RESUMO: O presente trabalho conceituará o motivo do ato administrativo, diferenciando da sua motivação; discutirá sua obrigatoriedade e a aplicação da teoria dos motivos determinantes à luz da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que interpreta a citada teoria em cotejo com os princípios da proteção da confiança e da boa-fé objetiva como consectários do princípio da moralidade administrativa.
Palavras-chave: Motivo. Motivação. Teoria dos motivos determinantes. Doutrina. Jurisprudência.
I – INTRODUÇÃO
A discussão sobre a obrigatoriedade da motivação dos atos administrativos há muito permeia a doutrina administrativista pátria. É que a administração pública, ao justificar o ato administrativo, fica vinculada às razões ali expostas, de acordo com o preceituado na teoria dos motivos determinantes.
A motivação é que legitima e confere validade ao ato administrativo discricionário. Assim, enunciadas pelo agente as causas em que se pautou, mesmo que a lei não haja imposto tal dever, o ato só será legítimo se elas realmente tiverem ocorrido.
Nesse breve ensaio sobre o tema, será analisado o motivo do ato administrativo, como requisito de validade, a sua diferenciação com a motivação e a moderna interpretação conferida pelo Superior Tribunal de Justiça a denominada teoria dos motivos determinantes.
II – O MOTIVO
O motivo é causa imediata do ato administrativo, constituindo situação de fato e de direito que determina ou autoriza a prática do ato ou, em outras palavras, o pressuposto fático e jurídico (ou normativo) que enseja a prática do ato1. A ausência de motivo ou a indicação de motivo falso invalidam o ato administrativo.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2004, p. 203) aduz que o motivo é o pressuposto de fato e de direito que serve de fundamento ao ato administrativo. Pressuposto de direito é o dispositivo legal em que se baseia o ato. Pressuposto de fato, como o próprio nome indica, corresponde ao conjunto de circunstâncias, de acontecimentos, de situações que levam a Administração a praticar o ato. Anote-se, ainda, que a ausência de motivo ou a indicação de motivo falso invalidam o ato administrativo.
São exemplos de motivos2: na concessão de licença-paternidade, o motivo será sempre o nascimento do filho do servidor; na punição do servidor, o motivo é a infração por ele cometida; na ordem para demolição de um prédio, o motivo é o perigo que ele representa, em decorrência da sua má conservação; no tombamento, o motivo é o valor histórico do bem.
III – A MOTIVAÇÃO
Não se deve, contudo, confundir motivo com motivação. A motivação faz parte da forma do ato, isto é, ela integra o elemento forma e não o elemento motivo. Se o ato deve ser motivado para ser válido, e a motivação não é feita o ato é nulo por vício de forma (vício insanável) e não por vício de motivo3.
A motivação é, portanto, a declaração escrita do motivo que determinou a prática do ato. É a demonstração, por escrito, de que os pressupostos autorizadores da prática do ato realmente estão presentes, isto é, de que determinado fato aconteceu e de que esse fato se enquadra em uma norma jurídica que impõe ou autoriza a edição do ato administrativo que foi praticado. Em resumo, a motivação é a declaração escrita do motivo que levou à prática do ato4.
O fundamento da exigência de motivação é o princípio da transparência da administração pública, que deriva do princípio da publicidade, cuja base mediata é o princípio da indisponibilidade do interesse público, ressaltando-se, ainda, que doutrinariamente afirma-se que a motivação deve ser prévia ou contemporânea à expedição do ato. Nesse sentido, o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello5 (2009, p. 396) apresenta argumentação do ponto de vista constitucional:
Parece-nos que a exigência de motivação dos atos administrativos, contemporânea à prática do ato, ou pelo menos anterior a ela, há de ser tida como uma regra geral, pois os agentes não são “donos” da coisa pública, mas simples gestores de interesses de toda a coletividade, esta, sim, senhora de tais interesses, visto que, nos termos da Constituição, “todo o poder emana do povo” (...) (art. 1º, parágrafo único). Logo, parece óbvio que, praticado o ato em um Estado onde tal preceito é assumido e que, ademais, qualifica-se como “Estado Democrático de Direito” (art. 1º, caput), proclamando, ainda, ter como um de seus fundamentos a “cidadania” (inciso II), os cidadãos e em particular o interessado no ato têm o direito de saber por que foi praticado, isto é, que fundamentos o justificam.
A Lei n. 9.784/99, no art. 50, indica as hipóteses em que a motivação é obrigatória, destacando-se que a contrario sensu, indicaria que a motivação não é obrigatória para todo e qualquer ato administrativo6. Além disso, o disposto no art. 93, inciso X, da Constituição da República de 1988 para a atuação administrativa dos tribunais não pode ser estendido como regra para os demais atos administrativos.
Note-se, todavia, que para a maioria dos doutrinadores a regra é a motivação dos atos administrativos, sendo certo que a corrente doutrinária dominante apresenta uma visão moderna do direito administrativo, compreendido pela perspectiva dos direitos fundamentais. Sendo assim, há de se considerar o direito fundamental à informação7 e à inafastabilidade da jurisdição8 como vetores valorativos preponderantes no ordenamento jurídico brasileiro. Desse modo, seja pelo dever de informar os cidadãos, seja pela necessidade de garantir conhecimento público quanto às razões conducentes da conduta administrativa, inclusive para permitir eventual controle de legalidade pelo Poder Judiciário, a motivação dos atos administrativos é obrigatória9.
Acolhendo a doutrina majoritária, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu:
PROCESSUAL CIVIL. ATO ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO. NULIDADE.
1. O ato administrativo que determina a remoção de servidor público deve ser motivado. Precedentes do STJ.
2. Agravo Regimental não provido.
Não é possível o conhecimento do recurso especial na hipótese em que o estado recorrente sustenta que o ato administrativo de remoção de servidor público está inserido no âmbito do poder discricionário da Administração Pública e o Tribunal de origem declarou a nulidade do ato por falta de motivação, porque além do referido entendimento estar em consonância com a jurisprudência do STJ, a inversão do julgado demandaria o reexame fático-probatório, atraindo a incidência das Súmulas 7 e 83 do STJ. (STJ, AgRg no AREsp 153140/SE, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 22/05/2012, p. 15/06/2012).
Os atos mais frequentemente apontados pela doutrina como exemplo de atos que não precisam ser motivados são a nomeação para cargos em comissão e a exoneração dos ocupantes desses cargos (chamadas nomeação e exoneração ad nutum)10.
Em resumo, todos os atos administrativos válidos possuem um motivo expressa ou implicitamente previsto em lei, ou deixado, pela lei – dentro dos limites nela descritos ou dela decorrentes – à escolha do administrador, consoante a valoração dele acerca da conveniência e oportunidade da prática do ato. Entretanto, nem sempre a lei exige que a administração declare expressamente os motivos que a levaram à prática do ato administrativo. Nesses casos, embora o ato tenha um motivo que determinou sua prática, esse motivo não será expresso pela administração, ou seja, embora o motivo exista, não haverá motivação do ato11.
IV – A TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ)
Ainda relacionada a matéria aqui estudada, há a denominada teoria dos motivos determinantes em consonância com a qual a validade do ato se vincula aos motivos indicados como seu fundamento, de tal modo que, se inexistentes ou falsos, implicam a sua nulidade. Por outras palavras, quando a Administração motiva o ato, mesmo que a lei não exija a motivação, ele só será válido se os motivos forem verdadeiros12.
Importante anotar que a referida teoria tem sido amplamente aceita na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que já esclareceu que a invalidação dos atos administrativos pela teoria dos motivos determinantes dá-se não apenas quando os motivos elencados não existiram ou eram falsos, mas também quando deles não advier a necessária coerência da fundamentação exposta com o resultado obtido com a manifestação de vontade da Administração Pública13.
Nesse sentido, transcreve excerto de julgamento recente do STJ sobre apostilamento em cargo público:
Há direito líquido e certo ao apostilamento no cargo público quando a Administração Pública impõe ao servidor empossado por força de decisão liminar a necessidade de desistência da ação judicial como condição para o apostilamento e, na sequência, indefere o pleito justamente em razão da falta de decisão judicial favorável ao agente. O ato administrativo de apostilamento é vinculado, não cabendo ao agente público indeferi-lo se satisfeitos os seus requisitos. O administrador está vinculado aos motivos postos como fundamento para a prática do ato administrativo, seja vinculado seja discricionário, configurando vício de legalidade – justificando o controle do Poder Judiciário – se forem inexistentes ou inverídicos, bem como se faltar adequação lógica entre as razões expostas e o resultado alcançado, em atenção à teoria dos motivos determinantes. Assim, um comportamento da Administração que gera legítima expectativa no servidor ou no jurisdicionado não pode ser depois utilizado exatamente para cassar esse direito, pois seria, no mínimo, prestigiar a torpeza, ofendendo, assim, aos princípios da confiança e da boa-fé objetiva, corolários do princípio da moralidade. (STJ. MS 13.948-DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 26/9/2012). Grifei.
Observa-se, portanto, que a aplicação da teoria dos motivos determinantes pelo STJ está sendo feita em cotejo aos princípios da proteção da confiança e da boa-fé objetiva, enquanto consectários do princípio constitucional da moralidade administrativa constante no art. 37, caput da Constituição da República de 1988.
V – CONCLUSÃO
Por todo o exposto, observa-se que a falta de motivação do ato enseja defeito de forma e não de motivo, cujo conceito prende-se ao de fatos e fundamentos jurídicos que ensejam a manifestação de vontade da administração pública. Em regra, consoante doutrina e jurisprudência dominantes, tanto motivo e motivação são obrigatórios nos atos administrativos, ressalvadas as exceções.
Anote-se, ainda, que quando a Administração motiva o ato, mesmo que a lei não exija a motivação, ele só será válido se os motivos forem verdadeiros, revelando a aplicação da teoria dos motivos determinantes que, segundo a jurisprudência do STJ deve ser feita em consonância com os princípios da proteção da confiança e da boa-fé objetiva, consectários da moralidade administrativa, prevista no art. 37, caput da Constituição da República de 1988.
REFERENCIAS
ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 20ª. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 25ª ed. rev. ampl. e atual. até a Lei 12.587, de 3-1-2012. São Paulo: Atlas, 2012.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2004.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26ª ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional 57, de 18.12.2008. São Paulo: Malheiros, 2009.
Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AREsp 153140/SE, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 22/05/2012, p. 15/06/2012.
Superior Tribunal de Justiça. MS 13.948-DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 26/9/2012.
TEODORO, Rafael. Considerações sobre a teoria dos motivos determinantes na doutrina e na jurisprudência do STJ. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3459, 20 dez. 2012. Disponível em:<http://jus.com.br/artigos/23291>. Acesso em: 29 set. 2013.
Notas
1 ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 20a. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012, p. 463.
2 ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Op. cit., p. 463.
3 ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Op. cit., p. 471.
4 ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Op. cit., p. 471.
5 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26ª ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional 57, de 18.12.2008. São Paulo: Malheiros, 2009. 1101.
6 Para autores como José dos Santos Carvalho Filho a motivação dos atos administrativos não é obrigatória, argumentando, quanto ao motivo, que sem ele, o ato é írrito e nulo. Inconcebível é aceitar-se o ato administrativo sem que se tenha delineado determinada situação de fato. (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 25ª ed. rev. ampl. e atual. até a Lei 12.587, de 3-1-2012. São Paulo: Atlas, 2012, p. 1250).
7 CF, art. 5º, XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.
8 CF, art. 5º, XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
9 TEODORO, Rafael. Considerações sobre a teoria dos motivos determinantes na doutrina e na jurisprudência do STJ. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3459, 20 dez. 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/23291>. Acesso em: 29 set. 2013.
10 ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Op. cit., 472.
11 ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Op. cit., p. 473.
12 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 204.
13 TEODORO, Rafael. Op. cit.