Capa da publicação Guarda dos filhos: igualdade parental e o novo papel do pai
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Pai e guarda dos filhos

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10/04/2014 às 10:17
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8. Paternidade responsável e mudanças socioculturais na família

A presunção da supremacia materna é motivada por razões históricas, culturais e sociais. Em contrapartida, essa tendência é contrária aos princípios constitucionais da igualdade entre pai e mãe e da proteção integral da criança e do adolescente.

As consequências da separação conjugal, na vida dos filhos, diminuem, pois a guarda conjunta preservaria o relacionamento pais-filhos, proporcionando um melhor desenvolvimento psicoemocional das crianças oriundas de famílias desfeitas e diminuindo o afastamento do genitor que não detém a guarda.

Guarda conjunta ou compartilhada não se refere apenas à tutela física ou custódia material, mas todos os outros atributos da autoridade parental são exercidos em comum; os pais têm efetiva e equivalente autoridade legal para tomar decisões importantes quanto ao bem-estar de seus filhos e, frequentemente, têm uma paridade maior no cuidado a eles do que os pais com guarda única.

A guarda compartilhada é o meio capaz de assegurar a igualdade entre os genitores, atender ao melhor interesse do menor e, ainda, proporcionar uma relação satisfatória para todos os membros após a dissolução conjugal64.

Para definição da guarda, deve-se atender precipuamente aos interesses e às necessidades da criança, de ordem afetiva, social, cultural e econômica, conforme decidiu o E. Tribunal de Justiça de Santa Catarina65.

Constituição da República de 1988 determinou, no art. 229, que “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores”. Em sede infraconstitucional, o Código Civil de 2002, em seu Art. 1.634 estabeleceu que “compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: I - dirigir-lhes a criação e educação; II - tê-los em sua companhia e guarda”. Assim, depreende-se que a parentalidade deve ser conjuntamente exercida pelos genitores de forma cooperativa e dialogada, independentemente se os pais estão formal ou informalmente unidos, ou se estão separados ou divorciados.

Nesse cenário é que foi promulgada a Lei nº 11.698, de 13 de junho de 2008, que alterou a redação dos artigos 1.583 e 1.584 do Código Civil, instituindo, ao lado da guarda unilateral, a guarda compartilhada no Brasil.

A lei dispõe que a decisão sobre o esquema de guarda dos filhos menores nos casos de separação judicial, divórcio, dissolução da união estável e de medida cautelar de separação de corpos continua a ser dos pais. No entanto, o § 2º do art. 1.584. determina que, quando não houver consenso entre o casal, ou se o acordo não preservar devidamente o interesse dos filhos, deverá o juiz optar, sempre que possível, pela guarda compartilhada.

Esclarecem Maria Regina Fay de Azambuja66 e Roberta Vieira Larratéa (Advogada e Pós-graduanda em Direito de Família pela PUCRS) que a Lei nº 11.698/2008 reforça a responsabilidade de ambos os pais pelo cuidado dos filhos, corolário do Poder Familiar, afirmando a necessidade de compartilhar as atribuições decorrentes da guarda e a valorizar o trabalho interdisciplinar como instrumento capaz de auxiliar na superação das dificuldades que costumam se fazer presentes nas relações entre pais e filhos que passam pela experiência do fim do casamento. Auxiliar a equacionar os conflitos e a amenizar a dor, em especial, das crianças que enfrentam o processo de separação dos genitores, é o que gostaríamos de poder oferecer67.

Na opinião da advogada Alessandra Abate68, que atua na área de direito civil, a guarda compartilhada pode minimizar o conflito entre os pais. “Uma das vantagens da guarda compartilhada é o fim da problemática com relação à regulamentação de visitas e o afastamento daquele que não detém a guarda, o que às vezes provoca instabilidade emocional nos filhos.”

A Procuradora de Justiça Vânia Maria Balera69 acredita que a guarda compartilhada exige amadurecimento do casal. “Ela deve ser mais uma ferramenta de mediação, de diálogo em prol do bem-estar do filho. O homem, cada vez mais, tem rejeitado o papel de provedor, que paga a pensão e não se envolve com a vida do filho. E a mulher trabalha e não pode assumir sozinha o papel de cuidadora. No fundo, cada casal constrói sua solução para o caso.”

A guarda compartilhada proporciona aos filhos a permanência com ambos os pais e, dessa forma, torna possível um desenvolvimento mais saudável e feliz.

Na guarda compartilhada, norteada pela não exposição do menor aos conflitos parentais, os arranjos de coeducação e criação só aumentam o acesso aos dois genitores, o que ajuda a minorar os sentimentos de perda e rejeição dos filhos, tornando-os, consequentemente, bem mais ajustados emocionalmente.

A guarda compartilhada eleva o grau de satisfação dos pais e dos filhos e elimina os conflitos de lealdade — a necessidade de escolher entre seus dois pais; eleva os padrões éticos dos pais, quando reconhecem que, para o filho, o ex-cônjuge tem a mesma importância que eles; evita que a criança tenha que decidir com qual dos genitores gostaria de ficar; dá continuidade ao relacionamento próximo e amoroso com ambos os genitores, sem exigir dos filhos que optem por um deles.

Compartilhar o cuidado aos filhos significa conceder aos pais mais espaço para suas outras atividades. O justo desejo de ambos os cônjuges de terem suas vidas afetivas refeitas, e as exigências de participação de ambos na sociedade e no trabalho.

A guarda compartilhada mantém intacta a vida cotidiana dos filhos no divórcio, dando continuidade ao relacionamento próximo e amoroso com os dois genitores, sem exigir dos filhos que optem por um deles.

A guarda compartilhada desenvolve, nos homens e nas mulheres, uma genuína consideração pelo seu ex-parceiro em seu papel de pai ou de mãe. Ambos percebem que têm que confiar um no outro como pais.

Reforçam-se, assim, mutuamente como pais, significando para eles, apesar de separados, continuar a exercer em conjunto o poder parental, como faziam na constância do casamento. Em outras palavras: duas casas e um só coração!


9. Diretrizes para decisão judicial e atuação interdisciplinar na guarda

Não há dúvida de que a guarda compartilhada, como destaca a Relatora Nancy Andrighi no Recurso Especial nº 1.251.000, “é o ideal a ser buscado no exercício do Poder Familiar entre pais separados, mesmo que demandem deles reestruturações, concessões e adequações diversas, para que seus filhos possam usufruir, durante sua formação, do ideal psicológico de duplo referencial”.

Com efeito, o objetivo da lei é o de assegurar o direito à convivência familiar, em sua maior plenitude possível, entre pais e filhos, convocando àqueles a assumir de forma efetiva o conteúdo da autoridade parental70.

O acórdão em comento assinala que, ainda que a efetivação da guarda compartilhada reste frustrada, pela intransigência de um ou de ambos os pais, deverá ser ela o procedimento primariamente perseguido, mesmo que demande a imposição estatal no seu estabelecimento.

Afirma, ainda, que “a drástica fórmula de imposição judicial das atribuições de cada um dos pais e o período de convivência da criança sob guarda compartilhada é medida extrema, porém necessária à implementação dessa nova visão, para que não se faça do texto legal, letra morta”.

Sob essa ótica, a ilustre Relatora assevera que, por não haver restrições no texto de lei quanto ao exercício do poder familiar na guarda compartilhada e levando-se em conta a inviabilidade de se compartilhar apenas a custódia legal da criança, “reputa-se como princípios inafastáveis a adoção da guarda compartilhada como regra, e a custódia física conjunta como sua efetiva expressão”.

O Desembargador Federal e Doutor em Direito Civil Guilherme Calmon Nogueira da Gama afirma que, “aliás, é de todo prudente ressaltar que a essência do modelo de guarda compartilhada se funda na cooperação entre os pais71, motivo pelo qual se entende que o compartilhamento da custódia física deve ser decidido através de acordo parental, e, na hipótese de fixação de uma única moradia, deve ser sempre preservado o maior contato possível com o guardião que não detém a guarda física do filho, sendo garantido o direito à mais ampla visitação.”

Analisando os artigos 3º, IV, e 5º, I, da Constituição Federal vigente, fica claro um dos princípios constitucionais mais importantes: o da igualdade entre todos perante a lei. Não há mais diferenciação e disparidade no tratamento jurídico a pessoas de sexos diferentes, o que foi uma grande conquista e evolução para o nosso Direito.

O Prof. Dr. Jorge Trindade, psicoterapeuta e psicólogo, diz que, muitas vezes, quando da ruptura da vida conjugal, um dos cônjuges não consegue elaborar adequadamente o luto da separação e o sentimento de rejeição, de traição, o que faz surgir um desejo de vingança: desencadeia um processo de destruição, de desmoralização, de descrédito do ex-parceiro. O filho é utilizado como instrumento da agressividade — é induzido a afastar-se de quem ama e de quem também o ama. Isso gera contradição de sentimentos e destruição do vínculo entre ambos72.

Antes de ser uma questão judicial, a questão da guarda é uma questão social, pois o sucesso deste modelo na prática formará um adulto mais consciente e maduro, porque, além de não ficar no meio de uma batalha judicial, terá ambos os genitores presentes no seu desenvolvimento socioafetivo.

A noção do poder familiar não é mais um poder absoluto que os pais exercem sobre os filhos e, sim, um poder centralizado no afeto, no respeito e no bem-estar da criança. É neste contexto que surge a guarda compartilhada, visando a privilegiar o interesse da criança quando da dissolução da sociedade conjugal, onde cabe aos pais a corresponsabilidade e parceria nos direitos e deveres dos filhos e a missão de fazê-los pessoas equilibradas, felizes e ajustadas.

Este modelo representa uma evolução na constituição familiar e social. O conceito de família mudou e, cada vez mais, se está diante de famílias multiparentais, onde convivem pais, filho e enteados com os mesmos deveres e direitos de afeto, respeito e obediência como se fossem todos vínculos de consanguinidade.

Ensina a Doutora em Direito Civil Débora Brandão73:

“Nesses casos, as crianças ou adolescentes são usados como verdadeiros mísseis lançados para detonar, ainda mais, a auto-estima do outro genitor, que não é mais visto pelo ex-cônjuge como pai e mãe de seu filho e, por tudo isto, pessoa digna de respeito. O outro genitor passar a ser inimigo de guerra, devendo ser derrotado custe o que custar, ainda que seja na infância inocente ou emocional de seu filho”.

Na guarda compartilhada existe uma participação de ambos os pais na vida do menor, levando em conta que esse modelo procura evitar o afastamento e a ruptura dos laços afetivos com os filhos e possibilitaria uma igualdade entre os genitores em relação às decisões que envolvam os filhos menores.

Leciona Rodrigo Dias:

“Para os insensíveis, que usam a venda da justiça para encobrirem o sofrimento alheio, falar em guarda compartilhada significa que a criança ficará ‘pulando’ de um lado para outro sem referência de sua residência Compartilhar a guarda é mais do que dividir residência. Guarda compartilhada é garantir à criança o pai e a mãe presentes em sua vida. Não existe no conceito da guarda compartilhada a divisão de residência. Na verdade como os dois são responsáveis pelos filhos, não haverá impedimento para a fixação da residência com um ou outro. Esta opção é feita pelos pais conforme o interesse e a possibilidade da divisibilidade do tempo de convivência que cada um pode dispor para a criança”.74

Afirma Waldyr Grisard Filho que:

“Hoje, porém, o contexto social evoluiu e provocou mudanças comportamentais de vulto. O divórcio é uma etapa do ciclo vital do casal, aceito com naturalidade, a culpa deixou de ser o elemento sancionador das desuniões. Ao par e acima disso, a igualdade entre os cônjuges criou uma simetria de papéis, tornando impossível negar sua redistribuição. A mudança de comportamento exigiu o estabelecimento de novos padrões de guarda, que assegurassem a igualdade entre os pais e aos filhos o direito de ser criado e educado por ambos os pais, ou seja, desenvolvida no interesse superior desses. Assim ao lado dos modelos tradicionais surgiu a guarda compartilhada, que cumpre esses objetivos. Primeiramente por inferência da doutrina e da jurisprudência e, recentemente, há preciso um ano, por determinação legal. Novidade recente provoca cuidadosa atenção75.”

A respeito da importância do convívio da criança com ambos os genitores para o seu desenvolvimento social, assim proferiu o autor Grisard Filho76:

“O aspecto parental do casal é requerido para o exercício das funções paterno-maternas propostas para a resolução das demandas somáticas e emocionais com o objetivo de permitir que os filhos obtenham a maturação física e psíquica. É um vínculo assimétrico que propulsiona e sustenta o crescimento e desenvolvimento. Permite a metabolização emocional, é responsável pelos processos de humanização e individualização.” (1997, p.80)

A respeito do tema, o Doutor em Psicologia pela USP Lino de Macedo77 ensina:

A criança é extremamente flexível. Rapidamente assimila as diferenças entre a casa do pai e a casa da mãe. Mesmo quando as regras não são exatamente as mesmas, ela sabe o que pode e o que não pode. O fato de ter duas casas às vezes até ajuda a criança a concretizar a nova situação. Até os dez anos a criança tem necessidade da expressão física dos acontecimentos. Ela tem dificuldades de elaborar internamente que o pai se separou da mãe, mas não dela, que, apesar de não morar na mesma casa, ainda a ama. Então, ter um lugar na casa e no dia-a-dia do pai concretiza esse amor. (2002, pp.56-58)

Evandro Luís Silva78 reforça a possibilidade da guarda jurídica/física:

Pensar que a guarda deva ficar somente com um dos cônjuges, para que a criança não perca o referencial de lar, é um equívoco. O referencial a não ser perdido é o dos pais. A criança filha de pais separados vai adaptar-se à nova vida, criará o vínculo com duas casas. Permitir à criança o convívio com ambos os pais deixa-a segura, sem espaço para o medo do abandono (dois lares é melhor que um).

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Ainda, em pesquisas realizadas pelo Departamento de Serviços Humanos e Sociais do Governo dos Estados Unidos79, se extrai:

“O resultado deste modelo tradicional fica patente de forma irrefutável no acompanhamento estatístico dos órgãos responsáveis do Governo americano: Mais de ¼ das crianças americanas, aproximadamente 17 milhões, não vivem com seus pais. Meninas sem um pai em suas vidas tem 2 ½ vezes mais propensão a engravidarem na adolescência e 53% mais chances de cometerem suicídio. Meninos sem um pai em suas vidas têm 63% mais de chances de fugirem de casa e 37% mais chances de utilizarem drogas. Meninos e meninas sem pai tem 2 vezes mais chance de abandonarem a escola, 2 vezes mais chances de acabarem na cadeia e aproximadamente 4 vezes mais chances de necessitarem cuidados profissionais para problemas ou de comportamento.”

Assim, vê-se a importância de que os filhos sintam que há lugar para eles na vida do pai e da mãe depois da ruptura conjugal. Os pais precisam confirmar aos filhos que os vínculos com os genitores serão mantidos. Essa confirmação ajuda a minorar a maior preocupação que a separação suscita na criança, qual seja, o medo de perder os pais.

Para o Professor Eduardo de Oliveira Leite, com Pós-Doutorado em Direito de Família80:

A guarda mantém o exercício comum de autoridade parental, após a ruptura do casal. Mesmo quando o conflito se instaurou, mesmo quando a hostilidade existe, a guarda conjunta aviva um sentimento de justiça, que a disputa faz negligenciar, e acomoda as suscetibilidades. Ela é conciliadora. E a tão só consideração deste aspecto já lhe garante um lugar de destaque na esfera familiar. (2003, p.280)

Ainda podem ser citadas outras vantagens da guarda compartilhada, quais sejam: ela não impõe aos filhos a escolha por um dos genitores como guardião, o que é causa, normalmente, de muita angústia e desgaste emocional em virtude do medo de magoar o preterido; possibilita o exercício isonômico dos direitos e deveres inerentes ao casamento e à união estável, a saber, guarda, sustento e educação da prole; diminui os sentimentos de culpa e frustração do genitor não guardião pela sua ausência de cuidados com relação aos filhos; com as responsabilidades divididas, as mães, que originalmente ficam com a guarda, têm seu nível de cobrança e responsabilidade em relação à educação dos filhos diminuído e seguem seus caminhos com menores níveis de culpa; aumenta o respeito mútuo entre os genitores, apesar da separação ou divórcio, porque terão de conviver harmonicamente para tomar as decisões acerca da vida de seus filhos e, desta maneira, a criança ou adolescente deixa de ser a tradicional moeda usada nos joguetes apelativos que circundam as decisões sobre o valor da pensão alimentícia e outras questões patrimoniais.

Entende a Doutora em Direito Civil Débora Brandão81:

“Além disso, com a guarda compartilhada, a posição do não guardião frente à prole é totalmente modificada. De mero visitante passa a ser novamente pai ou mãe. Isso é especialmente relevante porque a Psicologia endossa o que constatamos com a militância na advocacia familirista acerca dos efeitos que a separação ou divorcio causam ao homem: o afastamento dos pais em relação aos filhos é frequente recurso que aqueles encontram para se preservar da separação ou divórcio.” (Guarda compartilhada, 2005)

Outra vantagem desse modelo é o fato de que a criança ou adolescente não fica privada da convivência com o grupo familiar e social de cada um dos seus genitores. Esta convivência, prevista constitucionalmente no art. 227, é indispensável, especialmente quando se tratam de avós, tios e primos.

Afirma Eduardo de Oliveira Leite (Pós-Doutorado em Direito de Família) que “a guarda conjunta apresenta um resultado praticamente igual de recomposição familiar para ex-esposas e ex-maridos, reafirmando a igualdade desejada no texto constitucional”. (2003, p. 282)

Eduardo Leite ainda afirma que:

A criança pode (e deve) privar da presença dos dois genitores. Pode passar um período com a mãe e, igualmente, com o pai, sem que, portanto, se estabeleçam rigidamente (guarda alternada) períodos alternados com um ou com outro genitor. A residência continua sendo única, o que não impede o deslocamento da criança.”

Continua o mesmo autor:

“As críticas da instabilidade levantadas à guarda alternada não encontram aqui terreno de sustentação. A mudança regular de residência, com todos os efeitos que daí decorrem, inexiste na guarda conjunta. Ambos os pais exercem direitos iguais, independentemente da necessidade de fixação de uma residência única. Esta funciona como ponto de referencia a partir do qual se irradiam os direitos e deveres de ambos os genitores.” (2003, p.283)

A pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB), Suzana Viegas82, revela, em um estudo de Mestrado de Direito, que a guarda compartilhada não pede que os pais separados sejam amigos ou convivam entre si. “O objetivo é cuidar do que sobrou do casamento, os filhos”.

A psicóloga Andréia dos Santos Goretti83 acredita que a guarda compartilhada é um bom caminho para permitir o referencial paterno mais presente.

Em artigo publicado no Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), especialistas sugerem guarda compartilhada para prevenir alienação parental84.

A psicóloga Andreia Calçada observa, em seu trabalho — seja em clínica ou em atividades de assistência técnica jurídica —, o estrago emocional causado às crianças. Ela ressaltou que os pais são “referências de estruturação de personalidade”. Se esses modelos não são confiáveis para a criança, ela se desestrutura — acrescentou. Para a psicóloga, a guarda compartilhada (na qual as decisões e a convivência são divididas entre o pai e a mãe) é uma forma de impedir que se desenvolva a sensação de posse sobre o filho ou a filha, que pode ocorrer quando a guarda é unilateral, ou seja, quando fica apenas com a mãe ou o pai.

Conforme lembra o Juiz Elizio Luiz Perez, na maioria dos casos em que é concedida a guarda unilateral, a guarda fica com a mãe (a estimativa é que sejam mais de 90% dos casos de guarda unilateral). Para ele, isso revela o conservadorismo da sociedade brasileira, em especial do Judiciário do país. Segundo Elizio, que participou da elaboração do anteprojeto que originou a Lei 12.318/2010, também chamada de Lei da Alienação Parental, a guarda compartilhada pode funcionar como um “antídoto” contra a alienação parental.

A psicóloga Andreia Calçada reconhece que a guarda compartilhada pode não acabar com as brigas entre os ex-cônjuges, mas assinala que tal tipo de guarda “minimiza bastante os conflitos, pois, nesse caso, os pais têm de chegar a um consenso nas decisões sobre a criança e têm de repensar muita coisa”.

Outra defensora da guarda compartilhada é a advogada Ana Gerbase. Para ela, “isso acaba ou minimiza com a primeira disputa que aparece em uma separação, que é a disputa pelos filhos”. Por essa razão, argumenta a advogada, “a guarda compartilhada deveria ser a regra geral, a não ser em casos excepcionais”.

Indiscutivelmente, nas hipóteses em que os pais conseguem, após a separação85, dar prosseguimento aos cuidados que os filhos exigem e que já lhes eram dispensados durante a união, sem que as frustrações pessoais interfiram na relação, o exercício da nova modalidade de guarda encontrará campo fértil e favorável a um resultado melhor. Divergências e diferenças, presentes nas relações entre os genitores, não devem, no entanto, ser obstáculos a afastar, de plano, a aplicação da guarda compartilhada. Nesses casos, a equipe interdisciplinar ou o profissional que já acompanha a criança ou a família pode desempenhar papel fundamental, sempre que chamado a auxiliar. Mesmo que a ação judicial seja proposta por um genitor contra o outro, visando o estabelecimento da guarda unilateral, cabe ao Judiciário, sempre que vislumbrar viável, incentivar os pais a refletirem sobre as vantagens do compartilhamento da guarda dos filhos, evitando reforçar a postura dissociativa que costuma desembocar nas demandas na área do Direito de Família.

Ensina Leila Maria Torraca Brito, Pós-Doutorada em Direito, que, além da divisão de tarefas por parte dos pais no cotidiano da criança, a vantagem maior da guarda compartilhada está na possibilidade de garantir “duplo vínculo de filiação apesar da inexistência de um casal”, constituindo-se “um sólido suporte, uma ancoragem social, como nomeia Hurstel, para o exercício da paternidade”86.

Em entrevista ao IBDFAM, a psicanalista Giselle Groeninga87, ao responder “Qual a importância do aumento da guarda compartilhada para a aplicação do princípio constitucional do melhor interesse da criança?”, afirma:

“É fundamental pensar que o princípio do Superior Interesse da Criança e do Adolescente não se contrapõe ao interesse dos pais no exercício de suas funções – na família só podemos falar em funções – por definição complementares, e de direitos da mesma forma complementares. Esta compreensão diminuiria, em muito, a criação de oposição de direitos, do meu ponto de vista, artificial, quando se tratam de relações familiares.

A Guarda Compartilhada atende aos direitos da personalidade de todos os integrantes da família. Com relação à criança e ao adolescente, atende à sua liberdade psíquica e ao que denomino de "direito à oscilação afetiva" (aproximar-se mais de um ou de outro genitor, dependendo da fase de desenvolvimento), contemplando a necessidade da criança e adolescente em contar com modelos diferentes.

Com relação aos pais, ela contempla o direito em exercer a parentalidade, dando importância aos vínculos com o outro do par parental e seus familiares. Ao reconhecer a importância de pai e de mãe, a lei também aponta as limitações inerentes ao exercício da parentalidade – um só não pode, por mais que se esforce, exercer a função de dois. Finalmente, a lei da guarda compartilhada é preventiva quanto às tentativas de alienação parental.”

A consagração do princípio da dignidade humana como cláusula geral de proteção (CF, art. 1º, III), bem como a positivação normativa do art. 227, caput, da Constituição Federal de 1988, e no Estatuto da Criança e do Adolescente em seus artigos 4º, caput, e 5º, consagram o Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente.

Pela leitura que se faz do dispositivo (art. 1.584. do CC/2002) percebe-se, com bastante clareza, a presença dos princípios da igualdade entre os cônjuges e do melhor interesse da criança e do adolescente, acabando com aquele que beneficiava as mães, quando, da separação ou divórcio, tinham sempre a preferência para ficarem com os filhos. Agora, o que vale mesmo é a maior capacidade demonstrada por um deles (pai ou mãe) para cuidar dos interesses afetivos, espirituais, educacionais e materiais da prole (Pena Jr., p. 255).

Equiparam-se homem e mulher para manifestar-se sobre a guarda, uma vez que se tem claro que a função pode ser exercida de forma satisfatória por ambos, tanto que algumas organizações foram criadas para lutar pela igualdade parental nos casos de separação do casal. Compreende-se que o importante é proporcionar o melhor interesse da criança, e, se o homem não tivesse possibilidade de atender aos filhos, a guarda seria sempre materna — mas não é isso que ocorre.

A guarda e o cuidado do filho pelo pai é uma experiência que, para os conservadores “defensores da família tradicional”, gera muita estranheza e preconceito. Preconceito este sofrido pelo homem que assume atribuições que até então eram vistas como femininas, e também preconceito contra as genitoras, as quais muitas vezes são discriminadas por terem repassado ao homem o seu “papel” de cuidadora.

O Presidente do IBDFAM, Rodrigo da Cunha Pereira88, descreve com propriedade o que vem a ser este princípio:

“A dignidade é um macroprincípio sob o qual irradiam e estão contidos outros princípios e valores essenciais como a liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade, alteridade e solidariedade. São, portanto, uma coleção de princípios éticos. Isto significa que é contrário a todo nosso direito qualquer ato que não tenha como fundamento a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, e o pluralismo político. Essas inscrições constitucionais são resultado e consequência de lutas e conquistas políticas associadas à evolução do pensamento, desenvolvimento das ciências e das novas tecnologias. É a noção de dignidade e indignidade que possibilitou pensar, organizar e desenvolver os direitos humanos.”

Destarte, percebe-se que o Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente possui status de direito fundamental e, assim sendo, deve ser necessariamente observado pela sociedade como um todo, incluindo-se aí o Estado, os pais, a família, os magistrados, enfim, as pessoas em geral.

No caso da criança e do adolescente, o exercício de participação dá-se, em primeiro lugar, na família, pois, como ensina Dalmo de Abreu Dallari, “os primeiros educadores são os pais, os familiares, aqueles com quem a criança vai ter sua iniciação como integrante da sociedade humana”89.

Há um grande desconhecimento em relação à importância da função paterna dentro da família. Nas relações entre mãe e pai, existe uma dinâmica que é alterada com a vinda de um filho. Por outro lado, o pai tem uma função muito importante na formação da personalidade e no aspecto emocional da criança, afirma o psicólogo e psicanalista, Professor na Universidade de São Paulo (USP) e colaborador do Hospital das Clínicas de São Paulo, Rubens de Aguiar Maciel90.

A Doutora em Psicologia Sandra Baccara91, em seu artigo Psicologia e a Alienação Parental, demonstra os prejuízos que crianças e adolescentes sofrem quando envolvidos neste processo destrutivo. “Estes processos de alienação causam nas crianças/adolescentes grandes danos emocionais e psíquicos, pois estes se tornam um alvo claro para a destruição do ‘objeto de ódio’ do genitor alienante. Destruir este alvo é a forma que o alienador encontra de ‘matar’ a frustração pela perda vivida, sem levar em conta o resultado final, ou seja, o dano causado aos filhos.”

Tratando da separação dos casais, importante frisar as palavras da Dra. Rute Agulhas92, psicóloga, terapeuta familiar e professora assistente convidada no Instituto Universitário de Lisboa, que destaca que, embora o casal esteja separado, a família da criança é sempre uma:

“Por outro lado, a maior parte das crianças passa a ter duas casas após a separação dos pais: a casa da mãe e a casa do pai. Ter duas casas não significa que passe a ter duas famílias – a sua família é, e será sempre, apenas uma, na medida em que as relações familiares transcendem as residências. Entre pais e filhos não há divórcio, sendo desejável, na perspectiva da criança, que esta mantenha um convívio regular com ambos os pais e respectivas famílias de origem. Neste contexto, o padrão tradicional em que a criança reside com um progenitor e visita o outro em fins-de-semana alternados pode revelar-se muito prejudicial, em especial para crianças em idade pré-escolar, cuja noção de tempo as impede de compreender o facto de não conviver frequentemente com ambos os pais. Estes contactos devem também ocorrer em diversos contextos (por exemplo, uma refeição, um passeio, dormir), facilitando a consolidação dos laços afectivos.

Em conclusão, podemos afirmar que, apesar de todas as mudanças que um processo de separação ou divórcio possa trazer à vida de uma criança, estas não têm de ser necessariamente negativas, dependendo da forma como os pais lidam com a situação.”

Segundo Maria Antonieta Pisano Motta93, psicanalista e mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP, na guarda compartilhada, um dos pais pode deter a guarda material ou física e ambos compartilham os direitos e deveres emergentes do pátrio poder. Ela explica, porém, que não há uma divisão pela metade do tempo passado com os filhos. A psicanalista ainda esclarece que o genitor que não tem a guarda física não se limitará a supervisionar a educação dos filhos e a exercer o direito de visitas, como ocorre na guarda unilateral.

A Desembargadora, hoje aposentada, Maria Berenice Dias94, referiu, em entrevista para o jornal Zero Hora, entender que a criança deixaria de ser um instrumento para mãe ou pai que for prisioneiro de rancores passados. Lá foi afirmado que “na separação, um tenta se vingar do outro pela perda do sonho do amor eterno. O que fica com a guarda diz: o filho é meu. Com a guarda compartilhada, o filho deixa de ser um troféu”. Em razão disso, sustentava que a guarda compartilhada deveria ser fixada, mesmo quando não há consenso entre os pais (hipótese aventada pelo art. 1.584, § 2º, do Código Civil).

Tratando das alterações nos arts. 1.583. e 1.584 do Código Civil, o Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, Francisco Eduardo Loureiro95, convidado do IV Congresso Paulista do Direito de Família, frisa que o poder familiar não é alterado com o fim do casamento. Implica-se a este a necessidade de alimentar, educar e criar o filho, o que independe de os pais estarem ou não casados. Loureiro ainda sublinha que, se tivéssemos a exata noção desse poder, o dispositivo não precisaria ter sofrido alterações.

Ele explica que essa mudança se deu no intuito de reavivar a memória das funções paternas e derivou-se de uma cópia do Direito italiano. Um dos artigos do Direito italiano tinha redação peculiar a esse respeito. O divórcio influenciava no poder familiar. Logo, quem tinha a guarda tinha mais poder. Observando esse equívoco, o artigo foi mudado e trouxe utilidade social — afirmando que o final do casamento não influencia nos deveres dos pais. Essa é a síntese da guarda compartilhada: obrigações igualitárias perante o filho.

Já a guarda alternada é temporal. Isto é, está relacionada à divisão de tempo (uma semana com cada), enquanto a compartilhada diz respeito à divisão de deveres (comparecer à reunião da escola, levar no judô, ballet etc.).

Consta do art. 1.584. que, se não houver acordo, será aplicada a guarda compartilhada. Este é o critério prioritário.

Como bem destaca Adalgisa Wiedemann Chaves96, sócia do IBDFAM e Promotora de Justiça do Rio Grande do Sul, “o alienador não é uma pessoa má, mas sim alguém que não consegue separar sua individualidade da individualidade da prole, entendendo como o controle absoluto a única forma de dar amor e atendimento adequado. Estas pessoas precisam de acompanhamento e tratamento (psicológico e terapêutico) para que possam voltar a conviver com os descendentes de forma saudável.”

“A guarda compartilhada é a melhor alternativa que existe para a formação da criança e para os pais”, diz o Presidente da Comissão de Direito de Família da OAB-SP, Nelson Sussumu Shikicima97.

Se os hábitos nas duas casas forem diferentes, deve-se respeitá-los. “É a diferença que traz liberdade emocional para a criança. A chance de a pessoa se aceitar e se desenvolver, sendo autêntica, é maior quando tem relação com o pai e a mãe, sem se prender a um padrão. Assim, ela torna-se mais segura”, explica a diretora do Serviço de Psicologia do Departamento de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, Jonia Lacerda98.

É inegável a importância da figura paterna, invariavelmente excluída do cotidiano das crianças nos casos de dissolução conjugal, mudando-se inteiramente o foco: é preciso, com urgência, reconhecer que, talvez, ainda mais do que os pais tendo o direito de conviver com maior frequência com seus filhos, são as crianças que têm o direito de visitar seus pais, de manter com estes um vínculo de confiança, incrementado pela convivência frequente.

Dispõe a Declaração Universal dos Direitos da Criança, tratado internacional do qual o Brasil é signatário, que o direito da convivência entre pais e filhos separados e a igualdade na responsabilidade de criação dos filhos pelos pais devem ser respeitados:

“Artigo 9 – A criança tem o direito de viver com um ou ambos os pais exceto quando se considere que isto é incompatível com o interesse maior da criança. A criança que esteja separada de um ou ambos os pais tem o direito a manter relações pessoais e contato direto com ambos os pais.”

Conforme Adriana Fasolo Pilati Scheleder, Beatriz Helena Braganholo e Patrícia Grübel99: “Esclarece-se que são dois os bens tutelados: primeiro, o direito do filho à convivência assídua com o pai, assegurando-se o bom desenvolvimento e formação mental, física, social e espiritual; segundo, o direito dos pais de continuidade da convivência, mantendo permanentes os laços afetivos familiares. A relação afetiva entre pais e filhos não deve ser confundida com a relação conjugal dos genitores. Neste contexto, há a consagração da manutenção da unidade familiar, ou seja, o exercício do poder familiar é um direito e um dever, preponderante a qualquer situação que diga respeito aos pais, pois, após a separação, o que deve ser reformulado é o estado conjugal e não o parental.”

O Psicanalista canadense Guy Corneau100, que aborda o tema na obra Pai ausente, filho carente, afirma que “os filhos que não receberam uma ‘paternagem’ adequada enfrentam com frequência os seguintes problemas: na adolescência, tornam-se confusos quanto a sua identidade sexual e muitas vezes apresentam uma feminização do comportamento; falta-lhes amor próprio; reprimem sua agressividade e, com ela, sua necessidade de afirmação, sua ambição e sua curiosidade exploratória. Alguns podem sofrer bloqueios relativos à sexualidade. Podem também ter problemas de aprendizagem. Demonstram, muitas vezes, dificuldades de assumir valores morais e responsabilidades em desenvolver o senso do dever e de obrigação em relação ao outro. Ausência de limites se manifestará tanto na dificuldade de exercer a autoridade quanto na de respeitá-la; finalmente, a falta de estrutura interna ocasionará certa fraqueza de temperamento, ausência de rigor e, em geral, complicações na organização da própria vida. Além do mais, as pesquisas indicam que têm maior propensão ao homossexualismo do que os filhos cujos pais estiveram presentes.” (p. 30)

Luis Otávio Sigaud Furquim comenta que a convivência com ambos os pais é fundamental para a construção da identidade social e subjetiva da criança. A diferença das funções de pai e mãe é importante para a formação dos filhos, pois se trata de funções complementares e não implicam na hegemonia de um sobre o outro. É importante salientar que, quando o casamento termina, cessa apenas a relação de conjugalidade, mantendo-se, então, a relação de parentalidade, que vai ser exercida e compartilhada entre pais e filhos, para sempre.

A maior perda vivida pelas crianças em relação a seus pais, no caso de dissolução dos vínculos conjugais, é a perda da companhia imediata do pai. Os pais envolvidos com seus filhos sofrem com a falta do dia a dia com seus rebentos, mas, por sua condição de maior maturidade, acabam por criar mecanismos mais toleráveis de resolução destes conflitos; já as crianças, em fase de construção de personalidade, de descobertas, observação e aprendizagem por meio dos modelos paternos, perdem, entre tantas outras coisas, a oportunidade única de aprenderem a ser, verdadeiramente, pais presentes no futuro.

Quando o casal dissolve seu casamento, mágoas e rancores não digeridos são diluídos nas decisões acerca da convivência em visitas, viagens, com um maior prejuízo recaindo sobre as crianças que não possuem, por assim dizer, direito de defesa.

É indispensável ter presente que persistem, ainda hoje, claras discriminações em termos de gênero, cuja eliminação é condição prévia a uma evolução harmoniosa e socialmente justa. É necessário redefinir a família e o casal, com uma abordagem mais flexível e tolerante, mais adequada à realidade social presente.

Com efeito, sabe-se que o afeto flui entre as pessoas, dá-se e recebe-se; proporcionar afeto requer esforço; e o afeto é essencial para a espécie humana, em especial na infância e na doença.

Nesse ínterim, a família é considerada como principal contexto educativo ou promotor de desenvolvimento humano — o núcleo crucial onde ocorre o desenvolvimento da criança —, e pode, efetivamente, ser o ambiente de educação mais adequado para possibilitar o desenvolvimento dos aspectos pessoais dos indivíduos, sem esquecer que vivem num meio social com uma série de requisitos, limitações e normas.

Não se olvida que a família e os seus membros não só servem de modelo de comportamento, como também são os que marcam os padrões de relação e configuram a primeira visão do mundo para a criança, sendo que, muito frequentemente, as características da sua evolução posterior na escola, nas relações sociais e afetivas, inclusive na sua vida como adulta, explicam-se pelas vivências familiares e pelo sentido da relação estabelecida, sobretudo com os pais.

Destaca-se que as crianças aprendem melhor quando o ambiente familiar promove os padrões de vida familiar adequados — um “currículo familiar” positivo, que promova na criança as atitudes, os hábitos e as competências necessárias para aproveitar ao máximo o que o professor ensina.

Logo, cabe aos pais assegurar um ambiente familiar acolhedor, seguro, de responsabilidade e de empenho mútuo por parte de todos os membros da família, bem como de aprendizagem positiva e de disponibilidade para com a criança, utilizando uma disciplina assertiva. Devem, ainda, procurar garantir as condições necessárias ao exercício da sua missão enquanto progenitores, na educação e no desenvolvimento das suas crianças.

Vale lembrar que os pais não se separam dos filhos; os cônjuges deixam de ser cônjuges, mas não deixam de ser pais! O estímulo à guarda compartilhada, sob esse aspecto, é altamente positivo: os filhos permanecem sob a autoridade de ambos os genitores, embora vivam em lares separados.

A opção preferencial da lei pela guarda compartilhada não é novidade no direito brasileiro, ao contrário do senso comum dos profissionais do direito. O STF, ainda que sem referência expressa à guarda compartilhada, em decisão datada de 1967, já manifestava orientação no sentido de superação da díade reducionista guarda exclusiva/direito de visita, por um modelo mais em conformidade com o melhor interesse do filho: “O juiz, ao dirimir divergência entre pai e mãe, não se deve restringir a regular visitas, estabelecendo limitados horários em dia determinado da semana, o que representa medida mínima. Preocupação do juiz, nesta ordenação, será propiciar a manutenção das relações dos pais com os filhos. É preciso fixar regras que não permitam que se desfaça a relação afetiva entre pai e filho, entre mãe e filho. Em relação à guarda dos filhos, em qualquer momento, o juiz pode ser chamado a revisar a decisão, atento ao sistema legal. O que prepondera é o interesse dos filhos, e não a pretensão do pai ou da mãe” (RE 60.265-RJ).

Como frisou o Doutor em Direito Civil pela USP, Membro da Diretoria Nacional do IBDFAM e da International Society of Family Law, Paulo Lôbo101, para a definição da guarda “o que interessa é a identificação do genitor que apresenta melhor aptidão, no que concerne ao cuidado que demonstra com sua efetivação cotidiana e o real compromisso para realizá-los”.

Destaca-se sábio o entendimento do Procurador de Justiça Bertoldo Mateus de Oliveira Filho102: “Se a vida em comum se tornou insustentável para os cônjuges, ao ponto de levar à separação, que essa seja considerada a sua causa principal, para que a dignidade das pessoas envolvidas nesse processo seja efetivamente resguardada.”

Importante reiterar que, nas hipóteses de ruptura da vida conjugal ou de união estável, em que sobrevieram filhos, aquele que detém sua guarda, não conseguindo superar a separação, passa a induzir os filhos a afastarem-se do pai, convencendo-os da ocorrência de fatos inverídicos, desabonadores da conduta do não guardião, incorrendo na prática da Síndrome da Alienação Parental. Neste caso, todo o sentimento de angústia, raiva e frustração pelo fim do relacionamento amoroso é transferido ao filho, para que este passe a repudiar o pai, esvaziando sua relação afetiva e vingando, ainda que inconscientemente, o abandono sofrido pela mãe.

Insta consignar que nem sempre é salutar para o menor, diante de uma alteração abrupta de domicílio, cujo objetivo do guardião seja o afastamento deliberado entre o filho e seu genitor, a modificação da guarda.

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Sobre o autor
André Chequini Manzello

Doutorando em Direito.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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