4. PONDERAÇÕES
Como pudemos verificar o tema é espinhoso e o dissenso jurisprudencial é grande. O motivo principal possivelmente passa pela necessidade do operador do Direito, ao debruçar-se sobre a matéria buscando implementar a solução jurídica adequada, mesclar conhecimentos de dois ramos autônomos do Direito: o do Direito do Trabalho e do Direito Tributário. A dificuldade enfrentada pelos que atuam na seara do Judiciário Trabalhista, então, é ainda mais acentuada, pois vivenciam na prática essa interação destes dois ramos da ciência jurídica. Estes profissionais, cuja atuação e formação aprofunda-se em discussões limitadas à relação de emprego e de trabalho, naturalmente condicionados em seu raciocínio jurídico a questões de ordem trabalhista, passam a ter que enfrentar conflitos de natureza eminentemente tributária, ramo este com conceitos, fontes, princípios e regras particulares e estranhas à seara trabalhista.
Com a introdução ao art. 114 da Constituição Federal da competência juslaboral para execução de ofício das contribuições previdenciárias oriundas das decisões que proferir, passou o juiz do trabalho a necessariamente ter que julgar conflitos de ordem tributária, com seus princípios e normas. Para solução dos conflitos dai advindos, invariavelmente, será preciso conjugar os elementos da formação do crédito tributário com o processo do trabalho.
Pelas teses expostas anteriormente, algumas premissas merecem destaque para que se possa posicionar-se sobre o tema. Fato é que o legislador ordinário entendeu por bem positivar expressamente a hipótese de incidência da contribuição para a seguridade social nas decisões trabalhistas. Impôs, pela redação clara e indubitável do § 2º do art. 43 da Lei nº 8.212/91, que esta hipótese de incidência é a prestação de serviços. Não há como se afirmar atualmente, após esta alteração legal promovida pela Lei nº 11.941/2009, que outro é o fato gerador deste tributo senão a prestação de serviços. Vimos também que o Superior Tribunal de Justiça possui posicionamento firme de que o fato gerador da contribuição previdenciária não se dá com o pagamento do salário ou valor devido ao trabalhador. Com isso, entendimento contrário precisará passar pelo afastamento de norma vigente ou sua declaração de inconstitucionalidade além de opor-se diretamente a posicionamento emanado pelo Órgão do Poder Judiciário competente pela uniformização e interpretação da lei federal, nisto incluindo o próprio CTN e também a Lei 8.212. Não parece, pois, ser este o melhor caminho no enfrentamento da questão.
Relevante também é a tese, por outro lado, acerca do limite da competência tributária atribuída pelo art. 195, I, “a”, da Constituição Federal ao legislador infraconstitucional com relação à instituição da contribuição previdenciária. Como vimos o art. 22, I, da Lei 8.212 utilizou expressão além da autorizada constitucionalmente, passando a prever a incidência do tributo sobre remuneração devida, em vez de somente paga ou creditada. O citado art. 43, § 2º ao determinar a prestação de serviço como fato gerador baseou-se na remuneração devida, pois neste momento não havia remuneração paga ou creditada, sendo reconhecida pelo juiz do trabalho através de sentença condenatória.
Destaque-se ainda a questão da constituição do crédito tributário. Como vimos o crédito tributário, por força do art. 142 do CTN, somente pode ser validamente constituído pela autoridade administrativa competente. É vedado ao juiz, assim, constituir crédito tributário. Inegável, contudo, a natureza de crédito tributário desta particular contribuição, sendo o juiz competente para executá-lo de ofício, com penhora de bens do devedor em caso de não pagamento, alienação em hasta pública, enfim, sujeitando o então contribuinte a todos os meios coercitivos de cobrança judicial. Também não se pode dizer que se trataria de lançamento por homologação, como se dá com a contribuição previdenciária incidente sobre a folha de pagamento, pois inviável compatibilizá-lo com o prazo decadencial insculpido no art. 173 do CTN. Para atender-se às rígidas exigências do Código Tributário acerca da formação do crédito tributário com a execução oficiosa das contribuições na avançada fase executiva do processo trabalhista, não há como encarar a controvérsia sem que se considere a competência instituída pela Emenda Constitucional 20/98 como uma peculiaridade dentro do sistema tributário nacional. Entendeu por bem o legislador constituinte derivado por outorgar esta competência do juiz do trabalho. É preciso então compatibilizar as normas de direito tributário com esta competência do juiz trabalhista. Assim o quis a Carta Magna.
O § 2º do art. 43 da Lei 8.212 dispôs que a hipótese de incidência desta particular contribuição previdenciária é a prestação de serviços. O Código Tributário acerca do fato gerador diz em seu art. 144 que “o lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada.” Afirma também em seu art. 116, o CTN, que sendo o fato gerador situação de fato ou jurídica consideram-se existente seus efeitos com a sua configuração. O principal efeito da prática do fato gerador, na lição de Luciano Amaro[32], é o nascimento da obrigação tributária. Não há, contudo, no Código Tributário Nacional (lei esta que estabelece as normas gerais em matéria legislação tributária - art. 146, III, CRFB) dispositivo que vincule a prática do fato gerador ao início da contagem de juros. O nascimento da obrigação tributária dai decorrente não induz, por si só, que os juros devem necessariamente ser contados a partir deste momento.
Eis o que diz o mestre Hugo de Brito Machado diferenciando as etapas da formação do crédito tributário:
É sabido que obrigação e crédito, no Direito privado, são aspectos da mesma relação. Não é assim, porém, no direito tributário brasileiro. O CTN distinguiu a obrigação (art. 113) do crédito (art. 139). A obrigação é um primeiro momento na relação tributária. Seu conteúdo ainda não é determinado e o seu sujeito passivo ainda não está formalmente identificado. Por isto mesmo a prestação respectiva ainda não é exigível. Já o crédito tributário é um segundo momento da relação de tributação. No dizer do CTN, ele decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta (art. 139). Surge com o lançamento, que confere à relação tributária liquidez e certeza.[33]
A lei instituidora do tributo é a norma legal competente para disciplinar as particularidades da exação, como alíquota, prazo de vencimento etc. Quanto ao tributo aqui estudado a lei instituidora é a Lei nº 8.212/91.
Se é certo que o § 2º do art. 43 desta Lei dispôs expressamente sobre o fato gerador do tributo é certo também que seu § 3º disciplinou seu prazo de recolhimento e momento da incidência de juros. Por sua redação anteriormente transcrita, a interpretação que dele se depreende é que as alíquotas aplicáveis ao tributo e acréscimos legais moratórios (juros) serão os vigentes a época da prestação de serviços, relativamente a cada uma das competências abrangidas, devendo ser apuradas mensalmente. Verifica-se também por sua exegese que o recolhimento do tributo se dará no mesmo prazo em que devam ser pagos os créditos trabalhistas encontrados em liquidação de sentença ou na homologação do acordo judicial. Este dispositivo, assim, trata diretamente da legislação aplicável para cobrança do tributo, que deverá ser a vigente a época do fato gerador, além de estabelecer o prazo de seu pagamento, pelo qual, se descumprido, deverá a partir dai sim incidir os juros e acréscimos moratórios. Este dispositivo, dessa forma, guarda plena sintonia com o art. 144 do CTN, que relaciona o momento da ocorrência do fato gerador como marco temporal para reger a constituição do tributo com base na lei vigente neste período. É exatamente o que procurou dizer o § 3º, acrescentando o prazo em que deve ser pago o crédito tributário. Vemos que este prazo então mantém conformidade com o prazo previsto no art. 276 do Decreto 3.048/99 (norma regulamentadora da Lei 8.212), que vincula o vencimento da exação a liquidação de sentença ou pagamento das parcelas do acordo homologado.
Leandro Pausem diferencia a ocorrência do fato gerador com o prazo para recolhimento do tributo:
Não se pode confundir o aspecto temporal da hipótese de incidência com o prazo para recolhimento do tributo. O prazo de recolhimento não integra a norma de incidência tributária; simplesmente explicita o momento em que deve ser cumprida a obrigação pecuniária surgida com a ocorrência do fato gerador.[34]
O aspecto temporal da ocorrência do fato gerador, portanto, não pode ser confundido com o prazo para recolhimento do tributo ou com o início da contagem dos juros. São aspectos distintos da formação do crédito tributário. O início da contagem de juros pressupõe a mora, que somente se dá se, ultrapassado o prazo de vencimento, permanece o contribuinte inerte não efetuando o recolhimento do tributo. Este aspecto temporal do fato gerador, então, está atrelado (na esteira do que dispõe o § 3º do art. 43) ao marco no tempo para aplicação da lei vigente quando da constituição do crédito tributário. Veja o que diz Luciano Amaro quanto ao aspecto temporal do fato gerador:
Finalmente, há o aspecto temporal. O fato ocorre no tempo. O referido aspecto é relevante para efeito, em primeiro lugar, da identificação da lei aplicável: se o fato ocorreu antes do início da vigência da lei, ele não se qualifica sequer como gerador;[35]
Pela forma clara e elucidativa com que discorre sobre o tema, vale nos atermos mais detalhadamente as lições do eminente tributarista Luciano Amaro. Na mesma obra citada diferencia obrigação tributária, que nasce com a prática do fato gerador, do lançamento tributário, ensinando o seguinte:
A ocorrência do fato gerador dá nascimento à obrigação tributária. Em diversas situações, porém, embora ocorrido o fato gerador, a lei tributária não requer do sujeito passivo nenhum pagamento se e enquanto não houver, por parte do sujeito ativo, a prática de um específico ato jurídico, que se reflete num escrito formal (isto é, um documento escrito, na forma prevista em lei), do qual se deve dar ciência ao sujeito passivo, a fim de que fique adstrito a, no prazo assinalado (no próprio documento ou na lei), satisfazer o direito do credor, sob pena de serem desencadeados os procedimentos tendentes à cobrança via constrição judicial.[36]
Nas contribuições para a seguridade social decorrentes de decisões trabalhistas já pudemos constatar que este ato formal de iniciativa do sujeito ativo inexiste, pois a exigibilidade do tributo nasce da própria decisão judicial que condenou o empregador ao pagamento de verbas trabalhistas. Pela própria competência constitucional outorgada a execução é de ofício pelo juiz. Continuemos na lição do mestre:
Nestes casos, não obstante se tenha tido o nascimento da obrigação tributária, com a realização do fato gerador (por exemplo, alguém deter a propriedade de certo imóvel urbano construído), o indivíduo só será compelível ao pagamento do tributo pertinente (IPTU) se (e a partir de quando) o sujeito ativo (Município) efetivar o ato formal previsto em lei, para a determinação do valor do tributo, dele cientificando o sujeito passivo. Antes da consecução desse ato, embora nascida a obrigação tributária, ela está desprovida de exigibilidade.[37]
Com isso, nascida a obrigação tributária com o fato gerador (que em nosso estudo, por força do § 2º do art. 43, se dá com a prestação de serviços) não quer dizer que automaticamente está o sujeito passivo apto a pagar o tributo. Isto porque o CTN optou por distinguir no tempo, diferentemente do que se dá nas obrigações privadas, a existência da obrigação da consequente pretensão do sujeito ativo e ainda de sua exibilidade, que se dá em momento posterior. Continuemos:
A esse ato do sujeito ativo (credor) dá-se o nome de lançamento. Alfredo Augusto Becker assinala que a necessidade do lançamento para que a obrigação tributária seja exigível configura uma anormalidade na fenomenologia do nascimento do direito subjetivo, pois, em regra, a relação jurídica nasce com seu 'conteúdo jurídico máximo: direito, pretensão (exigibilidade), coação, e correlativos dever, obrigação, sujeição', vale dizer, nascido o direito do credor, a pretensão (exigibilidade) e a coerção (possibilidade de usar dos meios constritivos legais para obter a satisfação do direito) compõem o complexo de efeitos irradiados pela ocorrência do fato jurígeno, não obstante o exercício da pretensão e da coerção possa, eventualmente, submeter-se a um prazo, tal qual se dá, no direito privado, quando o vendedor, entregando embora a coisa alienada, deve aguardar o prazo que contratualmente tenha sido ajustado para receber o preço. Alberto Xavier sustenta que, com o lançamento, tem-se o requisito da atendibilidade, pois a exibilidade dependeria do vencimento do prazo de pagamento.[38]
O lançamento, então, é o ato pelo qual a exibilidade do tributo se manifesta. Existe o fato gerador, que é a subsunção do fato fenomenológico à hipótese de incidência abstratamente prevista na norma instituidora do tributo, que faz surgir no mundo jurídico a correspectiva obrigação tributária que, por sua vez, está pelo sistema de formação do crédito tributário insculpido no CTN condicionada ao ato administrativo do lançamento para adquirir força de exibilidade. Eduardo Sabbag[39] sintetiza a formação do crédito tributário com o seguinte quadro:
HI → FG → OT → CT
HI = hipótese de incidência OT = obrigação tributária
FG = fato gerador CT = crédito tributário
Arremata, então, o professor Luciano Amaro:
A dissociação temporal entre o momento do nascimento do direito do sujeito ativo da obrigação tributária (com a ocorrência do fato gerador) e o momento em que a obrigação se torna exigível (com a prática do ato de lançamento, e sua comunicação formal ao devedor) decorre do preceito legal que, em determinadas situações, prevê o lançamento como ato a ser necessariamente praticado, após a realização do fato gerador, para que se tenha a exibilidade como obrigação tributária.[40]
Como já tivemos oportunidade de ver, no que concerne às contribuições sociais, o lançamento tributário se dá de modo diferenciado do esquematizado nos termos acima. A estrutura para formação e pagamento do crédito tributário, assim, no que tange à contribuição previdenciária é diferente. Com as contribuições se dá o que o CTN denominou de lançamento por homologação, pelo qual o sujeito passivo, após a ocorrência do fato gerador, antecipa-se e, sem que o sujeito ativo pratique qualquer ato de lançamento tributário, por imposição legal, efetua o pagamento do tributo espontaneamente, por sua própria iniciativa. O ato do lançamento é requisito necessário para exigibilidade da obrigação tributária, sem o qual o sujeito ativo não pode exercer medidas de cobrança nem coercitivas de pagamento, caso não satisfeito o crédito pelo contribuinte. No lançamento por homologação, porém, a omissão do sujeito passivo em efetuar previamente o recolhimento do tributo já o coloca em mora.
A sistemática do lançamento por homologação, todavia, não é compatível com o microssistema criado para a execução de ofício das contribuições na Justiça do Trabalho. Tanto assim o é que mesmo no lançamento por homologação, verificada a omissão do sujeito passivo em proceder, após a prática do fato gerador, espontaneamente, o recolhimento do tributo tempestivamente, abre-se para o sujeito ativo o prazo para que se proceda o lançamento. Continua dizendo Luciano Amaro quanto à omissão do sujeito passivo no lançamento por homologação:
Por isso, mesmo nos casos em que o sujeito passivo, atento ao seu dever legal, efetue corretamente o pagamento antes de qualquer providência do sujeito ativo, o código exige a prática do lançamento a posteriori, mediante “homologação” expressa, por parte do sujeito ativo, traduzindo-se o lançamento nesse ato “homologatório”. Prevendo a probabilidade de omissão do sujeito ativo, no que respeita à prática desse ato de homologação, o Código criou a homologação tácita, pelo mero decurso de certo prazo. (…)
Desse modo, em nosso direito positivo, o lançamento é sempre necessário, ainda que se opere por omissão da autoridade encarregada de praticá-lo.[41]
O lançamento por homologação, na verdade, trata-se de uma ficção jurídica criada pelo legislador para respaldar legalmente a ausência da prévia constituição do crédito tributário pelo ato do lançamento, prevendo, assim, no CTN, figura jurídica que possa compatibilizar a estrutura básica da formação do crédito tributário.
Os tributos sujeitos ao lançamento por homologação, contudo, estão também adstritos ao prazo decadencial. O prazo decadencial previsto no art. 173, com isso, consuma-se com o decurso de cinco anos sem que a autoridade competente proceda o lançamento contado da prática do fato gerador. Este entendimento foi pacificado pelo Supremo Tribunal Federal, no tocante às contribuições sociais, pela Súmula Vinculante nº 8, que declarou inconstitucionais os artigos 45 e 46 da Lei 8.212, derrubando a famigerada tese dos “cinco mais cinco”. Para a contribuição previdenciária decorrente das ações trabalhistas, dessa forma, conforme a nova redação do § 2º do art. 43 da Lei 8.212, que definiu a prestação de serviços como hipótese de incidência, é a partir deste marco temporal, em se aplicando a sistemática do lançamento por homologação, que se iniciaria a contagem do quinquênio decadencial. Como já dissemos, esta tese implicaria a extinção de numerosas contribuições no processo trabalhista devido à demora na resolução do processo judicial, esvaziando de eficácia prática a própria competência juslaboral para sua execução. Vemos então que a sistemática do lançamento por homologação, que é a regra para as contribuições previdenciárias, é incompatível com a execução de ofício deste tributo na Justiça do Trabalho. Saliente-se que o dolo, fraude ou simulação, previstos no § 4º do art. 150 do CTN, não podem ser presumidos para se justificar pretensa possibilidade da contagem deste início de prazo decadencial se dar somente com a ciência pelo sujeito ativo da pratica do fato gerador, devendo ser suficientemente comprovados, jamais presumidos.
Nas contribuições decorrentes de ações trabalhistas, sua execução é promovida pelo juiz após a liquidação de sentença de ofício. O fato gerador ocorre com a prestação de serviços. Inexiste, porém, o ato do lançamento, que é, no dizer do art. 142 do CTN, o ato exclusivo de competência da autoridade administrativa pelo qual se constitui o crédito tributário. O modelo criado pelo legislador para a execução de ofício das contribuições na Justiça do Trabalho, portanto, foge ao modelo padronizado pelo CTN para formação do crédito tributário. Foge também à modalidade de lançamento por homologação. Depreendemos, com isso, que estamos diante da execução de um tributo sem lançamento. Há execução, entretanto, não se fez presente o lançamento, que gera a exibilidade, ou a mora e inscrição em dívida ativa, que gera a exequibilidade. Não há outra conclusão que se possa chegar senão que, quando o legislador constitucional criou esta particular competência de ofício para que o juiz do trabalho execute as contribuições decorrentes de sua própria decisões, em verdade, inovou no sistema tributário nacional vigente, introduzindo, indubitavelmente, sistemática totalmente peculiar.
Situação como esta não é novidade no ordenamento jurídico tributário pátrio. Fato semelhante ocorre no caso do imposto de transmissão causa mortis – ITCM – com abertura de inventário judicial. Sabe-se que a hipótese de incidência do ITCM é a morte do de cujus, que, por força do princípio de saisine, opera a transmissão de bens. Pelas regras dispostas no Código de Processo Civil sobre o processo de inventário, somente após a homologação judicial dos cálculos do imposto é que está o contribuinte apto a efetuar seu pagamento. Nestes casos também não houve lançamento do crédito tributário, sendo ele declarado pelo juiz do processo de inventário. Trata-se de situação particular, em que o regramento para formação do crédito tributário precisou adequar-se ao procedimento estabelecido no CPC sobre o processo de inventário. É o que se passa, guardadas as devidas peculiaridades, com a situação-problema ora em estudo.
Analisando o processo do trabalho, vemos que não poderia ser de outra forma a imposição tributária aplicável. Raramente na prática do processo trabalhista as sentenças são líquidas, sendo necessário após o trânsito em julgado iniciar-se a fase de liquidação de sentença. Liquidado o julgado chegar-se-á ao quantum debeatur passando a estar apto o devedor trabalhista a cumprir espontaneamente o comando judicial. Antes disso não há como efetuar o pagamento, pois não se sabe o quanto se deve. Sabendo a quantia em dinheiro que deverá pagar ao obreiro e ciente da natureza das verbas estará também apto, por consequência, a pagar o crédito tributário originado dos valores devidos ao trabalhador. Somente a partir dai, se não pago o tributo, constituir-se-á em mora o devedor tributário.
Concluímos, assim, encarando a contribuição previdenciária decorrente das decisões trabalhistas como uma forma peculiar dentro do sistema tributário vigente, que a nova redação do art. 42, § 2º, da Lei 8.212/91, mesmo prevendo a prestação de serviços pelo trabalhador como hipótese de incidência do tributo, não autorizou a cobrança retroativa dos juros tendo como base este período. Seu § 3º, interpretado conjuntamente com os demais elementos da formação do crédito tributário dispostos no CTN, estabelece que os juros somente podem ser cobrados se não recolhido o tributo dentro do prazo legal, o qual é o previsto no art. 276 do Decreto 3.048, qual seja, dia dois do mês seguinte à liquidação de sentença ou homologação do acordo.
Vale trazer a baila, por fim, que não se pode generalizar sob a pecha de violador das normas trabalhistas toda pessoa, física ou jurídica, que eventualmente compuser o polo passivo de uma relação jurídica trabalhista e sofrer condenação. Há, sim, infelizmente, empresas assíduas frequentadoras destes tribunais que violam rotineiramente direitos do hipossuficiente. Não se deve, contudo, generalizar todos os devedores sob este mesmo rótulo. Há nas relações de trabalho inúmeras controvérsias jurídicas e situações fáticas que legitimamente geram dúvidas quanto a correta aplicação do direito pelos empregadores. Não há consenso entre doutrinadores e jurisprudência sobre muitos temas atinentes ao contrato de trabalho. Inúmeras vezes o empresário de boa-fé, por esta razão, pode ser alvo de sentença condenatória trabalhista. Dessa forma, argumentar-se que contar os juros da contribuição previdenciária decorrente da decisão juslaboral desde a prestação de serviços seria uma forma de evitar que o mau empregador se beneficie, constitui um julgamento no mínimo leviano e apressado. Os rótulos e generalizações não são bem vindos em qualquer relação social. É injusta, portanto, a pecha atribuída pelos operadores do direito de “mau empregador” a todo aquele que porventura compuser o polo passivo de uma demanda trabalhista.
Vemos então que a legislação aplicável ao tema é coerente e se coaduna com a realidade social em que foi inserida, não sofrendo de qualquer incompatibilidade entre as normas de diferente grau hierárquico. A tese, portanto, pela qual o início da contagem de juros das contribuições para a seguridade social decorrentes de decisões da Justiça do Trabalho se dá com a liquidação de sentença ou homologação do acordo judicial, amolda-se perfeitamente ao arcabouço legal vigente.