Resumo: O presente artigo se propõe à análise da viabilidade jurídica da prolação de sentenças parciais de mérito durante o curso do processo, a partir do novo conceito de sentença preconizado pela Lei nº 11.232/2005 e a adoção do processo civil sincrético.
Palavras-chave: Direito processual civil. Sentença parcial de mérito. Sincretismo processual. Teoria dos capítulos da sentença. Resolução gradativa do mérito. Lei nº 11.232/2005.
1. INTRODUÇÃO
Especialmente a partir do I Pacto de Estado por um Judiciário mais rápido e republicano, implementado após a promulgação da Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, diversas alterações legislativas se sucederam no Código de Processo Civil de 1973, dentro da chamada terceira onda renovatória do processo civil.
O mandamento constitucional da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal) tornou imperiosa a busca incessante do equilíbrio entre o procedimentalismo e a efetividade jurisdicional, compreendendo a simplificação, desformalização e a democratização do processo, tendentes a alcançarem, nas palavras de Ada Pellegrini Grinover, o desiderato de um processo de resultados.[1]
Alinhada à diretriz constitucional, destaca-se, entre outras inovações, a promulgação da Lei nº 11.232, de 22 de dezembro de 2005, que unificou os processos de conhecimento e execução em um só processo sincrético, de fases cognitiva e executiva. Disso decorre a modificação do art. 162, § 1º, do CPC, cuja redação original previa ser a sentença “... o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa”.
Com efeito, o novo modelo buscou superar o caráter da sentença como ponto final da atividade cognitiva do Juiz, transmudando-a em ponte entre a certificação e a satisfação do direito da parte vencedora. Daí se justifica a nova redação do § 1º do art. 162 do CPC, dispondo que “sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei”.
Outrossim, da mesma Lei nº 11.232/2005 adveio a modificação do art. 463 do CPC, retirando-se a menção que se fazia ao “encerramento da atividade jurisdicional” com a prolação da sentença de mérito. Isso porque, de fato, proferida a sentença, o juiz não mais encerra a atividade jurisdicional, pois deverá continuar a atuar, só que agora na fase executiva.[2]
Dessarte, forçoso concluir que a Lei nº 11.232/2005 alterou a concepção da sentença como ato extintivo do processo, vislumbrando-a a partir de sua aptidão para resolver ou não o mérito da demanda.[3]
Nesse panorama, surge a indagação quanto à possibilidade de, na medida em que certificadas as pretensões do autor e do réu, materializadas nos pedidos formulados, serem prolatadas sentenças parciais ao longo do feito, bem assim os impactos de tal iniciativa sobre a organização do sistema recursal.
É dizer, quando um ou mais pedidos deixassem de ser controversos, seria possível resolver gradativamente o mérito da demanda por meio da prolação de sentenças parciais? Essa indagação é o móvel do presente artigo, cuja investigação pretende abordar os efeitos práticos das alterações operadas nos arts. 162, § 1º e 463, ambos do CPC, sobre a sentença no contexto do processo civil sincrético.
2. A CONGRUÊNCIA DA SENTENÇA AOS PEDIDOS E A TEORIA DOS CAPÍTULOS DA SENTENÇA
O estudo sobre qualquer pronunciamento judicial não pode prescindir da investigação daquilo que lhe dá base e lhe determina a amplitude: o pedido dirigido ao órgão julgador. Isso porque dimana do art. 460 do CPC ser defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado.
Em paralelo, há a possibilidade de serem cumulados, em um único processo, contra o mesmo réu, de vários pedidos, ainda que entre eles não haja conexão, conforme o art. 292 do CPC. Conquanto esses pedidos possam carregar consigo pretensões autônomas entre si, é requisito para a cumulação que entre eles haja compatibilidade; que seja competente para conhecer deles o mesmo Juízo; que seja adequado para todos o mesmo tipo de procedimento, ou, em contrário, seja seguido o procedimento ordinário. Explicam Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart que a fórmula empregada tem por escopo evitar a proliferação de demandas entre as mesmas partes, acarretando economia de tempo e dinheiro e, dessa forma, contribuindo para a realização do princípio do acesso à Justiça.[4]
Desse modo, se é possível à parte a formulação de vários pedidos dentro do mesmo processo, devendo assim a sentença pronunciar-se a respeito de todos eles, sob pena de nulidade (sentença citra petita), também é possível a cisão ideológica do pronunciamento sentencial, julgando de forma compartimentada as várias pretensões formuladas pelas partes. A esse fenômeno, a doutrina atribuiu o nome de teoria dos capítulos da sentença, a qual, segundo o ensinamento dos professores Fredie Didier Júnior, Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira[5], possui aplicabilidade nas seguintes situações:
- quando a decisão contém o julgamento de mais de uma pretensão, conforme alhures afirmado – exemplo: quando há cumulação de pedidos, sejam os formulados pelo autor na inicial, sejam os acrescidos no curso da demanda, por meio de reconvenção, denunciação da lide, pedido de declaração incidental, etc., ou ainda quando há listisconsórcio não-unitário ativo ou passivo);
- quando, não obstante haja apenas uma pretensão a ser decidida, essa pretensão (formalmente única) é decomponível, isto é, versa sobre coisas suscetíveis de contagem, medição, pesagem ou qualquer outra ordem de quantificação (como o dinheiro), caso em que também a decisão poderá ser decomposta (ex.: ação indenizatória em que se pede R$ 70.000,00; a sentença condena o réu a pagar R$ 40.000,00; pode-se dizer que há, na decisão, uma parte que julga procedente o pagamento de R$ 40.000,00 e outra que julga improcedente o pagamento de R$ 30.000,00);
- quando o juiz, independentemente da quantidade de pretensões a ser decidida, analisa, no corpo da sua decisão, questões processuais e as repele, caso em que, admitindo a viabilidade do procedimento, passa a analisar o seu objeto litigioso, seja para acolhê-lo ou rejeitá-lo, total ou parcialmente; em casos tais, é fácil perceber que este pronunciamento conterá ao menos duas partes bem distintas: uma que dispõe expressamente sobre a admissibilidade do julgamento de mérito e outra que julga o próprio mérito, acolhendo-o ou não.
Nesse aspecto, a cisão ideológica da decisão judicial em capítulos é de extrema utilidade, porquanto imprime clareza e objetividade ao conteúdo decisório, além de permitir às partes a identificação pormenorizada dos pontos em que acolhidas ou rejeitadas suas pretensões. Mas daí surge o questionamento se a teoria dos capítulos da sentença poderia justificar a prolação de sentenças parciais de mérito ao longo do processo.
Alinhando a teoria à pratica, imagine-se a seguinte situação, inspirada em exemplo extraído da obra de Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart[6]: em 10.01.2010 foi ajuizada ação indenizatória decorrente de acidente automobilístico, onde o autor postulou a condenação do réu ao pagamento de danos morais, danos emergentes e lucros cessantes. Confira-se a dinâmica do processo:
1) Tão logo oferecida a contestação, o juiz constatou serem os danos morais matéria de direito (art. 330, I, do CPC). Assim, em 10.03.2010, proferiu sentença parcial de mérito julgando procedente o pedido de indenização por danos morais.
2) Adiante, o autor demonstrou por notas fiscais os danos emergentes sofridos, com o que não concordou o réu. Assim, o Juiz, em 20.06.2011, proferiu segunda sentença parcial de mérito julgando procedente o pedido de reparação dos danos causados ao veículo do autor.
3) Por fim, quanto aos lucros cessantes, sua efetiva demonstração dependia da realização de perícia contábil, os quais não foram comprovados pelo autor ao final da diligência. Assim, em 30.09.2013 foi prolatada pelo Juiz a terceira sentença parcial de mérito julgando improcedente o pedido de indenização por lucros cessantes, último pedido pendente.
Ora, seria tal situação possível?
Embora singelo, o exemplo entremostra as diversas repercussões da fragmentação da sentença nos mais variados temas de direito processual. Basta imaginar os reflexos da prolação de duas, três ou mais sentenças dentro de um mesmo processo na distribuição de seu custo financeiro (custas processuais e honorários de sucumbência), na teoria dos recursos, na liquidação e efetivação das decisões que certificam direito a uma prestação e na própria teoria da decisão judicial.
3. A SENTENÇA COMO ATO FINAL DA FASE DE CONHECIMENTO
Deveras, quando o operador do Direito se debruça sobre o estudo dos pronunciamentos judiciais, buscando sua sistematização de acordo com a natureza jurídica de cada ato, um de seus principais escopos deve ser racionalização do sistema recursal, de modo a assegurar a segurança que se espera do direito processual.
Nesse foco, o conceito de sentença e suas nuances é tema dotado de grande relevância para o direito processual. Com base nele se saberá qual o recurso cabível, pois, de acordo com o Código de Processo Civil, da sentença cabe, em regra apelação (art. 513 do CPC) e da decisão interlocutória cabe, em regra, agravo (art 522 do CPC).
Por isso, embora seja verdadeiro afirmar que cada pedido carrega consigo uma demanda, a qual merece e necessita da devida resposta estatal, daí não se pode inferir o cabimento da prolação de sentenças parciais ao longo de um mesmo processo, tal como no exemplo alhures citado.
Isso porque, a despeito da nova redação do art. 162, § 1º, do CPC, que aboliu a previsão da sentença como ato que põe termo ao processo, a sistematicidade recursal brasileira pressupõe seja a sentença o ato final, estampado em documento único e solene, que exprime a vontade estatal certificadora do Direito em litígio. Ou seja, ainda que a sentença não mais coloque fim ao processo, ela permanece investida do caráter peremptório da fase de conhecimento, de modo que seria inconcebível a prolação de sentenças parciais ao longo de um mesmo feito.
Por outro lado, embora a redação original do art. 463 do CPC dispunha cumprido e acabado o ofício jurisdicional após a publicação da sentença de mérito, permanece a previsão pós Lei nº 11.232/2005 de que, uma vez publicada, a sentença só poderá ser alterada para a correção de inexatidões materiais ou retificação de erros de cálculo, ou, ainda, por meio de embargos de declaração, verbis:
Art. 463. Publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la: (Redação dada pela Lei nº 11.232, de 2005)
I - para Ihe corrigir, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais, ou Ihe retificar erros de cálculo;
II - por meio de embargos de declaração.
Ora, não fosse o descabimento da prolação de duas ou mais sentenças no mesmo feito, não teria a Lei nº 11.232/2005 se ocupado em elencar as restritas hipóteses nas quais é permitido ao juiz prosseguir na atividade jurisdicional de conhecimento. Afinal, a lei não contém palavras inúteis!
Mas aqui cabe uma ressalva.
O texto legal, por si só, não pode enclausurar o jurista, apartando-o da indispensável visão conglobante e contextualizada do Direito, sobretudo de acordo com os preceitos constitucionais. Mas ainda que o operador do Direito não se deve manter escravo da letra fria da lei, deve deferência ao princípio de que in claris cessat interpretatio. Ou seja, se só, somente, apenas é franqueada ao juiz a alteração da sentença nas hipóteses elencadas pelo art. 463 do CPC, remanesce obstada a pretensão do magistrado em inovar no processo, fragmentando a resolução do mérito.
E porque o operador do Direito não pode desprezar a literalidade do texto da norma, porquanto é também reverente aos advérbios da última flor do Lácio, torna-se inarredável a conclusão acerca da nulidade absoluta de eventual segunda sentença prolatada nos mesmos autos, quando fora das permissões do art. 463 do CPC.
Nesse sentido, oportuno citar a jurisprudência dos Egrégios Tribunais Regionais Federais da 1ª e 3ª Regiões, respectivamente, acerca do tema, verbis:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL. DUAS SENTENÇAS NO MESMO PROCESSO: NULIDADE DA SEGUNDA SENTENÇA. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADORA RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PROVA TESTEMUNHAL. RECONHECIMENTO. CORREÇÃO. JUROS. MULTA INCABÍVEL. 1. Remessa Oficial conhecida de ofício: inaplicabilidade do §§ 2º e 3º do artigo 475 do CPC, eis que ilíquido o direito reconhecido e não baseando em jurisprudência ou Súmula do STF ou do STJ. 2. A prolação de duas sentenças no mesmo processo caracteriza ofensa ao art. 463 do CPC, razão pela qual a segunda sentença (fls. 60/65) deve ser declarada nula, eis que carece de qualquer validade processual, visto que a prestação jurisdicional se esgotou com a publicação da primeira sentença de fls. 44/46. 3. Requisito etário: 02/10/2004 (nascimento 02/10/1949). Carência: (11 anos e 6 meses). 4. A CTPS da requerente com anotação de trabalho rural, no período de 02.06.1980 a 18.08.1980; 21.07.1995 a 12.09.1995; 01.05.1996 a 21.10.1999 e 13.07.2004, sem data de rescisão, é considerada prova plena do período nela registrado e início de prova material para o restante do período de carência. (...) 10. Apelação e Remessa oficial, parcialmente providas, nos termos dos itens 2, 7 e 8. (TRF-1-AC:20988MG 0020988-76.2010.4.01.9199, Rel. Des. Federal FRANCISCO DE ASSIS BETTI, Data: 20/08/2012, 2ª TURMA, Data de Publicação: e-DJF1 p.374 de 13/09/2012) [grifos nossos]
CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. EXISTÊNCIA DE DUAS SENTENÇAS NO MESMO PROCESSO: NULIDADE DA SEGUNDA SENTENÇA. ART. 463 DO CPC. PRÓ-LABORE. ARTIGO 3º, I, DA LEI 7.787/89. INCONSTITUCIONALIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. I - Havendo duas sentenças proferidas no mesmo processo é de ser declarada nula a segunda sentença, por ofensa ao art. 463 do CPC. (...) VI - Remessa oficial parcialmente provida. (TRF-3 - REO: 5797 SP 1999.03.99.005797-0, Relator: JUIZ CONVOCADO FERREIRA DA ROCHA, Data: 31/08/2004, 1ª TURMA) [grifos nossos]
Portanto, do confronto dos arts. 162, § 1º e 463, ambos do CPC, na redação dada pela Lei nº 11.232/2005, compreende-se que a prolação da sentença implica preclusão para o Juiz, que com ela encerra a fase processual cognitiva e descerra a execução do próprio direito declarado. Esse entendimento encontra eco nos seguintes precedentes jurisprudenciais, verbis:
APELAÇÃO CÍVEL - PROLAÇÃO DE DUAS SENTENÇAS NO MESMO PROCESSO - INADMISSIBILIDADE - NULIDADE ABSOLUTA DA SEGUNDA SENTENÇA - SENTENÇA CASSADA. Na hipótese de prolação equivocada de duas sentenças nos mesmos autos, decidindo a mesma lide, deve ser cassada a segunda sentença, por ser inteiramente nula. Preliminar de nulidade da sentença acolhida. Sentença cassada. (APC 1.0024.09.536121-8/001, Rel: Des.(a) Gutemberg da Mota e Silva , 10ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 20/08/2013, publicação da súmula em 30/08/2013) [grifo nosso]
APELAÇÃO CÍVEL - PROLAÇÃO DE DUAS SENTENÇAS NO MESMO PROCESSO - NULIDADE DA SEGUNDA - VIOLAÇÃO DO ART. 463 DO CPC.Opera-se a preclusão para o Juiz no momento da prolação da sentença, tendo em vista que tal decisão somente pode ser alterada por condições especiais, tais como as elencadas pelo art. 463 do CPC.Havendo a prolação de duas sentenças nos autos, deve ser declarada a nulidade da segunda. (APC 1.0024.11.276378-4/001, Relator(a): Des.(a) Veiga de Oliveira , 10ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 10/09/2013, publicação da súmula em 20/09/2013) [grifo nosso]
Por isso, deve ser rechaçada a possibilidade de serem proferidas duas, três, várias sentenças ao longo do mesmo processo judicial, o que só poderia acarretar gravíssimo tumulto processual, atrevendo-se contra o devido processo legal previsto no art. 5º, inciso LIV, da Constituição Federal.
4. PROBLEMAS PRÁTICOS DECORRENTES DA PROLAÇÃO DE SENTENÇAS PARCIAIS DE MÉRITO
Inicialmente, oportuno destacar que a abordagem dos problemas práticos decorrentes da prolação de sentenças parciais de mérito pressupõe a leitura do direito posto de forma clara e objetiva.
De fato, refoge aos limites deste trabalho ilações acerca do cabimento de “apelação por instrumento”, “apelação retida” ou “agravo de instrumento contra sentença”[7], institutos desprovidos de previsão legal. Com isso, almeja-se preservar o discurso jurídico antenado com o cotidiano dos operadores do Direito, no qual, embora a próxima afirmação não seja imune a críticas, exige-se a leitura e aplicação do CPC em sua literalidade, não cedendo lugar a invencionismos hermenêuticos ou divagações que possam colocar em risco os direitos das partes.
Nesse horizonte, a cisão da sentença, enquanto documento único, formal e solene, mostra-se flagrantemente incompatível com o princípio da unicidade recursal, ou unirrecorribilidade, previsto no art. 496 do CPC.
Rememorando o exemplo alhures citado (ação indenizatória decorrente de acidente automobilístico), vislumbra-se que o autor se sagrou vitorioso na primeira e na segunda sentenças, mas sucumbiu na terceira. Sendo assim, caso sufragada a possibilidade de sentenças parciais, haveria, em tese, interesse recursal na interposição de três apelações cíveis dentro do mesmo processo.
Nesse quadro, abstraindo-se o problema prático advindo da necessária subida dos autos físicos ao tribunal ad quem para o julgamento das apelações interpostas em momentos distintos, outras dificuldades ganham destaque. Ou seja, diante de sentenças autônomas, separadas por certo lapso temporal, qual seria o recurso cabível em face da primeira? E da segunda? E ainda, quais seriam os prazos para interposição de cada um? Estariam as primeiras apelações sobrestadas até o desfecho do processo? Com qual fundamento jurídico?
Além disso, a polêmica ganha novo relevo quando presente no feito a Fazenda Pública. Ora, é consabido ser condição de eficácia das sentenças condenatórias proferidas na forma do art. 475 do CPC a sujeição ao duplo grau de jurisdição obrigatório, as quais não produzem efeito senão depois de confirmadas pelo tribunal. Daí que, em havendo sentenças plúrimas, sobre qual/quais, deveria incidir o reexame necessário?
Aliás, deveras tormentoso seria o debate quanto ao valor de alçada previsto no art. 475, § 2º, do CPC, em que dispensado o recurso de ofício quando a condenação ou o direito controvertido for de valor certo não excedente a 60 salários mínimos. Em havendo três sentenças nos autos, por exemplo, surge o questionamento se a dispensa se daria em relação a cada uma delas, de per si, ou apenas em relação ao montante global controvertido.
Além do mais, sem maiores avanços no tema, oportuno registrar a complexa questão envolvendo a ação rescisória, prevista no art. 485 do CPC, diante da pluralidade de sentenças, notadamente no que tange ao dies a quo do prazo decadencial de 2 anos previsto no art. 495 do CPC.
Por esses exemplos, que não almejam exaurir o feixe de hipóteses perniciosas à marcha processual, inferem-se as dificuldades práticas de serem prolatadas sentenças fracionadas ao longo do processo, as quais se alinham à impossibilidade teórica alhures demonstrada. Certamente, um campo fértil para infindáveis debates nas já abarrotadas cortes da República...