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Justiça em números: um panorama da atividade judiciária no Brasil

03/05/2014 às 13:40
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Traça-se o panorama da atividade judiciária no Brasil, com enfoque para o baixo quantitativo de magistrados como um dos fatores preponderantes para a crise de operacionalidade do Poder Judiciário.

Resumo: O presente artigo se propõe a traçar o panorama da atividade judiciária no Brasil, com enfoque para o baixo quantitativo de magistrados como um dos fatores preponderantes para a crise de operacionalidade do Poder Judiciário.

Palavras-chave: Morosidade da justiça. Justiça em números. Conselho Nacional de Justiça - CNJ. Razoável duração do processo. Baixo quantitativo de magistrados. Direito comparado.


1.  Introdução

Conforme dispõe o art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988, nenhuma lesão ou ameaça de lesão a direito será afastada da apreciação do Poder Judiciário, traduzindo o direito fundamental dos cidadãos a buscarem a tutela dos seus direitos perante os órgãos estatais investidos da função judicante.

Todavia, a norma constitucionalmente declarada não tem sido suficiente para assegurar, no seu aspecto mais substancial, a almejada inafastabilidade da jurisdição. Isso porque, se o cidadão tem garantido o direito de ingressar com sua demanda em juízo, nem sempre tem a certeza de que obterá, em tempo hábil, um provimento capaz de solucionar o litígio. A morosidade do trâmite processual acaba por impedir, por via oblíqua, o acesso do cidadão ao Poder Judiciário.

Sendo assim, para que se possa ter uma visão do contexto no qual se insere a crise na tramitação dos processos, o presente artigo se propõe a traçar o panorama da atividade judiciária no Brasil, com enfoque para o baixo quantitativo de magistrados como um dos fatores preponderantes para a morosidade da justiça.


2.  A Crise de Credibilidade do Poder Judiciário

Na visão do ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Velloso[1], a morosidade da Justiça é o seu mal maior, situação que, segundo pontua, leva alguns doutrinadores a afirmarem até mesmo o seu total esclerosamento.

Para Maury R. de Macedo[2], a crise do Poder Judiciário, inicialmente denominada crise do recurso extraordinário, começou por volta de 1926, há quase 90 anos, caracterizando-se pela perpetuação abusiva do trâmite processual, sendo “fomentada a cada instante pela crescente demanda de jurisdição e pela nefasta atividade do litigante de má-fé.”

No entendimento de Sílvio Nazareno Costa, o acúmulo de processos nos fóruns e tribunais, assim como o generoso número de recursos interpostos contra as decisões judiciárias, passou a ser o maior entrave à efetividade e à celeridade processual, gerando descrédito por parte da população nas instituições judiciárias. Nas palavras do autor:

Uma das razões do descrédito social que atinge o Judiciário é sua reconhecida lentidão. Quando alguém leva sua causa ao Juiz, espera dele uma solução definitiva. Se não imediata – porque todos sabem que isso seria impossível – pelo menos com pouca demora.[3]   

Pelo exposto, percebe-se que a morosidade da justiça atinge frontalmente o direito do cidadão à prestação jurisdicional, na medida em que este pressupõe o direito a uma decisão tempestiva, efetiva e justa, predicados sem os quais não é politicamente legítimo o sistema processual de um país. O verdadeiro acesso à ordem jurídica justa desqualifica a justiça tardia, que nega o próprio acesso à justiça. Por essa razão, Cândido Rangel Dinamarco salienta que:

O direito moderno não se satisfaz com a garantia da ação como tal e por isso é que procura extrair da formal garantia desta algo de substancial e mais profundo. O que importa não é oferecer ingresso em juízo, ou mesmo julgamento de mérito. Indispensável é que, além de reduzir os resíduos de conflitos não jurisdicionalizáveis, possa o sistema processual oferecer aos litigantes resultados justos e efetivos, capazes de reverter situações injustas. Tal é a idéia de efetividade da tutela jurisdicional, coincidente com a plenitude do acesso à justiça e a do processo civil de resultados.[4]

A lentidão e a ineficiência da justiça impedem a solução do processo em tempo capaz de prevenir distúrbios sociais, o que, alinhado à descrença na atuação do Poder Judiciário, gerada pela perda de credibilidade perante a população, ocasiona a busca por meios inidôneos de resolução dos conflitos de interesses, principalmente com o retorno à auto-tutela. Preocupada com esse tipo de conseqüência, Daniele Comin Martins afirma que:

Podemos dizer que o decréscimo de eficiência e operosidade que se exige para a satisfação da sociedade mostra a insuficiência do Estado na prestação jurisdicional, incentivando-se o descumprimento de leis e gerando o surgimento de formas extrajudiciais e paraestatais na solução dos litígios, com retorno às Leis de Talião.[5]

E essa perda de credibilidade se reflete em números. Em pesquisa realizada pelo Centro Universitário do Distrito Federal – UDF, concluída no ano de 2008, intitulada “Morosidade da Justiça”, sob a coordenação do Professor João Guilherme de Lima Assafim[6], apurou-se que a maioria dos entrevistados (64%) considera o processo judiciário brasileiro moroso.

Interessante aspecto abordado pela pesquisa refere-se ao seguinte: se o processo judiciário é considerado moroso, qual seria, na opinião dos entrevistados, o lapso temporal ideal para a tramitação dos feitos até a sentença judicial?

Ou melhor, para se atender ao disposto no art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, qual seria o tempo razoável de duração do processo, em primeira instância e nas instâncias superiores? Para 74% dos entrevistados a decisão em primeira instância deveria ser prolatada em menos de 1 ano; por sua vez, 20% consideram razoável o prazo entre 1 e 2 anos; e, finalmente, 3% dos entrevistados apontam 2 a 4 anos como prazo aceitável para a conclusão do processo.

Além disso, a pesquisa abordou o lapso temporal considerado razoável para a conclusão do trâmite processual, até seu trânsito em julgado. Neste viés, 48% dos entrevistados recomendaram o prazo ente 1 e 2 anos; 35% indicaram a quadra entre 2 a 4 anos; 11% sugeriram o encerramento do feito em menos de 1 ano; por último, 3% dos entrevistados afirmaram considerar razoável o prazo entre 4 a 10 anos para a decisão final, após esgotados todos os recursos cabíveis.

Todavia, a observação prática permite verificar que os anseios da população parecem estar longe de serem atendidos pela realidade judiciária brasileira. Daí ser urgente enfrentar o problema da lentidão da máquina judiciária com medidas efetivas, as quais possam dotar o processo de maior rapidez e efetividade em sua conclusão. A crença generalizada na inutilidade da defesa dos direitos perante o Poder Judiciário é situação grave e inadmissível no Estado de Direito, exigindo do legislador atuação eficaz no combate à crise.


3.  Panorama da Atividade Judiciária no Brasil

Várias são as causas apontadas como determinantes da morosidade judicial. Dentre outras, é possível apontar o crescimento populacional experimentado pelo Brasil nas últimas décadas, desacompanhado do incremento da estrutura judiciária em ritmo capaz de fazer frente à demanda; a desenfreada produção legislativa do Estado, porquanto geradora de insegurança jurídica e, via de consequência, acarretando a incessante busca pela jurisdição; ao lado disso, o uso abusivo de recursos por parte do Poder Público, na chamada resistência ilegítima do Estado em cumprir as determinações judiciais, o que gera a multiplicação do número de processos em andamento nos fóruns e tribunais do país, contribuindo para a morosidade no andamento dos feitos.

Todavia, no que pertine aos limites e objetivos deste artigo, será abordada tão somente a insuficiência do aparelhamento judiciário como fator determinante da crise, de modo a fornecer ao leitor a leitura de acordo com as estatísticas anualmente elaboradas pelo Conselho Nacional de Justiça, comparando-as ainda aos números de países desenvolvidos.

Nesse sentido, para o Ministro Carlos Velloso[7], existem duas causas principais para a morosidade da tramitação processual, quais sejam, o desaparelhamento dos órgãos judiciários, principalmente dos órgãos de primeiro grau, e o excessivo formalismo que decorre das normas procedimentais vigentes. O primeiro problema caracteriza-se, entre outros, pelo reduzido número de juízes em face da crescente distribuição de processos, bem como pela má qualidade do apoio administrativo destinado aos magistrados. Já o segundo refere-se ao excessivo formalismo decorrente das normas procedimentais brasileiras, fomentando não só a burocratização do judiciário, mas também favorecendo a chicana processual.

De fato, o deficiente número de juízes, alinhado aos milhares de cargos vagos da magistratura, demonstra a insuficiência do aparelhamento judiciário, principalmente quando comparado aos números dos países desenvolvidos.

Lastreado em pesquisa realizada em 1998, Sílvio Nazareno Costa[8] nos traz o índice de juízes por habitante em países desenvolvidos, comparando-os com os números brasileiros: Alemanha – 1 juiz para 3.500 habitantes; França – 1 para 5.600; Estados Unidos – 1 para 9.000; Brasil – 1 para 23.090.

Os números se tornam ainda mais dramáticos quando apurada a realidade da Justiça Federal. Segundo relatório realizado em 2013 pelo Conselho Nacional de Justiça, intitulado “Justiça em Números”[9], cujo objeto era a apuração das estatísticas de operacionalidade do Poder Judiciário nas Justiças Federal, Trabalhista e Estadual, a Justiça Federal em todo o Brasil conta com a força de trabalho de 1.714 juízes federais, do que decorre o índice de 1 juiz federal para 111.239 habitantes.[10]

Por outro lado, em melhor proporção do que a apurada na Justiça Federal, mas com dados ainda preocupantes, apurou o Conselho Nacional de Justiça que a Justiça Estadual, somando-se os magistrados de todas as unidades da federação, conta com 11.960 Juízes de Direito, perfazendo a média de 1 juiz estadual para cada 15.947 habitantes.

Nesse sentido, os elementos fornecidos pelo CNJ, nos quais se englobam ainda os números da Justiça do Trabalho, indicaram a média 8,70 juízes para cada grupo de 100.000 habitantes no Brasil. Este número contrasta, por exemplo, com a média de 17,4 juízes para 100.000 habitantes na União Europeia.[11]

Mesmo com a disparidade apurada, é imperioso reconhecer a qualidade da justiça depende da concorrência de outros fatores, não somente do aumento do número de magistrados.[12] Como consabido, o juiz é um ator que não atua sozinho no processo judicial, dependendo de corpo de servidores habilitados, capacitados e ágeis no andamento processual, sendo imprescindível, portanto, uma boa gestão de recursos humanos nos tribunais. Além disso, inegável que os avanços tecnológicos exigem o incremento de medidas logísticas tendentes ao incremento da celeridade na tramitação nos feitos, frisando-se o advento do processo eletrônico, do que decorre a perene necessidade de investimentos em recursos modernos de tecnologia e informática.


4.  Conclusão

Com base nos dados apontados, ainda que a carência de juízes não seja fator determinante exclusivo da morosidade do trâmite processual, ao qual se aliam o aumento no quantitativo de demandas, a maior conscientização da população acerca de seus direitos e, também, os emaranhados de um processo civil anacrônico e fomentador da indústria dos recursos, os números apurados pelo CNJ são suficientes para demonstrar a carência no número de magistrados para fazer frente à demanda de um país que caminha para os 200 milhões de habitantes em poucos anos.

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Portanto, além de uma vigorosa reforma processual, que se anseia prenunciada pela tramitação do projeto de lei do Novo Código de Processo Civil, faz-se imperioso o incremento da máquina judiciária para atender ao crescente volume processual que lhe é levado. Não se pode pretender que uma mesma estrutura seja capaz de fazer frente ao aumento da busca do cidadão pela prestação jurisdicional. Sem sombra de dúvidas, o aumento do número de juízes mostra-se como uma das medidas cabíveis para evitar o colapso da máquina, mesmo sabendo que, sozinha, não terá o condão de resolver a crise instalada.


5.  Bibliografia

ASSAFIM, João Guilherme de Lima. Morosidade da Justiça. Disponível em: <http://www.portalunicsul.com.br/udf/downloads/pesquisas_juridicas>. Acesso em: 20 out. 2013.

BRASIL. Constituição (1988). Diário Oficial [da] República federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03>. Acesso em: 28 out. 2013.

BRASIL. Lei nº 5.869 de 11 de janeiro de 1973. Diário Oficial [da] República federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 17 jan. 1973. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/5869.htm>. Acesso em: 02 nov. 2013.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números. Brasília, 2013. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/pesquisas-judiciarias/Publicacoes/relatorio_jn2013.pdf>. Acesso em: 10 fev. 2014.

COSTA, Sílvio Nazareno. Súmula vinculante e reforma do judiciário. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 4. ed., São Paulo: Malheiros, 2001.

MACEDO, Maury R. de. A crise do poder judiciário brasileiro. Rio de Janeiro: Folha Carioca, 2001.

MARTINS, Daniele Comin. Morosidade da justiça: causas e soluções. In: SZKLAROWSKY, Leon Frejda (Coord). Morosidade da justiça. Brasília: Consulex, 2001.

SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. Atualização de Aricê Moacyr Amaral Santos. 19. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2000. v. 3.

VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Temas de direito público. Belo Horizonte: Del Rey, 1993.

WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Breves comentários à nova sistemática processual civil 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.


Notas

[1] VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Temas de direito público. Belo Horizonte: Del Rey, 1993, p. 57.

[2] MACEDO, Maury R. de. A crise do poder judiciário brasileiro. Rio de Janeiro: Folha Carioca, 2001, p. 12.

[3] COSTA, Sílvio Nazareno. Súmula vinculante e reforma do judiciário. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 38.

[4] DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 4. ed., São Paulo: Malheiros, 2001, p. 798.

[5] MARTINS, Daniele Comin. Morosidade da justiça: causas e soluções. In: SZKLAROWSKY, Leon Frejda (Coord). Morosidade da justiça. Brasília: Consulex, 2001, p. 53.

[6] ASSAFIM, João Guilherme de Lima. Morosidade da Justiça. Disponível em: <http://beta.udf.edu.br/downloads/pesquisas_juridicas/morosidade_da%20_justica.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2014.

[7] VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Temas de direito público. Belo Horizonte: Del Rey, 1993, p. 57-58.

[8] COSTA, Sílvio Nazareno. Súmula vinculante e reforma do judiciário. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 53.

[9] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números. Brasília, 2013. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/pesquisas-judiciarias/Publicacoes/relatorio_jn2013.pdf>. Acesso em: 10 fev. 2014.

[10] As estatísticas contidas neste trabalho consideram a população brasileira formada por 190.732.694 pessoas, segundo dados colhidos pelo Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE e não leva em conta eventuais questões atinentes à distribuição territorial dos magistrados por todo o Brasil.

[11] Justiça em números: uma análise comparativa entre os sistemas judiciais brasileiro e de países europeus. Revista Democracia Digital e Governo Eletrônico. Curitiba, Janeiro de 2013. Disponível em: <http://buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/observatoriodoegov/article/download/34234/33117>. Acesso em 10 fev. 2014.

[12] Basta verificar, por exemplo, os números dos Estados Unidos da América, cuja média de magistrados por habitante é de 9 para cada 100.000, segundo apontado pelo cientista político Eduardo Graeff, em artigo publicado na mídia eletrônica do Jornal Folha de São Paulo, disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0307200809.htm>. Acesso em 10 fev. 2014.

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Sobre o autor
Danilo Moreira Nascimento

Defensor Público Federal. Procurador Federal (2011-2014). Analista Judiciário do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios e membro da Assessoria do Desembargador José Cruz Macedo (2009-2011). Bacharel em Direito pelo Centro Universitário do Distrito Federal – UDF. Pós-graduado em "Ordem Jurídica e Ministério Público" pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios – FESMPDFT.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NASCIMENTO, Danilo Moreira. Justiça em números: um panorama da atividade judiciária no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3958, 3 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27652. Acesso em: 22 dez. 2024.

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