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A participação do amicus curiae no controle concentrado de constitucionalidade

02/07/2014 às 10:16

Resumo:


  • A figura do amicus curiae é reconhecida pela doutrina e jurisprudência brasileira como um terceiro imparcial que intervém no processo para trazer informações relevantes ao julgamento, sem ter interesse jurídico tradicional.

  • A evolução da legislação brasileira, como a Constituição Federal de 1988 e a Lei Federal nº 9.868/99, ampliou a participação do amicus curiae no processo de controle concentrado de constitucionalidade, permitindo o amplo debate sobre a constitucionalidade de atos normativos.

  • O regime jurídico da admissão do amicus curiae no processo de controle concentrado de constitucionalidade exige requisitos como a relevância da matéria e a representatividade do postulante, além de permitir a manifestação por escrito e, após decisão específica, também oral, sem direito a interpor recursos das decisões proferidas no processo.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Explanamos como funciona a a participacao do amicus curiae no controle de constitucionalidade brasileiro, sua origem, sua capacidade postulatoria, problemas atuais e recepção pelo STF.

1 - Origem da figura do amicus curiae 

A expressão amicus curiae, que, em latim, significa amigo da cúria ou da justiça, aparece textualmente em um único diploma legal brasileiro, qual seja a Resolução nº 390/04 do Conselho da Justiça Federal, que cria o regimento interno da Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais. Contudo, a existência dessa figura interventiva no processo é reconhecida pela doutrina e jurisprudência brasileira, que, erroneamente, a denominam como “intervenção de terceiro” ou “assistência”, institutos esses que no regramento processual em vigor têm significado diferente do amicus curiae, especialmente no que se refere ao interesse jurídico que os legitima.

A intervenção de terceiro tem como pressuposto o interesse jurídico na decisão que será proferida em processo pendente, envolvendo outras pessoas, por  afetar a relação do terceiro com uma das partes. 

Ensina CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO que o fundamento para existência do instituto da intervenção de terceiros no sistema do processual civil “é a proximidade entre certos terceiros e o objeto da causa, podendo-se prever que por algum modo o julgamento desta projetará algum efeito indireto sobre suas esferas de direitos”. 

Essa intervenção em processo pendente, no qual há interesse jurídico, faz com que o terceiro adquira a qualidade de parte – parte principal na maioria dos casos e parte auxiliar na assistência - e, por via de conseqüência, adquira as faculdades, ônus, obrigações e direitos decorrentes dessa condição, podendo apresentar defesa, produzir provas, recorrer e, ao final, ser atingido pelos efeitos da tutela jurisdicional. 

O instituto do amicus curiae, por sua vez, não tem como pressuposto o  interesse jurídico no sentido tradicional, utilizado pelo Código de Processo Civil , qual seja o terceiro ser titular de algum direito ou obrigação cuja existência ou não dependa da apreciação da causa pendente. A sua intervenção pode ser determinada diretamente pelo juiz, independentemente de requisição da parte ou do amicus curiae, o que não é admitido nos institutos previstos no Código de Processo Civil. Por fim, na hipótese de intervenção de terceiro, em regra, esse terceiro fica impedido de rediscutir a matéria em outro processo, o que não ocorre em relação ao amicus curiae.

O amicus curiae, desde as suas origens históricas do direito inglês e do recente direito norte-americano, é uma figura neutra, imparcial, que traz ao julgador, voluntariamente ou por provocação, informações que não se  espera que os juízes tenham conhecimento. A manifestação do amicus curiae contribui para que a decisão proferida equacione da melhor forma possível a lide, considerando, para tanto, os fatores subjacentes à norma jurídica, que nem sempre são essencialmente jurídicos.. Assim, a figura do amicus curiae, como colaborador da instrução do processo e portador das manifestações dos diversos setores da sociedade e do próprio Estado, revela-se essencial. “Só ela e por ela é que se realiza essa necessária aproximação do juiz com a sociedade e o próprio Estado e, nesse sentido, com o próprio direito a ser aplicado a cada caso concreto que lhe seja submetido para exame”.

É nesse contexto de colaborador do juiz, que a figura do amicus curiae ganha relevância, justamente por fornecer valores e esclarecimentos que auxiliam o magistrado a fazer a correta interpretação da norma. Desta forma, o amicus curiae propicia a abertura do processo interpretativo, com a efetiva participação popular, característica intrínseca do Estado Democrático de Direito, consagrado pela Constituição brasileira que, também, deve se refletir no processo civil.

Ainda, a figura do amicus curiae materializa o princípio constitucional do contraditório, expressamente previsto no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, na medida em que acresce ao debate jurídico valores da sociedade civil, aproximando o juiz do fato social, para que possa bem compreendê-lo e, assim, proferir decisão que atenda, de forma equilibrada, os anseios difusos da sociedade.

Nessa linha, PETER HÄBERLE ensina que a interpretação constitucional não pode estar limitada aos intérpretes jurídicos vinculados às corporações e aos participantes formais do processo constitucional, mas aberta aos diversos segmentos de uma sociedade pluralista. No processo de interpretação constitucional “estão potencialmente vinculados todos os órgãos estatais, todas as potências públicas, todos os cidadãos e grupos, não sendo possível estabelecer-se um elenco cerrado ou fixado com numerus clausulus de intérpretes da Constituição”. Desta forma, a participação pluralista constitui verdadeiro elemento de operacionalização da Constituição no âmbito do Estado Democrático de Direito. 

Considerando as observações iniciais ora apresentadas, pode-se afirmar que o amicus curiae é um terceiro que intervém no processo, voluntariamente ou por convocação judicial, mesmo sem o interesse jurídico tradicionalmente concebido pelo Código de Processo Civil, para apresentar ao juiz esclarecimentos úteis ao julgamento da lide, mantendo postura neutra. 


2. Evolução da legislação brasileira

A Constituição Federal de 1988 foi um marco para a democratização do processo de controle constitucional, ao ampliar o rol dos legitimados a propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade, nos termos do artigo 103. Na Carta Magna anterior (1967, modificada pela Emenda Constitucional 1/69), o Procurador Geral da República era o único legitimado a propor as referidas ações, o que restringia muito a participação da sociedade civil, que desempenhava o papel de mera espectadora passiva do debate constitucional.

Essa tendência de democratização consubstanciou-se com a edição da Lei Federal nº 9.868/99, que previu expressamente o instituto do amicus curiae. Em outros termos, a referida lei teve o condão de aperfeiçoar o sistema de controle concentrado ao permitir o amplo debate a respeito da constitucionalidade de determinado ato normativo, ao fixar, dentre tantas inovações, a possibilidade de  manifestação de órgãos e entidades, desde que demonstrada sua representatividade e a relevância da matéria.

 Consoante consignou o Ministro CELSO DE MELLO, em seu voto proferido na ADI 2130-SC, “o ordenamento positivo brasileiro processualizou a figura do amicus curiae (art. 7°, parágrafo 2°, da lei n° 9868/99), permitindo que terceiros – desde que investidos de representatividade adequada – possam ser admitidos na relação processual, para efeito de manifestação sobre a questão de direito subjacente a própria controvérsia constitucional. A admissão de terceiro, na condição de amicus curiae, no processo adjetivo de controle normativo abstrato, qualifica-se como fator de legitimação social das decisões da Suprema Corte, enquanto Tribunal Constitucional, pois viabiliza, em obsequio ao postulado democrático, a abertura do processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade, em ordem a permitir que nele se realize, sempre sob uma perspectiva eminentemente pluralística, a possibilidade de participação formal de entidade e de instituições que efetivamente representem os interesses gerais da coletividade ou que expressem os valores essenciais e relevantes de grupos, classes ou estratos sociais”.

O Supremo Tribunal Federal, antes mesmo do advento da Lei Federal nº 9.868/99 e com a expressa vedação de seu Regimento Interno, acrescentada pela Emenda Regimental nº 02/85, já permitia a apresentação informal de memoriais por amicus curiae, para elucidar as questões discutidas em sede de ação direta de inconstitucionalidade. Notório o julgamento do agravo regimental na ADI 748-4, em que o plenário do Supremo Tribunal Federal, confirmou decisão do Ministro CELSO DE MELLO, autorizando que memoriais de um colaborador permanecesse juntado por linha ao processo. 

Decisões semelhantes do Supremo Tribunal Federal demonstraram a tendência daquela Corte de permitir a fiscalização abstrata de constitucionalidade a terceiros que pudessem contribuir com a investigação fática e jurídica a respeito da norma impugnada. 

Contudo, afigurava-se essencial a regulamentação do caráter pluralista do processo de controle abstrato de constitucionalidade, autorizando expressamente a participação de terceiros, por requisição judicial ou espontaneamente, no debate constitucional. Nesse contexto, foi publicada a Lei Federal nº 9.868/99, que dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. 

 Dentre suas principais inovações está a admissão de terceiro naqueles procedimentos, desde que presentes determinadas condições: relevância da matéria e representatividade do postulante. (art. 7º, §2º)

EDGARD SILVEIRA BUENO FILHO destaca a importância da referida lei e da positivação do instituto do amicus curiae que garante maior efetividade e legitimidade às decisões da Corte Constitucional. Os princípios do contraditório e  da ampla defesa são reforçados quando uma entidade representativa, mesmo sem estar qualificada constitucionalmente “para argüir a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de um ato normativo, tenha condições de manifestar-se  em defesa de uma ou outra posição, com vistas a obter uma decisão favorável a sua tese, com forca erga omnes, o que, ate então, era impossível”. Essa visão democrática do princípio do contraditório conduz ao princípio da cooperação, que deve reger a atuação jurisdicional do controle de constitucionalidade, permitindo a necessária interação entre o órgão competente para aplicar a norma jurídica e os valores existentes na sociedade civil e no Estado.  

Autoridades, órgãos ou entidades interessados na discussão a respeito da compatibilidade de determinada lei ou ato normativo frente à Constituição Federal, poderão ser admitidos nos autos do controle de constitucionalidade, na qualidade de amicus curiae, em razão da relevância da matéria e da sua representatividade, manifestaram-se, em última análise, pela sociedade civil na jurisdição constitucional.

Diante da autorização legal expressa, o Supremo Tribunal Federal  admite, cada vez mais,  a figura do amicus curiae nos processos de fiscalização constitucional. 

A  Lei nº 9.868/99 ao tratar da ação declaratória de constitucionalidade não repetiu a regra expressa do artigo 7º, parágrafo 2º, relativa à ação direta de inconstitucionalidade. Porém, a omissão da lei, não é óbice à admissão de terceiro, na qualidade de amicus curiae, para desempenhar as mesmas funções previstas naquele dispositivo legal, uma vez que a utilidade dessa intervenção não se limita ao texto de lei referido, e sim ao próprio sistema constitucional que consagra a participação democrática no controle de constitucionalidade.

O julgamento da argüição de descumprimento de preceito fundamental está disciplinado na Lei nº 9.882/99, que assegurou ao relator o poder de ouvir órgãos ou autoridades responsáveis pelo ato questionado; partes envolvidas nos processos que geraram a argüição; requisitar informações; designar peritos ou comissão de peritos; fixar datas para declarações em audiências públicas; deferir sustentação oral e juntada de memoriais, enfim, determinar a melhor instrução do processo, de forma similar ao que a Lei nº 9.868/99 prevê para a ação direta de inconstitucionalidade e para a ação declaratória de constitucionalidade. A despeito de não haver previsão a respeito da intervenção do amicus curiae na argüição de descumprimento de preceito fundamental, dado que seu objeto pode ensejar o controle de constitucionalidade, com decisão  que atinge a todos e vinculante, “não há como afastar a possibilidade de entidades de classe ou outros órgãos representativos de segmentos sociais pleitearem seu ingresso na qualidade de amicus curiae, fundamentando-se não só no art. 7º, §2º, da Lei nº 9.868/99, aplicável à espécie por analogia, mas, superiormente, na ordem constitucional.

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Além da previsão expressa da figura do amicus curiae, a Lei Federal nº 9.868/99 inovou, também, ao permitir que o julgador da ação de controle concentrado de constitucionalidade solicitasse informações aos órgãos ou às autoridades responsáveis pela edição da norma impugnada, de modo a viabilizar o seu convencimento a respeito da tese apresentada. (art. 6º).

 Essas duas inovações do texto legal mencionado demonstram nitidamente a intenção do legislador de promover a abertura do processo de controle concentrado de constitucionalidade, possibilitando o debate e a apresentação de informações a respeito das questões que o Supremo Tribunal Federal está para decidir.

 Essa intenção do legislador é repetida no anteprojeto de Código de Processo Civil, que tramita junto ao Congresso Nacional, com dispositivo que prevê, expressamente, a intervenção do amicus curiae, pessoa natural ou jurídica, que em razão da relevância da matéria, especificidade do tema ou repercussão social contribui para a instrução do processo.


3. Regime jurídico da admissão do amicus curiae no processo de controle concentrado de constitucionalidade

3.1 Natureza jurídica  

Relativamente à natureza jurídica do instituto do amicus curiae não há convergência de entendimento entre os doutrinadores. Há os que reconhecem na figura do amicus curiae  uma verdadeira intervenção de terceiro; outros  uma assistência qualificada e, por fim, um terceiro auxiliar do juízo.

Analisando a Lei nº 9.868/99, verifica-se que existem duas hipóteses distintas de intervenção do amicus curiae: (i) por requisição judicial e (ii) por iniciativa do próprio órgão ou entidade.  

Se a intervenção decorrer de iniciativa judicial, esse terceiro exerce  função semelhante ao do auxiliar do juiz, observando-se, para tanto, as  determinações contidas nos artigos 9º, § 1º e 20, da Lei nº 9.868/99. A  despeito de colaborar com o  juiz nas questões técnico-jurídicas, o amicus curiae não se confunde com as figuras tradicionais de auxiliares, especialmente com a  do perito, que é nomeado pelo juiz, para esclarecer questão não jurídica, com recebimento de honorários e sujeito a impedimentos e suspeições. Na verdade, ele é um terceiro que contribui para melhor instrução do processo, sem interesse subjetivo no desfecho. 

Da mesma forma, na intervenção voluntária (art. 7º, §2º, da Lei nº 9.868/99) o amicus curiae revela-se como  terceiro interveniente de natureza especial, que não tem  relação com o interesse subjetivo das partes. 

O instituto do amicus curiae  afasta-se da assistência, que autoriza o ingresso de um terceiro em processo alheio, “com vistas a melhorar o resultado a ser dado nesse litígio,  tendo em vista a parte a que passa a assistir, seja porque tem interesse próprio (art. 50 CPC), seja porque o seu próprio direito possa ser afetado (art. 54 CPC).”

Desta forma, para restar configurada a assistência simples, o terceiro deve ter interesse jurídico para ingressar na lide e, para a assistência litisconsorcial, o terceiro deve ter relação jurídica com o adversário do assistido. Já o amicus curiae  caracteriza-se pela intervenção de um terceiro imparcial, que não tem interesse jurídico no litígio, nem tem relação jurídica com as partes.

Apesar dessas diferenças essenciais, EDGARD SILVEIRA BUENO FILHO defende que, embora a lei diga  não ser  possível a intervenção de terceiros nos processos de controle direto de constitucionalidade  e o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal o proibir, a intervenção do amicus curiae   é  uma forma de assistência qualificada, por exigir além da demonstração de interesse no julgamento, a sua representatividade.

A figura do  amicus curiae não se  confunde com a do custos legis, por ser  um colaborador técnico que reflete valores, anseios e reflexões de parcela da sociedade, para a produção de melhor decisão judicial. Nesse sentido, sua intervenção não é obrigatória e pode envolver direitos disponíveis, o que o afasta das atribuições legais conferidas ao Ministério Público, que atua como guardião da lei.

Examinando as características do instituto amicus curiae, conclui-se que esse não se confunde com a assistência, simples ou litisconsorcial, nem com a atuação do custos legis, nem dos auxiliares tradicionais do juiz, devendo ser tratado como  uma intervenção de terceiro sui generis. 

3.2. Requisitos de admissibilidade

Conforme já mencionado, a admissão formal do amicus curiae está condicionada a dois requisitos materiais:

relevância da matéria: é um critério objetivo, a ser aferido como indicativo da conveniência do debate sobre a norma questionada  e os valores presentes na sociedade civil. A relevância, em outros termos, é a relação entre a matéria discutida na Corte Constitucional e a atividade desenvolvida pela entidade.  A admissibilidade deve ser precedida de mínima motivação a respeito da relevância  da participação da entidade em relação à matéria sub judice. 

representatividade  do postulante:  os entes  legitimados a propor  ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade, listados no artigo 103 da Constituição Federal ,  que não integram a lide, podem intervir na qualidade de amicus curiae, desde que demonstrem seu interesse, a ser avaliado pelo julgador. A admissão dos co-legitimados no processo de controle concentrado de constitucionalidade não se dá pela intervenção de terceiro - assistência litisconsorcial – que é expressamente vetada no caput do artigo 7º, da Lei Federal nº 9868/99, mas pela intervenção do amicus curiae.

Pode-se afirmar, portanto, que as pessoas que integram o rol do artigo 103 da Constituição Federal consideram-se pré-qualificadas, mas para sua efetiva admissão na qualidade de amicus curiae, há que estar devidamente justificado seu interesse jurídico na participação do debate a respeito da constitucionalidade de ato normativo.

CASSIO SACARPINELLA BUENO esclarece que tanto as pessoas jurídicas de direito público como as de direito privado, indicadas no artigo 103 da Constituição Federal, precisam demonstrar sua relação “com o que está sendo discutido em juízo, mas isso deve ser aferido no plano institucional, de suas finalidades institucionais, e não propriamente de seus interesses próprios no deslinde da ação e das conseqüências de seu julgamento”.

Outras entidades, que não mencionadas no dispositivo constitucional, mas de notória representatividade, podem ser admitidas no debate, desde que a matéria tenha relação com a atividade por elas desenvolvidas. Nessa linha, o Supremo Tribunal Federal já admitiu o ingresso de associações de magistrados, de advogados, de entidades de defesa de direitos humanos, de consumidores, de meio ambiente... E essas entidades não precisam ter representatividade nacional, assim, poderá ser admitida a Associação dos Advogados de São Paulo ou a Associação Comercial do Rio de Janeiro.

NELSON NERY JR e ROSA MARIA ANDRADE NERY defendem, ainda, que   o julgador pode admitir pessoas físicas, como por exemplo, manifestação de professor de direito ou de cientista com notório conhecimento da matéria. . Contudo, o Ministro CELSO DE MELLO na ADI 3.421/PR indeferiu a admissão de professor de direito, na qualidade de amicus curiae.

 ALEXANDRE DE MORAES destaca que no controle concentrado de constitucionalidade é importante a manifestação do  amicus curiae, “permitindo-se, pois ao Tribunal o conhecimento pleno  das posições jurídicas e dos reflexos diretos e indiretos relacionados ao objeto da ação, mesmo que seu ingresso ocorra após o término  do prazo de informações ou após a inclusão da ação direta na pauta de julgamento”.

Considerando os aspectos abordados, conclui-se que a decisão de admissão de amicus curiae  deve ser motivada, de forma a afastar eventual arbitrariedade. Daí, a importância do postulante demonstrar em seu requerimento a importância de sua contribuição para exame das questões discutidas no processo de fiscalização abstrata de constitucionalidade.

A decisão monocrática de admissão de entidade ou órgão, na qualidade de amicus curiae, é irrecorrível, nos termos do que dispõe o parágrafo 2°, do artigo 7°, da Lei n° 9.868/99. Contudo, a doutrina reconhece que a decisão do relator pode ser impugnada por agravo interno, com fundamento no artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, sempre que houver vícios, como por exemplo, ausência de motivação. GUSTAVO BINENBOJM afirma ser incorreta a opção da Lei nº 9.868/99 por transformar o julgador em autoridade exclusiva da conveniência e oportunidade das manifestações e consultas previstas nos artigos 7º e 9º. “Segundo uma interpretação, que privilegie o contraditório e a ampla defesa, as partes poderão requerer as providências acima aludidas, insurgindo-se, inclusive, por meio de agravo interno dirigido ao Plenário da Corte, contra eventual decisão contrária do relator”.

Interessante observar que a previsão do § 2º, do mencionado artigo 7º refere-se à irrecorribilidade da decisão do relator que admite a intervenção do amicus curiae, contudo, não veda a recorribilidade da decisão que nega a intervenção. CARLOS GUSTAVO DEL PRÁ conclui que “não há vedação legal quanto à recorribilidade, em tese, da decisão que indefere a intervenção do amicus curiae”.

3.3. Momento da intervenção e prazo para manifestação  

A Lei n° 9.868/99 não fixa o momento da intervenção do amicus curiae. Nesse sentido, a jurisprudência supriu a lacuna, definindo que a sua intervenção nas ações de controle concentrado de constitucionalidade poderá ser deferida a qualquer tempo, antes de iniciado o julgamento. 

Nos termo de reiteradas decisões, o Supremo Tribunal Federal consolidou como prazo fatal para a intervenção do amicus curiae na ação de controle de constitucionalidade o dia da remessa dos autos à mesa para julgamento. E tal como na assistência, o amicus curiae recebe o processo no estado em que se encontra. 

No que se refere ao prazo para o amicus curiae apresentar manifestação há, também, lacuna nas disposições do artigo 7º, da Lei Federal nº 9.868/99, especialmente em razão do veto ao parágrafo primeiro daquele artigo. 

Diante de tal omissão, parte da doutrina defende que seja aplicado o mesmo prazo de 30 (trinta) dias, estabelecido no artigo 6º, daquele diploma legal, para as autoridades prestarem as devidas informações nas ações diretas de controle de constitucionalidade, considerando-se como dies a quo a data do deferimento de admissão do amicus curiae. Porém, a doutrina majoritária defende o relator pode fixar prazo para manifestação do amicus curiae, se já não a tiver apresentado desde logo com o requerimento de admissão, não vinculado aos 30 (trinta) dias fixados no artigo 6º da Lei nº 9.868/99.  E esse tem sido o entendimento atual do Supremo Tribunal Federal, conforme se depreende das decisões prolatadas nas ADI 2735/RJ e ADI 1104/DF, em que os relatores concederam, por exemplo, prazo de 05 (cinco) dias para manifestação do amicus curiae.

3.4. Capacidade postulatória e pluralidade de amicus curiae

A entidade ou órgão que apresentar manifestação no processo de fiscalização de constitucionalidade, na qualidade de amicus curiae, deverá estar representada por advogado.

Não há limite legal ao número de amici curiae autorizados a atuar nas ações diretas de controle de constitucionalidade, podendo haver pluralidade em determinado feito.  Nesse sentido, esclarece CASSIO SCARPINELLA BUENO que o argumento de que muitas manifestações de amici curiae poderiam inviabilizar o julgamento no Supremo Tribunal Federal, não se sustenta porque  é da competência daquela Corte ouvir a sociedade civil, já que “no exercício de sua função institucional, dá-se vazão aos princípios do processo civil, penal e trabalhista, vale dizer , cumpre-se o “modelo constitucional do processo”. O Supremo Tribunal Federal inviabiliza-se, institucionalmente, quando não dá ouvidos à sociedade(...)”

3.5.Limitação da atuação processual do amicus curiae

A participação do amicus curiae foi gradualmente ampliada à medida que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a importância de sua intervenção para garantir o debate democrático na solução dos temas constitucionais.

A Lei nº 9.868/99, no artigo 7º, § 2º, estabelece, expressamente, que o amicus curiae pode apresentar manifestação por escrito. Grande debate jurídico entre os doutrinadores e o Supremo Tribunal Federal foi travado quanto à possibilidade do amicus curiae apresentar suas razões oralmente. Diante da decisão proferida na ADI 2.777/SP, pacificou-se na Suprema Corte o entendimento da legalidade do amicus curiae fazer  sustentação oral. 

Em razão daquele julgamento, houve alteração da redação do parágrafo 3º, do artigo 131, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal que autorizou a sustentação oral de terceiros admitidos no processo de controle abstrato, aplicando-se, por analogia, a regra que concede prazo máximo de quinze  minutos.

A posição processual do amicus curiae não lhe confere legitimidade para interpor recursos das decisões proferidas nos processos em que é admitido, conforme ampla jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.  Apesar da uniformidade da jurisprudência, CASSIO SCARPINELLA BUENO sustenta que o amicus curiae poderia interpor recursos não só da decisão que indefere a sua admissão, como também de outras, inclusive da decisão final que julga a ação de controle direto de constitucionalidade, como decorrência natural da previsão no sistema processual civil dessa intervenção.

Observando-se que contra a decisão de mérito nas ações de controle de constitucionalidade, o recurso cabível são os embargos de declaração, com fundamento no artigo 26, da Lei Federal nº 9.868/99, entende-se que o amicus curiae teria legitimidade para opô-los, de modo a garantir o contraditório pleno.

Também, conforme já mencionado, o amicus curiae pode recorrer da decisão que indefere a sua intervenção, por meio do agravo interno. 

Por fim, o amicus curiae tem legitimidade para requerer a adoção das providências instrutórias previstas no artigo 9º, da Lei nº 9.868/99, a saber: solicitação de informações de tribunais; esclarecimentos de peritos; designação de audiência pública.. 

Merece destaque, dentre as providências instrutórias, a serem solicitadas pelo amicus curiae, a requisição de designação de audiência pública para ouvir o depoimento de especialistas a respeito de questões técnicas ou circunstâncias de fato. Por meio da Emenda Regimental 29/2009, as audiências públicas forma regulamentadas no âmbito do Supremo Tribunal Federal, nos seguintes termos:  

“Art. 21. São atribuições do Relator:

(...)

XVII – convocar audiência pública para ouvir o depoimento de pessoas com experiência e autoridade em determinada matéria, sempre que entender necessário o esclarecimento de questões ou circunstâncias de fato, com repercussão geral ou de interesse público relevante”.

Tal atribuição, também, é conferida ao Presidente, conforme inciso XVII, do artigo 13 do Regimento Interno do STF. 

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARÇAL, Thiago. A participação do amicus curiae no controle concentrado de constitucionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4018, 2 jul. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28486. Acesso em: 22 dez. 2024.

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