9 CONCLUSÃO
A Constituição Federal estabelece no seu artigo 3º, que tem como objetivos: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Tem ainda como fundamento: a dignidade da pessoa humana.
Com isso, à luz do que já fora explanado, a dignidade humana materializa-se também através de conquistas do indivíduo que o coloca em situação social capaz de lhe oportunizar condições digna de vida, portanto, necessário que o indivíduo tenha capacidade econômica e financeira, a fim de se reafirmar como ser social. O trabalho é meio capaz de conferir tal dignidade, ainda que no caso de crianças e adolescentes - pessoas em desenvolvimento, inimputáveis e incapazes perante a Lei - a busca por essa dignidade tenha sido pela via transversa.
A luta da criança e do adolescente para se reafirmar como ser social, ou seja, para conquistar dignidade, a ponto se sujeitar-se ao exercício de atividade laboral, seja ela ilícita ou irregular, advém da ausência do Estado, que é incapaz de cumprir seu papel e conferir aos seus mais sensíveis cidadãos a proteção integral que lhe é conferida pela lei. As estatísticas revelam a falta desses serviços públicos, de modo que não há que se falar em opção dos jovens pelo desempenho de atividades laborais ilícitas, para impedir o reconhecimento de direitos trabalhistas. Corroborar com tal argumento é dar respaldo à incompetência do Estado, excluir ainda mais esses jovens, e causar uma segregação social maior ainda. Um país que não cumpre com seu papel social, que não consegue dar condições dignas de vida às suas crianças e adolescentes, não tem respaldo moral de se amparar em tal argumento.
Ao poder judiciário, não cabe fechar os olhos para essa realidade e fazer uma interpretação fria da lei. Somente uma sociedade hipócrita é capaz de negar diretos aos milhões de jovens espalhados pelo país, renegados pelo Estado, entregues à própria sorte, e que, na falta de condições de sobrevivência, apegam-se à única opção que lhes é ofertada, submetendo-se a todo o tipo de trabalho que, na maioria das vezes, os constrange a ambientes promíscuos, torpes. Enquanto isso, o Estado se acovarda, aliena a sociedade, fazendo-a crer que são seus jovens um mal social, atribuindo-lhes a responsabilidade pelas diversas mazelas do país. Tudo com o fito de mudar o foco, ludibriar pessoas, impedi-las de enxergar que a responsabilidade, na verdade, desde o princípio, é do próprio Estado.
Ora, como considerar que um Estado que sequer consegue se estabelecer como poder público numa comunidade dominada por traficantes, não oferecendo aos seus concidadãos os serviços mais primários necessários à sua subsistência enquanto ser humano, tais como: água, energia e saneamento básico; quiçá, estudo, lazer e profissionalização às suas crianças e adolescentes; poderia depois valer-se do argumento de que reconhecer efeitos justrabalhistas às atividades laborais ilícitas pelos mesmos seria dar azo ao crime? Tal acatamento seria dizer que ao Estado cabe valer-se de sua própria torpeza! O que dá azo ao crime é a conduta negligente, incompetente e desidiosa do Estado que larga seus cidadãos à margem, sem dignidade, não lhe dando outra alternativa, senão a de buscar seu meio de sobrevivência através do único labor que lhe é oportunizado.
Portanto, não é negando os direitos dessas crianças e adolescentes que se combate criminalidade, ilicitude. Cabe ao Estado adotar medidas enérgicas e eficazes de manutenção da ordem pública, a começar pela implementação das condições básicas de vida aos seus cidadãos, tais como as que estão previstas nos artigos 86, 88 e 208 do Estatuto da Criança e do Adolescente. A criança e adolescente é digna de proteção do Estado e não da sua repressão.
Assim, conferir efeitos justrabalhistas ao trabalho ilícito desempenhado por crianças e adolescente contribui com a implementação dos direitos fundamentais expostos por Goulart; significa tratar desigualmente os desiguais; consiste em garantir a manutenção da ordem jurídica e consagra o verdadeiro Estado Democrático de Direito. Enfim, significa fazer Justiça!
REFERÊNCIAS
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Notas
[1] Patricia Saboya Gomes. O Combate ao Trabalho Infantil no Brasil: Conquistas e Desafios. In Trabalho Infantil e Direitos Humanos – Homenagem a Oris de Oliveira. Coordenadores Lelio Bentes Corrêa e Tárcio José Vidoti. LTR, 2005. p. 90.
[2] Wilson Donizeti Liberati e Fábio Muller Dutra Dias. Trabalho Infantil. Malheiros Editores, 2006. p. 37.