A responsabilidade civil das concessionárias de serviço público

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4) A RESPONSABILIDADE CIVIL DAS CONCESSIONÁRIAS DE SERVIÇO PÚBLICO

Conforme foi discutido na seção 3, o preceito constitucional permite a prestação de serviços públicos sob regime de concessão ou permissão, cabendo a estas entidades de regime jurídico de direito privado prestar o serviço de forma eficiente e compatível com os princípios e regras do direito público. Dessa forma, o descumprimento das obrigações contratuais pela concessionária gera responsabilidade direta com relação a terceiros, visto que nos contratos administrativos, em atendimento a Lei Federal 8987/1995, mas precisamente no seu art. 25, é expressa a responsabilidade da concessionária em responder pelos danos e prejuízos em que o usuário, terceiros ou o Poder Concedente sofrerem, conforme se observa no seu enunciado, que diz que “incumbe à concessionária a execução do serviço concedido, cabendo-lhe responder por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários ou a terceiros, sem que a fiscalização exercida pelo órgão competente exclua ou atenue essa responsabilidade”. Tal previsão legal está condizente com a Constituição Federal de 1988, em que seu art. 37, § 6º, dispõe que: “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado, prestadoras de serviços públicos, responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.

Analisando o ordenamento jurídico é possível extrair que o legislador optou por atribuir responsabilidade civil objetiva pelos danos causados a terceiros pela concessionária, aplicando a teoria do risco administrativo. Tal teoria não leva em consideração o aspecto da culpabilidade, bastando a comprovação de dano efetivo e o nexo de causalidade entre o dano e o ato ilícito cometido pelo agente estatal, admitido o direito de regresso contra o autor do dano que age com dolo ou culpa. Caberá, portanto, a concessionária, para mitigação ou extinção da sua responsabilidade, o ônus da prova de que dano foi culpa exclusiva do usuário, do terceiro ou do Poder Concedente. No entanto, esta teoria considera as causas de excludentes de responsabilidade, como a culpa da vítima, de terceiros ou de força maior. Dessa forma, segundo GREGÓRIO (2006, p. 309) “em face da ocorrência de uma das causas excludentes, rompendo-se o nexo causal entre o ato lesivo e o efetivo dano, será descaracterizada a responsabilidade objetiva em razão da não-configuração desse elemento intrínseco”, o que demonstra que a responsabilidade objetiva das concessionárias não é absoluta.

Na jurisprudência brasileira a responsabilidade civil das concessionárias de serviço público foi tema de debate no Supremo Tribunal Federal, primeiramente, no Recurso extraordinário n° 262651/SP cujo Relator foi o Ministro Carlos Velloso, em que se diferenciavam as formas de atribuição de responsabilidade das concessionárias de serviço público perante os usuários e terceiros, atribuindo o seguinte:

as concessionárias só seguem a regra do art. 37, §6º da Constituição Federal quando o lesado for usuário do serviço público, nos casos em que o prejudicado não for usuário, haveria a necessidade de perquirição de culpa. Em outras palavras, a responsabilidade das concessionárias de serviço público só seria objetiva frente aos seus usuários, uma vez que, relativamente a terceiros, a sua responsabilização dependeria da verificação da culpa. (MONTEIRO, p. 7935)

Tal entendimento era visivelmente forçoso na medida em que o texto constitucional não atribuía qualquer diferenciação do sujeito passivo do dano. Conforme ensinamento do Professor Celso Antônio Bandeira de Mello (apud MONTEIRO, p. 7935-7936), “o que importa, é que a atuação danosa haja ocorrido enquanto a pessoa está atuando sob a titulação de prestadora de serviço público, o que exclui apenas os negócios para cujo desempenho não seja necessária a qualidade de prestadora de serviço público”.

No entanto, em julgado de 2009, referente ao RE 591874/MS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, o STF alterou a jurisprudência sobre a matéria, entendendo que não era possível restringir o alcance da norma constitucional, com a justificativa que o artigo 37, § 6º da CF/88 aloca a responsabilização civil objetiva as pessoas jurídicas de direito privado em relação aos danos causados a terceiros, não sendo possível limitar a expressão às pessoas que estivessem na qualidade de usuários, pautada no princípio da isonomia, firmando-se a Corte Constitucional que haverá responsabilidade mesmo que o dano tenha sido provocado a um terceiro que não se figure na qualidade de usuário daquele serviço. Salientou-se também que:

o entendimento de que apenas os terceiros usuários do serviço gozariam de proteção constitucional decorrente da responsabilidade objetiva do Estado, por terem o direito subjetivo de receber um serviço adequado, contrapor-se-ia à própria natureza do serviço público, que, por definição, tem caráter geral, estendendo-se, indistintamente, a todos os cidadãos, beneficiários diretos ou indiretos da ação estatal. (STF. RE 591874/MS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 26.8.2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em 18 dez 2012)

Convêm salientar, conforme lição de José Cretella Júnior (2000, p. 717), que a responsabilidade civil da concessionária é direta, recaindo sobre o seu patrimônio próprio, não incidindo sobre o Poder Concedente dado que “o serviço público, embora executado de maneira indireta, conserva o seu caráter. O concessionário a quem cabem os riscos da exploração, e não o poder concedente, é que se torna responsável pelos danos causados ao particular”. Da impossibilidade financeira de pagamento por parte da concessionária em face de terceiros prejudicados, o Estado responderá de forma subsidiária somente quando o dano for decorrente da execução do serviço público e não estranho a esta, uma vez que o dano só ocorreu devido a transferência da prestação do serviço público para o privado, conforme dispõe Celso Antônio Bandeira de Mello (2006, p. 363):

"Pode dar-se o fato de o concessionário responsável por comportamento danoso vir a encontrar-se em situação de insolvência. Uma vez que exercia atividade estatal, conquanto por sua conta e risco, poderá ter lesado terceiros por força do próprio exercício da atividade que o Estado lhe pôs em mãos. Isto é, os prejuízos que causar poderão ter derivado diretamente do exercício de um poder cuja utilização só lhe foi possível por investidura estatal. Neste caso, parece indubitável que o Estado terá que arcar com os ônus daí provenientes. Pode-se, então, falar em responsabilidade subsidiária (não solidária) existente em certos casos, isto é, naqueles – como se expôs – em que os gravames suportados por terceiros hajam procedido do exercício, pelo concessionário, de uma atividade que envolveu poderes especificamente do Estado”.

No entanto, alguns doutrinadores alegam ser possível que o Estado tenha responsabilidade solidária as concessionárias quando o dano decorrer de omissão da fiscalização da concessão ou ainda, quando existir uma má atuação no processo de licitação da prestadora de serviço público, bastando a demonstração do nexo de causalidade entre a falha na escolha ou na ação de fiscalização e o dano (CAHALI, p. 278). Existem decisões neste sentido, como o RT 445/844, em que a falha de fiscalização do Poder Concedente caracteriza-se como omissão que gera a responsabilidade civil do Estado.


5) CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Constituição Federal de 1988 no seu art. 37, § 6º, e demais normas que regulamentam este dispositivo, dispõe expressamente sobre a responsabilidade objetiva do Estado e, consequentemente, das pessoas jurídicas de direito público e de direito privado prestadoras de serviço público, adotando a Teoria do Risco Administrativo. Precisamente sobre as concessionárias do serviço público, com a transferência da execução de serviço público de competência estatal se transfere também a maior parte dos riscos inerentes a atividade relativa a concessão. Dessa forma, caberá a estas concessionárias a responsabilidade objetiva quando da ocorrência do dano efetivo, observado a existência de nexo de causalidade entre este e o ato ilícito praticado pelos agentes, independente da existência de culpabilidade.

Muito se discutiu no STF sobre a abrangência deste dispositivo acerca da vítima que sofresse o dano, diferenciando em um primeiro momento o tipo de responsabilidade civil da concessionária que incidiria sobre os usuários, que seria objetiva, e de terceiros, que seria subjetiva. Porém, a própria corte reformou seu entendimento e reconheceu que o constituinte não fez qualquer distinção justamente porque considerava a responsabilidade civil objetiva para a prestadora de serviço público tanto para o usuário quanto para terceiros. O que de fato era visivelmente extraível do texto constitucional, não cabendo ao judiciário uma interpretação restritiva da norma.

Outro ponto importante do tema é a discussão quanto a responsabilidade do ente estatal ser subsidiária ou solidária, o que não é tão pacífico na doutrina, uma vez que alguns defendem que será subsidiária, mas especificamente quando a concessionária não puder arcar os prejuízos causados pelo dano a vítima, e outros acreditam ser solidária, dado que cabe ao poder concedente regular o contrato administrativo, exercendo de forma proba seu papel de agente fiscalizador, além de realizar um procedimento licitatório eficaz, atraindo empresas sérias para assumir a concessão.


REFERÊNCIAS

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Notas

[1] Tal afirmativa, contudo, vai contra aquilo que Carl Schmitt defende. Para ele, aquele que detém o poder soberano jamais se submete as amarras do texto legal. Ver SCHMITT, Carl.

[2] Obviamente o conceito de ultra vires diz respeito não a um excesso em relação a algo dado, mas sim, pensando na etimologia da palavra, em um ato que, pelo seu excesso de poder, remove aquilo antiquado e instaura o novo.

[3] Ou seja, contrapondo a idéia de risco fruído, defendida por Alvino Lima, por exemplo. Ver Culpa e Risco, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 198. Segundo Caio Mário Pereira da Silva, basta apenas o risco como configurador da responsabilidade do agente, não sendo necessária a aferição de vantagens auferidas pelo agente criador do risco.

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Sobre os autores
Danuza Aparecida de Paiva

Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental no Estado de Minas Gerais. Mestre em Direito Administrativo pela Universidade Federal de Minas (10/2022). Graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (12/2013) e em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro (07/2011).

Thiago Ferreira Almeida

Advogado e especialista em políticas públicas da Parcerias Público-Privadas Unidade Central de Minas Gerais Governo, Brasil.<br><br>Mestre em Direito Internacional na Universidade Federal de Minas Gerais. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais e de Administração Pública da Fundação João Pinheiro. Especialização em Economia na Universidade de Turim, Itália.

Douglas Carvalho Ribeiro

Graduando em Direito na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Gaststudent na Friedrich-Schiller-Universität Jena (Alemanha) no SoSe 2012.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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