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Dosimetria da pena do roubo circunstanciado

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11/06/2014 às 09:33
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Este artigo procede a uma análise crítica da Súmula nº 443/STJ, bem como explora as hipóteses nas quais é possível exasperar a pena, no crime de roubo circunstanciado, acima do patamar mínimo de 1/3, sem que isso ofenda o citado enunciado sumular.

RESUMO: A Súmula nº 443 do Superior Tribunal de Justiça - STJ foi editada com a finalidade de pôr fim às controvérsias existentes sobre a exasperação da pena no crime de roubo circunstanciado (art. 157, § 2º, do Código Penal), nas hipóteses em que há mais de uma causa de aumento de pena. O enunciado sumular em referência dispôs, expressamente, que o aumento na terceira fase de aplicação da pena no crime de roubo circunstanciado exige fundamentação concreta, não sendo suficiente para a sua exasperação a mera indicação do número de majorantes. Nesse contexto, o presente artigo tem por finalidade exercer um juízo crítico acerca da Súmula nº 443/STJ, bem como explorar as hipóteses nas quais é possível exasperar a pena, no crime de roubo circunstanciado, acima do patamar mínimo de 1/3, sem que isso ofenda ao enunciado contido na citada Súmula.

Palavras-chave: roubo circunstanciado, dosimetria da pena, Súmula nº 443/STJ.

Introdução. 1. Considerações iniciais. 2. Uma análise crítica da Súmula nº 443/STJ. 3. Interpretações possíveis em torno da Súmula nº 443/STJ. 3.1. Necessidade de fundamentação idônea nas hipóteses em que a exasperação se der no mínimo de 1/3. 3.2. Possibilidade de exasperação da pena acima do mínimo de 1/3 quando houver apenas uma circunstância majorante. 3.3. Possibilidade de utilização das majorantes excedentes como circunstâncias judiciais (art. 59 do Código Penal). Conclusão. Referências


Introdução

Em se tratando de roubo circunstanciado (art. 157, § 2º, do Código Penal), o legislador dispôs que a pena do tipo penal básico (art. 157, caput, do Código Penal) deverá ser aumentada de 1/3 até 1/2. Havendo mais de uma casa de aumento de pena dentre aquelas previstas no § 2º do art. 157 do Código Penal, pergunta-se: quais os critérios que o juiz sentenciante deverá seguir para promover o aumento na fração mínima, máxima ou intermediária?

A respeito do tema, há, basicamente, duas correntes. A primeira delas utiliza o critério matemático, que parte da seguinte premissa: quanto maior o número de causas majorantes, maior deve ser a exasperação da pena, a qual variará entre o intervalo de 1/3 até 1/2. A segunda corrente utiliza critério qualitativo, enunciando que a simples existência de mais de uma causa de aumento de pena não autoriza a sua exasperação acima do patamar mínimo de 1/3. O aumento da pena acima da fração mínima, para esta última corrente, exige sempre fundamentação concreta.

O tema era controvertido. Exatamente por isso, em 13 de maio de 2010 o Superior Tribunal de Justiça - STJ editou a Súmula nº 443, com vistas a uniformizar o entendimento jurisprudencial acerca da aplicação do aumento de pena previsto no § 2º do art. 157 do Código Penal, na hipótese em que incidir mais de uma circunstância majorante.

Mencionada Súmula optou pela segunda corrente dentre aquelas anteriormente mencionadas, aduzindo que “o aumento na terceira fase de aplicação da pena no crime de roubo circunstanciado exige fundamentação concreta, não sendo suficiente para a sua exasperação a mera indicação do número de majorantes”.

Apesar de editada pelo Tribunal encarregado de ser guardião do direito federal infraconstitucional, essa Súmula não está imune de crítica, conforme se demonstrará no decorrer do trabalho.

Por outro lado, é possível, sem afastar a inteligência contida no enunciado da Súmula 443/STJ, promover-se punição exemplar daquele que pratica o crime de roubo circunstanciado, havendo ou não mais de uma circunstância majorante. Para tanto, é essencial que o juízo sentenciante analise, de forma pormenorizada, as circunstâncias do caso concreto, e, atento ao princípio da proporcionalidade e igualdade, não atribua o mesmo tratamento jurídico a situações distintas.

Eis, portanto, os objetivos do presente artigo: exercer um juízo crítico acerca da Súmula nº 443/STJ, bem como explorar as hipóteses nas quais é possível exasperar a pena, no crime de roubo circunstanciado, acima do patamar mínimo de 1/3, sem que isso ofenda ao enunciado contido na Súmula 443/STJ.


1. Considerações iniciais

Princípio com assento constitucional (art. 5º, XLVI, da Constituição Federal de 1988), a individualização da pena “tem o significado de eleger a justa e adequada sanção penal, quanto ao montante, ao perfil e aos efeitos pendentes sobre o sentenciado, tornando-o único e distinto dos demais infratores, ainda que coautores ou mesmo corréus” (NUCCI, 2011, p. 36).

A individualização da pena dar-se, inicialmente, na via legislativa, momento no qual o Parlamento, após tipificar como crime determinada conduta, estabelece a sanção penal adequada à espécie dentre aquelas admitidas pelo ordenamento constitucional vigente: privação ou restrição de liberdade; multa; perda de bens; prestação social alternativa; e suspensão e interdição de direitos. Na individualização legislativa, leva-se em consideração, essencialmente, o valor que a norma penal atribui ao bem jurídico por ela tutelado.

Sobre o tema, Rogério Greco tece as seguintes considerações (2007, p. 71):

Interpretando o texto constitucional, podemos concluir que o primeiro momento da chamada individualização da pena ocorre com a seleção feita pelo legislador, quando escolhe para fazer do pequeno âmbito de abrangência do Direito Penal aquelas condutas, positivas ou negativas, que atacam nossos bens mais importantes. Destarte, uma vez feita essa seleção, o legislador valora as condutas, cominando-lhes penas que variam de acordo com a importância do bem a ser tutelado.

A proteção à vida, por exemplo, deve ser feita com uma ameaça de pena mais severa do que aquela prevista para resguardar o patrimônio; um delito praticado a título de dolo terá sua pena maior do que aquele praticado culposamente; um crime consumado deve ser punido mais rigorosamente do que o tentado, etc. A esta fase seletiva, realizada pelos tipos penais no plano abstrato, chamamos de cominação. É a fase na qual cabe ao legislador, de acordo com um critério político, valoras os bens que estão sendo objeto de proteção pelo Direito Penal, individualizando as penas de cada infração penal de acordo com a sua importância e gravidade.

A menos que o legislador, ao cominar a sanção para determinada crime, afronte o princípio da proporcionalidade, não é dado ao Poder Judiciário imiscuir-se nas opções feitas pelos representantes do povo.

Especificamente para o crime de roubo, a individualização legislativa da pena deu-se da seguinte maneira: a) roubo simples (art. 157, caput, do Código Penal): pena de 4 a 10 anos de reclusão e multa; b) roubo circunstanciado (§ 2º do art. 157 do Código Penal): a pena do tipo penal básico será aumentada de 1/3 a 1/2; c) roubo seguido de lesão corporal grave (art. 157, § 3º, primeira parte, do Código Penal): pena de 7 a 15 anos de reclusão e multa; d) roubo seguido de morte (art. 157, § 3º, segunda parte, do Código Penal): pena de 20 a 30 anos de reclusão e multa.

Prolatada a sentença penal condenatória, cabe ao magistrado sentenciante individualizar a reprimenda a ser imposta ao condenado, partindo, por óbvio, dos limites impostos pelo legislador, responsável, como visto, pela primeira etapa do processo de individualização das penas. Para tanto, deve o juiz seguir as diretrizes do art. 68 do Código Penal (sistema trifásico de dosimetria da pena – Nelson Hungria), cabendo-lhe, num primeiro momento, fixar a pena-base, cujo parâmetro é o art. 59 do Código Penal. Posteriormente, fixará a pena provisória, ocasião em que analisará as circunstâncias legais (atenuantes e agravantes). Por fim, serão analisadas as causas especiais de diminuição e de aumento de pena.

Excepcionalmente, em se tratando de crime tentado, incidirá a redução prevista no art. 14, parágrafo único, do Código Penal, já que a pena do crime tentado será a do crime consumado, diminuída de 1 a 2/3. A fração a ser diminuída, pela tentativa, dependerá do trecho percorrido no iter criminis, de modo que, quanto mais o crime houver se aproximado da consumação, menor será a redução; quanto menos o crime houver se aproximado da consumação, maior será a redução. Dito isso, conclui-se que, no que tange à redução da pena pela tentativa, o Código Penal Brasileiro adotou a teoria objetiva.


2. Uma análise crítica da Súmula nº 443/STJ

Conforme prevê o § 2º do art. 157 do Código Penal, a pena do crime do roubo será aumentada de 1/3 a 1/2 se: i) a violência ou ameaça for exercida com o emprego de arma; ii) há concurso de duas ou mais pessoas; iii) a vítima estiver em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância; iv) a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior; v) o agente mantiver a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade. Em casos tais, fala-se em roubo circunstanciado ou majorado (é comum o emprego equivocado da expressão “roubo qualificado”).

A análise da incidência dessas causas de aumento da pena dar-se-á na terceira fase da dosimetria, de modo que a existência de uma única circunstância majorante já se mostrará suficiente para proceder-se ao aumento da pena.

Mas, por outro lado, a existência de mais de uma causa de aumento de pena não enseja, por si só, a exasperação da pena em patamar acima do mínimo legal. Nesse sentido, dispõe a Súmula nº 443/STJ: “O aumento na terceira fase de aplicação da pena no crime de roubo circunstanciado exige fundamentação concreta, não sendo suficiente para a sua exasperação a mera indicação do número de majorantes”.

A literalidade dessa Súmula não deixa dúvida de que, toda e qualquer decisão que, fundada tão somente na existência de mais de uma causa majorante, eleve a pena acima do mínimo de 1/3, não será válida, por ausência de fundamentação. Isso porque a opção feita pela jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça foi no sentido de rechaçar o critério puramente matemático de aumento da pena no crime de roubo circunstanciado. Esse critério divide a faixa de aumento de 1/3 até 1/2 em cinco parcelas, as quais correspondem às cinco causas de aumento de pena prevista no § 2º do art. 157 do Código Penal. 

Assim, sob a ótica do Superior Tribunal de Justiça, não se pode aumentar a pena em 3/8, por exemplo, pelo só fato de o crime de roubo ter sido praticado em concurso de pessoas e com o emprego de arma. Da mesma forma, não se admite o aumento em 2/5 se, além dessas duas circunstâncias, incidir uma terceira, como a restrição à liberdade de locomoção da vítima. Rechaçou-se, portanto, o critério puramente matemático de exasperação da pena do crime de roubo circunstanciado.

As críticas à Súmula nº 443/STJ são no seguinte sentido.

É de clareza meridiana o fato de que, quanto mais causa de aumento de pena incidir em determinada hipótese, mais grave será o crime. Essa gravidade, por óbvio, nunca será abstrata nem levará em consideração aspectos puramente matemáticos. O roubo praticado em concurso de pessoas e com emprego de arma de fogo é, sem dúvida, mais grave que o roubo praticado apenas em concurso de pessoas, circunstâncias que, por si sós, já justificariam a exasperação da pena do roubo, na terceira fase da dosimetria, em patamar superior ao mínimo de 1/3, tendo em conta a gravidade concreta do ilícito. Da mesma forma, não se pode conceber que um roubo praticado em concurso de pessoas, com emprego de arma de fogo e com restrição à liberdade de locomoção da vítima seja apenado da mesma forma que um roubo em concurso de pessoas e com emprego de arma de fogo.

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Em casos tais, para promover-se o aumento da pena acima do patamar mínimo de 1/3 bastaria ao juiz sentenciante dizer: “aumento a pena em 2/5 porque, na hipótese, incidem três causas de aumento de pena, a saber: concurso de agentes, emprego de arma de fogo e restrição à liberdade de locomoção da vítima”.

Ora, entender que uma decisão vazada nesses termos está carente de fundamentação ou que não analisou as circunstâncias do caso concreto é mero preciosismo, o que apenas contribui para a sedimentação da cultura da pena mínima no País.

O Supremo Tribunal Federal já abonou a tese que ora se sustenta:

O aresto, embora admitindo tratar-se de roubo a mão armada e mediante concurso de agentes, ou seja, duplamente qualificado, manteve a pena em grau mínimo (5 anos e 4 meses), quando é certo que a existência de mais de uma qualificadora já seria bastante para uma pena maior (HC 77.187/SP, Rel. Ministro Sydney Sanches, 1ª Turma, julgado em 30.6.1998, DJ de 16.04.1999).

Cezar Roberto Bitencourt também defende essa tese (2011, p. 115/116):

Por isso, em nossa concepção, o ideal é reunir as duas primeiras correntes que citamos anteriormente, ou seja: proceder-se apenas um aumento (aplicando somente uma majorante na segunda fase da dosimetria penal), mas proceder a essa variação proporcional ao número de causas de aumento incidentes, isto é, a maior ou menor elevação acompanhará tanto a intensidade quanto a quantidade de majorantes. Assim, concorrendo uma majorante, a elevação, em princípio, dever ser o mínimo previsto; se, no entanto, apresentar-se mais de uma (v.g., roubo duplamente majorado – com emprego de arma e em concurso de pessoa), a única majoração deverá assumir nível mais elevado. (sem destaques no original).

Os críticos alegam que o critério puramente matemático seria expressão de uma espécie de responsabilidade penal objetiva e que a decisão vazada nesses termos estaria fundada tão somente na gravidade abstrata do delito.

Primeiro. Não se vislumbra, em casos tais, falta de fundamentação apta a macular, de nulidade, a decisão judicial. Pelo contrário, a decisão está fundamentada na gravidade concreta do ilícito, que fora praticado com a incidência de mais de uma causa de aumento de pena, as quais foram explicitadas pelo magistrado sentenciante e que agravam, sobremaneira, o crime praticado. Essa operação, embora aritmética, está estritamente vinculada à gravidade do ilícito e atende aos princípios da individualização da pena e da proporcionalidade.

Do mesmo modo, não há que falar em responsabilidade penal objetiva, pois não se pretende punir o agente sem que esteja demonstrado o elemento subjetivo da sua conduta. Com efeito, uma vez comprovada a prática de uma conduta criminosa (o que inclui a aferição do elemento subjetivo da conduta – dolo), a pena será fixada segundos os critérios legais, devendo se compatibilizar com a gravidade e as circunstâncias da conduta praticada. Veja-se que a análise quanto ao elemento subjetivo da conduta antecede, por óbvio, à dosimetria da pena, e com ela não se confunde.

Em suma: o enunciado sumular encerra, com a devida venia, mais um equívoco que decorre da exagerada proteção que se dá ao infrator, fruto, na maioria das vezes, da interpretação equivocada de institutos jurídicos, que, no caso em apreço, é o princípio da fundamentação das decisões judiciais (art. 93, IX, da Constituição Federal de 1988).

Registre-se, por fim, que o entendimento que ora se defende não exclui a possibilidade de o juiz proceder, conforme o caso, ao aumento acima do mínimo de 1/3, mesmo quando se estiver diante de roubo com apenas uma circunstância majorante.

Com efeito, em determinadas situações o princípio da igualdade e da proporcionalidade apenas será integralmente observado se o aumento da pena decorrente do § 2º do art. 157 do Código Penal efetivar-se acima do mínimo de 1/3, mesmo que haja apenas uma circunstância majorante. Imagine-se, nesse contexto, um crime de roubo praticado por oito agentes. Em casos tais, passará ao largo dos princípios da proporcionalidade e da igualdade a exasperação da pena, na terceira fase da dosimetria, em apenas 1/3.


3. Interpretações possíveis em torno da Súmula nº 443/STJ

3.1. Necessidade de fundamentação idônea nas hipóteses em que a exasperação se der no mínimo de 1/3

Como visto, o aumento na terceira fase de aplicação da pena no crime de roubo circunstanciado exige fundamentação concreta, não sendo suficiente para a sua exasperação a mera indicação do número de majorantes.

Por outro lado, questiona-se: por que não se exigir do magistrado fundamentação idônea quando a pena for fixada no mínimo legal? Ainda: por que não se exigir do julgador fundamentação minimamente aceitável quando, a despeito da existência de mais de uma causa de aumento de pena no crime de roubo, optou-se pelo aumento na fração mínima de 1/3? Ou, ainda: mesmo que haja apenas uma causa de aumento de pena, a decisão que exaspera a pena em apenas 1/3 também não exigiria fundamentação concreta?

A posição predominante na jurisprudência dispensa o juiz de fundamentar a decisão quando fixar a pena no mínimo legal.

Porém, a razão está com Cezar Roberto Bitencourt (2006, p. 241) que, ao discorrer sobre o tema, defende o entendimento de que, mesmo em casos de fixação da pena no limite mínimo, a decisão há de ser fundamentada, sob pena de violação do jus accusationis:

A fixação da pena no limite mínimo permitido, sem a devida fundamentação, viola o jus accusacionis e frauda o princípio constitucional da individualização da pena, que, em outros termos, significa dar a cada réu a sanção que merece, isto é, necessária e suficiente à prevenção e repressão do crime. Assim, deve-se entender que a ausência de fundamentação gera nulidade, mesmo que a pena seja fixada no mínimo, desde que haja recurso da acusação, é claro. Por isso, sustentamos a necessidade de revisar o entendimento majoritário.

Da mesma forma, Guilherme de Souza Nucci (2011, p. 305/306):

Há posição, hoje predominante na jurisprudência, de estar o juiz dispensado de fundamentar a pena, quando imposta no grau mínimo, o mesmo ocorrendo com relação ao regime, quando aplicado o mais brando possível, previsto em lei. Argumenta-se que, se a pena foi estabelecida no patamar mínimo, significa, implicitamente, serem todos os requisitos (circunstâncias judiciais e legais) favoráveis ao acusado.

Permitimo-nos assumir posição contrária, como já deixamos claro em tópico anterior. O réu, em tese, pode não ser prejudicado por tal postura, mas o sistema de individualização da pena, constitucionalmente idealizado, sem dúvida, cai por terra. Se ao magistrado cabe justificar a eleição feita do quantum da pena-base, bem como as razões existentes para aplicar ou afastar agravantes e atenuantes, causas de aumento ou diminuição, não vemos sentido em incentivar devam as sentenças padecer de falhas patentes de fundamentação. Não pode o órgão acusatório levantar em seu recurso os seus melhores argumentos se não sabe, precisamente, quais elementos levaram o julgador a aplicar a pena no mínimo legal, em especial quando essa escolha está equivocada, bastando confrontar com as provas dos autos.

(...)

A individualização fundamentada da pena é dever do juiz, seja para fixá-la no mínimo, seja para estabelecê-la em patamares superiores à base e até para dar uma satisfação legítima à sociedade, demonstrando que soube dar a cada um o que é seu, princípio basilar de justiça, não equiparando os desiguais.

Por isso, caso a pena seja estabelecida no patamar mínimo, sem a devida fundamentação, deve o órgão acusatório recorrer, pugnando pela sua nulidade, por infringência a preceito constitucional, fundado na obrigatoriedade de motivação.

Antonio Magalhães Gomes Filho comunga do mesmo entendimento (2001, p. 217):

(...) a necessidade de se justificar igualmente a aplicação da pena no mínimo, pois a acusação também tem o direito de conhecer as razões pelas quais a sanção não foi exasperada, inclusive para poder eventualmente impugnar a sentença nesse ponto. Assim, ainda que a defesa seja prejudicada, é inegável o prejuízo para a acusação. Ademais, essa linha de entendimento acaba por favorecer uma certa inércia dos juízes em relação ao dever de fundamentar esse ponto importante da decisão, preferindo-se, em geral, a imposição da pena menor, nem sempre mais adequada aos propósitos consagrados pelo legislador.

Ora, por mais que se defenda que a fixação da pena no mínimo legal ou a exasperação no patamar mínimo de 1/3, no caso do roubo circunstanciado, careceria de fundamentação, a análise do art. 93, IX, da Constituição Federal de 1988, não deixa dúvida de que todas as decisões judiciais deverão ser fundamentadas, sob pena de nulidade, o que inclui, evidentemente, as decisões judiciais que porventura fixem a pena no mínimo legal ou que procedam ao aumento da pena, na terceira fase da dosimetria, em patamar legal mínimo.

Verdade seja dita: os mesmos fundamentos que ensejaram a edição da Súmula nº 443/STJ, também são idôneos a ensejar a edição de novo verbete sumular nos seguintes termos: “a decisão que aumenta a pena no crime de roubo circunstanciado na fração mínima de 1/3 exige fundamentação idônea”.

A correção desse entendimento também se fundamenta na seguinte premissa: se mesmo na hipótese em que incidir apenas uma causa de aumento de pena o juiz poderá proceder à exasperação acima do mínimo (conforme adiante se demonstrará), se o fizer no limite mínimo de 1/3 deverá fundamentar essa decisão, a fim de demonstrar a razão pela qual o aumento acima do patamar mínimo não era cabível na espécie.

Não se olvide, contudo, que a falta de entendimento jurisprudencial no sentido que ora se defende talvez decorra da inércia do órgão de acusação na interposição de recursos quando, fixada a pena no mínimo legal (ou, no que interessa aos fins deste trabalho, aumentada a pena no roubo circunstanciado no mínimo de 1/3 a despeito da existência de mais de uma causa de aumento de pena), o magistrado não traz fundamentação idônea para sustentar essa opção.

3.2. Possibilidade de exasperação da pena acima do mínimo de 1/3 quando houver apenas uma circunstância majorante

A despeito das críticas que foram dirigidas à Súmula nº 443/STJ (vide ponto 3.1), o entendimento nela consagrado não é de todo ruim, pois permite a exasperação da pena acima do mínimo de 1/3 mesmo quando houver apenas uma causa de aumento da pena.

De fato, a inteligência da Súmula nº 443/STJ, ao mesmo tempo em que permite a conclusão sumária no sentido de que a simples existência de mais de uma causa de aumento de pena no crime de roubo não autoriza a exasperação acima do mínimo de 1/3, não vedou que, em casos em que há apenas uma circunstância majorante, o aumento fique além do mínimo.

E a razão desse entendimento é simples. A Súmula nº 443/STJ veda, efetivamente, a adoção do critério puramente matemático para a exasperação da pena do crime de roubo circunstanciado na terceira fase da dosimetria. Abonou, por outro lado, a adoção do critério qualitativo de majoração da pena. Uma das vantagens de adotar-se esse critério é que, num roubo em que incide apenas uma causa de aumento de pena (concurso de pessoas, v.g.), é possível ao magistrado aumentar a pena acima de 1/3, admitindo-se, inclusive, o aumento máximo de 1/2, desde que a exasperação se faça de forma fundamentada e à luz das circunstâncias do caso concreto.

Sobre o tema, leciona Guilherme de Souza Nucci (2011, p. 36):

No caso do roubo, com cinco circunstâncias de aumento previstas no § 2º do art. 157, a elevação da pena pode variar de um terço até a metade. Nessa hipótese, presente uma só delas, nada impede ao julgador, conforme a gravidade do fato, a opção pelo aumento máximo de metade. É o que sustentamos há algum tempo, conferindo ampla liberdade para a análise do caso concreto, evitando-se o indevido critério aritmético, que prefere dividir a faixa de aumento de um terço até a metade em cinco parcelas.

Cite-se, também, precedente do Superior Tribunal de Justiça:

1. Consoante reiterada jurisprudência desta Corte, a presença de duas qualificadoras no crime de roubo (concurso de agentes e emprego de arma de fogo) pode agravar a pena em até metade, quando o magistrado, diante das peculiaridades do caso concreto, constatar a ocorrência de circunstâncias que indiquem a necessidade da elevação da pena acima do mínimo legal.

2. Assim, não fica o Juízo sentenciante adstrito, simplesmente, à quantidade de qualificadoras para fixar a fração de aumento, pois, na hipótese de existência de apenas uma qualificadora, havendo nos autos elementos que conduzem à exasperação da reprimenda – tais como a quantidade excessiva de agentes no concurso de pessoas (CP, art. 157, § 2º, II) ou o grosso calibre da arma de fogo utilizada na empreitada criminosa (CP, art. 157, § 2º, I) –, a fração pode e deve ser elevada, acima de 1/3, contanto que devidamente justificada na sentença, em observância ao art. 68 do CP. O mesmo raciocínio serve para uma situação inversa, em que o roubo foi praticado com arma branca (faca ou canivete) e a participação do co-réu foi de menor importância, hipótese em que pode o magistrado aplicar a fração mínima, apesar da dupla qualificação. (...) HC 63.605/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 13/02/2007, DJ 12/03/2007, p. 282. (sem destaques no original)

E do Supremo Tribunal Federal:

1. O Juiz fixou na sentença a pena-base em seis anos de reclusão em face da reincidência e dos antecedentes e aplicou o aumento máximo por se tratar de duas qualificadoras. 2. O Tribunal coator, em grau de apelação, reduziu o aumento da pena pelas duas qualificadoras para 2/5 quintos, considerando ser a média aproximada entre o mínimo de 1/3 e o máximo da metade; em grau de revisão criminal, ratificou este critério de agravar a pena em 1/3 para uma, de 2/5 para duas e de metade para três ou mais qualificadoras. 3. A jurisprudência deste Tribunal não acolhe critérios como o adotado, de se estabelecer uma tabela, optando por dar ênfase à efetiva fundamentação da causa especial de aumento da pena, dentro dos limites previstos, com base em dados concretos. Precedentes. 4. Habeas-corpus conhecido e deferido, em parte, para que o acréscimo previsto no artigo 157, § 2º, do Código Penal, seja estabelecido em 1/3 da pena-base, à míngua de fundamentação com base em dados concretos para elevá-lo acima deste mínimo legal. (HC 73070, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MAURÍCIO CORRÊA, Segunda Turma, julgado em 05/12/1995, DJ 29-09-2000 PP-00070 EMENT VOL-02006-01 PP-00133).

De fato, se a pena privativa de liberdade final para o crime de roubo praticado por dois agentes é de 5 anos e 4 meses de reclusão (pena fixada no mínimo legal nas duas primeiras fases da dosimetria e aumentada de 1/3 na terceira fase), é mais que evidente que essa mesma pena não poderá ser aplicada se o roubo houver sido praticado por três ou mais agentes. Neste caso, poderá o magistrado, fundamentando sua decisão no maior grau de periculosidade da conduta e dos agentes, elevar a pena em patamar superior ao mínimo de 1/3 até atingir o limite máximo de 1/2.

Da mesma forma, se a pena para o roubo em que o agente encontra-se munido de uma arma branca (faca de cozinha) é aumentada em 1/3, o fato de o agente, num outro caso, exercer ameaça contra a vítima valendo-se de uma arma de fogo de grosso calibre justificaria o aumento acima do patamar mínimo de 1/3 e, a depender do caso concreto, poder-se-ia chegar na fração máxima de 1/2.

A análise do princípio da proporcionalidade, voltado para o processo de individualização da pena, não permite outra conclusão, pois, se assim não fosse, o Estado-Juiz estaria dando o mesmo tratamento jurídico a situações flagrantemente distintas, o que terminaria por privilegiar o criminoso contumaz em detrimento do delinquente eventual.

Em suma, tem-se que a existência de duas ou mais causas especiais de aumento de pena no crime de roubo, não autorizam, por si só, o aumento da pena acima do patamar mínimo de 1/3 previsto no § 2º do art. 157 do Código Penal, cabendo ao magistrado fundamentar concretamente a razão do aumento acima do mínimo legal. Da mesma forma, a existência de uma só causa especial de aumento de pena poderá ensejar, conforme as circunstâncias do caso concreto, o aumento acima do mínimo legal, cabendo ao magistrado, igualmente, fundamentar concretamente a exasperação.

Poder-se-ia alegar que o aumento no patamar máximo (ou apenas acima do mínimo, sem atingir-se, no entanto, o máximo de 1/2) tendo por base apenas uma causa de aumento ofenderia o princípio da proporcionalidade. Mesmo que tal alegação venha a ser abonada pelo Tribunal revisor na análise de recurso da defesa, a probabilidade de reforma de uma sentença por ofensa ao princípio da proporcionalidade é menor que a probabilidade de anulação de sentença carente de fundamentação, hipótese esta verificada quando se anula o decisum de primeiro grau aplicando-se o enunciado 443/STJ. Neste último caso, os Tribunais têm sido implacáveis.

Por outro lado, não nos parece que a exigência de fundamentação concreta contida na Súmula 443/STJ diga respeito à simples descrição da segunda causa de aumento de pena, como, por exemplo: “aumento a pena em 3/8, ou seja, acima do patamar mínimo de 1/3, pois, além de o roubo ter sido praticado em concurso de pessoas, os agentes utilizaram, na empreitada delituosa, arma de fogo, o que torna mais grave a infração penal crime praticado”.

Veja-se que esse tipo de fundamentação é uma tentativa frustrada de burlar a inteligência da Súmula nº 443/STJ, pois, na situação proposta, apenas se descreveu a segunda causa de aumento de pena e, em seguida, mencionou-se que essa circunstância tornava mais grave o crime praticado. Esse tipo de fundamentação é apenas uma forma dissimulada de dizer que o aumento acima do mínimo está fundado no número de causas de aumento de aumento de pena, circunstância não abonada pelo Superior Tribunal de Justiça.

Nada obsta, contudo, que, havendo duas ou mais causas de aumento de pena, o magistrado utilize uma delas para majorar a pena na fração mínima (1/3) e utilize a segunda, se as circunstâncias denotarem gravidade concreta, para ir além do aumento mínimo. Assim, poder-se-ia utilizar o concurso de pessoas (primeira causa de aumento de pena) para justificar o aumento da pena na fração mínima (1/3) e a utilização da arma de fogo de grosso calibre (segunda causa) para fundamentar o aumento além do mínimo (3/8, 2/5, 11/24 ou, finalmente, 1/2).

Em casos tais, é evidente que a decisão não se resumirá a dizer que “aumento a pena em 2/5 porque se mostram presentes duas causas de aumento de pena, a saber: concurso de pessoas e emprego de arma”, e, sim, “aumento a pena em 2/5 porque, além da presença de duas causas de aumento da pena, verifico que se empregou na empreitada criminosa arma de grosso calibre, de uso restrito das forças armadas e das polícias, a saber, pistola calibre .40, o que denota, por óbvio, maior periculosidade na conduta dos agentes, circunstância apta a ensejar uma resposta mais enérgica do Estado”. Na verdade, como outrora sustentado, o emprego de arma de grosso calibre, por si só, já ensejaria a exasperação acima do mínimo de 1/3, mesmo que, no caso concreto, não incidisse qualquer outra causa de aumento da pena.

3.3. Possibilidade de utilização das majorantes excedentes como circunstâncias judiciais (art. 59 do Código Penal)

Inexiste vedação para que o magistrado utilize a primeira causa de aumento de pena para majorar a pena, na terceira fase, no mínimo de 1/3 e, as demais, como circunstâncias judiciais na primeira fase da dosimetria da pena (art. 59 do Código Penal).

Imagine-se, nesse contexto, um roubo praticado em concurso de agentes e com emprego de arma de fogo. Pode o magistrado utilizar o emprego da arma de fogo para valorar negativamente a circunstância judicial das “circunstâncias do crime” e, com isso, fixar a pena-base acima do mínimo legal de 4 anos. Isso porque, conforme leciona Cezar Roberto Bitencourt (2006, p. 214),

 (...) as circunstâncias referidas no art. 59 não se confundem com as circunstâncias legais relacionadas no texto legal (arts. 61, 62, 65 e 66 do CP), mas defluem do próprio fato delituoso, tais como forma e natureza da ação delituosa, os tipos de meios utilizados, objeto, tempo, lugar, forma de execução e outras semelhantes (...) (sem destaques no original).

Outra situação mais extrema: roubo praticado com todas as causas de aumento presentes. As circunstâncias do caso concreto podem indicar que, mesmo procedendo-se ao aumento no patamar máximo de 1/2, a pena seria insuficiente para a prevenção e repressão da infração praticada. Nessa situação, também se recomenda o uso das majorantes “excedentes” como circunstância judicial (art. 59 do Código Penal).

Essa tese é abonada por Guilherme de Souza Nucci (2010, p. 769):

Por outro lado, quando uma segunda, terceira ou quarta circunstância estiver presente, o juiz deve deslocá-la para o contexto das circunstâncias judiciais (art. 59), proporcionando um aumento da pena-base. Assim, o sujeito que cometesse um roubo, com todas as causas de aumento possíveis, poderia ser apenado com mais de dez anos de reclusão, conforme o caso. Se o legislador previu um mínimo de 4 anos e um máximo de 10 para o delito de roubo, sem incluir nesse cômputo as causas de aumento, aptas a romper o máximo, não é aceitável que se permaneça vinculado à política da pena mínima. Se esta política permanecer, com a devida vênia, estar-se-á privilegiando os criminosos contumazes em detrimento dos ocasionais, para quem a pena mínima pode ser a mais adequada.

Também nessa situação deverá o magistrado fundamentar o decisum, de modo a enquadrar a majorante do roubo em alguma das hipóteses do art. 59 do Código Penal. Não há dúvida de que, para esses fins, o art. 59 do Código Penal confere certa liberdade ao magistrado para que proceda ao enquadramento das circunstâncias majorantes do roubo em alguma das situações previstas naquele dispositivo legal.

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Sobre o autor
Roberto da Silva Freitas

Juiz de Direito Substituto do TJDFT

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Roberto Silva. Dosimetria da pena do roubo circunstanciado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3997, 11 jun. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28193. Acesso em: 26 nov. 2024.

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