Artigo Destaque dos editores

Bem comum e interesse público.

Uma análise a partir da noção de moralidade política em Nicolau Maquiavel

Exibindo página 3 de 3
Leia nesta página:

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A relação entre os conceitos de bem comum e interesse público, pela via da noção de moralidade política proposta por Nicolau Maquiavel, oportuniza uma ampla reflexão acerca da ação política e da legitimação dos governos. Vive-se uma era de transformação política, econômica e social, interligada sob os contornos da chamada pós-modernidade. A introspecção do sujeito - com o retorno a si mesmo – desponta como relevante ponto de análise.

Isso porque esta mesma sociedade pós-moderna exige do governante um comportamento balizado na eficiência de sua prática política. Como visto, a pós-modernidade não exige a solidificação de governos por meio da maximização do poder. Pelo contrário, a maximização deste poder pode tornar verdadeiro o fantasma do fascismo.

Dessa forma, a sociedade pós-moderna elenca como critérios definidores de um bom governo a prestação de serviços de qualidade e essenciais à ordem econômica e social. Afirma-se, portanto, o postulado da eficiência administrativa nos Estados contemporâneos (pós-modernidade).

A necessidade de eficiência governamental, tão decantada pela doutrina nacional e presente na matriz constitucional, é própria do dever do Estado em promover o interesse coletivo. Nota-se, todavia, uma dificuldade extrema na efetiva cobrança deste dever de eficiência por parte do Estado.

Por certo, a noção de bem comum proposta pelo Secretário Florentino aproxima-se da noção de interesse público do Direito Administrativo Brasileiro, sob o elo vinculativo da ideia de moralidade política.

Se na época de Nicolau os fins do Estado estavam ligados ao fortalecimento do poder central do Estado, mormente se considerar que a Itália era um mosaico desunido de cidades, atualmente o fim do Estado está ligado ao desenvolvimento de uma sociedade mais justa e fraterna, onde exista o respeito pelas minorias e a prática eficiente da gestão pública.

O certo é que a política não pode ser considerada como o "circo de horrores". Deve sim ser recuperada e fortalecida como o lugar dos grandes homens e das práticas voltadas à persecução do bem comum e do interesse público.


REFERÊNCIAS

AMES, José Luiz. Maquiavel: a lógica da ação política. Disponível em: <http://libdigi.unicamp.br/document/?code=vtls000276981>. Acesso em: 29 de out. 2009.

BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. A noção jurídica de interesse público no Direito Administrativo brasileiro. In: BACCELAR FILHO, Romeu Felipe (org.). Direito Administrativo e Interesse Público: estudos em homenagem ao Professor Celso Antônio Bandeira de Mello. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 89-116.

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

BOBBIO, Norberto. Teoria das formas de governo. Tradução de Sérgio Bath. 2. ed. Brasília: Edunb, 1980.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 27.08.2013.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Administrativo e Constitucional - Acesso à creche aos menores de zero a seis anos - Direito subjetivo - Reserva do possível - Teorização e cabimento - Impossibilidade de arguição como tese abastrata de defesa - Escassez de recursos como o resultado de uma decisão política - Prioridade dos direitos fundamentais - Conteúdo do mínimo existencial - Essencialidade do direito à educação - Precedentes do STF e STJ. Acórdão em recurso especial n. 1.185.474/SC. Município de Criciúma e Ministério Público do Estado de Santa Catarina. Relator: Ministro Humberto Martins. DJe, 29 abril. 2010. Disponível em: < https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201000486284&dt_publicacao=29/04/2010>. Acesso em: 27.08.2013.

CARVALHO FILHO. José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24. ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011.

DE GRAZIA, Sebastian. Maquiavel no inferno. Tradução de Denise Bottman. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Interesse Público. Revista do Ministério Público do Trabalho da 2ª Região, n. 1, 1995.

HALE, J. R. Maquiavel e a Itália da Renascença. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1963.

JUSTEN FILHO, Curso de Direito Administrativo. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

LARIVAILLE, Paul. A Itália no tempo de Maquiavel: Florença e Roma. Tradução de Jônatas Batista Neto. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.

MAQUIAVEL, Nicolau. Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio. Tradução de Sérgio Bath. 5. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2008.

MAQUIAVEL, Nicolau. Escritos Políticos e A Arte da Guerra. Tradução de Jean Melville. São Paulo: Martin Claret, 2005.

MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Tradução de Olívia Bauduh. São Paulo: Nova Cultural, 2004.

MARTEL, Letícia de Campos Velho. O tempo e a política no pensamento de Maquiavel. In: WOLKMER, Antonio Carlos (org.). Introdução à história do pensamento político. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

MOUNIN. Georges. Maquiavel. Lisboa: Edições 70, 1984.

RIDOLFI. Roberto. Biografia de Nicolau Maquiavel. Tradução de Nelson Canabarro. São Paulo: Musa Editora, 2003.

RODRIGO, Lídia Maria. O imaginário do poder e o poder do imaginário em Maquiavel. Disponível em: <http://libdigi.unicamp.br/document/?code=vtls000115771>. Acesso em: 29 de out. 2009.

SADEK, Maria Tereza. Nicolau Maquiavel: o cidadão sem fortuna, o intelectual de virtú. In: WEFFORT, Francisco C. (org.). Os clássicos da política. 14. ed. São Paulo: Ática, 2006.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. Tradução de Renato Janine Ribeiro e Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

TOURAINE, Alain. Um novo paradigma: para compreender o mundo de hoje. Tradução de Gentil Avelino Titton. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2007.

VIROLI, Maurizio. O sorriso de Nicolau: história de Maquiavel. Tradução de Valéria Pereira da Silva. São Paulo: Estação Liberdade, 2002.


Notas

  1. Nicolau foi eleito e chancelado para ocupar o cargo de Secretário da Segunda Chancelaria em 1498. Passados um mês de atividade na Segunda Chancelaria, Nicolau é nomeado para ocupar, cumulativamente, a Secretaria do Conselho dos Dez. Para Ridolfi (2003, p. 31), o cargo de Secretário da Segunda Chancelaria era importante, sendo que Mounin (1984, p. 13) acrescenta que referido cargo contava "[...] com poderes delegados de administração muito extensos, cobrindo os Ministérios da Guerra, do Interior e, em parte, dos Negócios Estrangeiros". A competência de Nicolau no cargo de Secretária da Segunda Chancelaria foi tanta, que afirma De Grazia (1993, p. 26): "Quando o vemos pela primeira vez nesse posto, ele parece ter uma preparação perfeita. Ocupa o lugar de um homem de experiêcnia, sabe lavrar documentos na terminologia jurídica, utiliza abreviaturas e expressões corretas, redige cartas, prepara relatórios".

  2. Segundo Ridolfi (2003, p. 20), "[...] além dos comediógrafos que traduziu, transcreveu ou imitou, também se ocupou de poetas, e não só dos mais conhecidos e mais lidos: é particularmente bom sabê-lo apaixonado por Dante, transcritos de Lucrécio, e que foi considerado o mais influenciado por Dante entre os poetas latinos. Conheceu e utilizou muitos escritores gregos por meio das traduções latinas manuscritas e impressas que circulavam, de Platão a Aristóteles, de Xenofonte a Herodiano [chamado de O Gramático, filho de Apolônio Discolo, séc. II. N. do T.], de Tucídides a Políbio".

    Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
    Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos
  3. É do abismo de como se vive e como se deveria viver, conforme Skinner (1996, p. 155), que provém a tese de Nicolau.

  4. Nicolau não renega a moral cristã. Apenas a considera inapropriada para a ação política.

  5. César Bórgia é filho do Cardeal Rodrigo Bórgia, ou melhor, do Papa Alexandre VI, fruto de um romance público com Vanozza de Cataneis. Sobre César Bórgia, Larivaille (1988, p. 53-54) afirma que após o casamento com Charlotte d'Albret (irmã do rei de Navarra e parente do rei da França, Luís XII), "torna-se a ponta-de-lança e, até certo ponto, o instigador da política hegemônica do pai. Alexandre VI destituiu os senhores de Rimini, Pesaro, Imola, Forlì, Urbino e Camerino de seus feudos pelo não-pagamento das taxas devidas à Igreja, e logo César parte em campanha à frente de tropas cedidas pelo rei da França. De novembro de 1499 a janeiro de 1500, ele conquista Imola e Forlì. Entre outubro de 1500 e abril de 1501, então agraciado com o título de gonfaloneiro da Igreja, ele conquista Pesaro, Rimini e Faenza. Nomeado duque da Romagna pelo papa, ele parte novamente em 1502 para o assalto a Urbino e depois a Camerino. Então, aproveitando-se de uma de suas viagens a Milão, seus principais lugar-tenentes conjuram contra ele, temendo não sem razão serem eles mesmos as vítimas da fome insaciável do seu senhor. Mas este último, com uma habilidade que provoca a admiração de Maquiavel, consegue dividir os conjurados e cercá-los, antes de atraí-los para uma armadilha que porá fim à vida deles. Daí por diante o poderio de César se impõe em toda a parte por onde passa, e pode-se considerar que a totalidade do território pontifical está sob sua autoridade quando, a 18 de agosto de 1503, seu pai morre, enquanto ele, gravemente doente, se encontra constrangido à inação".

  6. "O bem comum é algo tão evidente para Niccolò que ele nunca se dá ao trabalho de especificá-lo." (De Grazia, 1993, p; 186).

  7. Trata-se de um projeto de reforma das ordenações políticas de Florença, encomendado a Nicolau pelo Cardeal Giulio de Médici e que seria apresentado ao Papa Leão X.

  8. Obra vencedora do Prêmio Pullitzer de 1989.

  9. Rômulo partilhava o trono de Roma com Tito Tácio, rei dos Sabinos.

  10. Registre-se que, muito menos, o interesse público irá confundir-se com o interesse do Administrador Público. Neste sentido, cabe lançar mão das palavras de Bacellar Filho (2010, p. 94): "É curial, também, investigar até que ponto o interesse público não se confunde, na prática, com o interesse do administrador que, fugazmente, encontra-se no exercício do poder". Aqui está, portanto, a imperiosa necessidade de bem definir o que seja interesse público.

  11. Neste sentido já firmou entendimento o Superior Tribunal de Justiça: "[...] Isso, porque a democracia não se restringe na vontade da maioria. O princípio do majoritário é apenas um instrumento no processo democrático, mas este não se resume àquele. Democracia é, além da vontade da maioria, a realização dos direitos fundamentais. Só haverá democracia real onde houver liberdade de expressão, pluralismo político, acesso à informação, à educação, inviolabilidade da intimidade, o respeito às minorias e às ideias minoritárias etc. Tais valores não pode ser malferidos, ainda que seja a vontade da maioria. Caso contrário, se estará usando da 'democracia' para extinguir a Democracia" (REsp 1.185.474/SC, 2. T., Rel. Min. Humberto Martins, j. 20.04.2010, DJe 29.04.2010).

  12. Especialmente em uma sociedade pós-moderna onde a velocidade e diversidade da informação é patente, o que pode levar a uma confusão teórico-prática por parte da população.

Assuntos relacionados
Sobre os autores
José Sérgio da Silva Cristóvam

Professor Adjunto de Direito Administrativo (Graduação, Mestrado e Doutorado) da UFSC. Subcoordenador do PPGD/UFSC. Doutor em Direito Administrativo pela UFSC (2014), com estágio de Doutoramento Sanduíche junto à Universidade de Lisboa – Portugal (2012). Mestre em Direito Constitucional pela UFSC (2005). Membro fundador e Presidente do Instituto Catarinense de Direito Público (ICDP). Membro fundador e Diretor Acadêmico do Instituto de Direito Administrativo de Santa Catarina (IDASC). ex-Conselheiro Federal da OAB/SC. Presidente da Comissão Especial de Direito Administrativo da OAB Nacional. Membro da Rede de Pesquisa em Direito Administrativo Social (REDAS). Coordenador do Grupo de Estudos em Direito Público do CCJ/UFSC (GEDIP/CCJ/UFSC).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CRISTÓVAM, José Sérgio Silva ; KAESTNER, Roberto Nasato. Bem comum e interesse público.: Uma análise a partir da noção de moralidade política em Nicolau Maquiavel. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3940, 15 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27717. Acesso em: 4 nov. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos