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Extrafiscalidade e a seletividade na tributação

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Examina-se o postulado da capacidade contributiva na sistemática dos tributos indiretos, colocando em foco a técnica da seletividade enquanto concretizadora da extrafiscalidade na tributação.

1. INTRODUÇÃO

Este estudo busca traçar breve delineamento acerca da técnica da seletividade, enquanto mecanismo aplicável à tributação, no contexto dos tributos indiretos. Nessa toada, analisar-se-á o escopo concretizador do postulado da capacidade contributiva como uma forma de extrafiscalidade na tributação.

2. DESENVOLVIMENTO

O princípio da capacidade contributiva, enquanto corolário do “sobreprincípio” da isonomia, buscando evitar discriminações arbitrárias, traduz a ideia de justiça na tributação. Tal princípio, fortemente ancorado na noção de equidade, liga-se intrinsecamente ao modo como os recursos arrecadados pelo Estado são distribuídos pela sociedade. 1

A esse respeito, o art. 145, §1º, da Constituição da República, reafirmando o plexo axiológico aqui delineado, assevera que, sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte. 2

Nessa senda, Ricardo Lobo Torres aponta que o postulado sub examine determina “que cada um deve contribuir na proporção de suas rendas e haveres, independentemente de sua eventual disponibilidade financeira”. 3

Uma das formas de se concretizar o princípio da capacidade contributiva é, ao lado da proporcionalidade e da progressividade, a técnica da seletividade. Por essa técnica, em amparo à utilidade social da matéria tributável, aplicam-se alíquotas que variam de acordo com a essencialidade ou superfluidade do bem, de forma que bens mais importantes sofram uma tributação mais branda, ao passo que bens mais desimportantes sejam submetidos a uma tributação mais gravosa.

Luciano Amaro, com a clareza que lhe é peculiar, ensina que é precisamente em atenção ao contribuinte de facto que se põe outra das vertentes da capacidade contributiva no campo dos impostos indiretos, ou seja, o princípio da seletividade, segundo o qual o gravame deve ser inversamente proporcional à essencialidade do bem. 4

Nos tributos indiretos, aponta Eduardo de Moraes Sabbag, o “postulado da capacidade contributiva será aferível mediante a aplicação da técnica da seletividade, uma evidente forma de extrafiscalidade na tributação”. 5

Tributos indiretos, segundo preleciona o insigne Ricardo Alexandre, são aqueles que “em virtude de sua configuração jurídica, permitem translação do se encargo econômico-financeiro para uma pessoa diferente daquela definida em lei como sujeito passivo” 6. É dizer, são tributos que admitem a repercussão do ônus financeiro a terceiro (contribuinte de fato) distinto do sujeito passivo da obrigação tributária (contribuinte de direito), a exemplo do que se dá, essencialmente, com o IPI e o ICMS.

Bastante elucidativo é o exemplo trazido por Ricardo Alexandre:

O ICMS é um tributo cujas configurações constitucional e legal estabelecem que a pessoa nomeada contribuinte (o comerciante) repassa para uma outra (o consumidor) o ônus econômico do tributo. São claras as presenças do contribuinte de direito (o comerciante) e o de fato (o consumidor), de forma que este sofre o impacto do tributo – que tem seu valor oficialmente embutido no preço pago - , enquanto aquele faz o recolhimento do valor recebido aos cofres públicos. 7

Destarte, fica claro que a seletividade, enquanto técnica de concretização da capacidade contributiva nos tributos indiretos, desempenha um papel fundamental na implementação da extrafiscalidade na tributação.

A extrafiscalidade, distanciando-se da finalidade meramente arrecadatória, objetiva corrigir distorções sociais ou econômicas, buscando atingir objetivos que superam os fins de pura arrecadação de recursos financeiros para o Estado 8. Nesse compasso, o tributo possui finalidade extrafiscal quando objetiva, acima de tudo, intervir em uma situação social ou econômica.

A par disso, a seletividade tem por escopo a regulação, pelo Estado, da própria atividade econômica do mercado, sobretudo no que tange à produção e circulação de bens e serviços. Note que, ao reduzir as alíquotas de ICMS e IPI incidentes sobre produtos essenciais, o Estado fomenta a produção e circulação desses bens, aumentando a própria capacidade aquisitiva dos contribuintes de fato, que arcam, em última instância, com o encargo financeiro de tais tributos. Da mesma forma, quando o Estado tributa mais gravosamente produtos supérfluos ou nocivos, desestimula sua produção e sua aquisição pelos consumidores finais. No escólio de Tagie Assenheimer de Souza e Ricardo Roginski Réa:

Nota-se, portanto, a utilização dos tributos para fins que ultrapassam a necessidade arrecadatória, para ter, diferentemente, natureza extrafiscal. A seletividade do IPI e ICMS possui o condão de intervir na atividade econômica e estimular e industrialização e circulação de bens e serviços essenciais à população, assegurando-se que esse determinado tipo de bem (essencial) será mais largamente fornecido à população e a preços mais acessíveis. É a atuação do Estado Social através de instrumentos tributários. 9

3. CONCLUSÃO

A par de tudo o que se consignou, é de se observar que a seletividade, enquanto técnica concretizadora do postulado da capacidade contributiva, ao estimular a produção e circulação de bens e serviços essenciais à sociedade, em detrimento de outros, inessenciais (supérfluos), atua em nítido propósito extrafiscal, determinando diretamente a adoção de comportamentos de mercado, de modo a materializar os princípios constitucionais consagrados pelo Estado Social, através da utilização de instrumentos tributários.

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4. NOTAS

1 SABBAG, Eduardo de Moraes. Manual de Direito Tributário. 3ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 152.

2 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 05 jun. 2011.

Apud SABBAG, Eduardo de Moraes. Manual de Direito Tributário. 3ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p.158.

4 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 12ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 141.

5 SABBAG, Eduardo de Moraes. Manual de Direito Tributário. 3ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 183.

6 ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 92.

7 ibidem, p. 92.

8 SABBAG, Eduardo de Moraes. Manual de Direito Tributário. 3ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 75.

9 SOUZA, Tagie Assenheimer de; RÉA, Ricardo Roginski. A extrafiscalidade, o princípio da capacidade contributiva e suas efetivações pela progressividade e pela seletividade. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2045, 5 fev. 2009. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/12292>. Acesso em 05 jun. 2011.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

    ABBAG, Eduardo de Moraes. Manual de Direito Tributário. 3ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

    BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 15 abr. 2011.

    AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 12ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

    ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

    SOUZA, Tagie Assenheimer de; RÉA, Ricardo Roginski. A extrafiscalidade, o princípio da capacidade contributiva e suas efetivações pela progressividade e pela seletividade. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2045, 5 fev. 2009. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/12292>.

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    Sobre o autor
    Eduardo de Figueiredo Andrade Paz

    Especialista em Direito Tributário, advogado militante, sócio do Escritório Campelo & Sá Advogados Associados.

    Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

    PAZ, Eduardo Figueiredo Andrade. Extrafiscalidade e a seletividade na tributação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3971, 16 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28002. Acesso em: 21 nov. 2024.

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