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ADI e Lei Complementar 110

01/04/2002 às 00:00
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A CNI – Confederação Nacional da Indústria ajuizou, recentemente, Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido de liminar, contra a Lei Complementar nº 110, publicada no Diário da União em 30 de junho de 2001.

Preocupa-nos o fato de o Supremo Tribunal Federal ainda não ter, sequer, começado a analisar a existência do "fumus boni iures" e do "periculum in mora", conforme alegado pela CNI. Esta preocupação será explicada, ao final do presente texto, após breve análise de alguns argumentos contra a constitucionalidade da LC nº 110.

A referida Lei Complementar instituiu dois novos "tributos" a serem suportados pela quase-totalidade dos empregados brasileiros, já extremamente onerados pela carga tributária que lhes é imposta, em virtude do furor arrecadatório do nosso atual Governo. Esta ânsia de arrecadar cada vez mais, respeitando cada vez menos a Constituição da República e a legislação infraconstitucional, não é prerrogativa deste Governo que, dê-mos graças, já está em seu final, mas certamente nunca foi tão intensa.

A carga tributária, segundo últimas informações, foi de 34% do PIB. Isto porque, segundo alguns integrantes do Governo, na tentativa de justificar o pouco que se faz com o muito que se arrecada, muitos de nossos problemas são causados pelos sonegadores que deixam de contribuir com quase 50% dos tributos que deveriam recolher aos cofres públicos. Não obstante não ser este percentual supostamente sonegado, algo numérica ou economicamente comprovado, a verdade é que se tal percentual fosse correto, teríamos, certamente, a mais alta carga tributário do mundo. Seríamos – se é que já não somos – a Sueganistão: tributação da Suécia com serviços públicos do Afeganistão.

Pois bem, não obstante a carga tributária de 34% do PIB, o Governo Federal decidiu, após a vitória dos trabalhadores perante o STF, com relação aos expurgos inflacionários dos planos Collor I e Verão, criar duas novas "contribuições" a serem cobradas dos empregadores brasileiros, para que, com tal receita, pudesse vir a pagar o que foi reconhecido devido depois de anos de batalhas judiciais.

Estas contribuições encontram-se previstas nos artigos 1º e 2º, da Lei Complementar nº 110/2001.

A primeira destas contribuições incidirá mensalmente à razão de 0,5% sobre o total da folha de salários dos empregados. Isto é, os empregadores que até 1º de novembro de 2001 pagavam 8% do salário de cada empregado a título de FGTS, passarão a contribuir ao FGTS os mesmos 8%, adicionando-se, agora, 0,5% a ser creditado à CEF para cobrir o passivo que adveio com a decisão do STF. Não se trata, pois, de um adicional à contribuição para o FGTS do trabalhador, pois a valor arrecadado não será incorporado à conta vinculada ao FGTS do trabalhador. Ao revés, aquele valor será direcionado à CEF que, por sua vez, comporá um fundo que lhe permitirá pagar o que o Poder Judiciário lhe condenou.

A segunda contribuição incidirá toda vez que o empregador demitir um funcionário seu sem justa causa. Isto é, até 1º de outubro de 2001, caso qualquer empregador decidisse exercer o seu direito potestativo de demitir um empregado sem justo motivo, via-se obrigado a pagar-lhe (ao empregado demitido) uma multa de 40% sobre os depósitos que havia efetivado na conta vinculada ao FGTS, durante o pacto laboral. A partir de 1º de outubro de 2001, no entanto, com a Lei Complementar nº 110, caso o empregador venha a demitir sem justa causa um de seus empregados, será compelido a recolher, além daquela multa de 40%, uma contribuição de 10% sobre a mesma base de cálculo (total dos depósitos fundiários feitos durante a vigência do pacto laboral). Assim como a contribuição mensal, acima referenciada, a contribuição de 10% não se confunde com a multa rescisória de 40%, nem é um adicional desta. As razões são as mesmas que levaram-nos a apartar a contribuição de 0,5% da de 8%, ou seja, a multa rescisória de 40% sobre os depósitos do FGTS são destinadas ao trabalhador, como indenização por ter sido demitido sem justa causa, enquanto que a "contribuição" de 10% é destinada, exclusivamente, à CEF, para que esta possa cumprir com a decisão do STF.

Inúmeras são as teses que atacam a constitucionalidade da Lei Complementar nº 110/01. Dentre elas podemos destacar as seguintes:

Por incidir sobre o total dos depósitos feitos durante o contrato de trabalho, e não sobre os valores depositados a partir da entrada em vigor da LC nº 110, a exação em tela, contrariará um dos mais importantes direitos sociais previstos na Constituição Federal, qual seja, o da melhoria da condição social do trabalhador.

O "caput", do artigo 7º, da Constituição da República, após preceituar que "são direitos dos trabalhadores... além de outros que visem à melhoria de sua condição social", lista, "numerus apertus", alguns direitos dos trabalhadores. É evidente, pois, que todos os direitos listados no artigo 7º, da CF, visam à melhoria da condição social do trabalhador. Cabe, portanto, a seguinte pergunta: neste tempo de alto nível de desemprego, não seria a "estabilidade" no emprego, um dos meios mais importantes à melhoria da condição social do trabalhador? Se este não estivesse empregado, certamente, seria muito difícil falar-se em melhoria da sua condição social.

E, infelizmente, o artigo 1º, da Lei Complementar nº 110/2001, ao não respeitar o princípio da irretroatividade da lei, é uma forma de punir àquele empregador que, mesmo em tempo de "apagão", juros exorbitantes e recessão, preferiu manter seus postos de trabalho ao invés de optar por uma demissão em massa de seus funcionários. Explica-se: ao incidir sobre o montante total dos depósitos fundiários feitos durante o contrato de trabalho que se extingue, o "tributo" em questão, prejudica àquela empresa que possui vínculos empregatícios duradoures, colocando em situação privilegiada – se comparada com aquelas empresas – os empregadores que optam por uma alta rotatividade de seus empregados, cujos valores totais dos depósitos do FGTS, sobre os quais incidirá a contribuição à alíquota de 10%, serão muito baixos.

Afirma-se que a Lei Complementar nº 110/01, fere frontalmente o princípio da igualdade/isonomia insculpido nos artigos 150, II e 5º, "caput", da Carta da República. Isto porque as novas exações equiparam contribuintes que, em razão da riqueza e dos bens que possuem, não podem ser equiparados.

O princípio garantidor da igualdade ou do tratamento isonômico dos cidadãos-contribuintes possui, como se sabe, duas vertentes. A primeira significa dizer que devem ser tratados igualmente aqueles que se situam em situações iguais, também chamado de princípio da igualdade horizontal. A outra face da mesma moeda é o tratamento desigual aos que possuem ou encontram-se em situações desiguais, no limite de suas diferenças, objetivando-se com tal tratamento diverso o atingimento de uma situação mais justa. É a chamada igualdade vertical, pois tenta-se, através de um tratamento mais benéfico dado a quem encontra-se em situação desprivilegiada, aproximá-lo daquele que possui uma situação melhor.

Transportando-se este entendimento à esfera tributária, temos que o Legislador Constituinte deixou claro a sua intenção de não causar injustiças através da tributação. Este objetivo está claramente expressado no retro mencionado artigo 150, II.

Não obstante a vontade do Legislador Constituinte de respeitar o princípio da isonomia, veio o Legislador Ordinário e, contrariando a própria Constituição Federal, criou as "contribuições" dos artigos 1º e 2º, da Lei Complementar nº 110/2001, que possuem inequívocas violações ao princípio da isonomia e da igualdade. Isto porque, conforme visto, as recém-instituídas "contribuições" são devidas por todas os empregadores, excluídos apenas os casos previstos no §1º, do artigo 2º – Empresas inscritas no SIMPLES, pessoas físicas, como empregadores domésticos e pessoas físicas como empregadores rurais.

Ficam sujeitos, portanto, à mesma tributação uma micro-empresa que não tenha optado pelo SIMPLES, ou mesmo uma empresa que, em razão dos estreitos requisitos para poder optar pelo SIMPLES, não o pôde fazê-lo, como é o caso das prestadoras de serviços, e uma Votorantin, por exemplo. Isto porque, como a "contribuições" incidem sobre o salário do empregado (0,5%) e sobre o montante depositado em sua conta do FGTS (10%), pouco importa que o poderio econômico-financeiro do contribuinte, caso este pague, por exemplo, 5 (cinco) salários mínimos por mês a um empregado, incidirá ao final de cada mês uma exação de 0,5% sobre aquele valor (5 salários mínimos), bem como, caso o mesmo empregado possua vínculo empregatício com o contribuinte por 2 (dois) anos, sendo demitido sem justa causa, a empresa deverá contribuir com 10% sobre o total dos valores depositados nas contas do FGTS do empregado, durante aquele período – 2 anos.

Em síntese, as "contribuições" em questão, ao não tratarem diferentemente, de modo a aproximá-los e diminuir as suas diferenças, contribuintes que se colocam em situações tão diferentes como aquela tomada como exemplo – micro-empresa x Votorantin – ferem os princípios da igualdade e da isonomia, visto que, tanto uma micro-empresa como uma Votorantin, pagam aos seus trabalhadores, em média, o mesmo salário e podem demiti-los quando bem entenderem. Desta forma, tendo a LC nº 110 adotado alíquotas e bases de cálculo idênticas para todos os empregadores, estes, independentemente de suas capacidades contributivas, são onerados da mesma maneira.

Contesta-se, ainda, a constitucionalidade da LC nº 110, porque por não serem as referidas "contribuições" legítimas contribuições sociais para a seguridade social, deveriam elas submeter-se à anterioridade legal prevista no artigo 150, III, "b", da Constituição Federal, e, portanto, somente poderiam ser cobradas a partir de fatos geradores ocorridos no ano de 2002. Entretanto, a referida Lei Complementar, em seu artigo 14, impõe às recém-criadas exações a anterioridade nonagesimal, prevista no artigo 195, §6º, da Carta Magna.

Para ter a natureza jurídica de uma contribuição social para a seguridade social, os tributos instituídos pela Lei Complementar nº 110 deveriam ser utilizados para financiar "o conjunto integrado de ações... destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social" – art. 194, "caput", da CF.

Claro, portanto, que as "contribuições" criadas pela LC nº 110, não são contribuições sociais para a previdência social. Cabe, portanto, a pergunta: são ela contribuições sociais gerais, tal como o FGTS?

Tampouco podem as mesmas ser consideradas contribuições sociais gerais (art. 145, da Carta Magna), visto que ser de conhecimento de todos que a Lei Complementar em exame foi promulgada para que o Governo Federal obtivesse recursos para saldar as dívidas da Caixa Econômica Federal – CEF com os trabalhadores brasileiros. Não se trata, pois, como quer fazer entender o artigo 13, da LC em questão, de contribuição instituída em benefício do FGTS, mas sim em favor da Caixa Econômica Federal, que é a devedora dos expurgos inflacionários concedidos pelo Poder Judiciário aos trabalhadores brasileiros.

Não restam dúvidas de que, apesar do que determina o artigo 13, §4º, da Lei nº 8.036/90, o Governo Federal, ao invés de garantir os saldos das contas vinculadas dos trabalhadores brasileiros, administradas pela CEF, preferiu utilizar-se de mecanismo mais fácil e, "data venia", mais ardiloso, cobrando, exclusivamente, dos empregadores a diferença gerada pelo reconhecimento do direito aos expurgos inflacionários pelo STF.

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Sendo a destinação das contribuições criadas pela Lei Complementar nº 110 afetada à Caixa Econômica Federal, e não ao FGTS, não há como se admitir que as mesmas sejam contribuições sociais. Para ser uma contribuição social, as contribuições em questão deveriam estar afetadas a um programa de caráter social, e não a viabilizar o pagamento de algo que já era direito dos trabalhadores. E este não é o caso. Cumpre-nos ressaltar, que os trabalhadores, apesar das exações recém criadas, não receberão nada além daquilo que já lhes era de direito. Não se trata, pois, de melhorar a situação dos trabalhadores brasileiros, mas apenas de possibilitar que a CEF pague aquilo que, desde o início, lhes era devido. As exações em questão, portanto, foram criadas em prol e benefício único da Caixa Econômica Federal e, em último caso, da própria União Federal que, de acordo com o §4º, do art. 13, da Lei nº 8.036/90, se colocara como garantidora dos saldos das contas vinculadas.

As novas contribuições também não podem ser consideradas como um "adicional" à contribuição do FGTS.

Primeiramente, porque, conforme visto, suas destinações são distintas. Uma visa promover a permanência dos empregados nos seus empregos além de lhes dar certa garantia ao serem, imotivadamente, demitidos, enquanto que as outras visam cobrir o rombo gerado pelo reconhecimento dos direitos (expurgos inflacionários) dos trabalhadores, direitos estes que sempre existiram, apenas foram reconhecidos judicialmente. As primeiras pertencem a cada trabalhador, enquanto que as recém-criadas pertencem à Caixa Econômica Federal que, com elas, formará um fundo do qual pagará aos trabalhadores o que sempre lhes foi de direito. Nada mais nada menos, apenas aquilo que eles sempre tiveram direito de receber, mas que, em razão dos incansáveis recursos da CEF, só veio a ser declarado recentemente.

Além do mais, não podemos admitir adicional ao FGTS, uma vez que os ADCT, em seu artigo 10, I, limita a proteção à despedida arbitrária em 40%. A Lei Complementar referida pelo "caput" deste artigo deve tratar da "relação de emprego protegida contra a despedida arbitrária ou sem justa causa,..., que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos"

Obviamente, que a Lei Complementar nº 110/2001 não é aquela referida pelo "caput", do artigo 10, dos ADCT, mesmo porque, além de não tratar de outros direitos, também não versa sobre a indenização compensatória em caso de despedida arbitrária, mas apenas sobre um adicional de 10% sobre a já-existente multa compensatória.

Restaria às exações em questão, apenas e tão somente a possibilidade de serem impostos ou taxas, visto que, por óbvio, não são contribuição de melhoria.

Refutando tais possibilidades, basta-nos transcrever dois artigos da Carta Magna:

"Art. 145. A União... poderá instituir...

II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição"

"Art. 167. São vedados:

IV – a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa... "

Não havendo exercício do poder de polícia ou utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos, não podem as exações ser consideradas taxas.

Sendo vedada a vinculação de receita de impostos a órgãos, fundos ou despesas, caso admitamos que as mencionadas exações partiram da competência residual da União para instituir impostos não previstos na Constituição Federal, são os mesmos inconstitucionais por afrontar o artigo 167, IV, da CF.

Desta forma, de todos os primas que se observem as exações instituídas pela Lei Complementar nº 110/2001, são elas inconstitucionais. Não são contribuições sociais para a previdência social, não são contribuições sociais gerais, não são contribuições de melhoria, não são contribuições de intervenção no domínio econômico, não são contribuições de interesses de categorias profissionais ou econômicas, não são taxas nem impostos. São, nada mais nada menos do que mais um absurdo jurídico que este Governo tenta impor à uma população cuja carga tributária já é enorme e que terá como uma de suas conseqüências, e disto ninguém duvide, um aumento nos índices gerais de desemprego, em razão do aumento do, já caro, custo de se empregar alguém, neste país.

Comprovada, sobejamente, a inconstitucionalidade dos artigos 1º e 2º, da Lei Complementar nº 110, mister se faz que o Supremo Tribunal Federal suspenda, o mais rapidamente possível a eficácia dos referidos dispositivos.

Esta medida se faz de suma importância para que, ao final, quando da decisão do mérito da ADI, não pese sobre os ombros de nossos Ministros a questão política, sempre imposta, de se saber se a União terá ou não condições de pagar, ou melhor, restituir toda a importância que arrecadou indevidamente.

As importâncias arrecadadas pelos empregadores que ainda não obtiveram liminares, apesar de poderem parecer irrelevantes, na verdade não o são. Primeiramente, porque o universo dos contribuintes é enorme, englobando a quase-totalidade dos empregadores brasileiros, o que torna astronômica a somatória de todos os valores indevidamente recolhidos. Segundo porque, algumas empresas, principalmente as que possuem milhares de funcionários ou as que resolveram reduzir seus quadros, através de demissões em massa, contribuirão, proporcionalmente, ao número de funcionários e de demissões e, também esta somatória pode elevar bastante o valor arrecadado indevidamente que deverá ser restituído, caso venha a ADI a ser julgada procedente.

Assim, para que depois não venhamos escutar de nossos governantes que uma decisão favorável à ADI inviabilizará o Governo, que ocasionará a sua "falência", dentre outros argumentos políticos, mister se faz o deferimento, em caráter de urgência, da liminar na ADI ajuizada pela CNI, suspendendo-se a exigibilidade das referidas "contribuições".

Apenas desta forma, restará garantida uma decisão eminentemente jurídica acerca das inconstitucionalidades da Lei Complementar nº 110/2001, sem que o Excelso Pretório se veja obrigado a sopesar, em face das leis e da Carta Magna, aspectos e questões políticas.

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Sobre o autor
Rafael Lycurgo Leite

advogado em Brasília, especialista em Direito Tributário pela FGV, LLM American University

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEITE, Rafael Lycurgo. ADI e Lei Complementar 110. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 56, 1 abr. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2854. Acesso em: 22 dez. 2024.

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