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Do termo a quo para contagem de juros sobre contribuições para a seguridade social decorrentes de decisões da Justiça do Trabalho

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13/06/2014 às 12:22
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3. DAS PRINCIPAIS TESES INTERPRETATIVAS SOBRE O TEMA

Intensos debates têm sido travados no contencioso judicial no embate entre o fisco e os contribuintes nos Tribunais do Trabalho, além do que, calorosas discussões e teses doutrinárias têm surgido sobre a matéria. Buscar-se-á neste capítulo elencar e discutir as principais teses defendidas pelos que pretendem trazer luz ao tema.

3.1 TESES DEFENDIDAS PELO FISCO

3.1.1 A Tese de que o Fato Gerador das Contribuições Sociais Decorrentes de Decisões Trabalhistas não é a Prestação de Serviços Encontra-se Ultrapassada por Força da Nova Redação do Art. 43, § 2º, da Lei nº 8.212/1991

A tese aqui defendida é bastante simples: para extirpar definitivamente qualquer margem de dúvida ainda existente o legislador entendeu por bem positivar expressamente que o fato gerador da contribuição previdenciária nas decisões trabalhistas é a prestação de serviços. O Fisco, de fato, bem antes dessa alteração legal já cobrava nos processos judiciais trabalhistas este tributo considerando a prestação de serviços como fato gerador, aplicando em seus cálculos apresentados os juros incidentes desde essa época.

A Lei 8.212/91 é a norma legal que, instituindo o plano de custeio da seguridade social, passou a prever toda a regra matriz de incidência tributária da contribuição insculpida pelo constituinte originário no art. 195, I, “a”, e II, da Carta Maior.[7]

A nova redação introduzida pela Lei nº 11.941/2009 não deixa margem em sua literalidade a exegese diversa: o fato gerador das contribuições previdenciárias decorrentes de decisões trabalhistas é a prestação de serviços.

Invocam os que defendem esta tese o art. 114 do Código Tributário Nacional, que dispõe que o “fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência.” A definição em lei veio justamente no § 2º do citado art. 43. Assim, ocorrendo a prestação de serviços praticado está seu fato gerador e, por consequência, formada está a obrigação tributária correspondente, isso independente da data do efetivo pagamento pelo empregador da verba de natureza salarial devida. Em outras palavras, o pagamento ou não do salário ao empregado (ou do valor da condenação) não possui importância para formação da obrigação tributária, mas sim a prática do seu fato gerador que é a prestação de serviço. Com a prestação de serviço pelo obreiro surge para a empresa o dever legal, simultâneo e independente, de sua contraprestação pecuniária para remunerar o trabalho e também de pagar o tributo.

Asseveram, ainda, que a própria CLT, como não poderia deixar de ser, aponta à legislação previdenciária a normatização dos critérios de atualização do crédito devido à Previdência Social. Vide o o art. 879 ao disciplinar acerca da liquidação da sentença trabalhista:

§ 4o A atualização do crédito devido à Previdência Social observará os critérios estabelecidos na legislação previdenciária.

Afirmam que a novel legislação ao expressamente dispor sobre a prestação de serviço como fato gerador tão somente deu contornos legais, por opção legislativa, ao que já impõe o próprio Código Tributário Nacional, especificamente em seu art. 116, I:

Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:

I - tratando-se de situação de fato, desde o momento em que se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios;

Esta tese afasta qualquer correlação entre o fato gerador e o pagamento de salário. O fato gerador da contribuição para a seguridade social decorrente das decisões trabalhistas materializa-se com a prestação do serviço, independente da contraprestação ter ou não ocorrido.

Isso se justifica porque a decisão do juiz do trabalho tem efeito meramente declaratório. Apenas declara situação preexistente reconhecida em Juízo, qual seja, a prestação do serviço. Esta decisão condenatória não tem efeito constitutivo do fato gerador. A prestação de serviços é fato pretérito, já ocorreu. A decisão judicial somente a reconhece e declara.

Trazem à baila também o disposto no art. 144 do CTN, pelo qual “o lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada.” Assim, este efeito declaratório da decisão judicial trabalhista (ainda que não se lhe atribua caráter de lançamento) reporta-se à data da ocorrência do fato gerador, o que justifica a cobrança de juros desde a prestação dos serviços.

Vejamos posicionamento jurisprudencial que agasalha esta tese:

EMENTA: EXECUÇÃO DE CRÉDITOS PREVIDENCIÁRIOS - JUROS DE MORA E MULTA – FATO GERADOR – PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – MEDIDA PROVISÓRIA 449/08 – A partir da edição da Medida Provisória n. 449, de 03.12.08, publicada no DOU em 04.12.08 e 12.12.08 (retificações), o fato gerador das contribuições previdenciárias é o trabalho prestado ao longo do contrato, devendo os juros e a multa incidir a partir de quando os valores deveriam ter sido recolhidos, inclusive a mora de 20% e os juros da taxa SELIC. Agravo de petição a que se dá provimento.[8]

O fato gerador da contribuição previdenciária é a prestação de serviços, incidindo os juros e a multa moratória mês a mês a partir de cada uma das competências.[9]

AGRAVO DE PETIÇÃO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. JUROS MORATÓRIOS. FATO GERADOR. PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS. Com a edição da MP nº 449/2008, convertida na Lei nº 11.941/2009, que conferiu novos parágrafos ao artigo 43, da Lei nº 8.212/1991, em especial os §§ 2º e 3º, o fato gerador da contribuição previdenciária é a data da prestação dos serviços e sua apuração se dará pelo regime de competência. E se o fato gerador da obrigação previdenciária ocorrer no mês da prestação dos serviços, a incidência de juros e multa, corolário lógico, ocorrerá, também, a partir da época das competências apuradas, conforme estabelece a legislação previdenciária.[10]

CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. FATO GERADOR. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. SIMPLES NACIONAL. COTA PATRONAL. O fato gerador do tributo, considerada a alteração sofrida pelo artigo 43 da Lei nº 8.212/91, decorrente da MP nº 449/08 e convertida na Lei nº 11.941/09, vigente à época dos fatos, foi a prestação do trabalho, período em que a reclamada ainda não era optante pelo SIMPLES, não gozando, portanto, do benefício tributário de cota patronal reduzida.[11]

Para esta tese, portanto, os que defendiam ser o fato gerador da contribuição para a seguridade social decorrente de decisões trabalhistas o pagamento do valor da condenação devem, a partir da nova redação do art. 43 da Lei nº 8.212/91, render-se a essa expressa disposição legal.

3.1.2 Não Pode ser Aplicado Isoladamente o Decreto nº 3.048/99 pois se Trata de Instrumento Normativo Hierarquicamente Inferior à Lei nº 8.212/91

O Decreto nº 3.048/1999 foi editado com o objetivo de regulamentar disposições da Lei nº 8.212. Disciplinou com maior profundidade os detalhes e aplicabilidade prática das imposições desta lei. Como vimos, o regulamento tratou também das contribuições decorrentes das decisões trabalhistas. Assim o fez, ao que nos interessa, no seu art. 276.[12] Este artigo expressamente dispôs sobre o vencimento da contribuição previdenciária nas ações trabalhistas. Por sua clara redação, seu recolhimento deve ser feito no dia dois do mês seguinte à liquidação da sentença.

Pelo princípio da hierarquia das normas o decreto é norma hierarquicamente inferior à lei. É de lógica intelecção, pois se um decreto objetiva esmiuçar dispositivos de uma lei não pode a ela contrariar ou ir além. Dessa forma, por esta tese a disposição do citado art. 276 do Decreto nº 3.048, a partir da nova redação do art. 43 da Lei nº 8.212/91, passou a contrariar a própria lei onde encontra sua raiz. Se passou a lei de regência a dispor que o fato gerador da contribuição é a prestação de serviço, tornou-se incompatível dizer que seu vencimento dar-se-á somente no dia dois do mês seguinte a liquidação de sentença. O Decreto, então, passou a ir de encontro à redação da própria Lei, por isso foi tacitamente revogado neste particular.

Os que buscam afastar a aplicação do aludido Decreto também defendem que o art. 33, § 5º, da Lei nº 8.212, expressamente afirma, ao tratar da retenção tributária, que é obrigação da empresa reter a contribuição sob pena de responsabilizar-se diretamente por seu pagamento. O fundamento disso é que se presume regularmente feito o desconto não lhe sendo lícito alegar omissão para eximir-se do recolhimento. Vejamos a redação:

§ 5º O desconto de contribuição e de consignação legalmente autorizadas sempre se presume feito oportuna e regularmente pela empresa a isso obrigada, não lhe sendo lícito alegar omissão para se eximir do recolhimento, ficando diretamente responsável pela importância que deixou de receber ou arrecadou em desacordo com o disposto nesta Lei.

Argumenta-se que não é lícito ao contribuinte beneficiar-se da omissão no recolhimento se a própria lei, ao autorizar a presunção do desconto, responsabiliza-o pelo pagamento. Neste sentido, o pagamento da contribuição social deveria ter sido feito pela empresa na época da prestação de serviços, presumindo a lei que o contribuinte o tenha realizado. Esta presunção legal, assim, não se coaduna com a interpretação de que o art. 276 possibilita a contagem de juros a partir do dia dois do mês seguinte à liquidação de sentença, pois é na época da prestação de serviços que deveria ter sido pago o tributo. A lei presume isso. Se presume o pagamento nessa época, não deve prevalecer o entendimento de que a contagem de juros se dê em momento posterior. O momento do pagamento da remuneração devida ao trabalhador, neste diapasão, servirá apenas para definir o termo inicial da exigibilidade do tributo, sem qualquer influência quanto ao início da contagem dos juros.

Utiliza-se também o argumento de que as contribuições sociais, quanto a seu recolhimento, baseiam-se no regime de competência e não no regime de caixa. Considerando o regime de competência, não importa a data do pagamento da condenação (ou liquidação de sentença) para recolhimento do tributo, mas sim a data do fato gerador. Não tem importância, portanto, se o pagamento foi ou não realizado. Para início da contagem dos juros basta a prática do fato gerador, o que já implica a incidência do tributo.

Sendo assim, é irrelevante para o Direito Tributário, sob o aspecto do dies a quo para a contagem dos juros, o pagamento ou não do salário, a liquidação de sentença, a decisão judicial ou a homologação de acordo. O que interessa para embasar a cobrança da contribuição é a prática do fato gerador. Os princípios e regras do direito do trabalho não devem ser confundidos com os princípios que regem ao direito tributário e o da seguridade social. Se o pagamento do salário tem importância para o Direito do Trabalho, não o tem para o Direito Tributário neste particular.

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3.1.3 A não Incidência dos Juros Beneficia o Mau Pagador

De mais diluído embasamento teórico e legal, porém, largamente utilizado pelos que defendem a contagem de juros desde a prestação de serviços, está o argumento de cunho social pelo qual o empregador que não pagou verbas trabalhistas no momento apropriado, sendo compelido judicialmente a fazê-lo, não poderia beneficiar-se com a não incidência de juros sobre a obrigação tributária decorrente. Tal posicionamento equivaleria a premiar o mau pagador com a não incidência de juros pelo pagamento a destempo.

A sentença somente declara o direito do obreiro, contudo, o fato gerador ocorreu no momento em que o empregado fez jus a verbas salariais e não as recebeu. Tanto a verba trabalhista quanto o tributo decorrente já eram devidos a partir da prestação dos serviços, apenas foram reconhecidos pelo juiz do trabalho. Não impor o pagamento de juros seria respaldar duplamente conduta ilegal e abusiva do mau empregador.

Veja este julgado do TRT da 12ª Região:

CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. MARCO INICIAL DA INCIDÊNCIA DA TAXA SELIC. O devedor que se vê obrigado por meio de decisão judicial ou acordo a adimplir verbas de prestação de serviços deve recolher as contribuições previdenciárias sobre elas incidentes e não repassadas aos cofres da União com as devidas correções, atualizações e multas aplicáveis desde o vencimento de cada parcela, nos termos da legislação em vigor, que adota a taxa SELIC para esse fim. Entendimento contrário poderia importar indesejável brecha para a sonegação, ou seja, o devedor poderia deixar propositadamente de quitar determinadas verbas durante o liame contratual, não recolhendo, por conseqüência, a contribuição previdenciária correspondente, para fazê-lo tão-somente em razão de acordo ou decisão judicial, efetivando o recolhimento que deveria ter sido há muito realizado apenas com incidência de juros e multas a partir do seu, não raro, demorado trânsito em julgado.[13]

Veja também trecho da sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara do Trabalho de Niterói/RJ:

Entender-se como fato gerador a data do pagamento é, em suma, premiar-se o inadimplente trabalhista à benéfica condição de inadimplente tributário, delegando à sua única vontade a eleição do momento em que entenderia quitar o passivo trabalhista e por consequência o débito com a previdência social.[14]

3.2 TESES DEFENDIDAS PELOS CONTRIBUINTES

3.2.1 A Despeito da Nova Redação do art. 43, § 2º, da Lei nº 8.212/91 o Fato Gerador da Contribuição Previdenciária nas Ações Trabalhistas não é a Prestação de Serviços

Mesmo depois da alteração legislativa promovida no art. 43, § 2º, da Lei nº 8.212/91 muitos operadores do Direito (e aplicadores também) continuam entendendo que a prestação de serviços pelo trabalhador não é o fato gerador da contribuição para a seguridade social decorrente de decisões trabalhistas. Este posicionamento dos contribuintes tem se visto majoritário perante a mais alta Corte do Trabalho. Diversos têm sido os fundamentos jurídicos para embasar tal posicionamento.

3.2.1.1 A Lei 8.212/91 ao Prever em Seu Art. 22, I, a Contribuição Previdenciária Patronal Foi Além do Permissivo Constitucional

A Constituição Federal, ao outorgar a competência tributária aos Entes Federativos, cria os tributos a serem instituídos, conferindo seus contornos gerais para incidência. Cabe, então, à legislação infraconstitucional efetivamente instituir o tributo, prevendo seus elementos principais, como base de cálculo, alíquota, hipótese de incidência, forma de recolhimento e etc, sempre observando o contorno geral atribuído pela Constituição. O imposto de renda, por exemplo, só pode ser instituído por sua lei de regência para incidir sobre o que pode ser considerado acréscimo patrimonial ou renda, o que disso passar violará a Lei Maior. O imposto sobre serviço só pode incidir sobre serviços, e assim por diante.

A previsão constitucional para a contribuição previdenciária, ao que nos interessa, se encontra no art. 195, I, “a”, e II[15]. Vê-se, assim, que o legislador constituinte entendeu por bem dispor no próprio texto constitucional que a contribuição social patronal tem incidência sobre “a folha de salários e demais rendimentos pagos ou creditados” A lei instituidora do tributo, que é a Lei nº 8.212/91, estabeleceu em seu art. 22, I,[16] sua base de incidência. Dessa forma, os defensores dessa tese argumentam que a própria lei instituidora do tributo, ao prever sua incidência, utilizou expressão que vai além do texto constitucional. A Constituição dispõe que a contribuição incide sobre rendimentos pagos ou creditados. A Lei diz que incide sobre os rendimentos pagos, devidos ou creditados. A lei, então, usou a palavra devidos.

Sendo assim, a Constituição Federal somente permitiu que a Lei instituísse a contribuição previdenciária fazendo-a incidir sobre os rendimentos pagos ou creditados. A Lei, indo além, permitiu a incidência também sobre rendimentos devidos. Para os que assim entendem, então, a Constituição limitou o campo de liberdade ao legislador para instituir o tributo, restringindo a possibilidade da ocorrência do fato gerador, vinculando-o aos rendimentos pagos os creditados. Quando o legislador ordinário vinculou o fato gerador à prestação de serviços, violou o texto constitucional. Somente no momento da liquidação de sentença trabalhista ou da homologação do acordo judicial o rendimento é pago ou creditado. Antes disso só poderia ser devido, sendo reconhecido e declarado pelo juiz do trabalho na sentença condenatória. Não autorizando a redação constitucional a incidência do tributo sobre rendimentos devidos, conclui-se que o texto do art. 22, I, assim como o do art. 43, § 2º, ambos da Lei 8.212, ferem a Constituição Federal.

Autorizada doutrina tributarista pensa desta forma. O eminente mestre Leandro Paulsen, em sua primorosa obra Direito Tributário – Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência, ao discorrer sobre o art. 195, I, “a” da CRFB nos ensina que:

A base econômica que pode ser objeto de tributação restringe-se a remuneração “paga ou creditada”, conforme se vê da redação do art. 195, I, a, da Constituição. Pagamento é o valor prestado ao trabalhador seja em espécie, seja mediante depósito em conta corrente, ou mesmo “in natura”, como utilidades. Creditamento é o lançamento contábil a crédito do trabalhador, ainda que ainda não prestado efetivamente. Não se pode confundir a remuneração paga ou creditada com a que eventualmente seja devida mas que não foi sequer formalizada em favor do trabalhador. A Lei 8.212/91, contudo, ao instituir a contribuição sobre a folha, determinou a incidência sobre o total das remunerações “pagas, devidas ou creditadas”, extrapolando, assim, a base econômica dada à tributação. Não tem suporte válido o lançamento e a cobrança da contribuição sobre remuneração tida por auditores fiscais como devida, mas que não tenha sido paga ou creditada, pois é inconstitucional a expressão “devida” constante no art. 22, I, da Lei 8.212/91 na redação da Lei 9.876/99.[17]

Na mesma obra cita doutrina de Luciano Marinho Filho (apud PAULSEN, 2011, p. 480)[18], que, ao tratar do tema do critério de cálculo de contribuição social na esfera trabalhista, estabelece diferença entre as expressões “pago, devido e creditado” apontando que o que o legislador constituinte efetivamente quis impor como incidência deste tributo é a “remuneração da qual o trabalhador é credor ou que incorporou seu direito subjetivo”.

A mais alta Corte Trabalhista nacional já se pronunciou sobre o tema. A 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, ao julgar o Recurso de Revista nº 43501-59.2008.5.06.0251, proferiu, no recente dia 08.05.2013, Acórdão de relatoria do Ministro Renato de Lacerda Paiva, com o seguinte entendimento:

Tem-se, assim, que o fato gerador das contribuições previdenciárias encontra previsão expressa no teor do disposto na alínea “a” do inciso I do art. 195 da Constituição Federal de 1988, qual seja, o momento em que os salários e demais rendimentos do trabalho são pagos ou creditados. Significa dizer que o fato gerador do crédito previdenciário consiste no momento em que ocorre o pagamento dos valores reconhecidos e devidos por meio de decisão judicial.[19]

No julgamento do Recurso de Revista 696-29.2011.5.03.0006, julgado em 24.04.2013, pela 5ª Turma do TST, o Ministro Caputo Bastos assim expôs em seu voto:

Da redação do artigo 195, I, “a”, da Constituição Federal, depreende-se que as hipóteses de incidência de contribuição previdenciária a cargo do empregador decorrem do pagamento de rendimentos ao empregado decorrentes da prestação de trabalho.

Portanto, o fato gerador da contribuição previdenciária é o pagamento do crédito devido ao empregado, e não a efetiva prestação dos serviços, sendo que os juros de mora e multa incidirão apenas a partir do dia dois do mês seguinte ao da liquidação da sentença, consoante entendimento consolidado desta Corte.

(…)

Assim, o entendimento adotado pelo egrégio Tribunal Regional, no sentido de considerar como fato gerador das contribuições previdenciárias a prestação dos serviços pelo empregado, viola diretamente o disposto no artigo 195, I, “a”, da Constituição Federal.[20]

Veja parte da ementa do Acórdão RR - 99700-23.2004.5.15.0015 proferido pela 1ª Turma em 06.04.2011, relatoria do Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho:

Destaque-se, ademais, que o art. 195, I, da Constituição Federal não se refere ao período laborado, mas aos rendimentos do trabalho, o que leva à conclusão de que a contribuição deverá ocorrer no momento em que o valor for creditado ao trabalhador. Recurso de revista não conhecido.[21]

No Recurso de Revista nº 678-55.2010.5.06.0007, 8º Turma, julgado em 08.05.2013, veja parte do voto proferido pela Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi:

O fato gerador da contribuição previdenciária está definido no artigo 195 da Constituição, não sendo possível norma infraconstitucional estabelecer de maneira diversa.[22]

Veja também parte da ementa do Acórdão proferido pela 8ª Turma do TST ao julgar o Recurso de Revista 88300-57.2000.5.05.0491, DJ 31.08.2012, relatora Ministra Dora Maria da Costa:

RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. FATO GERADOR. INCIDÊNCIA DE JUROS DE MORA E MULTA. Embora caiba à legislação infraconstitucional a definição dos fatos geradores dos tributos, tal fixação deve ser efetivada observando-se os limites das regras de competência tributária constantes da Constituição Federal. Nesse contexto, considerando que o art. 195, I, “a”, da CF outorga competência para instituição de contribuições previdenciárias incidentes sobre rendimentos do trabalho pagos ou creditados ao trabalhador, somente se pode ter como efetivamente ocorrido o fato gerador por ocasião do crédito ou pagamento da respectiva importância a quem é devida, e não no momento da prestação dos serviços, sob pena de ofensa à referida norma constitucional. Apenas a partir desse momento é que se pode falar na incidência de juros de mora e multa sobre o valor das contribuições, observando-se os parâmetros fixados pelo art. 276, caput, do Decreto nº 3.048/99.[23]

Por esta tese, então, permanece a redação do art. 276 do Decreto nº 3.048/99, aplicando-se os juros somente a partir do dia dois do mês seguinte à liquidação da sentença ou homologação do acordo judicial. Em suma, a prestação de serviços não pode ser considerado o fato gerador da contribuição previdenciária, posto que o permissivo constitucional expressamente possibilitou sua incidência sobre os rendimentos pagos ou creditados, não aos devidos.

Destaque-se que este entendimento do Tribunal Superior do Trabalho vai de encontro ao entendimento sedimentado no Superior Tribunal de Justiça sobre o tema, como vimos linhas atrás.

3.2.1.2 O Art. 43, § 2º, da Lei nº 8.212/91 Deve ser Interpretado Conforme a Constituição

Outros há que buscam compatibilizar o texto legal com a norma constitucional, aplicando o que doutrinariamente se convencionou chamar de interpretação conforme a constituição. Por esta modalidade interpretativa procura-se, não afastando a norma infraconstitucional, dar-lhe sentido compatível com a Constituição Federal.

Com isso, os que assim entendem não afastam o texto da Lei 8.212. Procuram compatibilizar o § 2º do art. 43 com o texto do art. 195, I, “a”, da CRFB. Quando, então, a Lei dispõe que a prestação de serviços é o fato gerador da contribuição para a seguridade social decorrente de ações trabalhistas, deve este texto legal encontrar compatibilidade com a redação constitucional quando diz que a contribuição incide sobre os rendimentos pagos ou creditados em razão do trabalho.

Neste esforço afirmam que, quando a Constituição Federal limita a incidência aos rendimentos pagos ou creditados, o arcabouço legislativo inferior deve ser interpretado como um todo, sistematicamente. Assim, sem afastar o citado art. 43, entendem que somente com a liquidação de sentença ou homologação do acordo estará o empregador apto a pagar o tributo, cujo vencimento, e possível incidência de juros, se dará após esse momento.

Veja como já se manifestou o Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região:

Registre-se, e é importante que, emprestando interpretação conforme à Constituição, ao artigo 43 e parágrafos da Lei 8.212/91, com as alterações legislativas acima apontadas, entende-se como fato gerador da contribuição previdenciária a sentença judicial passada em julgado ou o acordo, na linha da iterativa e atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.[24]

Este julgamento invoca também o verbete nº 14 da Súmula da Jurisprudência deste Tribunal que, mesmo emitida após o ingresso no ordenamento jurídico da Lei nº 11.941, que introduziu o § 2º do aludido art. 43 da Lei 8.212, ainda assim definiu o tema neste sentido:

SÚMULA 14

CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. MOMENTO DE INCIDÊNCIA DE JUROS E MULTA.

A hipótese de incidência da contribuição social prevista no artigo 195, inciso I, alínea “a”, da Constituição da República Federativa do Brasil ocorre quando há o pagamento ou o crédito dos rendimentos de natureza salarial decorrentes do título judicial trabalhista, razão pela qual, a partir daí, conta-se o prazo legal para o seu recolhimento, após o que, em caso de inadimplência, computar-se-ão os acréscimos pertinentes a juros e multa mencionados na legislação ordinária aplicável a espécie.

RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA TRT 25/2009 - 3ª PUBL. DOE/PE: 02/10/2009[25]

Ao julgar o Recurso de Revista com Agravo nº 1610-46.2010.5.06.0103, em 15.05.2013, interposto pela União Federal sobre o Recurso Ordinário acima apontado, o Tribunal Superior do Trabalho, por sua 4ª Turma, se pronunciou, por meio do voto da Ministra Maria de Assis Calsing, concluindo o seguinte:

Ora, tendo sido reconhecido apenas judicialmente o direito do Reclamante à percepção das verbas trabalhistas postuladas, somente com a liquidação da sentença - momento em que haverá apuração das diferenças que lhe são devidas -, é que se poderá cogitar de fato gerador da contribuição previdenciária, na forma do art. 276, caput, do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n.º 3.048/99.[26]

Na busca por se atribuir interpretação conforme a constituição, encontram, os que defendem esta tese, respaldo no próprio art. 43 da Lei 8.212, porém, no seu parágrafo 3º[27]. Entendem que pela redação do § 3º as contribuições serão apuradas mensalmente aplicando-se as alíquotas, limites máximos do salário-de-contribuição e atualização monetária vigentes no período da prestação de serviços relativamente a cada uma das competências abrangidas. Este dispositivo fixa também o prazo para pagamento coincidindo com o pagamento do crédito devido ao trabalhador, decorrente da liquidação de sentença ou acordo homologado. A compatibilidade, então, entre o § 2º do citado art. 43 e o texto constitucional encontra operacionalidade no próprio § 3º do mesmo artigo. O § 2º define o fato gerador e o § 3º fixa o prazo de recolhimento, inclusive o momento da aplicação da atualização monetária. Quanto aos acréscimos moratórios, interpretam o artigo extraindo que devem ser os aplicados com base na legislação vigente à época do fato gerador. Neste sentido entendeu o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região:

Há intensa dissensão sobre o tema, sobretudo após a edição da Medida Provisória n. 449, de 3 de dezembro de 2008, convertida na Lei n. 11.941, de 27 de maio de 2009, que alterou a redação do artigo 43 da Lei 8.212/91, cujo texto modificado considera ‘ ... ocorrido o fato gerador das contribuições sociais na data da prestação do serviço’ (§ 2º do artigo 43), sem determinar que sobre tais contribuições deve incidir a taxa SELIC de forma retroativa, mas apenas ‘... acréscimos legais moratórios vigentes relativamente a cada uma das competências abrangidas’ (§ 3º do mesmo artigo).[28]

Interpretam o dispositivo entendendo que o texto da Lei não autorizou a aplicação dos juros retroativamente considerando a época da prestação de serviços. A redação legal apenas expressamente determinou, como não podia deixar de ser, que os acréscimos moratórios serão os aplicados com base na lei vigente à época do fato gerador, possibilitando, assim, a compatibilização com o texto constitucional. Neste sentido, nem o art. 276 do Decreto 3.048 foi revogado, pelo contrário, vai ao encontro do texto constitucional e também do texto legal, sendo plenamente coerente a legislação em vigor aplicável sobre o tema.

Trazem a baila, neste diapasão, também o art. 116 do Código Tributário Nacional, pelo qual se considera que manifestando-se a situação jurídica ocorre o fato gerador e são existentes seus efeitos. O mesmo julgado assim afirma:

A suma reportada autoriza a interpretação da questão pelo prisma do art. 116, inciso II, do CTN, que considera ocorrido o fato gerador, e existentes os seus efeitos, no momento em que esteja definitivamente constituída a situação jurídica.[29]

O resultado prático, com isso, da aplicação da interpretação conforme a Constituição ao presente tema é a plena aplicabilidade do art. 276 do Decreto nº 3.048/99. Eis a ementa do Acórdão proferido pela 4ª Turma do TST no julgamento do Recurso de Revista 7900-67.2008.5.20.0003, julgado em 09.12.2009, de relatoria do Ministro José Barros Levenhagem:

Todavia, a situação encontrada nos autos é diversa daquela em que as contribuições previdenciárias são incidentes sobre as parcelas de natureza salarial pagas no curso do contrato de trabalho. II - Isso porque se tratando de parcelas oriundas de condenação judicial, só se pode entender devidas as contribuições previdenciárias após conhecidos os respectivos valores principais obtidos na fase de liquidação, pelo que o termo inicial para efeito de constituição do devedor em mora deve ser considerado esse momento e não o da prestação dos serviços.[30]

Neste sentido também parte da ementa do Acórdão proferido pela 3ª Turma do TST no julgamento do Recurso de Revista 111800-92.2007.5.13.0004, julgado em 15.03.2013, de relatoria do Ministro Maurício Godinho Delgado:

Registre-se, por fim, que a alteração legal ocorrida em lei (nova redação do art. 43 da Lei n. 8.212/91, conferida pela MPr n. 449, de 3.12.2008, convertida na Lei n. 11.941/09), se interpretada com as normas constitucionais e legais que regem a matéria, não autoriza o entendimento de ter sido alterada a forma de cálculo das contribuições previdenciárias devidas em decorrência de decisão judicial.[31]

Assim, por esta tese o arcabouço normativo vigente sobre a matéria é coerente e plenamente compatível com o texto constitucional, sendo desnecessária qualquer declaração de inconstitucionalidade ou afastamento de legislação infraconstitucional para se entender que o marco inicial para contagem de juros das contribuições sociais decorrentes de ações trabalhistas é a liquidação de sentença ou a homologação do acordo judicial.

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Sobre o autor
Thiago Barros Bandeira

Advogado, MBA em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BANDEIRA, Thiago Barros. Do termo a quo para contagem de juros sobre contribuições para a seguridade social decorrentes de decisões da Justiça do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3999, 13 jun. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28256. Acesso em: 23 nov. 2024.

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