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Da vedação da participação de cooperativas em licitações:

aspectos legais e históricos

16/04/2014 às 16:37
Leia nesta página:

Análise jurídica acerca da ilegal vedação da participação de cooperativas em licitações públicas - ofensa ao ordenamento jurídico como justificativa para a proteção do trabalhador.

O Histórico do Cooperativismo.

O Cooperativismo é uma prática que remonta aos idos dos anos 1800, época marcada pela exploração desumana dos trabalhadores que, submetidos ao regime intenso de produção da Revolução Industrial, acabavam por sucumbir às imposições dos empregadores que, a todo custo, buscavam maximizar os lucros e minimizar os custos.

Não era incomum a submissão de empregados a jornadas que poderiam durar até 18 horas, sem que nada além dos baixos salários fosse ofertado aos trabalhadores, os verdadeiros responsáveis pela produção.  

Cansados de tanta exploração, no dia 21 de dezembro de 1844, um grupo de 28 trabalhadores de Rochdale-Manchester (Inglaterra), criou a Sociedade dos Probos de Rochdale, que veio a ser a primeira sociedade cooperativa do mundo.

Sua doutrina era baseada em simples princípios: o respeito ao ser humano e a repartição igualitária dos lucros.

No Brasil, o cooperativismo iniciou-se em 1889, com a criação da Sociedade Cooperativa Econômica dos Funcionários Públicos de Ouro Preto/MG, e a partir de então, começou a surgir no país o tratamento legal correlato.

A OCEB – Sindicato SESCOOP/BA fez um pertinente levantamento  acerca dos diplomas normativos que relatam o desenvolvimento legislativo do cooperativismo ao longo dos anos. Vejamos:

Evolução alicerçada na legislação

O cooperativismo no Brasil, a partir da criação da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), vem conquistando espaço no cenário nacional através de diferentes ações como, por exemplo, a atuação junto ao poder Legislativo, sobretudo com o trabalho realizado pela Frente Parlamentar do Cooperativismo (Frencoop). A seguir, apresentamos a cronologia que retrata este desenvolvimento:

• Constituição de 1891, Art. 72• Decreto 979 / 1903• Decreto 1.637 / 1907• Decreto 22.239 / 1932• Decreto 926 / 1938• Decreto 1.836 / 1939• Decreto 6.980 / 1941• Decreto 5.154 / 1942• Decreto 5.893 / 1943• Decreto 6.274 / 1944• Decreto 59 / 1966• Decreto 60.597 / 1967• Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971, em vigor, que define a Política Nacional de Cooperativismo, instituo regime jurídico das sociedades cooperativas e dá outras providências• Constituição da República Federativa do Brasil (1988), e o Capítulo 1 – Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos – art. 5º, item XVIII• Medida Provisória nº 1.715, de 3 de setembro de 1998, criando o Sescoop para viabilizar a Autogestão do Cooperativismo Brasileiro• Decreto 3.017, de 6 de abril de 1999, que aprova o Regimento do Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop);• Lei Complementar 130 de 2009 – Regulamenta o Sistema de Cooepartivas de Crédito.

[fonte: http://www.bahiacooperativo.coop.br/historia-do-cooperativismo.php - acesso em 09/04/2014]

Merece destaque a Lei n° 5.764/1971, que cuidou de definir a Política Nacional de Cooperativismo, instituindo o regime jurídico das sociedades cooperativas.     

E desde aquele diploma, ficou determinado que o Governo Federal deveria implementar o “estímulo às atividades de cooperativismo no território nacional”, bem como a “prestação de assistência técnica e de incentivos financeiros e creditórios especiais, necessários à criação, desenvolvimento e integração das entidades cooperativas”.

  A citada norma foi um importante marco legal do cooperativismo no Brasil, incentivador, inclusive, de toda a doutrina sobre cooperativismo que conhecemos.

 O movimento, então, ganhou uma força tão grande quanto à própria necessidade que o país tinha de incentivar a organização dos trabalhadores numa estrutura onde fossem valorizados na exata medida do que produziam, sem exploração, sem desmandos e, sobretudo, com a liberdade de retirarem-se quando assim lhes conviessem.

 Seguindo estes preceitos, foram estabelecidas as sete linhas orientadoras do cooperativismo , são elas:Sete linhas orientam o cooperativismo

 Os sete princípios do cooperativismo constituem a linha orientadora que rege as cooperativas e formam a base filosófica da doutrina. É por meio dela que os cooperados levam os seus valores à prática. Estes princípios, derivados das normas criadas pela primeira cooperativa de Rochdale, são mantidos atualmente pela Aliança Cooperativa Internacional (ACI). São eles:

1º - Adesão voluntária e livre - as cooperativas são organizações voluntárias, abertas a todas as pessoas aptas a utilizar os seus serviços e assumir as responsabilidades como membros, sem discriminação de sexo, social, racial, política e religiosa.2º - Gestão democrática - as cooperativas são organizações democráticas, controladas pelos seus membros, que participam ativamente na formulação das suas políticas e na tomada de decisões. Os homens e as mulheres, eleitos como representantes dos demais membros, são responsáveis perante estes. Nas cooperativas de primeiro grau os membros têm igual direito de voto (um membro, um voto).3º - Participação econômica dos membros - os membros contribuem eqüitativamente para o capital das suas cooperativas e controlam-no democraticamente. Parte desse capital é, normalmente, propriedade comum da cooperativa. Os membros recebem, habitualmente, se houver, uma remuneração limitada ao capital integralizado, como condição de sua adesão. Os membros destinam os excedentes a uma ou mais das seguintes finalidades:• Desenvolvimento das suas cooperativas, eventualmente através da criação de reservas, parte das quais, pelo menos será, indivisível;• Benefícios aos membros na proporção das suas transações com a cooperativa; e• Apoio a outras atividades aprovadas pelos membros.4º - Autonomia e independência - as cooperativas são organizações autônomas, de ajuda mútua, controladas pelos seus membros. Se firmarem acordos com outras organizações, incluindo instituições públicas, ou recorrerem a capital externo, devem fazê-lo em condições que assegurem o controle democrático pelos seus membros e mantenham a autonomia da cooperativa.5º - educação, formação e informação - as cooperativas promovem a educação e a formação dos seus membros, dos representantes eleitos e dos trabalhadores, de forma que estes possam contribuir, eficazmente, para o desenvolvimento das suas cooperativas. Informam o público em geral, particularmente os jovens e os líderes de opinião, sobre a natureza e as vantagens da cooperação.6º - Intercooperação - as cooperativas servem de forma mais eficaz aos seus membros e dão mais força ao movimento cooperativo, trabalhando em conjunto, através das estruturas locais, regionais, nacionais e internacionais.7º - Interesse pela comunidade - as cooperativas trabalham para o desenvolvimento sustentado das suas comunidades através de políticas aprovadas pelos membros. [fonte: Op. Cit. pp. 01]

Seguindo-se a outros importantes marcos legislativos, cabe mencionar também a Constituição de 1988, que estabeleceu que (grifos nossos):

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)

XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;

Art. 146. Cabe à lei complementar:(...)III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas.Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.(...)§ 2º - A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo.§ 3º - O Estado favorecerá a organização da atividade garimpeira em cooperativas, levando em conta a proteção do meio ambiente e a promoção econômico-social dos garimpeiros.§ 4º - As cooperativas a que se refere o parágrafo anterior terão prioridade na autorização ou concessão para pesquisa e lavra dos recursos e jazidas de minerais garimpáveis, nas áreas onde estejam atuando, e naquelas fixadas de acordo com o art. 21, XXV, na forma da lei.Art. 187. A política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de armazenamento e de transportes, levando em conta, especialmente:(...)VI - o cooperativismo;VII - a eletrificação rural e irrigação;VIII - a habitação para o trabalhador rural.

Portanto, viu-se que a Constituição Cidadã deu amplo tratamento favorecido ao cooperativismo, reconhecendo, o legislador constituinte, a importância de privilegiar-se este tipo de organismo, devido à sua importância para o desenvolvimento das políticas públicas insertas no próprio texto constitucional. 


O Tratamento Diferenciado às Cooperativas.

Depois da Constituição de 1988, a Lei Complementar n° 123/2006 trouxe os benefícios (tratamento diferenciado) às microempresas e empresas de pequeno porte, estendidos às cooperativas pela a Lei n° 11.488/2007.

Segundo Jessé Torres Pereira Júnior e Marinês Restelatto Dotti, em artigo conjunto publicado no site da Advocacia-Geral da União,

A Lei Complementar n.º 123/06, versando, como versa, sobre tratamento diferenciado assegurado no texto constitucional, estabelece normas gerais, vale dizer, a serem necessariamente cumpridas por todos os órgãos e entidades integrantes de todos os Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. São normas destinadas a estabelecer: a) a apuração e o recolhimento de impostos e contribuições da competência dos entes integrantes da federação, mediante regime único de arrecadação, incluindo as obrigações acessórias; b) o cumprimento simplificado de obrigações trabalhistas e previdenciárias, incluindo as obrigações acessórias; e c) o acesso ao crédito e aos mercados, estimulado por meio de preferência nas aquisições de bens e serviços pelos poderes públicos, tecnologia, associativismo e regras de inclusão.

A disciplina do acesso aos mercados, traçada no Capítulo V da LC nº 123/06, incentiva a participação das microempresas e das empresas de pequeno porte nas licitações, realizadas no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, mediante: 1) a possibilidade de adiar se a regularização da situação fiscal da empresa, quando verificada a existência de restrições, somente como condição para a celebração do contrato – não quando da etapa de habilitação preliminar, como é a regra fixada pela Lei nº 8.666/93 para os licitantes em geral (o art. 4.º do mencionado Decreto n.º 6.204/07 enfatiza que “a comprovação de regularidade fiscal das microempresas e empresas de pequeno porte somente será exigida para efeito de contratação, e não como condição para participação na licitação”); 2) preferência na contratação, quando houver empate ficto1 com os valores de propostas/lances ofertados por outras entidades empresariais de maior porte; 3) possibilidade, prevista no art. 47, de, nas contratações da União, dos Estados e dos Municípios, ser concedido tratamento diferenciado e simplificado em licitação exclusivamente destinada às empresas de pequeno porte e microempresas, quando importante para o desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional, ou quando se caracterizar como fator de ampliação da eficiência de políticas públicas e fonte de incentivo à inovação tecnológica; 4) ampliação, em determinadas situações, do tratamento diferenciado além das condições estabelecidas nos artigos 42 à 45, simplificando procedimentos específicos; 5) a possibilidade, sob determinadas condições, de subcontratação de microempresa ou empresa de pequeno porte pela licitante vencedora da licitação, bem como de a Administração fracionar o objeto em licitação com o fim de contratar com tais sociedades empresárias.

[fonte: http://www.agu.gov.br/page/download/index/id/522162 - acesso em 09/04/2014]

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Assim, não obstante algumas críticas doutrinárias que surgiram desde então, restaram fixadas pelas referidas normas as situações em que as microempresas, as empresas de pequeno porte e as cooperativas restariam privilegiadas no nosso ordenamento jurídico.

No que importa à presente análise, parece que o legislador realmente optou pelo tratamento desigual (e isonômico – no sentido de equilibrar as forças desiguais), visando proteger e fomentar as atividades desenvolvidas pelas cooperativas. E assim tem ocorrido desde então.


Da vedação à Participação das Cooperativas nas Licitações Públicas.

Na metade do caminho entre o marco inaugurado pela Constituição de 1988 e pelo surgimento das leis nºs 123/2006 e 11.488/2007, a Administração Federal encontrou um óbice que pareceu pôr a cabo todo o zelo legislativo fomentador do desenvolvimento do cooperativismo. 

Desde 2003, o Governo tem recomendado aos órgãos da Administração Direta e Indireta que, via de regra, vedem a maior parte dos tipos de cooperativas existentes nas suas licitações, invocando a aplicabilidade de acordo judicial celebrado pela União no ano de 2003.

A referida transação, celebrada na Justiça do Trabalho do Distrito Federal entre a União e o Ministério Público do Trabalho no bojo da Ação Civil Pública n° 01082-2002-020-10-00-0, teve o condão de, àquela época, prevenir a contratação de cooperativas fraudulentas, constituídas sob o exclusivo manto de obterem vantagem econômica em detrimento de direitos trabalhistas sonegados aos supostos “cooperados”.

Realmente, à época (2003), muitas entidades constituíam-se sob a forma de cooperativa, arregimentando verdadeiros “empregados subordinados” para, sob a justificativa de serem “cooperativas”, não arcarem com os custos dos direitos trabalhistas assegurados pela CLT aos trabalhadores e disputarem licitações com preços mais baixos do que os praticados pelas empresas regulares.  Ocorre que a recomendação da União, oriunda daquele acordo judicial, ao ponto em que prestigiou as contratações regulares e combateu as irregulares, acabou por pôr numa vala comum as verdadeiras cooperativas, aquelas constituídas sob a égide da colaboração e co-participação entre seus integrantes, organismos sem subordinação entre cooperados, e constituídos sob o objetivo comum de ajuda mútua e desenvolvimento comunitário.

Assim, desde a referida “proibição geral” recomendada no âmbito daquele processo judicial específico, cuja extensão dos efeitos para “todos os órgãos da Administração Indireta da União” merece até considerações formais do ponto de vista técnico-jurídico, um movimento em prol das verdadeiras cooperativas (que são maioria no país) surgiu com força gradual, e, no ano de 2012, pela Nova Lei das Cooperativas (Lei n° 12.690/2012), sufragou-se o entendimento até então existente - o de proibir a participação de cooperativas nas licitações – passando a estar vedada tal conduta por parte da Administração Pública. Determinou o art. 10 do referido diploma que:

Lei n° 12.690/2012Art. 10.  A Cooperativa de Trabalho poderá adotar por objeto social qualquer gênero de serviço, operação ou atividade, desde que previsto no seu Estatuto Social.§ 1o  É obrigatório o uso da expressão “Cooperativa de Trabalho” na denominação social da cooperativa.§ 2o  A Cooperativa de Trabalho não poderá ser impedida de participar de procedimentos de licitação pública que tenham por escopo os mesmos serviços, operações e atividades previstas em seu objeto social.§ 3o  A admissão de sócios na cooperativa estará limitada consoante as possibilidades de reunião, abrangência das operações, controle e prestação de serviços e congruente com o objeto estatuído.§ 4o  Para o cumprimento dos seus objetivos sociais, o sócio poderá exercer qualquer atividade da cooperativa, conforme deliberado em Assembléia Geral.(grifos nossos)

Desta forma, resta concluir que, não obstante o acordo judicial firmado em 2003, por expressa e atual previsão legal, tendo o organismo os serviços, operações e atividades previstas no seu objeto social, não há motivo para que a cooperativa de trabalho enquadrada nessa legislação específica seja impedida de participar de licitação pública.E a conclusão não poderia ser diferente, mesmo antes do advento da mencionada lei, haja vista que, não assim sendo, se estaria partindo do pressuposto da fraude específica para, então, criar-se uma regra geral – o que é incompreensível. 

Por isso mesmo, antes até mesmo do advento desta lei em 2012, o Ministério do Planejamento (MPOG) já havia regulamentado de forma semelhante o assunto, como quem prenuncia que a incoerência surgida em 2003 precisasse de reparos. Assim, o art. 4º da IN/MPOG nº 02/2008  flexibilizou o entendimento predominante e previu que:

Art. 4º A contratação de sociedades cooperativas somente poderá ocorrer quando, pela sua natureza, o serviço a ser contratado evidenciar:

I - a possibilidade de ser executado com autonomia pelos cooperados, de modo a não demandar relação de subordinação entre a cooperativa e os cooperados, nem entre a Administração e os cooperados; e

II - a possibilidade de gestão operacional do serviço for compartilhada ou em rodízio, onde as atividades de coordenação e supervisão da execução dos serviços, e a de preposto, conforme determina o art. 68 da Lei nº 8.666, de 1993, sejam realizadas pelos cooperados de forma alternada, em que todos venham a assumir tal atribuição.

Parágrafo único. Quando admitida a participação de cooperativas, estas deverão apresentar um modelo de gestão operacional adequado ao estabelecido neste artigo, sob pena de desclassificação.

[fonte: http://www.planejamento.gov.br/ - acesso em 09/04/2014].

O que o MPOG fez foi, antes mesmo do advento da Lei n° 12.690/2112, nada mais do que prestigiar as verdadeiras cooperativas, dando a proteção normativa derivada necessária a subsidiar os seus órgãos sistemicamente subordinados, possibilitando que estes contemplem a permissão da participação das cooperativas nos certames públicos de compras de produtos e contratação de serviços – desde que atendidas aquelas condições previstas na instrução.  

E a evolução foi além. Como mais uma manifestação de força gradual em prol das cooperativas genuínas, em 2010, a Lei n° 8.666/1993 (Lei de Licitações) foi alterada pela Lei n° 12.349/2010, e passou a prever que:   

Art. 3o  A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. (Redação dada pela Lei nº 12.349, de 2010)   

§ 1o  É vedado aos agentes públicos:

I - admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, inclusive nos casos de sociedades cooperativas, e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato, ressalvado o disposto nos §§ 5o a 12 deste artigo e no art. 3o da Lei no 8.248, de 23 de outubro de 1991; (Redação dada pela Lei nº 12.349, de 2010)(grifos nossos)

Por fim, para arrematar a questão, um Grupo de Trabalho constituído por Procuradores Federais exarou um brilhante parecer n° 113/2013, onde foi feita profunda análise não somente do direito material envolvido, mas também quanto aos aspectos formais do “Termo de Conciliação Judicial” celebrado em 2003 pela União, e os efeitos da superveniência de legislação posterior (Lei n° 12.690/2012 e Lei n° 12.349/2010 – diploma alterador da Lei n° 8.666/1993). 

Segundo os Procuradores Federais signatários do documento , o que a legislação atual fez foi

(...) dar concreção ao comando constitucional de estimular o cooperativismo, previsto no parágrafo 2° do art. 174 da Constituição da República, reconhecendo a grave crise instaurada em torno das cooperativas, vislumbrando tanto a necessidade de estimular a criação, como de preservar os direitos dos cooperados contra a utilização como intermediadora de mão-de-obra e fraudadora dos direitos dos trabalhadores. 

[fonte: Parecer n° 113/2013 - Processo SIPPS n° 366066829 - GT Minutas/ CGMADM/ PFE-INSS/ PGF/ AGU, da lavra dos Procuradores Federais Diego da Fonseca Hermes Ornellas de Gusmão, Alessandro Quintanilha Machado, Soraya Bueno do Nascimento Arantes, Adolpho Camiliano Passos de Moraes Ferreira, Karina Bacciotti Carvalho, Luís Fabiano Cerqueira Cantarin, Patricia Cristina Lessa Franco, Rafael Sérgio Lima de Oliveira, Rodrigo Guimaraes Jardim, Ricardo Silveira Ribeiro, Ana Carolina de Sá Dantas, Daniel de Andrade Oliveira Barral, Leonardo Oliveira de Faria e Maria Isabel Costa].

E na conclusão do referido parecer, os referidos procuradores opinaram da seguinte forma:

V – CONCLUSÃO:1. Face ao exposto, opinamos no sentido de que: (i) deve ser considerado superado Termo de Conciliação Judicial homologado pela Justiça do Trabalho nos autos da ação civil pública nº 01082-2002-020-10-00-0, firmado entre o Ministério Público do Trabalho e a União, por força da edição da Lei nº 12.690/2012 e da Lei nº 12.349/2010 que alterou a lei 8666/93; (ii) cabe garantir às cooperativas a participação nas licitações promovidas pelo Poder Público, para qualquer gênero de serviço, operação ou atividade, desde que previsto no seu Estatuto Social, e desde que haja observância dos ditames da Lei 12.690/2012 e da Instrução Normativa nº 02/2008-SLTI/MPOG; (iii) por se tratar de relação jurídica continuada, não viola a coisa julgada a aplicação da nova legislação para as novas licitações deflagradas a partir da vigência. Vale ressaltar que as conclusões do mencionado parecer não são vinculantes, uma vez que o documento ainda não foi submetido ao crivo do Advogado-Geral da União. No entanto, não podemos nos furtar de mencioná-lo, uma vez que o opinativo é fruto de um trabalho analítico e científico de um grupo experts da mais alta envergadura, e que suas razões determinantes nada mais são do que uma interpretação lógica das Leis nº 12.690/2012 e nº 12.349/2010. 

Vale ressaltar também que não se tem notícia de se o Termo de Conciliação de 2003 foi revisto pela União, seja judicial ou extrajudicialmente junto ao Ministério Público do Trabalho (ou seja, ele está produzindo efeitos no mundo jurídico), e não se tem notícias de que há, hoje, orientação formal da União para solucionar a aparente incompatibilidade entre a legislação atual e a orientação constante do acordo (que foi firmado por autoridades públicas, com a orientação da Advocacia-Geral da União - que também firma o documento -, e onde constam inclusive penalidades para descumprimento).        

Desta forma, apesar de ressaltarmos a não-vinculação do entendimento do mencionado parecer, entendemos, do ponto de vista doutrinário, que a União deve rever urgentemente os termos do acordo celebrado, haja vista que as Leis nº 12.690/2012 e nº 12.349/2010, bem como a Instrução Normativa nº 02/2008-SLTI/MPOG, são normas válidas e vigentes, merecendo a valoração adequada pela Administração Federal.

A opção da União, ao revisar o mencionado entendimento, deve ser a de não proibir a participação destes organismos nos certames, com todos os privilégios legislativos que se lhes aplicam.

Logicamente que as licitantes a terem sua participação permitida – e com todos os benefícios que as leis lhe garantem - devem ser genuínas cooperativas de trabalho, constituídas nos exatos termos da Lei n° 12.690/2012, devendo a Administração, também, analisar com cautela suas características, especialmente quanto às diversas obrigações dos trabalhadores que executarão os serviços, para verificar se, no caso concreto, as tarefas são passíveis de execução com autonomia pelos cooperados, sem relação de subordinação e habitualidade, seja entre a sociedade cooperativa e os cooperados, e seja entre estes e a Administração - nos termos do inciso I do artigo 4° da Instrução Normativa SLTI/MPOG n° 2, de 30 de abril de 2008.

Somente desta forma restará resolvida a aparente incompatibilidade do acordo judicial celebrado pela União com o Ministério Público do Trabalho no ano de 2003 e a proteção promovida pela legislação brasileira às cooperativas.

A persistirem os efeitos desta transação, não somente se estará negando todo o aparato constitucional, legal e normativo que confere tratamento diferenciado às cooperativas, como também dificultando a existência delas na área das licitações públicas, que é um campo de atuação importante para o incentivo destes organismos, que são pautados na colaboração mútua e na valorização do ser humano enquanto fomentador do desenvolvimento da sua própria comunidade.  

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Sobre o autor
Rômulo Gabriel M. Lunelli

Procurador Federal. Especialista em Direito do Estado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LUNELLI, Rômulo Gabriel M.. Da vedação da participação de cooperativas em licitações:: aspectos legais e históricos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3941, 16 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27623. Acesso em: 21 nov. 2024.

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