O início da sociedade capitalista é marcado por uma tentativa de padronização e disciplinaridade sem precedentes na história. Por meio do tolhimento de subjetividades intenta-se a criação de indivíduos acríticos, meros reprodutores das ideologias dominantes e do trabalho alienado. As instituições disciplinares, tais como prisões, escolas e fábricas são essenciais nesse processo de criação de subjetividades disciplinadas.
Essa disciplinaridade pretendida apresenta suas falhas em quantidades cada vez mais consideráveis, pois, com o crescimento populacional, a estrutura disciplinar não consegue abarcar todos os indivíduos. O problema surge quando essas pessoas, consideradas as falhas da padronização capitalista, começam a ocupar os espaços urbanos onde se tornam visíveis e, eventualmente, indesejáveis. Sem a possibilidade de participar do jogo consumista, os/as consumidores/as falhos/as são vistos como a ''impureza'' social, ou seja, aqueles/as que estão fora de seu lugar ''naturalmente'' determinado.
Ao invés de enfrentar essa situação como um problema social que merece a devida atenção, o que se tem feito é expulsar essas pessoas dos centros urbanos, invisibilizando-as. A própria construção do espaço nas cidades viabiliza essa exclusão de forma a impedir que esses indivíduos habitem o espaço público. São inúmeros os exemplos no Brasil de obras empreendidas com essa única intenção.
A estratégia da construção de uma cidade homogeneizada e limpa é um reflexo da própria lógica capitalista. É mais barato e lucrativo invisibilizar, criminalizar, segregar e excluir do que criar políticas públicas que realmente enfrentem o problema de forma a gerar emancipação e inclusão de grupos marginalizados.
A Estrutura disciplinar
A idade média e os primeiros séculos da idade moderna foram marcados pelo suplício como forma de punir os/as criminosos/as, como afirmado na extensa obra de Michel Foucault. Os suplícios eram punições extremamente violentas que aconteciam diante do povo, que lhe serviam de público e alvo. A punição tomava caráter de espetáculo. O rei, por meio da sangrenta execução dos/as criminosos/as, mostrava sua força e a sua vingança, já que o crime era tido como uma ofensa ao próprio soberano, pois ele representava o Estado em si. Sobre o suplício e sua representação simbólica, Foucault afirma:
O suplício tem então uma função jurídico-política. É um cerimonial para reconstituir a soberania lesada por um instante. Ele a restaura manifestando-a em todo o seu brilho. A execução pública, por rápida e cotidiana que seja, se insere em toda a série dos grandes rituais do poder eclipsado e restaurado (coroação, entrada do rei em uma cidade conquistada, submissão dos súditos revoltados): por cima do crime que desprezou o soberano, ela exibe aos olhos de todos uma força invencível. Sua finalidade é menos de estabelecer um equilíbrio que de fazer funcionar, até um extremo, a dissimetria entre o súdito que ousou violara lei e o soberano todo-poderoso que faz valer sua força. (FOUCAULT, 2007, p. 42)
Essa espécie de controle social tornou-se obsoleta juntamente com a articulação de um novo modelo econômico. A lógica antiquada do suplício não condizia com as novas demandas criadas pelo capitalismo. Era preciso controlar os corpos, mas sem machucá-los ou destruí-los, pois agora eles eram necessários à estruturação do sistema econômico como mão de obra. O encarceramento, nesse contexto, surge como alternativa ao suplício. A prisão, como instituição disciplinar, tolhe o sujeito readequando-o ao convívio social e ao trabalho, medida que se mostra muito mais interessante ao sistema capitalista do que uma punição extremamente violenta. Desta forma, o fim do suplício se dá juntamente com a estruturação do capitalismo, nesse contexto, ele é substituído pela prisão como principal forma de punição.
A acumulação do capital através dos meios de produção e das mercadorias fez com que a riqueza se tornasse muito mais palpável. O patrimônio ao se tornar mais visível e manipulável fez com que surgisse um número de crimes contra o próprio sem precedentes na História. Os saques a fábricas, portos, bancos e casas eram comuns. Surge a necessidade gritante de proteger a propriedade e resguardar o lucro. Além disso, o surgimento das indústrias acarretou no aumento constante da demanda por mão de obra. As fábricas necessitavam cada vez mais de trabalhadores/as para produzirem mais mercadorias que por sua vez necessitavam de proteção.
Desta forma, no intuito de docilização dos corpos para o trabalho, surge a estrutura disciplinar evidenciada por Foucault. Através do constante tolhimento de suas subjetividades, os indivíduos são constantemente fabricados. Esse processo serve a um propósito de padronização de condutas e previsibilidade de comportamentos. Não há espaço para especificidades. A necessidade da eficiência da produção, o desejo de acumulação do capital e a proteção da propriedade sobrepõem-se à subjetividade das pessoas, existentes em antigas formas de produção, levando-as a agirem como máquinas produzidas em série. Esse controle dos corpos tem como seu forte aliado as chamadas instituições disciplinares. Essas instituições reproduzem a disciplina como forma de podar os seres em prol da manutenção e eficiência do sistema econômico vigente. A escola, por exemplo, ao reproduzir de forma hierarquizada um conteúdo maçante e irrefletido, constrói um/a aluno/a acrítico/a e alienado/a, incapaz de exercer sua autonomia na construção do conhecimento. Esse/a aluno/a é fruto da estrutura disciplinar, uma peça construída para encaixar-se perfeitamente ao modelo econômico e, desta forma, contribuir para o perfeito funcionamento deste. São outros exemplos de instituições disciplinares: as fábricas, os hospitais, os hospícios e as prisões. Vivenciou-se desta maneira, a transição da sociedade do espetáculo para a sociedade disciplinar.
A disciplinaridade pretendida pelo modelo capitalista não seria eficaz se não estivesse alinhada a uma estrutura que se certifique de que o tolhimento tem sido efetivo. Em outras palavras, a construção dos indivíduos pertinentes ao modelo capitalista está necessariamente alinhada a um modelo de vigilância que, juntamente ao modelo disciplinar constantemente reproduzido, garante a incorporação do sujeito no corpo capitalista, onde ele deixa de ser sujeito pensante, torna-se simplesmente parte de um todo. Esse todo se vigia constantemente, vigia-se e se é vigiado a todo o momento.
O rigoroso sistema penal inglês fez com que surgissem na Inglaterra pequenos grupos burgueses que se organizavam na defesa da moral. Esses grupos, amedrontados pelo sistema punitivo inglês, disciplinavam-se de modo a estarem sempre se controlando para comportarem-se de acordo com a religião e as leis. Guiados por um comportamento pautado na moral cristã, padronizavam-se. (FOUCAULT, 2005, p. 92)
Talvez tenha sido essa a principal origem da estrutura de vigilância que se tem hoje. As pessoas se vigiam no intuito de garantir a padronização, sancionam tudo aquilo que se expressa como especificidade. Qualquer manifestação do ‘’eu’’ é mal vista. Os mesmos comportamentos sempre reproduzidos, considerados como os bons, belos e adequados são os únicos aceitos. A disciplinaridade da sociedade disciplinar constrói-se não só institucionalmente, mas dentro do corpo social ela se reproduz. As pessoas exigem mais controle, os corpos docilizados pedem mais disciplina.
Há também que se falar de uma vigilância institucionalizada. As instituições de controle utilizam-se de seus mecanismos de vigilância como forma de garantir a disciplina e o controle. A hierarquia, por exemplo, serve a este propósito. Pessoas são responsáveis por policiar as outras, e, ao mesmo tempo, são policiadas. Foucault fala inclusive da construção dos espaços físicos voltados a um propósito de vigilância. Faz alegoria ao Panóptico de Bentham, que é uma construção arquitetônica que permite a vigilância hierarquizada. É possível perceber resquícios dessa arquitetura nas principais instituições disciplinares de que Foucault fala: as escolas, hospitais, prisões, manicômios, etc. O espaço urbano, por sua vez, também é todo estruturado no sentido de se conseguir o maior controle possível.
O problema da impureza
Através da maior vigilância nos espaços urbanos é possível identificar com maior facilidade aqueles/as que representam a subversão da ordem imposta, os/as que não se adequam à disciplinaridade estabelecida. Essa estrutura permite a identificação daqueles/as que se tornam incômodos à lógica capitalista, aqueles/as que a sociedade disciplinar sempre tentou combater. Identificar esses indivíduos, na perspectiva da sociedade disciplinar, significa identificar a impureza social. Eles/as representam o que está fora do lugar, comprometem a ordem imposta e, ao ocuparem os espaços urbanos, são estereotipados/as como a imundice das cidades. Bauman apresenta uma descrição do conceito de pureza em seu livro O mal estar da pós-modernidade exatamente nesse sentido:
A pureza é uma visão das coisas colocadas em lugares diferentes dos que elas ocupariam, se não fossem levadas a se mudar para outro, impulsionadas, arrastadas ou incitadas; e é uma visão da ordem - isto é, de uma situação em que cada coisa se acha em seu justo lugar e em nenhum outro. Não há nenhum meio de pensar sobre a pureza sem ter uma imagem da ‘’ordem’’, sem atribuir às coisas seus lugares ‘’justos’’ e ‘’convenientes ‘’- que ocorrem ser aqueles lugares que elas não preencheriam ‘’naturalmente’’, por sua livre vontade. O oposto da ‘’pureza’’ - o sujo, o imundo, os ‘’agentes poluidores’’- são coisas ‘’fora do lugar’’. Não as características intrínsecas das coisas que as transformam em ‘’sujas’’ num contexto podem tornar-se puras exatamente por serem colocadas em um outro lugar – e vice-versa. Sapatos magnificamente lustrados e brilhantes tornam-se sujos quando colocados na mesa de refeições. Restituídos ao monte dos sapatos, eles recuperam a prístina pureza (BAUMAN, 1997, p. 14).
Sob essa perspectiva, é possível encontrar inúmeros grupos enquadrados como impurezas, pois, como diz Bauman, o impuro é apenas aquilo que fora levado a ocupar um lugar onde ‘’naturalmente’’ (isso é, dentro da disciplinaridade dominante) não ocuparia. Assim, qualquer indivíduo que se atreva a ocupar um espaço que não lhe é destinado pela ordem estabelecida, porta-se como a sujeira daquele determinado espaço.
A ordem imposta pela sociedade disciplinar tem por seus ‘’agentes poluidores’’ os/as mendigos/as, ociosos/as, artistas de rua, etc. Essas pessoas ao tomarem o espaço urbano são vistas como a sujeira que compromete a sua pureza. ‘’Sujam’’ o ambiente, pois além de estarem fora do local que lhes fora determinado pela ordem disciplinar, apresentam comportamentos alheios à padronização determinada pela disciplina estruturante. Pode-se dizer que esses indivíduos representam a falha e, ao mesmo tempo, uma forma de resistência da sociedade disciplinar, pois, talvez num exercício de subjetividade ou ainda, em uma tentativa de emancipação, não obedecem à previsibilidade dos comportamentos impostos pela ordem.
Bauman, ainda em O mal estar da pós-modernidade, estabelece uma relação entre a sociedade pós-moderna e sua imundice. Estabelece um critério de pureza e, deixa claro a partir desse critério quem são os sujeitos que indesejavelmente ocupam os espaços urbanos e por isso são estereotipados como a ‘’sujeira’’ do mesmo, pois são indivíduos ‘’fora de seus lugares’’. O capitalismo pós moderno estabelece um critério de pureza baseado na ‘’aptidão de participar do jogo consumista’’ (BAUMAN,1997, p.24). Desta maneira, é relegado o papel de impureza aos ‘’consumidores falhos – pessoas incapazes de responder aos atrativos do mercado consumidor porque lhes faltam os recursos requeridos ‘’ (BAUMAN, 1997, p.24).
Nesse contexto, a imundice pós-moderna proposta por Bauman e as falhas na estrutura disciplinar de Foucault representam exatamente o mesmo grupo. Os consumidores falhos são também aqueles/as que fugiram de alguma maneira, à perfeita padronização imposta pela estrutura disciplinar e sua ordem estabelecida. São aqueles que habitam as ruas, os/as mendigos/as, os/as ‘’ociosos/as’’, aqueles/as que poluem a paisagem urbana. Sua existência configura-se no desrespeito total a direitos fundamentais previstos na nossa constituição. Opta-se, no entanto, por banir essas pessoas para onde elas não possam ser vistas, ou seja, para onde elas não incomodem.
A solução dada ao problema da ‘’impureza’’ urbana passa longe de uma política de emancipação destes grupos, está distante, inclusive, de uma possível política de inclusão dessas pessoas na dinâmica social. A sociedade disciplinar fecha-se e institucionaliza sua exclusão.
Sob essa perspectiva é que os/as alunos/as da afamada faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo) em manifesto publicado na Folha de São Paulo¹ chamam ironicamente de ‘’Os Donos do Largo de São Francisco’’ os/as mendigos/as que habitam o espaço da Faculdade. Clamam pela remoção higienizadora e imediata dessas pessoas do ambiente público sem propor nenhuma solução que lide de fato com o problema social.
A esses grupos tornou-se desinteressante disciplinar e vigiar, pois o mercado capitalista já não consegue abarcar o crescimento populacional e, consequentemente, não consegue incluir mais indivíduos à sua estrutura alienante. O anseio por limpeza da sociedade disciplinar é associado a uma tentativa cada vez mais desesperada de varrer a sujeira para debaixo do tapete. Através da exclusão, invisibiliza-se esses/as indesejáveis, e por meio de sua invisibilização, esses grupos são mais facilmente excluídos.
O documentário: A criminalização do artista- Como se fabricam marginais em nosso país é um retrato dessa realidade. O filme mostra a forma como os/as artistas de rua, além de terem seus direitos constantemente violados, são tratados como criminosos/as. No centro de Belo Horizonte, os fiscais da prefeitura juntamente com a polícia militar apreendem objetos pessoais e materiais de artesanato dessas pessoas sem justificativa coerente ou respaldo em algum dispositivo normativo. Em uma reportagem da TV local, uma jornalista afirma que a expulsão de camelôs e a ação contra artistas de rua expressa no documentário fazem parte de um processo de revitalização do centro da capital mineira. Essa revitalização nada mais é que um processo explícito de higienização do centro de BH, ou seja, pretende-se, a partir da criminalização de uma atividade, expulsar a ‘’impureza’’ do centro da cidade.
A Construção do Espaço Urbano e a exclusão do Outro
Como no caso de Belo Horizonte é perceptível uma política de ‘’limpeza’’ do espaço urbano do centro da capital mineira, essa forma de pensar a política urbanística, tem por seu propósito principal banir os consumidores falhos das áreas metropolitanas e centrais das grandes cidades. Esses sujeitos, tratados como insetos, são continuamente ‘’dedetizados’’ dos centros comerciais e quaisquer áreas públicas (que possam ter alguma visibilidade).
Essa política passa também pela própria construção do espaço das cidades. O espaço físico urbano, da forma como ele é pensado e construído, serve a um propósito ‘’higienizador’’.
A rede de transporte público é um reflexo do quão forte é a política segregacionista de uma cidade. Brasília, a capital federal, por exemplo, tem uma rede de transporte público extremamente precarizada. Isso impede que esses indivíduos tidos por incômodos tenham fácil acesso a determinadas áreas da cidade. Desta maneira relega-se ao sujeito um lugar fixo, impede-se que ele circule por onde é mal visto e por onde a ordem delimitou que ele não deve estar presente.
Historicamente tem-se utilizado de uma justificativa de revitalização do espaço urbano para legitimar a expulsão da ‘’impureza’’ de determinados lugares, ou seja, usa-se da justificativa de revitalização para legitimar a expulsão de grupos que são indesejáveis ao convívio social. O maior exemplo disso, baseado na historiografia brasileira, talvez seja a reforma empreendida pelo engenheiro Pereira Passos no centro do Rio de Janeiro nos primeiros anos da República. A reforma pretendeu mostrar um Rio de Janeiro mais civilizado, condizente com a nova importância econômica da cidade. Ao invés de se pensar uma política social para as famílias que viviam em condições precárias no centro, o prefeito implementou a política do ‘’bota-abaixo’’ que demoliu inúmeras casas e cortiços que ‘’poluíam’’ a vista da cidade. Desta maneira expulsaram-se os/as pobres que ali viviam com o intuito de embelezamento dessas áreas. Proibiu-se também a mendicância. Esta população, sem alternativa, teve
ou de apertar-se no que ficou intocado, ou de subir os morros adjacentes, ou de deslocar-se para a Cidade Nova e para os subúrbios da Central. Abriu-se espaço para o mundo elegante que anteriormente se limitava aos bairros chiques (CARVALHO, José Murilo de. 1987).
Os exemplos são inúmeros de como os governos, desde aquela época, por meio de reformas nas estruturas físicas das cidades tem a pretensão de invisibilizar aqueles/as que fogem a estrutura disciplinar. As políticas públicas voltadas aos artistas de rua e às/aos mendigas/os, por exemplo, garantem apenas que eles sejam expulsos dos locais onde são visíveis e que sejam relegados ao limbo.
A implementação de rampas antimendigo na Avenida Paulista pelo governo Serra em São Paulo, por exemplo, é uma política meramente higienista que não propõe solução concreta ao problema da mendicância.
Além disso, as políticas sociais pensadas para esses grupos em sua quase totalidade são de cunho assistencialista e excludente, ou seja, não trabalham com a perspectiva de uma emancipação necessária e possível. Não há interesse político em garantir a inclusão desses grupos, já que o próprio sistema econômico já não absorve a totalidade do contingente populacional. Desta forma, estrutura-se uma política de negação ontológica que tem como um de seus pilares a impossibilidade de tais grupos participarem do jogo consumista.
Essa estratégia criada para mascarar o problema ao invés de tentar resolvê-lo definitivamente é também uma expressão muito clara da lógica de mercado capitalista. Bauman afirma que:
Se é mais barato excluir e encarcerar os consumidores falhos para evitar-lhes o mal, isso é preferível ao restabelecimento de seu status de consumidores através de uma previdente política de emprego conjugada com provisões ramificadas de previdência. E mesmo os meios de exclusão e encarceramento precisam ser ‘’racionalizados’’, de preferência submetidos à severa disciplina da competição de mercado: que vença a oferta mais barata...(BAUMAN, 1997, p. 2425)
Desta maneira tenta-se segregar, excluir e criminalizar os consumidores falhos da maneira mais economicamente viável possível numa tentativa desesperada de escondê-los para um propósito meramente estético de livrar-se da suposta impureza urbana que certos grupos representam. Invisibilizar essas pessoas não vai resolver o problema social que elas representam. Ao invés de se pensar o problema e propor soluções concretas, essa política de profilaxia social tem sido na maioria das vezes a única resposta às violações concretas a direitos humanos que a condição de mendigo/a pressupõe.
Conclusão
Através de uma estrutura de vigilância pretende-se uma política de controle social efetiva que garanta padronização de comportamentos e tolhimento de subjetividades. Esse controle cria uma ordem social rígida. Em que se tona passível identificar aqueles/as que representam a subversão da ordem estabelecida nas cidades brasileiras.
Aqueles/as que não seguem à risca a padronização pretendida pela estrutura são vistos como indesejáveis. Por serem indesejáveis, se tornou desinteressante ao sistema estabelecer sobre essas pessoas sua política de controle e vigilância. Mendigos/as e artistas de rua, ou ainda, como diz Bauman, os consumidores falhos, são os alvos principais dessa forma de entender o espaço urbano.
Ao habitar os espaços públicos, essas pessoas são vistas como um problema. Não como um problema social, mas como uma ‘’impureza’’ que deve ser relegada a um espaço onde não possa ser vista. Desta forma, cria-se uma forte política de invisibilização desses indivíduos.
A construção do espaço urbano, na forma como ele é pensado, serve a uma política higienizadora ao programar reformas que intentem impedir que essa ‘’impureza’’ habite as áreas metropolitanas e centrais das cidades.
Por último, é importante destacar que a mendicância é um problema social e deve ser enfrentado como tal. Para tanto, é preciso construir políticas emancipatórias voltadas a essas populações, tais quais: educação, previdência, moradia e saúde. Fingir que essas pessoas não existem banindo-as para onde não possam ser vistas de forma alguma resolverá o problema de maneira definitiva.
A sociedade disciplinar não pode relegar ao limbo seus consumidores falhos. O sistema capitalista deve, primordialmente, parar de varrer a sua ‘’sujeira’’ para debaixo do tapete e buscar formas criativas de repensar o seu espaço urbano de forma a incluir o máximo de pessoas.
Referências Bibliográficas
BALAZINA, Afra. Serra põe rampa antimendigo na Paulista. Folha de São Paulo. 2012. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u113368.shtml. Acesso em: 21/09/2012
BAUMAN, Zygmunt. O mal estar da pós-modernidade. 1997. Tradução de Mauro Gama e Claudia Martinelli Gama. Jorge Zahar Editor. Rio de Janeiro, 1997.
CARVALHO, José Murilo de. Os Bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro, Editora Nau, 2005.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 34. ed. Petrópolis: Vozes, 2007.
LAGE, Rafael. A criminalização do artista: como se fabricam marginais em nosso país. Belo Horizonte. 2011. 17min. Disponível em: http://vimeo.com/27659191
MACHADO, Antônio Alberto. Os ‘’grileiros’’ do largo de São Francisco. 2012. Disponível em: http://blogs.lemos.net/machado/2012/06/28/os-grileiros-do-largo-de-sao-francisco. Acesso em: 15/09/2012