidados necessários ao desenvolvimento físico, moral e psicológico de sua prole.
Logo, pela experiência, sabe-se que, com o transcurso do tempo, os conflitos entre os ex-cônjuges diminuem ou até terminam, mas os traumas causados nos filhos pela alienação de um dos genitores podem ser eternos!
Sendo assim, o fim da relação conjugal entre os pais deve vir atrelado ao entendimento de uma nova ordem figurada por ex-cônjuges, mas nunca de ex-pai e ex-mãe.
Portanto, a compatibilidade da guarda compartilhada com o ordenamento jurídico nacional se prova não somente por causa da recente previsão da modalidade no Código Civil, mas também pelos princípios fundamentais assegurados pela Constituição Federal, como o da igualdade jurídica de homem e mulher, do bem-estar da criança e do adolescente, do interesse do filho menor e da permanência dos laços afetivos de pais e filhos após a ruptura do núcleo familiar.
A finalidade da guarda compartilhada é a corresponsabilidade parental por ambos os pais, de maneira que haja divisão equitativa do poder familiar. Os pais passam a dividir a guarda física e jurídica de seus filhos, as decisões relativas à vida dos filhos e os cuidados necessários ao desenvolvimento destes seres em processo de formação. Na forma da Lei n. 11.698/08, a guarda compartilhada é a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.
A guarda compartilhada busca proporcionar a permanência intacta da autoridade parental após a ruptura do seio da família, e isto é o que a legislação nacional abraça, motivo pelo qual não há por que não declarar a compatibilidade da guarda compartilhada com as normas jurídicas nacionais, os princípios norteadores do direito das crianças e a possível aplicação real da modalidade.
Conclui, com precisão, a ilustre Juíza de Direito do Rio de Janeiro/RJ, Isabela Pessanha Chagas, “que a guarda compartilhada representa um grande avanço na legislação familiar pátria. O cerne da discussão, quando da atribuição da guarda, passou a ser a criança e o seu melhor interesse. Antes da Lei 11.685/08 a regra era a guarda unilateral, agora, a compartilhada. Por óbvio, a saúde mental do menor passa pela presença de ambos os genitores nas tomadas de decisões cotidianas. Na presença do pai e da mãe a autoestima cresce mais calibrada. Não são poucos os relatos de crianças que alteram os seus comportamentos quando passam por uma dissolução traumática do vínculo de seus pais. Há casos em que, após a dissolução, um dos genitores se afasta dessa criança, o que tem consequências que serão percebidas mais adiante63.”
Emana o Princípio do Melhor Interesse para a Criança e o Adolescente, princípio expresso no caput do art. 227. da Constituição Federal de 1988, que assim define:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária...”
ECA - Lei nº 8.069 de 13 de Julho de 1990:
Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos:
V - participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação;
O direito do pai ver seus filhos e tê-los consigo é direito fundamental, essencial e natural da condição de pai, direito de ver e ter consigo seus filhos em sua companhia; não podendo ser amparado o enorme desejo de vingança da genitora pelo dessabor de rejeição do seu ser amado.
A guarda compartilhada é orientada para manter viva a relação dos pais e filhos, com o objetivo de desenvolver o vínculo afetivo ao proporcionar maior tempo de relacionamento dos filhos com os pais após a dissolução do vínculo conjugal, e protege um bem precioso: a vida do ser humano em sua formação — a criança e o adolescente —, cujos direitos têm prioridade no plano constitucional.
O pai e a mãe separados entre si estão em igualdade, relativamente às responsabilidades na educação e formação dos filhos e ao direito de convívio com as crianças.